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Cuidado humanizado no pré-natal: um olhar para além das divergências e convergências

Humane prenatal care: beyond convergences and divergences

Resumos

OBJETIVOS: compreender os significados do cuidado humanizado no pré-natal, as divergências, convergências e barreiras para sua efetivação na ótica de gestantes e profissionais. MÉTODOS: pesquisa qualitativa, exploratória, com 19 gestantes e 23 profissionais do ambulatório do Hospital Universitário e de uma unidade básica de saúde, guiada por pressupostos de Edgar Morin e interpretada pela hermenêutica dialética. Os dados foram coletados mediante entrevistas e observação participante. RESULTADOS: destacam-se como significados as categorias: cuidado pré-natal; cuidado centrado no ser humano, no seu protagonismo e na promoção da saúde; atenção integral à saúde da mulher; acessibilidade aos serviços de saúde; relações dialógicas entre gestantes e profissionais; ambiente e profissionais humanizados e postura ética do profissional. As principais barreiras encontradas foram: questões socioeconômicas e pessoais das gestantes; formação biomédica; desarticulação entre os serviços de saúde; desvalorização da atenção primária e do profissional; poder; desatenção e desrespeito à gestante. CONCLUSÕES: o estudo aponta para um modelo de saúde humanístico centrado no ser humano e no seu protagonismo; evidencia o cuidado integral e ético; mostra entraves do sistema de saúde e da sociedade para concretizar o ideário da humanização, superáveis pelo empenho político e profissional, pela formação de redes solidárias entre serviços de saúde e mobilização social; amplia a produção de conhecimento e subsidia mudanças na prática.

Cuidado pré-natal; Humanização da assistência; Filosofia


OBJECTIVES: to investigate how the understanding of pregnant women and health professionals with regard to humane prenatal care diverges or converges and to identify obstacles to its introduction. METHODS: a qualitative, exploratory method was employed with a sample of 19 pregnant women and 23 health professionals at the outpatient clinic of a teaching hospital and at a basic health care unit. The study was guided by the precepts of Edgar Morin and interpreted using dialectical hermeneutics. The data were collected in the course of interviews and participant observations. RESULTS: the main categories mentioned were: prenatal care; care based on the human individual, his or her involvement in the process, and health promotion; all-round women's health care; access to health services; communication between pregnant women and health professionals; the environment and the humane and ethical posture of the health professional. The main obstacles encountered were: the socio-economic status and personal problems of the pregnant women; biomedical training; break-down of communication between different health services; lack of respect for primary health care and the professionals delivering this service; power relations; failure to pay due attention and respect to the pregnant woman. CONCLUSIONS: the study points to the need for humane health care that involves the patient; involving all-round health care and ethical considerations. It also demonstrates the obstacles that exist, both in the health-care system and in society at large. These can only be overcome by increased commitment on the part of policy-makers and health professionals, the creation of social networks that involve both health services and the general public, and further research to generate knowledge and encourage changes in medical practice.

Prenatal care; Humanization of assistance; Philosophy


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Cuidado humanizado no pré-natal: um olhar para além das divergências e convergências

Humane prenatal care: beyond convergences and divergences

Maria de Fátima Mota Zampieri; Alacoque Lorenzini Erdmann

Departamento de Enfermagem. Centro de Ciências da Saúde. Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário. Trindade. Florianópolis, SC, Brasil. CEP 88.040-900. Email: mfatima@nfr.ufsc.br

RESUMO

OBJETIVOS: compreender os significados do cuidado humanizado no pré-natal, as divergências, convergências e barreiras para sua efetivação na ótica de gestantes e profissionais.

MÉTODOS: pesquisa qualitativa, exploratória, com 19 gestantes e 23 profissionais do ambulatório do Hospital Universitário e de uma unidade básica de saúde, guiada por pressupostos de Edgar Morin e interpretada pela hermenêutica dialética. Os dados foram coletados mediante entrevistas e observação participante.

RESULTADOS: destacam-se como significados as categorias: cuidado pré-natal; cuidado centrado no ser humano, no seu protagonismo e na promoção da saúde; atenção integral à saúde da mulher; acessibilidade aos serviços de saúde; relações dialógicas entre gestantes e profissionais; ambiente e profissionais humanizados e postura ética do profissional. As principais barreiras encontradas foram: questões socioeconômicas e pessoais das gestantes; formação biomédica; desarticulação entre os serviços de saúde; desvalorização da atenção primária e do profissional; poder; desatenção e desrespeito à gestante.

CONCLUSÕES: o estudo aponta para um modelo de saúde humanístico centrado no ser humano e no seu protagonismo; evidencia o cuidado integral e ético; mostra entraves do sistema de saúde e da sociedade para concretizar o ideário da humanização, superáveis pelo empenho político e profissional, pela formação de redes solidárias entre serviços de saúde e mobilização social; amplia a produção de conhecimento e subsidia mudanças na prática.

