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Influência do diabete melito nos resultados imediatos do implante de stent coronário: uma análise dos dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC)

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a influência do diabete melito (DM) nos resultados imediatos do implante de stent coronário (SC), de acordo com o quadro clínico de apresentação. MÉTODOS: Entre janeiro/1997 e dezembro/2003, segundo a Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), 11.874 pacientes diabéticos foram submetidos a implante de SC: 7.386 (62,3%) com insuficiência coronária crônica (ICO), 3.142 (26,4%), em síndrome isquêmica instável sem elevação ST (SIASEST) e 1.346 (11,3%), com infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento de ST. Estes grupos foram comparados com 48.103 não-diabéticos: 30.980 (64,5%) com ICO, 10.938 (22,7%) em SIASEST e 6.185 (12,8%) com IAM. RESULTADOS: Os diabéticos apresentaram características clínicas e angiográficas de maior risco. Os diabéticos com ICO apresentaram taxa de eventos adversos semelhantes aos não-diabéticos (0,98% x 0,91%, p=0,5971), porém, os diabéticos em SIASEST e IAM apresentaram maior incidência de eventos: 2,76% x 1,46% (p<0,0001) e 7,87% x 4,1% (p<0,0001), respectivamente. A análise multivariada mostrou o DM como preditor independente de risco para eventos adversos maiores na SIASEST (OR: 1,92 IC: 1,46-2,52 p<0,0001) e no IAM (OR: 2,0 IC: 1,57-2,54 p<=0,0001) e não na ICO (OR: 1,08 IC: 0,83-1,42 p=0,5470). CONCLUSÃO: Os pacientes diabéticos portadores de ICO apresentaram evolução hospitalar semelhante aos não diabéticos, porém, os com SIASEST e IAM demonstraram maior taxa de eventos cardíacos adversos comparados com a população não-diabética.

Diabete melito; stents; aterosclerose coronária


OBJECTIVE: This study sought to investigate the influence of Diabetes Mellitus (DM) on immediate results after coronary stenting implantation (CSI) according to clinical presentation. METHODS: Between January, 1997 and December, 2003, 11,874 diabetic patients underwent CSI, as recorded by CENIC database: 7,386 (62.3%) had chronic coronary disease (CCD); 3,142 (26.4%) acute coronary syndrome with non-ST segment elevation (ACSNST); and 1,346 (11.3%), reported acute myocardial infarction (AMI), with ST Segment elevation. Those groups were compared with 48,103 non-diabetics: 30,980 (64.5%) with CCD; 10,938 (22.7%), with non-elevated ST segments and unstable angina; and 6,185 (12.8%), with AMI. RESULTS: Diabetic patients presented worse clinical and angiographic characteristics. Diabetics with CCD showed similar incidence of MACE as compared to non-diabetics (0.98% x 0.91%, p=0.5971); however, diabetics with ACSNST and AMI reported higher incidence of events: 2.76% x 1.46% (p<0.0001) and 7.87% x 4.1% (p<0.0001), respectively. Multivariate analysis showed DM to act as independent risk predictor for larger adverse events under non-elevated ST segment and unstable angina (ACSNST) (OR: 1.92 CI: 1.46-2.52 p<0.0001) and with AMI (OR: 2.0 CI: 1.57-2.54 p<=0.0001) and no influence for CCD (OR: 1.08 CI: 0.83-1.42 p=0.5470 CONCLUSION: Diabetic patients with CCD reported similar outcome as compared to the non-diabetics; however, those with ACSNST and AMI presented higher incidence of major adverse cardiac events during hospital stay.

Diabetes Mellitus; stenting; coronary atherosclerosis


ARTIGO ORIGINAL

Influência do Diabete Melito nos resultados imediatos do implante de stent coronário: uma análise dos dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC)

Isaac Moscoso; Lázaro Claudiovino Garcia; Gilvan Oliveira Dourado; Maria Fernanda Z. Mauro; Paulo Caramori; Wilson Coelho; Valter Lima; Ronaldo Bueno; José A. Mangione

CENIC - Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência José A. Mangione Rua Comendador Elias Jafet , 415 05653 - 000 – São Paulo , SP E-mail: uci@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a influência do diabete melito (DM) nos resultados imediatos do implante de stent coronário (SC), de acordo com o quadro clínico de apresentação.

