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A face humana da medicina: do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial

LIVROS

Letícia Maria Furlanetto

Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina e Departamento de Interconsulta da ABP

Livro

A face humana da medicina: do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial

Mario Alfredo De Marco (org). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003, 269 páginas.

ISBN 85-7396-271-2.

Atualmente, estamos observando uma crescente insatisfação com os atendimentos e um progressivo aumento dos processos contra médicos. De acordo com as entidades de classe, essas querelas ocorrem devido a problemas de relacionamento entre médicos e pacientes. Esta relação tem sido cada vez mais dificultada pela presença de um intermediário, no caso da medicina de grupo, e pelo tipo de sociedade em que vivemos, na qual mais valem as aparências, a velocidade e o lucro, do que o cuidado às pessoas. Além disso, observamos que o avanço tecnológico na medicina e o culto às especializações, embora tenham aumentado os recursos diagnósticos e terapêuticos, contribuíram para criar a ilusão de que seria possível "curar doentes" sem o contato mais próximo com a pessoa que adoece. É nesta atmosfera de insatisfação, e conseqüente busca de soluções para esses problemas, que surge o livro "A face humana da medicina: do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial".

Trata-se de uma obra, fruto de uma longa jornada do autor – que é professor de psicologia médica da Universidade Federal de São Paulo e interconsultor – e de sua vivência sobre a dificuldade queé formar profissionais que não deixem de ter em mente a face humana e artística da medicina. Nesta árdua tarefa de escrever sobre o tema, De Marco conta com a colaboração de vários profissionais experientes na área, que redigiram diversos capítulos do livro. O texto se estrutura em quatro partes: Parte I - Aspectos históricos; Parte II - A reintegração do psicossocial ao modelo biomédico; Parte III - A prática; e Parte IV - Experiência no complexo EPM-UNIFESP-HSP.

Na parte I, o autor faz uma primorosa revisão histórica para demonstrar como e em que contexto chegamos ao modelo biomédico. Além disso, critica o "especialismo", enquanto uma perversão das especializações, cujo problema não seria a fragmentação do doente e sim, a perda da visão binocular pelo médico. Assim, os profissionais não conseguiriam mudar sua visão da parte para o todo e vice-versa, de acordo com a necessidade. O sufixo "ismo" é utilizado pelo fato daespecialização se aproximar mais de um dogma do que da ciência. O médico usaria sua teoria, então, como "o leito de procusto", no qual, se a vítima seqüestrada que ia ser amarrada (aqui o paciente) fosse menor, esta era esticada e, se fosse maior, seus pés eram cortados.

Na parte II, são delimitados os campos que foram criados na tentativa de reintegrar o psicossocial ao modelo biomédico: medicina psicossomática, interconsulta, psicologia da saúde e psicologia médica. Como contribuições da medicina psicossomática são destacados: o trabalho desenvolvido por Balint, o conceito de alexitimia (sem palavras para os sentimentos) e o estudo de mecanismos de enfrentamento ("coping"). A interconsulta é vista como sendo importante por se ocupar de "cuidar de quem cuida" e pela sua função integradora, pois o interconsultor tem uma postura complementar e tem o cuidado de não "lotear" o paciente, como mais um especialista. Nas partes de psicologia da saúde e psicologia médica, o autor nos alerta sobre os riscos do profissional "psi" ser utilizado no contexto médico para acentuar a divisão entre mente e corpo, caso aceite ser "o responsável" pelos aspectos psicológicos, enquanto o médico assistente acredita poder, então, se ocupar somente do corpo do paciente. Além disso, é discutida a delimitação de competências.

Na parte III, são analisados os fatores que dificultam e os que propiciam uma prática mais humanizada. São discutidos, dentre outros: a formação de profissionais, a intermediação do trabalho médico, a atenção à saúde dos profissionais, o trabalho realizado por outros profissionais da saúde e a identificação e atenção às situações críticas. Um fio condutor desta parte seria a noção de que o ensino médico e o modelo de gestão institucional – que não reconhecem e não refletem sobre o homem que há no médico – contribuem para um sentimento de desamparo no aluno/profissional, que passa, então, a agir de forma estereotipada, cínica e fria, para tentar evitar entrar em contato com os próprios sentimentos de impotência, fracasso e hostilidade. Algumas questões levantadas nesta parte do livro já foram abordadas em outras obras brasileiras como a de Perestrello,1 Botega2 e Cataldi et al.3 Entretanto, acreditamos que o grande mérito do livro tenha sido, sobretudo, o fato de este se focar em uma única pergunta: como contribuir para resgatar a face humana da medicina?