Palavras-chave: Cuidado pré-natal, Humanização da assistência, Filosofia

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate how the understanding of pregnant women and health professionals with regard to humane prenatal care diverges or converges and to identify obstacles to its introduction.

METHODS: a qualitative, exploratory method was employed with a sample of 19 pregnant women and 23 health professionals at the outpatient clinic of a teaching hospital and at a basic health care unit. The study was guided by the precepts of Edgar Morin and interpreted using dialectical hermeneutics. The data were collected in the course of interviews and participant observations.

RESULTS: the main categories mentioned were: prenatal care; care based on the human individual, his or her involvement in the process, and health promotion; all-round women's health care; access to health services; communication between pregnant women and health professionals; the environment and the humane and ethical posture of the health professional. The main obstacles encountered were: the socio-economic status and personal problems of the pregnant women; biomedical training; break-down of communication between different health services; lack of respect for primary health care and the professionals delivering this service; power relations; failure to pay due attention and respect to the pregnant woman.

CONCLUSIONS: the study points to the need for humane health care that involves the patient; involving all-round health care and ethical considerations. It also demonstrates the obstacles that exist, both in the health-care system and in society at large. These can only be overcome by increased commitment on the part of policy-makers and health professionals, the creation of social networks that involve both health services and the general public, and further research to generate knowledge and encourage changes in medical practice.

Key words: Prenatal care, Humanization of assistance, Philosophy

Introdução

A adoção de um modelo biologicista, mecânico e intervencionista de atenção à saúde da mulher no processo de nascimento e, por conseguinte, a medicalização da gestação, do parto e do nascimento, 1 com o isolamento das mulheres dos familiares, a diminuição da autonomia e a expropriação do direito de serem sujeitos principais nesse processo, geraram descontentamento por parte das mulheres. Na década de 1970 houve, segundo Diniz,2 um crescente reconhecimento de que mesmo quando a maternidade era uma escolha consciente das mulheres, esta era vivida em condições de opressão. Nesse momento sedimentava-se um movimento de mulheres cuja palavra de ordem era "nosso corpo nos pertence", fortalecendo-se a luta para dar visibilidade a iniquidade de gênero, defender a integralidade e a humanização, evitar a discriminação e a opressão, e alcançar o protagonismo de sua saúde reprodutiva.2-4 Assim, nos países desenvolvidos, por volta dos anos setenta surge um movimento em prol da humanização da atenção à saúde da mulher, originário da mobilização das mulheres que foi aderido por profissionais adeptos da reforma sanitária, instâncias não governamentais, como a Rede de Humanização ao Nascimento (REHUNA) e também por políticas governamentais e programas de saúde.2,4-5

Entretanto, a despeito de toda essa mobilização, percebe-se a falta de consenso acerca da definição dos termos "humanização" e "cuidado humanizado", pois ainda estão sendo atribuídos a eles diferentes significados. Entre esses, temos: qualidade da assistência; democratização das relações de poder; "desmedicalização" da atenção; valorização dos profissionais; resistência à violência e às intervenções; reconhecimento dos direitos e do protagonismo do ser humano.1,2,4,5 Na obstetrícia, constatase a ênfase dada à humanização no parto, não sendo conferida a mesma importância às demais etapas do processo de nascimento. Sabe-se que o cuidado humanizado no pré-natal é o primeiro passo para um nascimento saudável, sendo fundamental para diminuição da morbimortalidade materna e fetal, preparação para maternidade e paternidade, aquisição de autonomia e vivência segura do processo de nascimento (compreendido desde a préconcepção até o pós-parto).

Apesar da relevância desse cuidado, na prática, os programas governamentais parecem não alcançar a efetividade esperada. A atenção à saúde da gestante, no âmbito público, está aquém das necessidades e expectativas das gestantes e do que os profissionais almejam, havendo hipervalorização da doença.2,4 A consulta pré-natal na atenção básica caracteriza-se quase sempre na realidade brasileira como um momento rotineiro, técnico, rápido sem oportunidades para compartilhar conhecimentos e experiências, cumprindo protocolos institucionais que valorizam aferições e medidas.

Assim, questiona-se: qual o significado de cuidado humanizado no pré-natal para os profissionais e para as gestantes? Quais as divergências e convergências desses na ótica das gestantes e dos profissionais e como ir além delas?

Para responder essas questões, estabeleceram-se como objetivos desse estudo: compreender o significado de cuidado humanizado no pré-natal para as gestantes e os profissionais, conhecer as divergências e convergências na ótica destes agentes sociais e identificar as barreiras para efetivar esse cuidado.