MÉTODOS: Entre janeiro/1997 e dezembro/2003, segundo a Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), 11.874 pacientes diabéticos foram submetidos a implante de SC: 7.386 (62,3%) com insuficiência coronária crônica (ICO), 3.142 (26,4%), em síndrome isquêmica instável sem elevação ST (SIASEST) e 1.346 (11,3%), com infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento de ST. Estes grupos foram comparados com 48.103 não-diabéticos: 30.980 (64,5%) com ICO, 10.938 (22,7%) em SIASEST e 6.185 (12,8%) com IAM.

RESULTADOS: Os diabéticos apresentaram características clínicas e angiográficas de maior risco. Os diabéticos com ICO apresentaram taxa de eventos adversos semelhantes aos não-diabéticos (0,98% x 0,91%, p=0,5971), porém, os diabéticos em SIASEST e IAM apresentaram maior incidência de eventos: 2,76% x 1,46% (p<0,0001) e 7,87% x 4,1% (p<0,0001), respectivamente. A análise multivariada mostrou o DM como preditor independente de risco para eventos adversos maiores na SIASEST (OR: 1,92 IC: 1,46-2,52 p<0,0001) e no IAM (OR: 2,0 IC: 1,57-2,54 p<=0,0001) e não na ICO (OR: 1,08 IC: 0,83-1,42 p=0,5470).

CONCLUSÃO: Os pacientes diabéticos portadores de ICO apresentaram evolução hospitalar semelhante aos não diabéticos, porém, os com SIASEST e IAM demonstraram maior taxa de eventos cardíacos adversos comparados com a população não-diabética.

Palavras-chave: Diabete melito, stents, aterosclerose coronária.

A prevalência do diabete melito tem aumentado progressivamente nos últimos 20 anos e estima-se que existam no mundo, atualmente, 100 milhões de pessoas portadoras da doença1. Ela é fator de risco importante para aterosclerose generalizada e, por isso, as complicações cardiovasculares são as principais causas de óbito e incapacidade nesses pacientes2. Além disso, a doença coronária nos diabéticos tem um curso mais agressivo, levando a uma incidência de óbito de 45% em 7 anos e de 75%, em 10 anos após o início dos sintomas3.

Nos diabéticos, o resultado imediato e tardio após intervenção coronária percutânea (ICP) mostrava-se inferior quando comparado aos não-diabéticos4,5. Entretanto, atualmente, com o uso do stent coronário6, associado à terapêutica antiagregante plaquetária com aspirina, derivados tienopiridínicos e inibidores do receptor da glicoproteína IIb/IIIa7,8, houve melhora dos resultados, porém, ainda existem controvérsias do benefício desta associação na população diabética9.

A apresentação clínica da insuficiência coronária tem importância no prognóstico a curto e longo prazo nos pacientes diabéticos. Aqueles que apresentam quadros agudos têm maior risco de óbito e infarto não fatal10, e os com angina estável apresentam menor sobrevida a longo prazo11, com relação aos não-diabéticos. A idade e sexo foram a base para comparação entre estas duas populações na maioria dos estudos que utilizou a ICP como forma de tratamento. Com exceção do IAM, a grande maioria de séries publicadas de tratamento percutâneo em pacientes diabéticos associa o quadro clinico de apresentação (angina estável e instável), e poucos estudos analisam se a forma de apresentação clínica da doença coronária influencia nos resultados imediatos do tratamento percutâneo em pacientes diabéticos.

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados imediatos do implante do stent coronário em pacientes diabéticos com os não-diabéticos, de acordo com o quadro clínico de apresentação.

MÉTODOS

Foram analisados os registros dos pacientes submetidos a implante de stent coronário, entre janeiro de 1997 e dezembro de 2003, da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), que pertence a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, coletados através de contribuição espontânea de seus membros titulares e armazenados em um banco de dados. Foram excluídos da análise os pacientes tratados só com angioplastia com balão, por ter resultados subótimos quando comparados aos de implante de stent, além de ser um procedimento pouco usado nos últimos anos.

Na primeira análise, estes foram divididos em diabéticos (DM) e não-diabéticos (Não-DM), comparando-se as características clínicas, angiográficas e os resultados imediatos após o procedimento. Posteriormente, foram divididos de acordo com o quadro clínico de apresentação em três grupos: insuficiência coronária crônica (ICO), definida como angina estável, isquemia silenciosa, angina de recente começo e progressiva; Síndrome Isquêmica Miocárdica Instável sem elevação do ST (SIASEST) de médio e alto risco, de acordo com a classificação TIMI Risk Score12 e IAM não-Q; e infarto agudo do miocárdio (IAM), definido como infarto agudo com supradesnivelamento do segmento ST, submetido a angioplastia primária. Nestes grupos, comparou-se o resultado entre diabéticos e não-diabéticos.

