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Uma escala de mensuração da zona de tolerância de consumidores de serviços

Resumos

A proposição da existência de uma zona de tolerância dos consumidores, limitada por dois níveis de expectativas de serviço (adequado e desejado), gera desafios metodológicos voltados à operacionalização e à mensuração dessa zona, assim como ao desenvolvimento de instrumentos confiáveis para avaliar esse construto. O presente trabalho relata os resultados de uma pesquisa que, em sua etapa inicial, está orientada ao desenvolvimento de uma escala de mensuração da extensão da zona de tolerância de consumidores de serviços. Os resultados das análises efetuadas indicam bons níveis de confiabilidade e validade da escala, demonstrando sua adequação para a mensuração do construto.

zona de tolerância; qualidade de serviços; comportamento do consumidor; marketing de serviços


This paper presents the results of a research oriented to the development of a scale intended to measure the zone of tolerance extension of services consumers. The results of the analyses demonstrate that the scale presents good levels of reliability and validity, and therefore it seems to measure that construct adequately. In this research it is not the consumer assessment of a service that counts, but its expectations related to the service. In methodological terms, it also interests the problem of the measure related to the choice between a direct measure scale and an indirect measure scale. Therefore, two questionnaire versions were developed and tested, both focusing the extension of the zone of tolerance of service consumers. One version with a indirect scale and another version with a direct scale. The results demonstrate clearly that the scale to measure the zone of tolerance presents good reliability levels and validity. The quite high α-Cronbach coefficients indicate a good internal consistency and they contribute to the convergent validity of the instrument. Besides, the careful construction of the scale, based on an exhaustive exam of the literature about pretests, suggests that our scale instrument presents a good internal validity. The measure scale developed in this research can be adequately used to assess the variations of the extension of consumers zone of tolerance related to a precise aspect or to the whole dimension of a service.

zone of tolerance; service quality; consumer behavior; services marketing


ARTIGOS

Uma escala de mensuração da zona de tolerância de consumidores de serviços

Alziro César M. Rodrigues

RESUMO

A proposição da existência de uma zona de tolerância dos consumidores, limitada por dois níveis de expectativas de serviço (adequado e desejado), gera desafios metodológicos voltados à operacionalização e à mensuração dessa zona, assim como ao desenvolvimento de instrumentos confiáveis para avaliar esse construto. O presente trabalho relata os resultados de uma pesquisa que, em sua etapa inicial, está orientada ao desenvolvimento de uma escala de mensuração da extensão da zona de tolerância de consumidores de serviços. Os resultados das análises efetuadas indicam bons níveis de confiabilidade e validade da escala, demonstrando sua adequação para a mensuração do construto.

Palavras-chaves: zona de tolerância; qualidade de serviços; comportamento do consumidor; marketing de serviços.

ABSTRACT

This paper presents the results of a research oriented to the development of a scale intended to measure the zone of tolerance extension of services consumers. The results of the analyses demonstrate that the scale presents good levels of reliability and validity, and therefore it seems to measure that construct adequately. In this research it is not the consumer assessment of a service that counts, but its expectations related to the service. In methodological terms, it also interests the problem of the measure related to the choice between a direct measure scale and an indirect measure scale. Therefore, two questionnaire versions were developed and tested, both focusing the extension of the zone of tolerance of service consumers. One version with a indirect scale and another version with a direct scale. The results demonstrate clearly that the scale to measure the zone of tolerance presents good reliability levels and validity. The quite high α-Cronbach coefficients indicate a good internal consistency and they contribute to the convergent validity of the instrument. Besides, the careful construction of the scale, based on an exhaustive exam of the literature about pretests, suggests that our scale instrument presents a good internal validity. The measure scale developed in this research can be adequately used to assess the variations of the extension of consumers zone of tolerance related to a precise aspect or to the whole dimension of a service.

Key words: zone of tolerance; service quality; consumer behavior; services marketing.