Na parte IV, é descrita a experiência dos serviços no complexo da Escola Paulista de Medicina e do Hospital São Paulo. Eis aqui quase que um manual dando "o caminho das pedras" para aqueles que lecionam psicologia médica, praticam interconsulta ou querem montar um serviço de atenção à saúde de alunos e residentes. Neste aspecto, assemelha-se ao livro de Millan et al.,4 que também, de forma muito generosa, descreve os serviços e a prática realizados na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Merece discussão a ideologia, expressa pelo autor do capítulo sobre experiências em supervisão, de que a atividade de interconsulta possa ser realizada de forma "pontual" (sem acompanhar o paciente e a equipe até a alta). A maioria dos interconsultores entende sua atividade como um processo, no qual é fundamental que a equipe de saúde se sinta assistida durante toda a internação do paciente.

Por ter sido escrito por diversos autores, senti um pouco a falta de unidade e continuidade entre alguns capítulos do livro. Talvez isso se deva ao profundo respeito do autor pela individualidade e experiência de cada colaborador, mas sugiro que este aspecto seja lembrado nas próximas edições deste livro, que certamente surgirão.

Para concluir, agradecemos a generosidade do autor e de seus colaboradores por dividirem conosco suas experiências nesta bela obra. Sugiro sua leitura a todos interessados no tema mas, sobretudo, para os profissionais "angustiados" com o estado atual da prática médica e preocupados em buscar formas de melhorá-la.

Referências

1. Perestrello D. A Medicina da Pessoa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 1996.

2. Botega NJ, editor. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. Porto Alegre: Artmed; 2002.

3. Neto AC, Gauer GJC, Furtado NR, editores. Psiquiatria para estudantes de medicina. Porto Alegre: Edipucrs; 2003.

4. Millan LR, De Marco OLN, Rossi E, Arruda PCV. O universo psicológico do futuro médico. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1999.

Veruska Lastoria Amigo

Programa de Orientação e Assistência aos Transtornos Alimentares (PROATA) da EPM-UNIFESP e Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Livro

Saúde Mental da Mulher

Táki Athanássios Cordás e Fábio Tapia Salzano

A saúde mental da mulher, desde há muito, desperta o interesse dos estudiosos do assunto, principalmente em função dos diferenciais psicobiológicos que marcam os transtornos mentais da mulher nas diferentes etapas de sua vida, incluindo controvérsias e particularidades inerentes à mesma. Em "Saúde Mental da Mulher" – editado pelos professores Táki Athanássios Cordás e Fábio Tapia Salzano, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, e com a participação de um seleto grupo de colaboradores –, os autores desenvolveram um primoroso trabalho na composição dos 12 capítulos dessa obra, que vai da abordagem de uma possível psicologia específica da mulher em sua relação com o mundo, até uma visão abrangente da sexualidade da mesma sem, entretanto, perder a integralidade do "ser mulher". Nos capítulos intermediários, são discutidos os transtornos mentais nos períodos pré-menstrual, climatério e menopausa, incluindo os períodos especiais da gestação e puerpério. Seguem-se capítulos estimulantes, onde são abordadas características inerentes e diferenças eventuais entre sexos quanto à psicofarmacologia e às farmacodependências. Os demais capítulos avaliam os transtornos do humor, de ansiedade, esquizofrenia, transtornos de personalidade e os alimentares. As avaliações vão além, englobando aspectos etiopatogênicos e fisiopatológicos, considerando as dificuldades e controvérsias na discussão dos distúrbios.

"Saúde Mental da Mulher" é de leitura envolvente, pela atualidade do tema, e obrigatória, pelos aspectos inéditos e de grande abrangência, além da importante contribuição à psiquiatria brasileira. Interessa de perto não só a especialistas das diversas áreas da Saúde Mental, mas também a uma gama de profissionais incluindo sexólogos, ginecologistas, clínicos e pós-graduandos.

Talvez, numa próxima edição, que entendemos virá em breve, fosse interessante incluir comentários sobre o período prépúbere, considerando que, por exemplo, transtornos alimentares poderiam eventualmente ter início nessa fase.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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