O desfecho primário do estudo foi avaliar a incidência do evento composto: óbito, IAM e a necessidade de revascularização cirúrgica ou percutânea de emergência na fase hospitalar. Óbito foi definido como morte de qualquer etiologia, infarto agudo do miocárdio, como elevação da CK-MB > 3 vezes o valor normal13 e/ou desenvolvimento de alterações eletrocardiográficas, segundo os critérios Novacode14 (extensão do código de Minnesota). Em pacientes com IAM, o reinfarto foi definido como reelevação dos níveis da CK-MB13.

A análise estatística foi realizada através do programa Statistica para Windows, versão 5.0 (StatSoft Inc. Tulsa, Oklahoma, USA). As variáveis categóricas foram expressas como percentual e comparadas através do teste qui-quadrado de Pearson. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão e analisadas através do teste t de Student. Um valor de p<0,05 foi considerado como estatisticamente significativo. Posteriormente, realizou-se uma análise multivariada para o cálculo da "razão de chances" (odds ratio) da DM nos componentes do desfecho primário: óbito, IAM, necessidade de revascularização (cirúrgica ou percutânea), combinado óbito/IAM (eventos irreversíveis), e o total de eventos no grupo total e para cada forma clínica de apresentação.

RESULTADOS

Entre janeiro de 1997 e dezembro de 2003 foram registrados na CENIC, 59.977 pacientes submetidos a implante de stent coronário. Destes, 11.874(19,8%) eram diabéticos e 48.103 (80,2%) não-diabéticos. As características clínicas e angiográficas estão descritas na tabela 1. Os pacientes diabéticos apresentavam maior percentual de pacientes do sexo feminino, maior incidência de RM prévia, ATC prévia, disfunção severa do VE, doença coronária triarterial, lesões coronárias complexas (tipo C, trombo intracoronário, calcificação, bifurcação), lesões em pontes de veia safena, e utilizaram mais os inibidores da GP IIb/IIIa (p<0,05 para todas as comparações).

A taxa de sucesso angiográfico foi menor no grupo DM (98,5%) x não-DM (98,8%) (p=0,0037), entretanto, a porcentagem de estenose após o procedimento foi maior no grupo diabético, 8,89 ± 11,46 x 7,66 ± 10,56 (p<0,0001). O desfecho primário ocorreu em DM (2,23%) x não-DM (1,44%) (p<0,0001). Com relação aos componentes do desfecho primário, houve maior incidência de óbito (1,24% x 0,73%, p<0,0001), nova ICP (0,28% x 0,15%, p=0,0355) e uma tendência a uma maior taxa de IAM (0,61% x 0,48%, p=0,0835) na população diabética. A necessidade de revascularização cirúrgica (0,08% x 0,07%, p=0,7655) não apresentou diferença entre os grupos (fig. 1).


ANÁLISE DOS GRUPOS

ICO - Dos pacientes com ICO (n = 38.366), 7386 (19,2%) eram diabéticos e também apresentavam características clínicas e angiográficas desfavoráveis (tab. 2), como: idade, sexo feminino, RM e ATC prévia, doença triarterial, disfunção severa do VE, lesões tipo C, calcificação, bifurcação, e usaram mais abciximab (p<0,05 para todas as comparações). Quanto aos vasos tratados, também houve maior incidência de intervenção em pontes de veia safena (2,3% x 1,6%, p<0,0001) e menor incidência de intervenção em DA (42,2% x 44,1%, p=0,0399).

A taxa de sucesso angiográfico foi semelhante DM (98,8%) x não-DM (98,8%) (p=0,8555). O desfecho primário ocorreu em DM (0,98%) x não-DM (0,91%) (p= 0,5971). Quanto aos resultados imediatos, não houve diferença na incidência de óbito (0,26% x 0,29%, p=0,7532), IAM (0,41% x 0,41%, p=0,9241) ou necessidade de revascularização cirúrgica (0,05% x 0,07%; p=0,8017), porém, houve maior necessidade de nova ICP no grupo diabético (0,26% x 0,14%, p=0,0284) (fig. 2).