Na busca da compreensão do cuidado humanizado no pré-natal, em sua complexidade, contradições e incertezas, adotaram-se algumas idéias abstraídas de Morin como fios condutores desse estudo.6-8 Estas se centram numa visão ética, aberta, de junção e complementaridade: sujeito/objeto, alma/corpo, qualidade/quantidade, sentimento/razão, existência/essência (Morin, 2001: 26).6

Nesta ótica, Morin entende que o ser humano é complexo; traz em si ao mesmo tempo modos de "ser" antagônicos e complementares, podendo ser egocêntrico ou altruísta.6-8 Tem sua autonomia dependente da condição genética, cultural e social, o que não o impede de decidir e atuar no mundo em que vive.6,8 Na teia de relações do cotidiano, aponta a compreensão como forma de resistência à agressividade e exclusão, como forma de aproximar o que está disjunto, e enfatiza a ética nas interações.6-7

Métodos

Pesquisa qualitativa e exploratória, seguindo os princípios éticos da Resolução 196/96 e aprovada pelo Comitê de Ética, parecer número 008/05 de sete de março de 2005, com gestantes de baixo risco e profissionais do Ambulatório de Tocoginecologia do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). O rigor do estudo foi assegurado pela coerência, originalidade, credibilidade e segurança.9-10 Utilizaram-se nomes fictícios de flores para designar as gestantes e de árvores para os profissionais. O número de participantes foi estabelecido em função da saturação dos dados.10

A coleta de dados deu-se se durante sete meses e utilizaram-se como técnicas a entrevista individual semiestruturada, desenvolvida nos domicílios das gestantes e nos campos de atuação dos profissionais e a observação participante, realizada no acolhimento, nas consultas e práticas educativas desenvolvidas pelos profissionais. Os dados oriundos das observações e dos discursos das gestantes e dos profissionais foram organizados e após leitura aprofundada do material chegou-se aos temas relevantes, que agrupados pela similaridade de idéias deram origem as categorias provisórias. Essas foram descritas e comparadas, identificando-se as convergências e divergências de significados de cuidado humanizado no pré-natal. Posteriormente, estas categorias foram reagrupadas originando as categorias permanentes.9 Os dados obtidos a partir dessa abordagem descritiva e reflexiva foram interpretados e analisados com base na literatura e referencial, à luz da hermenêutica-dialética, proposta por Minayo.9 Para a hermenêutica, a linguagem é o núcleo central da comunicação, sendo terreno comum da intersubjetividade e do entendimento. Neste método, a fala é situada no contexto para melhor ser compreendida e no espaço histórico em que foi proferida,9 sendo "resultado de um processo social e de conhecimento, ambos fruto de múltiplas determinações, mas com significado específico" (Minayo, 1996: 297).9

Resultados e Discussão

Participaram do estudo 42 agentes sociais: 23 profissionais, onze da UBS e doze do HU (sete enfermeiras, sete médicos, duas assistentes sociais, duas psicólogas, cinco técnicas ou auxiliares), e 19 gestantes, nove da UBS e 10 do HU, sendo que 18 iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre e onze eram primigestas. Do total de gestantes do HU, oito tinham de 24 a 34 anos, seis eram casadas e uma era solteira; seis concluíram o ensino médio, uma o fundamental e três o superior. Quanto às gestantes da UBS: sete eram solteiras, cinco tinham o ensino médio, três o fundamental e uma o superior; três tinham de 15 a 19 anos e seis de 20 a 34 anos; cinco não trabalhavam.

A maioria dos profissionais do HU exercia atividades docentes e assistenciais. Quatro eram especialistas, cinco mestres ou residentes em ginecoobstetrícia; nove tinham de 36 a 50 anos; atuavam na instituição entre 10 e 25 anos, poucos de forma exclusiva (dois). Os da UBS eram jovens, cinco tinham de 23 a 30 anos e atuavam menos tempo no serviço, a maior parte de forma exclusiva. A maioria cursou a especialização/residência em saúde comunitária (oito) e uma o mestrado.

Buscando os significados de cuidado humanizado no pré-natal surpreendeu as similaridades existentes entre discursos das gestantes e profissionais, contudo as categorias descritas a seguir revelam questões específicas, divergências e convergências entre esses agentes sociais, algumas sutis, porém significativas.

Cuidado pré-natal

Alguns profissionais consideraram a humanização na atenção pré-natal como um imperativo ético, eixo transversal de suas práticas, avaliando como redundante a expressão humanização. A maioria das gestantes do HU conhecia o termo cuidado humanizado, o que acontecia com poucas na UBS, contudo estas em suas falas apontaram ações consideradas humanizadas pelas gestantes do HU e pela literatura.

Apesar de uma parcela das gestantes limitar o cuidado pré-natal à consulta, para a maioria das gestantes e profissionais esse processo deveria incluir consultas, ações educativas e visitas domiciliares, indo além da consulta médica ou de enfermagem:

É o acompanhamento todo. Não só do médico. A conversa com outros profissionais, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas [..] suporte físico, emocional e psicológico. [..] troca de experiências entre gestantes ou casais grávidos. (Azaléa, gestante do HU).