A ZONA DE TOLERÂNCIA DO CONSUMIDOR DE SERVIÇOS

Um desenvolvimento interessante nas discussões sobre a qualidade de serviços é a consideração das expectativas dos consumidores como zonas e não como pontos determinados. Para tentar compreender melhor tais expectativas, Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b, 1993) desenvolveram o conceito de zona de tolerância, que sugere que essas expectativas podem apresentar dois níveis: um, de serviço desejado; outro, de serviço adequado.

O nível de serviço desejado é o serviço que o consumidor espera receber. Trata-se de uma combinação do que o consumidor crê que pode ser e do que deveria ser a prestação do serviço. A conceitualização do nível de serviço desejado aproxima-se daquela do nível de serviço julgado ideal pelo consumidor. Por outro lado, o nível de serviço adequado representa o mínimo que o consumidor julga aceitável para a prestação de um determinado serviço. Isso é baseado, em parte, sobre a avaliação do consumidor do que será o serviço, ou seja, o padrão de serviço esperado pelo consumidor. Uma prestação julgada abaixo do nível de serviço adequado não seria aceita pelo consumidor ou ele tenderia a mudar de prestador.

Entre esses dois níveis de serviço, desejado e adequado, há uma zona de tolerância que "se dilata e se contrai como um acordeão" (Parasuraman, Berry e Zeithaml, 1991b, p. 42). Essa zona, apresentada na figura a seguir, pode variar de um consumidor a outro e, potencialmente, de uma situação a outra para o mesmo consumidor.

A partir do conceito de zona de tolerância, Zeithaml, Berry e Parasuraman (1993) sugerem a existência de vários elementos que influenciam as expectativas do consumidor em relação aos níveis de serviço desejado e de serviço adequado. Segundo esses autores, o consumidor de serviços apresenta um padrão normativo de expectativas, que eles chamam de serviço desejado. Esse padrão é definido como o nível de serviço que o consumidor espera receber. Ainda que esperem sempre realizar seus desejos ligados ao serviço, os consumidores reconhecem que isso nem sempre é possível. Nesse sentido, eles apresentam um segundo nível de expectativa, inferior ao nível desejado, que representa o nível mínimo aceitável do serviço, e que definem como o nível do serviço adequado. Esse nível adequado de expectativa é comparável ao nível mínimo tolerável definido por Miller (1977).

A zona de tolerância é uma medida global que traduz a diferença entre o nível adequado e o nível desejado do serviço. Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b) sugerem que o nível adequado do serviço depende muito mais do contexto do que o nível desejado. Esse aspecto, assim como os atributos dos diferentes tipos de serviços, podem determinar variações na extensão da zona de tolerância.

Em função de suas características heterogêneas, os serviços podem apresentar desempenho variável segundo a empresa ou, mesmo, segundo o pessoal de atendimento de uma mesma empresa. Zeithaml, Berry e Parasuraman (1993) indicam que essa heterogeneidade deve ser aceita pelo consumidor de acordo com a extensão da zona de tolerância que separa os níveis desejado e adequado do serviço.

As expectativas do serviço adequado parecem mais influenciadas por circunstâncias específicas do que as expectativas do serviço desejado. Por exemplo, uma influência sobre o nível de serviço adequado é o número de alternativas disponíveis de prestação de serviço percebidas pelo consumidor. A zona de tolerância terá provavelmente uma extensão menor, se o consumidor perceber que existem prestadores alternativos, entre os quais ele pode fazer sua escolha para o serviço.

Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b) sugerem ainda que, em situações de emergência, o nível de serviço adequado tende a se elevar, o que determina uma redução da zona de tolerância. A noção intuitiva expressa por esses autores é aquela de que os consumidores, em uma condição de emergência, tenderiam a ser mais exigentes em relação ao nível mínimo aceitável de uma prestação de serviço. A variação na extensão da zona de tolerância parece mais dependente de mudanças no nível do serviço adequado, porque esse nível varia de acordo com as circunstâncias e a situação de compra.