SIASEST - Dos pacientes com SIASEST (n = 14.080), 3142 (22,3%) eram diabéticos e, como no subgrupo ICO, apresentavam características clínicas e angiográficas desfavoráveis (tab. 3), como: idade, sexo feminino, RM e ATC prévia, doença triarterial, disfunção severa do VE, trombo intracoronário, lesão em bifurcação, e utilizaram mais abciximab (p<0,05). Quanto aos vasos tratados, houve uma maior incidência de intervenção em pontes de veia safena (3,8% x 3,1%, p=0,0349), assim como menor incidência de intervenção em DA (41,4% x 44,3%, p=0,0007).

A taxa de sucesso angiográfico foi semelhante, DM (98,1%) x não-DM (98,9%) (p=0,7757). O desfecho primário ocorreu em DM (2,76%) x não-DM (1,46%) (p<0,0001). Observou-se maior incidência de óbito nos diabéticos (1,50% x 0,64%, p<0,0001), no entanto, não ocorreu diferença no IAM (0,83% x 0,59%, p=0,1931) e na necessidade de revascularização cirúrgica (0,13% x 0,07%; p=0,5691) ou percutânea (0,32% x 0,16%, p=0,1088) (fig. 3).


IAM - O IAM, como quadro clínico de apresentação, esteve presente em 7.531 pacientes (12,5%), destes, 1.346 (17,8%) eram diabéticos. As características clínicas e angiográficas estão colocadas na tabela 4. Os pacientes diabéticos apresentavam características clínicas e angiográficas mais desfavoráveis (idade, sexo feminino, RM e ATC prévias, doença triarterial, choque cardiogênico, lesões calcificadas; p<0,05). Nos pacientes diabéticos, houve uma maior intervenção em pontes de veia safena (p<0,0001).

A taxa de sucesso angiográfico foi menor DM (97,6%) x não-DM (98,5%) (p=0,0244). Nesta população, o desfecho primário ocorreu em DM (7,87%) x não-DM (4,1%) (p<0,0001). Houve maior incidência de óbito (6,09% x 3,12%, p=0,0001) e reinfarto (1,26% x 0,68%, p=0,0444), sem diferença na necessidade de revascularização cirúrgica (0,15% x 0,06%, p=0,903) ou percutânea (0,37% x 0,24%, p=0,5903) (fig. 4).


A análise multivariada está colocada na tabela 5. O diabetes melito foi no grupo total um preditor independente de risco para óbito (OR 1,71 IC: 1,40 - 2,09; p<0,0001), IAM (OR 1,27 IC: 0,97 – 1,67; p=0,0740), nova revascularização (OR 1,65 IC: 1,15 - 2,38; p=0,0045), assim como óbito/IAM (OR 1,59 IC: 1,36 - 1,86; p<0,0001).

No grupo ICO, o DM não se mostrou como fator preditor para eventos adversos (p>0,05 para todas as avaliações).

No grupo SIASEST, a DM também foi preditor independente de risco para óbito (OR 2,36 IC: 1,60 - 3,47; p<0,0001), nova revascularização (OR 1,95 IC: 0,96 - 3,92; p=0,0410), óbito/IAM (OR 1,90 IC: 1,41 - 2,56; p<0,0001).

No grupo IAM, a DM foi preditor independente de óbito (OR 2,01 IC: 1,53 - 2,65; p<0,0001), IAM (OR 1,87 IC: 1,02 - 3,40; p=0,0276), óbito/IAM (OR 2,01 IC: 1,57 - 2,58; p<0,0001).

DISCUSSÃO

A análise dos nossos dados demonstrou que o DM tem um efeito adverso nos resultados imediatos do implante de stent coronário, quando comparado aos pacientes não-diabéticos, e estes resultados são semelhantes aos recentemente publicados na literatura9,15-17. Como em todas essas séries, os pacientes diabéticos apresentavam características clínicas e angiográficas desfavoráveis. É importante salientar que, apesar deste fato, o emprego dos stents coronários proporcionou uma taxa de sucesso angiográfico semelhante entre os grupos. Entretanto, após o procedimento, na análise angiográfica, os diabéticos mostraram uma maior porcentagem de estenose, fator associado com aumento da reestenose após ICP, mas ainda não estabelecido como preditor de eventos adversos imediatos.