Segundo os profissionais, deveria ser realizado precocemente, consistir de encontros terapêuticos, educativos e interdisciplinares para maior compreensão das vivências, expressão de sentimentos e dúvidas, avaliação do bem-estar maternofetal, preparação para o parto, a maternidade e paternidade; envolver as relações familiares, conjugais, os diálogos entre gestantes e com os profissionais:

[...] atenção pré-natal, na minha concepção de saúde, é bem mais ampla do que a oferta da consulta médica. [..] envolver a família, não necessariamente a consanguínea. Estabelecer uma rede de apoio. (Laranjeira, profissional do HU).

Além disso, deveria promover comportamentos saudáveis, evitar os de riscos, tratar agravos desde a pré-concepção, como na fala abaixo:

[...] existem ações que são pré-concepcionais, [..] elas têm que procurar o atendimento antes de engravidar. [..] tomarem ácido fólico [..] verificar a incompatibilidade RH, as doenças sexualmente transmissíveis, a questão do tabagismo e drogas. (Figueira, profissional da UBS).

As gestantes na sua maioria reforçaram a importância do pré-natal precoce, mas não mencionaram a atenção pré-concepcional:

[...] é uma questão de responsabilidade. Tu não estás lidando apenas com a tua vida, mas com a vida do bebê. Assim que parou a menstruação, eu procurei o centro de saúde. (Margarida, gestante do HU).

A atenção pré-concepcional é parte do cuidado pré-natal que busca identificar fatores de risco às mulheres em idade reprodutiva, planejar a gestação, promover e proteger à saúde materno-fetal, do recém-nascido e da família.11 Na nossa realidade esta atenção não atende o idealizado; as gestantes iniciam o pré-natal tardiamente e os serviços nem sempre cumprem o conjunto mínimo de ações preconizadas pelo Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento.4

Cuidado centrado no ser humano, no seu protagonismo e na promoção da saúde

Os profissionais reforçaram o cuidado humanizado no pré-natal como aquele centrado na mulher e na promoção de sua saúde, com vistas à autonomia da gestante no processo, o que foi expresso de forma subliminar pelas gestantes. Foi salientada pelos profissionais a importância de devolver à mulher o protagonismo na gestação, no parto e pós-parto, considerando-os como situações normais da vida, não como doenças, eventos femininos que apresentam significados diferentes para as mulheres dos atribuídos pelos profissionais. Nestes processos, o profissional deveria fazer parte da rede de apoio à gestante, sem substituí-la:

Tem uma corrente que vem trabalhando a questão da humanização. Perdeu-se de vista o ser que gesta, a mulher e a família. Precisa resgatar isto. O pré-natal não pode ser patologizado. Contrapor-se à tecnificação e à medicalização tem a ver com a humanização. O pré-natal é cuidar da pessoa. A gestação deverá ser cada vez menos centrada nos profissionais de saúde, ser centrada mais na pessoa. [..] A mulher vai ter mais autonomia. [..] isso significa tirar o poder de pessoas e de lugares. (Figueira, profissional da UBS); Atenção pré-natal deve atender as necessidades da mulher grávida para a promoção de sua saúde. (Laranjeira, profissional do HU).

Para vários autores,1,4,6,7,8,12 a institucionalização e a hegemonia do modelo biomédico e tecnocrático levaram a segmentação do ser humano e dos saberes, a diluição da subjetividade e a valorização do patológico em detrimento do humano. Na área obstétrica, o poder passou das mãos das parteiras aos obstetras que assumiram o parto e assistência à mulher. Essa assimetria de poder entre gêneros persiste,2,4 mas é passível de mudança, já que se existe poder há resistência, e podem ser criados caminhos para exercitar contrapoderes.13

Centrar o cuidado no ser humano é acreditar nas suas potencialidades para fazer escolhas e conduzir os eventos do ciclo do seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, a promoção da saúde foi considerada pelos participantes vital para que as mulheres possam assumir o seu papel na gestação e parto e controle de sua saúde. A promoção da saúde constitui-se em um processo que envolve mudanças nas condições de vida e de trabalho e busca capacitar indivíduos, famílias e comunidades, com vistas à empoderá-los para aumentar o controle sobre os determinantes de saúde, visando melhorá-la e propiciar autonomia. Esse processo exige um trabalho em rede com a sociedade e a implementação de políticas públicas favoráveis a saúde e a vida.14

Dentro desta lógica, para aumentar as capacidades das gestantes foi ressaltada pelos entrevistados a importância de a gestante e os acompanhantes participarem de práticas educativas, exercerem seus direitos e participarem das questões relativas à saúde, própria e da população. Essas práticas caracterizaram essas três subcategorias como cuidados humanizado.

As ações educativas (grupos de gestantes e casais grávidos ou de sala de espera) e um diferencial no cuidado, segundo os participantes, ampliam conhecimentos, subsidiam decisões, preparam para parto, maternidade, paternidade e auxiliam na reivindicação de direitos e cuidados:

Disponibilizar um espaço aberto de grupo educativo e informativo, além da consulta individual. (Nogueira, profissionais do HU).