As expectativas em nível de serviço desejado, por outro lado, parecem mais estáveis, determinadas pelas características pessoais do consumidor. Um fator que pode aumentar o nível desejado do serviço parece ser a experiência ou a familiaridade do consumidor com o serviço. Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b) sugerem que consumidores mais experientes com certo tipo de serviço podem apresentar expectativas mais elevadas que os consumidores menos experientes, além de reclamarem mais, quando não estão satisfeitos com o serviço.

Assim, uma variedade de fatores, incluindo a experiência do consumidor, o número de alternativas percebidas de serviço e as situações de emergência, pode influenciar a extensão da zona entre os níveis desejado e adequado do serviço. Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b) sugerem que o reconhecimento dos dois níveis e da natureza dinâmica das expectativas, com a compreensão dos fatores que as influenciam, poderão ajudar dirigentes de empresas a reduzir a diferença entre as percepções e as expectativas dos consumidores.

A proposição da existência de uma zona de tolerância limitada por dois níveis de expectativas, gera várias questões e desafios metodológicos para pesquisas futuras. Uma dessas questões está ligada à operacionalização e à mensuração dessa zona, assim como ao desenvolvimento de instrumentos confiáveis para avaliar esse construto. Essa preocupação constitui o ponto central da presente pesquisa.

A ESCALA DE MENSURAÇÃO DA ZONA DE TOLERÂNCIA

Visto que essa zona é conceitualizada como a diferença entre o nível de serviço desejado e o nível de serviço adequado, seria necessário desenvolver uma escala que permitisse a mensuração desses dois níveis, utilizando uma mensuração direta dessa diferença, ou uma mensuração indireta. Servqual, por exemplo, utiliza um procedimento de mensuração indireta por meio da diferença de escores; entretanto a operacionalização de um construto mediante a diferença de dois outros construtos é alvo de vários questionamentos por razões psicométricas (Peter, Churchill Jr. e Brown, 1993). Por outro lado, ao discutir as implicações da pesquisa baseada na proposição do conceito de zona de tolerância, Zeithaml, Berry e Parasuraman (1993) sugerem o desenvolvimento de medidas que possam apresentar boa validade e boa confiabilidade dos construtos.

Uma forma de chegar a isso, de acordo ainda com Zeithaml, Berry e Parasuraman (1993), poderia ser por meio do desenvolvimento de escalas de mensuração direta com o objetivo de operacionalizar os conceitos, já que a utilização da diferença entre os níveis de serviço desejado e de serviço adequado pode ser problemática. De fato, especificar, ao mesmo tempo, em uma mesma escala, o nível de serviço desejado e o nível de serviço adequado pode ser uma tarefa muito difícil para o consumidor.

Parasuraman, Zeithaml e Berry (1994b) examinaram essas questões em uma pesquisa que compara escalas alternativas para medir a qualidade de serviços e testaram formatos alternativos de questionários de mensuração direta da qualidade de serviços e de mensuração da diferença de escores. Nessa pesquisa, esses autores consideraram as percepções dos consumidores e a sua avaliação da qualidade do serviço. De acordo com os resultados obtidos, as escalas de mensuração direta parecem apresentar melhor validade preditiva.

Na presente pesquisa, volta-se ao exame das expectativas do consumidor, visto que o conceito de zona de tolerância está ligado a tais expectativas e não às suas percepções. Busca-se, aqui, desenvolver uma escala destinada a mensurar a extensão da zona de tolerância, enfocando não o julgamento que o consumidor faz de um serviço, mas as suas expectativas em relação ao serviço. Em termos metodológicos, entretanto, interessa igualmente o problema da mensuração da zona de tolerância, relacionado à escolha entre mensuração direta e mensuração indireta. Em função de tais aspectos, foram elaboradas e testadas duas versões de questionário: uma, com escala de mensuração indireta; outra, com escala de mensuração direta, enfocando sempre a extensão da zona de tolerância dos consumidores de serviço.