Embora os pacientes diabéticos tenham utilizado mais inibidores da GP IIb/IIIa que os não-diabéticos (10,6% x 7,6%, p<0,0001), esta taxa é inferior a de outras séries publicadas na literatura. Mathew16 e cols. relataram o uso de inibidor IIb/IIIa em 25% dos 2694 diabéticos tratados no estudo PRESTO e Walton e cols.18, em 38% de 707 pacientes diabéticos tratados em um hospital comunitário em Washington. O beneficio dos inibidores IIb/IIIa nos pacientes diabéticos tem sido demonstrado por estudos randomizados7,8,19 e por séries não randomizadas18,20,21, e poderiam ter atuado favoravelmente se utilizados em um número maior de pacientes desta série.

Outro fato importante a ser salientado é a maior incidência de intervenção em enxertos cirúrgicos venosos nestes pacientes e, segundo Ahmed e cols.22, existe uma maior mortalidade em diabéticos submetidos a implante de stent em pontes de veia safena, desfavorecendo a evolução hospitalar destes pacientes. Provavelmente, o uso de sistemas de proteção, evitando a embolização distal, poderá melhorar esses resultados, quando aplicados rotineiramente nesta população.

Nos pacientes diabéticos com doença coronária crônica, não está ainda bem estabelecido o beneficio da revascularização miocárdica como estratégia inicial de tratamento23, excetuando-se os pacientes com doença coronária multiarterial (triarterial e biarterial, com acometimento da porção proximal da DA), lesão de tronco da coronária esquerda e disfunção ventricular importante24. O emprego de stents nos procedimentos de revascularização percutânea parece ter neutralizado o excessivo risco dos pacientes diabéticos, quando submetidos a angioplastia convencional com balão, porém, ainda existe uma pequena diferença quando comparados aos não-diabéticos.

A análise dos dados da CENIC não demonstrou o diabetes como fator de risco nos resultados imediatos após ICP. Nossos resultados são concordantes com Abizaid e cols.25, que analisaram pacientes randomizados no subgrupo stent do estudo ARTS, não encontrando diferença na incidência de eventos adversos na fase hospitalar nos pacientes diabéticos (neste estudo, aproximadamente 60% dos pacientes apresentavam angina estável/isquemia silenciosa). No entanto, Bayerl e cols.26, analisando 386 pacientes submetidos a implante de stent coronário, não demonstraram um aumento na mortalidade nos pacientes diabéticos, porém, houve um aumento na incidência de IAM pós-procedimento (7,4% x 1,9%, p=0,022), provavelmente devido a fenômeno de microembolização distal por maior quantidade de placa aterosclerótica, característica destes pacientes27.

O uso de inibidor da GP IIb/IIIa não parece influenciar os resultados neste grupo de pacientes, como demonstrado no trabalho de Lima e cols.28, nas síndromes isquêmicas estáveis (angina estável/isquemia silenciosa). Chaves e cols.29, no estudo DANTE, também não demonstraram beneficio da utilização de abciximab nos resultados imediatos, assim como na redução da hiperplasia neointimal seis meses após implante de stent em pacientes diabéticos. Neste estudo, apenas 23% dos pacientes apresentavam angina instável. Finalmente, Kastrati e cols.30 não encontraram benefício da utilização de abciximab, quando comparado com uma dose de ataque de clopidogrel de 600 mg no subgrupo de pacientes diabéticos com doença coronária crônica, submetidos a implante de stent. A análise destes resultados sugere que a utilização do inibidor da GP IIb/IIIa neste grupo de pacientes não deve ser baseada apenas pela presença do diabetes melito.

Diabetes e SIASEST - Este grupo de pacientes tem se beneficiado com um procedimento intervencionista precoce, associado ao uso de inibidores da GP IIb/IIIa, comparado ao tratamento clínico31. O diabetes melito produz alterações no sistema da coagulação que favorecem a trombose e diminuem a fibrinólise, aumentando assim o risco de óbito e IAM não fatal.

Nossos resultados demonstraram que os pacientes diabéticos também têm um risco maior de apresentar eventos adversos quando submetidos à intervenção percutânea, semelhante às outras séries publicadas. López-Minguez e cols.32, analisando 279 pacientes com angina instável, submetidos a ICP, encontraram maior incidência de óbito e IAM não fatal nos pacientes diabéticos, em três anos de acompanhamento clínico (11,6% x 4,6%, p=0,047). Uma análise pós-hoc do registro OASIS, feito por Malmberg e cols.33, também encontrou um aumento na mortalidade de 57% nos pacientes diabéticos com SIASEST.