Com vistas ao protagonismo, os profissionais ratificaram a necessidade de garantir o exercício dos direitos femininos já conquistados, sobretudo, o respeito à integridade, privacidade, dignidade e a autonomia para decidir sobre a própria saúde:

[...] fazê-la conhecer os direitos dela como mulher grávida. É assumir que é protagonista de seu corpo. Esta é uma questão de responsabilidade social. (Laranjeira, profissional do HU).

O conceito de humanização no campo da saúde surge vinculado à questão dos direitos humanos, tendo como núcleo as idéias de dignidade e respeito à vida humana, e à ética na relação entre usuários e profissionais. A percepção e o conhecimento de ser titular de direitos é pressuposto essencial para que o ser humano possa compreender uma situação concreta como injusta, como violação ou negação de um direito e, consequentemente, exigir que tal direito seja cumprido.2,4,15,16

Os profissionais de saúde reforçaram a importância na participação da gestante no processo de nascimento, porém não ampliaram essa participação à saúde da sociedade. Contudo duas gestantes foram além, ressaltando o compromisso de participarem ativamente das questões de saúde da comunidade, dando contribuições para a humanização dos serviços e para melhorar a qualidade da atenção:

Se eu puder ajudar a melhorar o atendimento, a minha parte eu tenho que fazer. A gente precisa refletir sobre o atendimento que recebe. É importante ver o problema do lado da gestante. Não dá para deixar por conta só do governo. (Orquídea, gestante do HU).

Neste sentido, a humanização, significando autonomia e protagonismo dos sujeitos, implica em co-responsabilidade dos profissionais e usuários na produção, atenção e gestão de saúde.15 A participação ativa e crítica dos sujeitos torna-se vital para a conquista de melhores condições de vida, da cidadania e democratização dos serviços de saúde.17

Atenção integral à saúde da mulher

O cuidado humanizado no pré-natal, assim caracterizado pelos profissionais, é direcionado à mulher na sua integralidade, multidimensionalidade, unicidade, no âmbito individual e coletivo, em todas as faixas etárias e contextos, buscando prevenir, diagnosticar, recuperar e promover a saúde nos diversos níveis de complexidade. Na perspectiva da integralidade, é importante considerar as gestantes e os familiares no conjunto social, econômico, político e cultural em que atuam e geram mudanças, como se percebe na fala:

[...] o profissional que presta o cuidado humanizado tem este olhar ampliado. Estar atento à integralidade do ser. Ver a mulher como um todo, não apenas às questões fisiológicas. A relação com familiares, trabalho, aspectos externos. Ver a gestante como parte de uma rede; não olhar só ela e a barriga. Ela faz parte de uma família e de um grupo social. (Amoreira, profissional da UBS). Ver o global. Considerar questões de ordem pessoal, relacional, condições de vida. (Nogueira, profissional do HU).

Para as gestantes, o cuidado humanizado deve ser abrangente; compreender as dimensões sociais, físicas e psicológicas, sendo desumanizado o cuidado rotineiro, mecânico, centrado nos procedimentos, conforme se observa nos depoimentos:

Na minha concepção, cuidado humanizado seria ver não só o atendimento clínico. É mais... Ver o lado humano, pessoal e social da gestante. [..] Humanizado é mais abrangente. (Dália, gestante do HU); Só medir a barriga, verificar a pressão, escutar o coração e pedir exames. Não é humano (Violeta, gestante do HU).

As gestantes reforçam a sua credibilidade nos serviços especializados, reafirmando a cultura biomédica que departamentaliza o todo em disciplinas, idéia sedimentada e cristalizada tradicionalmente, ratificada na fala:

[...] no postinho tem o atendimento do clínico. Não tem ginecologista ou obstetra. Não é a mesma coisa que você ter um atendimento especializado (Orquídea, gestante do HU).

A especialização é ainda um caminho dominante na medicina, estando relacionada à crença de maior competência técnica e reconhecimento profissional pelos profissionais de saúde e comunidade.18 Na área da saúde da mulher, as ações integrais emergem no Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que define uma política de saúde especial que vê a mulher na sua integralidade em todas as fases da vida e não como um órgão reprodutivo.19

A atenção integral implica ter uma visão ampliada de saúde que destaque as dimensões social, comunitária e familiar, indo além da doença e do sofrimento manifesto, contrapondo-se ao reducionismo, à fragmentação e à objetificação dos sujeitos e buscando apreender as necessidades dos indivíduos.20

A integralidade, em nível micro, deve ser fruto do esforço e da confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional para traduzir e atender as necessidades de saúde, sendo plena quando há articulação nos serviços de saúde, entre eles e com outras instituições sociais. A integralidade ampliada seria a relação articulada, complexa, complementar e dialética, entre a máxima integralidade no cuidado dado pelo profissional, pela equipe e rede de serviços de saúde.21

Na consecução desta proposta, a interdisciplinaridade e a formação humanizada e voltada para a lógica do Sistema Único de Saúde (SUS) dos discentes e profissionais foram consideradas essenciais pelos profissionais do estudo. Esses apontam como barreira para o cuidado integral, a formação dos profissionais e discentes, ainda dentro de uma lógica reducionista e hospitalocêntrica, às vezes divergente da existente na assistência, como no exemplo:

[...] pela formação equivocada que eles [os profissionais] têm. Não estão abertos ao paradigma da humanização baseado em evidências, [..] a formação acadêmica vista como aquele modelo positivista, cartesiano. Existe um grande descompasso entre a academia e assistência (Nogueira, profissional do HU); Precisamos formar profissionais voltados para o SUS. (Laranjeira, profissional do HU).