A Escala de Mensuração Indireta

Para o questionário de mensuração indireta foi utilizada uma escala com o mesmo número de pontos numerados de Servqual, indo de 7 (Excelente) a 1 (Medíocre), apresentada em duas colunas. Para cada item, o entrevistado deve indicar na coluna da esquerda o valor correspondente ao seu nível de serviço desejado, isto é, em qual nível de cada aspecto ele considera desejável a prestação do serviço. Na coluna da direita, o entrevistado deve indicar o valor que traduz seu nível de serviço adequado, isto é, o mínimo aceitável para cada aspecto considerado da prestação do serviço.

Considerando que o entrevistado deve indicar seus dois níveis de prestação do serviço (desejado e adequado), uma escala de 7 pontos oferece bom poder de discriminação das respostas para captar a variação desses dois níveis. A escala de mensuração indireta é apresentada a seguir, com um exemplo de questão.

A Escala de Mensuração Direta

Para o questionário de mensuração direta, foi utilizada uma escala de 6 pontos, variando de 6 (Excelente) a 1 (Fraco, muito abaixo do nível excelente), onde cada ponto da escala indica, diretamente, a variação da zona de tolerância. O entrevistado deve posicionar-se em relação a cada aspecto da prestação do serviço, indicando o valor correspondente ao nível mínimo aceitável para esse aspecto, isto é, seu nível de serviço adequado. A hipótese, aqui, é de que o consumidor tende sempre a apresentar um nível de serviço desejado muito elevado. Bastaria, portanto, mensurar o nível de serviço adequado para se obter a extensão da zona de tolerância. Já que é esse nível que varia, uma escala de 6 pontos poderia captar, adequadamente, as variações da extensão da zona de tolerância. A formulação da escala de mensuração direta segue as recomendações de Carman (1990), que sugere que os dados sobre a diferença entre os dois construtos sejam coletados diretamente. Um exemplo da escala de mensuração direta da zona de tolerância é mostrado abaixo, com um exemplo de questão.

O QUESTIONÁRIO

A estrutura inicial do questionário utilizado nesta pesquisa foi desenvolvida a partir de Servqual (Parasuraman, Zeithaml e Berry, 1988) que, ainda que seja objeto de críticas tanto conceituais quanto metodológicas, é considerado por muitos autores no domínio do marketing, um instrumento adequado ao estudo da problemática da qualidade de serviços. Concebido originalmente em duas partes (uma para avaliar as expectativas do consumidor, outra para suas percepções em relação à prestação do serviço), Servqual oferece, na sua primeira parte, uma estrutura coerente para a análise do nível de expectativas do consumidor. Para a elaboração do questionário da nossa pesquisa, foram considerados, inicialmente, os itens dessa primeira bateria de Servqual, destinada às expectativas do consumidor.

Em uma primeira etapa da formulação dos itens do questionário, procedeu-se a algumas adaptações nas questões de Servqual, consagradas às expectativas dos consumidores, em função dos objetivos de mensuração da nossa escala. Como destacam Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988, p. 27) "é possível reformular os itens das cinco dimensões da qualidade, e/ou aumentar o número, para torná-los mais apropriados ao contexto de utilização do instrumento". Essa adaptação das questões de Servqual era necessária porque, nesta pesquisa, o que se busca mensurar não é a qualidade do serviço percebida pelo consumidor, mas o que ele espera de um serviço cuja prestação ainda não ocorreu. Não é, portanto, a mesma abordagem de Servqual.