Embora os diabéticos de nossa série apresentassem um perfil clínico e angiográfico adverso, outro fator que poderia ter influenciado nos resultados desfavoráveis foi a baixa utilização de inibidor da GP IIb/IIIA (11,9%), comparado-se com outras séries não randomizadas, como a de López-Minguez, que utilizou abciximab em 47,8% dos pacientes diabéticos. O emprego de stents coronários e do inibidor da GP IIb/IIIa tirofiban, no estudo TACTICS31 e no recentemente publicado SYNERGY34, associou-se com uma redução significativa do risco nos pacientes diabéticos com SIASEST, submetidos à intervenção percutânea.

Em nosso estudo, os pacientes com IAM e diabetes apresentaram resultados imediatos inferiores, concordantes com outras séries publicadas na literatura. Silva e cols.35 analisaram 104 pacientes submetidos a implante de stent primário, onde os diabéticos apresentaram uma maior incidência de MACE aos 30 dias (21% x 4%, p=0,009), especialmente trombose subaguda (18% x 1%, p=0,003). Harjai e cols.36 analisaram os resultados de 626 pacientes diabéticos da base de dados dos estudos PAMI e verificaram, na análise multivariada, que não houve diferença na mortalidade hospitalar, mas sim na mortalidade aos 6 meses (OR 1,53 - IC95%: 1,03-2,26, p=0,03). Marso e cols.16, analisando um total de 4.308 pacientes submetidos a ATC primária durante um período de 20 anos, observou também que o diabetes esteve associada com maior mortalidade hospitalar (12,7% x 6,9%, p<0,001) e esta se manteve elevada em todos os períodos de tempo em que foi dividida a análise.

O uso de stent e inibidores da GP IIb/IIIa também tem melhorado os resultados da ATC primária em pacientes diabéticos. No estudo ADMIRAL37, o uso de abciximab em pacientes submetidos a implante de stent no IAM, esteve associado com uma redução relativa do risco de 67% nos pacientes diabéticos e no estudo CADILLAC38, de 44%. Provavelmente no futuro, o emprego de novas modalidades de intervenção percutânea no IAM (sistemas de trombectomia, proteção distal, oxigênio líquido supersaturado, e hipotermia sistêmica) poderá melhorar ainda mais os resultados nestes pacientes.

Nossos resultados concordam com trabalhos previamente publicados em relação ao diabetes e intervenção coronária percutânea na prática atual. Shaw e cols.39, analisando 100.253 procedimentos registrados na base de dados da ACC-NCDR, encontram o diabetes melito como preditor independente de morte na fase hospitalar (OR: 1,41 IC: 1,10-1,91 p<0,0001), porém não foram realizadas análises de acordo com o quadro clínico de apresentação. No nosso estudo, entretanto, a análise multivariada não demonstrou maior risco nos pacientes diabéticos portadores de doença coronária crônica, submetidos à intervenção coronária percutânea, fato não reportado antes na literatura mundial.

Existem algumas limitações no presente trabalho, pois se trata de uma análise retrospectiva e, por ser um registro nacional, podem existir diferenças nas rotinas e condutas dos serviços de cardiologia intervencionistas participantes do registro da CENIC, entretanto, reflete a prática atual da intervenção coronária percutânea em nosso País. Outra limitação ao estudo é a falta de evolução tardia dos doentes tratados; a CENIC só tem os resultados imediatos dos procedimentos percutâneos, que nos permite avaliar sua segurança e eficácia no período hospitalar, porém, não dispomos da evolução tardia dos pacientes, fato que consideramos importante para uma melhor avaliação dos resultados do tratamento em diabéticos.

Concluímos que o diabetes melito ainda constitui um fator independente de risco nos pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea na pratica atual. Porém, no grupo de menor risco, este panorama está sendo revertido com o uso dos stents coronários, juntamente com a terapêutica farmacológica adjunta.

Devemos aguardar os resultados de novas estratégias de tratamento, como: stents eluídos com medicamentos, dispositivos de proteção, novas drogas antitrombóticas, associadas ao rigoroso controle metabólico e dos fatores de risco, como parte do tratamento multidisciplinar do diabetes melito.

Agradecimentos

Aos membros titulares da SBHCI que participaram do registro nacional CENIC. Divulgados na versão online dos Arquivos (www.arquivosonline.com.br).

Recebido em 29/10/04

Aceito em 30/03/05

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  • Correspondência

    José A. Mangione
    Rua Comendador Elias Jafet , 415
    05653 - 000 – São Paulo , SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Mar 2005
    • Recebido
      29 Out 2004
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