Ademais revelam como impeditivos: o trabalho centrado na produtividade, que resulta em consultas rápidas e pouco aprofundadas; a atuação isolada ou o confronto entre profissionais por despreparo para atuar interdisciplinarmente e pela disputa de poderes:

[...] os profissionais têm que produzir tantas consultas. As coisas funcionam muito mais em relação à quantidade do que em relação à qualidade. (Cedro, profissional da USB); Uma disputa de poder, espaço e conhecimento na equipe. (Palmeira, profissional da USB).

Para Morin,6 os profissionais isolados em suas disciplinas perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e para integrá-los. O diálogo entre os diversos saberes e a sedimentação de um trabalho interdisciplinar favorecem a atenção integral. O contrário, a falta da interdisciplinaridade e o recorte das disciplinas impossibilitam apreender "o que está tecido junto", o complexo. Ademais, a não percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade e da solidariedade entre os seres humanos.6 A disputa de poder entre os profissionais no cotidiano do cuidado pode ser superada pelo diálogo e respeito ou ser perpetuada. Segundo Foucault,13, Morin8 e Minayo,9 o poder é uma prática social constituída historicamente, exercida entre sujeitos livres. A responsabilidade pela manutenção ou resistência ao poder depende da subjetividade destes.

Acessibilidade aos serviços de saúde

O cuidado humanizado no pré-natal significou para as gestantes e profissionais ter acessibilidade à Zampieri MFM, Erdmann AL assistência de forma rápida, precoce e prioritária: primeira consulta, retornos, exames, encaminhamentos aos níveis de atenção à saúde, continuidade da atenção nas instituições hospitalares e consulta no pós-parto nas UBS:

[...] é a inclusão no serviço. Ter acesso ao atendimento, aos exames, ao diagnóstico, acompanhamento do prénatal e aos retornos (Pinheiro, profissional do HU); Principal é a garantia da consulta. (Margarida, gestante do HU); Garantia de internar na maternidade. (Flox, gestante da UBS).

Acesso e acessibilidade são termos ambíguos, similares ou não, na visão dos autores e profissionais.22 A acessibilidade, segundo Donabedian, é entendida como grau de ajuste entre as características dos recursos de saúde e as da população no processo de busca e obtenção de assistência à saúde,22 permite identificar fatores que obstaculizam o cuidado, nas dimensões organizacionais, geográficas, sociocultural e econômica. O fato de o serviço ser acessível é condição básica para que qualquer política pública possa responder às necessidades sociais e gerar impacto positivo,23 no entanto na área obstétrica é ainda lócus de vulnerabilidade da assistência.4

Na dimensão geográfica e econômica, destacaram-se como obstáculos a localização das residências em locais íngremes e distantes dos serviços de saúde e a falta de recursos para o deslocamento das gestantes, exemplificada a seguir:

Aqui, o acesso fica mais difícil. A dificuldade de subir e descer o morro. (Ninféia, gestante da USB).

Este resultado corrobora com estudo que aponta a inacessibilidade aos serviços de saúde por questões geográficas e econômicas como favorecedora da exclusão do usuário aos mesmos.23

Na dimensão sociocultural sobressaiu como fator limitante o descrédito na atenção básica, no setor público e nos profissionais que lá atuam, reforçando os achados de outra pesquisa que considera que esta condição se ancora na imagem produzida pela mídia, e pode estar vinculada a interesses privados,23,24 como no exemplo:

[...] eu não tenho confiança no centro de saúde. Eu prefiro o HU. (Dália, gestante do HU); Muitos profissionais e parte da população não valorizam o atendimento dos profissionais das unidades, valorizam o nível hospitalar. (Jatobá, profissional da UBS); A maioria pensa: o serviço público é ruim e o particular é bom. (Miosótis, gestante do HU).

Na dimensão organizacional, os participantes referiram como entraves: longo tempo de espera e burocratização. Apenas os profissionais elencaram a falta de articulação, diálogo, referência e contrareferência entre os serviços de saúde, indo ao encontro de autores que consideram as estruturas organizacionais engessadas, burocráticas e desarticuladas, no Brasil, como fatores que dificultam a atenção em nível básico:23,24

[...] a paciente aguarda muito para consultar. (Pinheiro, profissional do HU); Precisamos estabelecer canais abertos de referência e contra-referência entre os níveis de atenção. Estes precisam estar conversando, definindo caminhos juntos (Amoreira, profissional da UBS); Organizando, a coisa se torna mais humana e fácil para os profissionais e pacientes. (Orquídea, gestante do HU).