No questionário da presente pesquisa, o consumidor não deve julgar a prestação ou se posicionar em relação a uma escala concordo/discordo. Ele deve indicar os limites que ele aceitaria em relação a certos aspectos de uma prestação de serviço. Não há nenhum julgamento do consumidor a favor ou contra, quanto aos aspectos da prestação: o que é mensurado são as suas expectativas em relação à prestação do serviço. Nesse sentido, em lugar de frases específicas como aquelas adotadas em Servqual, utilizam-se conceitos mais gerais como o prazo da prestação, a cortesia do pessoal de contato, os elementos tangíveis, entre outros.

De uma forma geral, foram conservados os mesmos aspectos da prestação de um serviço, tratados nos 22 itens do instrumento original; no entanto as questões vizinhas que se referem a um mesmo aspecto da prestação foram reagrupadas. Parece evidente que o reagrupamento e a supressão resultante de questões vizinhas podem afetar a confiabilidade da escala, porque o fato de ter questões repetidas pode favorecer essa confiabilidade; entretanto já que a formulação dos itens do questionário considera o conceito geral ligado à prestação do serviço (por exemplo, a cortesia do pessoal), não seria lógico ter itens idênticos. Assim, foi conservada uma única questão relativa a cada aspecto mais amplo da prestação do serviço.

Além disso, para a formulação dos itens, foram consideradas as críticas dirigidas a Servqual (Carman, 1990; Babakus e Boller, 1992; Lewis, 1993); foi privilegiada uma formulação mais direta, indicando uma característica de qualidade da prestação do serviço. Todas as questões foram modificadas para uma formulação positiva, conforme a abordagem de refinamento de Servqual, adotada por Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991b). No final desta etapa, e em função do reagrupamento das questões, a primeira versão do questionário da zona de tolerância contava com 17 itens.

Numa etapa seguinte da elaboração do questionário, foi realizada uma discussão exploratória em grupo, com o objetivo de confirmar os itens retidos a partir de Servqual e de fazer emergir, se fosse o caso, outros aspectos julgados importantes numa prestação de serviço. A justificativa para a realização de discussão em grupo retorna à pesquisa de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). Para a elaboração dos itens de Servqual, esses pesquisadores realizaram entrevistas com consumidores de nacionalidade americana. Parece bastante provável que os itens de Servqual possam traduzir mais preocupações e interesses desses consumidores. Assim, em função de diferenças culturais, é possível que, para o consumidor brasileiro, existam outros aspectos que assumem mais ou menos importância numa prestação de serviço. A realização prévia de discussão em grupo é, portanto, justificável para a construção do instrumento de coleta dos dados.

Os resultados da discussão em grupo confirmaram quase a totalidade das 17 questões que haviam sido definidas previamente a partir de Servqual, com exceção de 2 itens: As empresas deveriam analisar e manter cuidadosamente os registros de seus clientes e Os funcionários das empresas deveriam dispor de suporte adequado para efetuar corretamente seu trabalho. Os participantes julgaram que, para uma boa prestação do serviço, esses dois aspectos não têm o mesmo nível de importância que os outros quinze aspectos retidos.

Os resultados indicaram, ainda, aspectos importantes na prestação de serviço, refletindo um pouco a realidade dos serviços no Brasil, tais como o custo do serviço para o consumidor. Além disso, questões ligadas aos prazos da prestação, à honestidade do prestador e à confiança no pessoal da empresa foram também muito citadas pelos participantes.

No final dessa segunda etapa, a versão do questionário contava com 27 itens e todas as questões apresentavam formulação positiva. Em Servqual, Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988) inverteram certas questões por meio de uma formulação negativa, para evitar o possível efeito halo; entretanto em questionários mais longos, a inserção de questões negativas em meio a questões positivas pode criar dificuldade de compreensão para os entrevistados e gerar respostas incorretas (Carman, 1990).