Relações dialógicas entre gestantes e profissionais

O cuidado humanizado, entendido pelos profissionais como acolhimento, consiste na postura acolhedora e respeitosa e escuta qualificada às expectativas e necessidades da usuária, podendo isto ser um estímulo para adesão ao serviço. Significa, para eles, prestar um atendimento resolutivo, personalizado e ágil:

[...] cuidado humanizado é acolher, é dar a melhor resolutividade possível. Um atendimento que ela se sinta segura, satisfeita e possa resolver as questões que procura na unidade básica. (Palmeira, profissional da UBS); Uma escuta qualificada. A comunidade sentir que o posto está de portas abertas a qualquer hora para ela. (Figueira, profissional da UBS).

Vai além, é a relação dialógica, horizontal, efetiva, de ajuda e confiança, que propicia abertura, comunicação autêntica, respeito à dignidade do outro e reconhecimento mútuo. Significa estar em co-presença, como nos depoimentos:

É tu receberes a pessoa como ser único, individual, com um olhar para ela. Tu escutares o que ela tem para te falar. (Ipê, profissional do HU); Um contato mais pessoal. É importante a relação de confiança entre o profissional e a gestante. A pessoa se colocar na situação do outro. Ter disponibilidade. (Azálea, gestante do HU).

Assim, diversos autores vêem a humanização como democratização das relações no atendimento, formação de vínculos, melhora nas comunicações e estabelecimento de relações éticas e solidárias, pautadas na alteridade e no diálogo entre profissionais e usuários.7,25 Aproximações e relações entre interlocutores com posições socioculturais distintas que, a despeito da diversidade, se colocam em posições simétricas e horizontais.17 Em contrapartida, levantaram como barreiras a agressividade, a intolerância, a indiferença, a impaciência, a falta de disponibilidade, de interesse e de comunicação.

Nessa rede de interações, foi considerado como cuidado humanizado no pré-natal pelos profissionais, e enfaticamente pelas gestantes, a valorização da gestante e dos familiares. Valorizar a mulher grávida, sua história, suas necessidades, queixas e sentimentos. Isto implica que os profissionais reconheçam a dor, os medos e problemas das gestantes, evitando banalizá-los ou ignorá-los, alegando serem apenas situações fisiológicas. Valorizar e incluir todos os envolvidos no processo, sobretudo o companheiro, como nos relatos:

Respeitar o que ela pensa, sente e suas queixas. Conhecer a situação da gestante. Considerar ela como um ser humano. (Oliveira, profissional do HU); Ficar atento ao que a gente sente e diz. (Dália, gestante do HU); O apoio da família é essencial. (Flox, gestante da UBS); [..] o companheiro participar da consulta é importante. (Girassol, gestante da UBS).

Reconhecer que atrás da barriga existem duas pessoas com diferentes necessidades. Reconhecer que o bebê é um ser humano que precisa ser nomeado e não se restringe aos batimentos cardíacos. É necessário valorizar a singularidade da pessoa, dando-lhe a possibilidade de exercer sua liberdade, evitando qualquer forma de discriminação, violência (indiferença, coerção, agressividade).8 O ser humano deve ser tratado de forma personalizada como um sujeito ético-político com subjetividades e potencialidades, respeitando seu universo social, afetivo-cultural, conhecimento intelectivo e afetivo, sua intuição e sensibilidade.17

Ambiente e profissionais humanizados

Os profissionais caracterizaram como cuidado humanizado no pré-natal: um ambiente acolhedor e saudável com equipe de saúde integrada; profissionais valorizados financeiramente e reconhecidos por suas ações, competentes tecnicamente e nas relações humanas, disponíveis e motivados para cuidarem; instituições reconhecidas pela comunidade com uma filosofia da humanização, organizadas com fluxos e protocolos flexíveis, recursos humanos e materiais, articuladas aos demais serviços de saúde e setores sociais. As gestantes ratificaram a importância do reconhecimento do profissional e de um ambiente agradável, mas não classificaram como cuidado humanizado:

[...] a valorização do profissional. Ser reconhecido pelo que faz vale muito. (Carvalho, profissional do HU); Além da questão das relações, é bom o profissional ter um ambiente físico limpo e confortável. (Figueira, profissional da UBS); O entusiasmo dos profissionais e a motivação podem ter impacto no acolher. Entram a educação permanente, as condições salariais, o plano de cargos e salários. (Guarapuvu, profissional da UBS).

As dimensões subjetivas do profissional são facetas importantes e determinam a forma como esse estabelece os relacionamentos interpessoais com o usuário.26

Postura ética do profissional

O cuidado humanizado no pré-natal foi caracterizado pelos profissionais como uma atenção diferenciada e mudança de atitude do profissional e não apenas de rotinas e procedimentos. Implicitamente nas falas as gestantes também valorizaram uma nova forma de agir dos profissionais:

[...] tem ótimos profissionais, mas tem aqueles que não gostam do que fazem. Não tratam a pessoa individualmente, atendem como se fosse mais uma. O caráter do profissional, a sensibilidade, a atitude dele é importante (Girassol, gestante da UBS); Dar atenção. Não é só receita. (Rosa, gestante do HU.)

Trata-se da postura atenciosa e ética do profissional para com a gestante, independente de ambiente e equipe humanizados, visíveis através de pequenos gestos como ouvir, chamar pelo nome, dar voz, valorizar e informar o outro:

[...] eu diria que é o fiel de balança. Não tem como você ensinar. É isso que vai personalizar cada profissional. Eu não sei se teria receita ou treinamento, porque isso vem da concepção de mundo, do seu papel enquanto profissional e ser humano. São valores, questões éticas de cada um. (Palmeira, profissional da UBS); Pequenas coisas devem ser observadas. O cuidado com a vida do outro. (Figueira, profissional da UBS).

Para que essa mudança aconteça, é necessário reconhecer em todo o ser humano um semelhante com direitos iguais, responsável por si, pelos outros e pela vida. Ademais, fortalecer a cooperação, a compreensão e o amor, com vistas à realização da vida humana e à felicidade.7,8 Mesmo estando os seres humanos inseridos em processos transindividuais, genéticos, familiares, sociais e submetidos aos acasos que os tornam autônomo-dependentes, esses têm autonomia para elaborar estratégias diante dos conhecimentos e experiências. Também têm consciência, moral e reflexiva, potencial e criatividade para fazer escolhas, perseguir fins, dispor de suas liberdades e manifestá-las, mudando atitudes e assumindo um compromisso ético com outro.8

Considerações finais

Este estudo mostra a complexidade da atenção básica de saúde e ratifica que o termo cuidado humanizado é polissêmico. Reforça que os seres humanos trazem em si, ao mesmo tempo, de modo bipolarizado caracteres antagonistas e complementares: "sapiens" e "demens"; "faber" e "ludens", "prosaicus" e "poeticus;" e que, às vezes, sobressaem os pólos "prosaicus", "demens" e "faber".6,8 Assim, pode-se em função disso ignorar as oportunidades, diferenças e os potenciais e enfatizar as desigualdades sociais, de gênero e raciais, a negligência, indiferença, violência, o preconceito, os quais só são superáveis por meio da cooperação, compreensão e solidariedade, aliados à inteligência e perspicácia.6

É destacada a necessidade de se buscar um novo paradigma na atenção à saúde, pautado na humanização, promoção da saúde, autonomia da população e atitude ética nas relações intersubjetivas, que valorize as diferenças e identidades dos seres humanos, reconheça-os como sujeitos de direitos, merecedores de acolhimento e compreensão. Direciona para uma nova visão de mundo, para um pensamento aberto e de junção, que fortaleça o respeito e a inclusão nos serviços de saúde. O estudo faz emergir aspectos da realidade que não podem ser menosprezados como exclusão das gestantes dos serviços de saúde, a negação do seu protagonismo no processo de nascimento, a desatenção e desrespeito à alteridade das mulheres, a desarticulação entre os serviços e demais entraves para implementar e concretizar o ideário da humanização no cenário de saúde brasileiro. Também precisam ser consideradas as determinações sociais, econômicas e as relações de poder, que influenciam o agir do ser humano, seus discursos e o processo de saúdedoença, para que se possa romper com a organização macro, estrutural dos serviços de saúde que determina no nível micropráticas que atendem à produtividade e se centram no profissional e nos procedimentos e não no usuário e na atenção humanizada.27

O problema não está em adaptar-se ao imediato ou escapar dos limites da realidade, mas ser realista/utópico no sentido complexo: "compreender a incerteza do real, saber que existe um possível ainda invisível no real" (Morin, 2005: 85).7 Assim, a trajetória a ser trilhada, entre erros, diversidades e acertos, depende de um trabalho no espaço existente entre o ideal e o real, podendo ser um projeto ético, solidário e político.

As mudanças necessitam de ações embasadas na reflexão das práticas, no diagnóstico da realidade e no conhecimento dos determinantes sociais. As alterações dependem da postura do profissional, da vontade dos gestores, da reestruturação na formação, da articulação de redes de cooperação entre serviços de saúde e setores sociais e da participação e mobilização social. Além disso, da escolha dos profissionais e da parceria na busca de pontos permeáveis no cotidiano do cuidar para além das divergências e convergências, transformando a realidade existente.

Recebido em 2 de outubro de 2008

Versão final apresentada em 10 de junho de 2010

Aprovado em 15 de julho de 2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010

Histórico

  • Revisado
    10 Jun 2010
  • Recebido
    02 Out 2008
  • Aceito
    15 Jul 2010
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