Segundo Parasuraman e colaboradores (1988, 1991b), a qualidade de serviços mensurada por Servqual é um construto constituído de 5 dimensões. No questionário da nossa pesquisa, é possível que a estrutura fatorial da escala não seja a mesma de Servqual, devido, fundamentalmente, à supressão de certos itens e à adição de outros. A nova escala conta com 27 itens ao invés dos 22 originais de Servqual. Assim, antes de proceder a uma análise fatorial exploratória, não se poderia afirmar que a escala adotada apresenta uma estrutura dimensional semelhante àquela de Servqual. Não se poderia, em função disso, avaliar também a importância que os consumidores consagram a cada uma das 5 dimensões definidas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). Em sua formulação original, Servqual apresentava uma seção em que se solicitava que os entrevistados distribuíssem 100 pontos entre as 5 dimensões, segundo a importância atribuída a cada uma.

Outra observação relativa à elaboração do questionário da nossa pesquisa está ligada à utilização de uma questão única para avaliar a qualidade global do serviço da empresa. Parasuraman e colaboradores (1988, 1991b) apreciaram a validade convergente de Servqual, mediante uma questão que pedia aos consumidores que atribuíssem uma nota global acerca da qualidade de serviços da empresa que eles ponderavam. Na presente pesquisa, a abordagem não é a mesma, já que o que é examinado, unicamente, é o nível de expectativas do consumidor e a sua zona de tolerância em relação ao serviço. Não se busca examinar a percepção do consumidor em relação a um serviço prestado por uma empresa específica. Assim, não foi adotada uma questão para avaliar a qualidade média global da qualidade do serviço.

Ao final dessa etapa, a versão preliminar do questionário apresentava duas seções. A primeira com questões de identificação do entrevistado e a segunda com as 27 questões da pesquisa. Para testar o desempenho de cada uma das versões do questionário e escolher entre a utilização de uma escala de mensuração direta ou uma escala de mensuração indireta, foi efetuado um pré-teste. Decidiu-se, aqui, testar as duas versões do questionário, incluindo-se, no final, duas questões para avaliar o nível de dificuldade de resposta e o nível de compreensão dos dois construtos (serviço desejado e serviço adequado), ainda que bom número de pesquisadores sugiram que uma mensuração que adote uma diferença de escores seja problemática (Prakash, 1984; Carman, 1990; Babakus e Boller, 1992; Brown, Churchill Jr. e Peter, 1993; Peter, Churchill Jr. e Brown, 1993).

O pré-teste foi efetuado com 38 questionários (21 para a versão direta e 17 para a versão indireta), avaliando, especificamente, o serviço de transporte aéreo; permitiu escolher entre as duas versões preliminares, assim como refinar alguns aspectos para a versão definitiva do questionário. O tempo médio de resposta situou-se entre 15 e 20 minutos para cada uma das duas versões. O nível de dificuldade de resposta ao questionário foi avaliado por meio de uma escala de 5 pontos (1 = fácil; 5 = muito difícil). Escala semelhante foi adotada para avaliar o nível de compreensão dos conceitos de serviço desejado e de serviço adequado (1 = fraco; 5 = muito bom).

Os resultados da avaliação indicaram uma leve superioridade do questionário de mensuração direta, com uma avaliação mais favorável a essa versão: nível de dificuldade 2,524 (mensuração direta) e 2,765 (mensuração indireta) e nível de compreensão 3,333 (mensuração direta) e 3,059 (mensuração indireta). Os resultados do teste de diferença das médias indicam, ainda, que não se poderia rejeitar a hipótese de igualdade das médias (Dificuldade: t = -0,82; Compreensão: t = -0,80; α = 5%; g.l. = 36)(1 1 O teste de diferença das médias, efetuado em nível global, com a soma algébrica das variáveis Dificuldade e Compreensão, apresenta resultados semelhantes no sentido da igualdade das médias dessas duas variáveis. ).

No caso do questionário de mensuração indireta, o coeficiente de correlação entre essas duas variáveis (r = -0,67) sugere uma associação linear, em que as variações sobre uma delas são acompanhadas por variações no sentido inverso da outra variável. Esse aspecto parece bastante lógico, porque a dificuldade de responder ao questionário poderia estar efetivamente ligada à compreensão dos conceitos de serviço desejado e de serviço adequado. Em relação ao questionário de mensuração direta, o coeficiente de correlação entre as variáveis Dificuldade e Compreensão (r = -0,38) revela uma associação mais fraca entre essas duas variáveis.

Ainda que a diferença entre as avaliações das duas versões do questionário não seja estatisticamente significativa para um dos dois tipos de mensuração testados, os resultados sugerem uma ligeira superioridade da escala de mensuração direta sobre aquela de mensuração indireta, apontando o melhor desempenho da primeira para a coleta dos dados. Esse aspecto vai ao encontro do que é sugerido na literatura pertinente e das conclusões de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1994b).

Outro aspecto analisado no pré-teste é o possível efeito que cada versão poderia exercer sobre a extensão da zona de tolerância dos entrevistados. Com relação à mensuração da extensão da zona de tolerância, as duas escalas parecem apresentar desempenhos similares, porque os escores para as duas versões do questionário são muito próximos. Na realidade, um teste da diferença de médias entre as duas modalidades do questionário, item por item, revela que as médias diferem somente em relação ao item Cortesia do pessoal de atendimento (t = 2,18; sig. 0,036; α = 5%; g.l. = 36). Poder-se-ia admitir que não há efeitos significativos do tipo de questionário sobre a mensuração da extensão da zona de tolerância.

Os resultados do pré-teste do questionário não indicam nenhuma avaliação mais favorável da parte dos entrevistados para uma ou outra das duas versões. A escolha do tipo de questionário poderia ser tanto por uma como por outra versão. Considerando esse equilíbrio e, sobretudo, as críticas que diferentes pesquisadores fazem acerca dos inconvenientes ligados à utilização da diferença de escores, a escolha entre os dois tipos de questionário recaiu sobre aquele que adota a mensuração direta. Outro aspecto que pode influenciar a opção pela escala de mensuração direta são alguns comentários feitos pelos entrevistados durante a discussão em grupo, que reforçam a idéia de que o nível de serviço desejado pelo consumidor estará sempre num nível mais elevado.

ANÁLISE DA ESCALA DE MENSURAÇÃO DA ZONA DE TOLERÂNCIA

A aplicação do questionário de mensuração da zona de tolerância foi feita por meio de uma coleta dos dados efetuada por via postal, em Porto Alegre, RS, com questionários enviados para o endereço residencial de cada cliente, selecionado a partir de listas fornecidas por empresas de cinco setores de serviços: locação de automóveis, revenda de automóveis, seguro de vida, telefonia fixa e transporte aéreo. Cada questionário foi acompanhado de carta de apresentação e de envelope de retorno, endereçado e com porte pago. No final, foram tratados 331 questionários, que representaram uma taxa de retorno de 31,9%.

Para a análise da escala proposta, inicialmente examinou-se a sua dimensionalidade mediante uma análise fatorial exploratória, tentando-se identificar a estrutura de fatores comuns que reagrupa as variáveis iniciais desta pesquisa. Seguindo a mesma linha adotada pela maioria das pesquisas sobre qualidade de serviços, esta análise foi efetuada ao nível dos setores de serviços.

Preliminarmente, foram realizados dois testes formais (teste de esfericidade de Bartlett e teste de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin), para verificar se os dados formam um conjunto suficientemente coerente, para que seja razoável buscar a identificação de dimensões comuns que tenham sentido e que não sejam apenas artefatos estatísticos. Esses dois testes são desenvolvidos a partir da matriz das correlações entre as variáveis. Os resultados obtidos sugerem que a utilização da análise fatorial é inteiramente apropriada para o conjunto dos dados disponíveis. Os dados foram examinados tanto no nível da amostra total (modelo geral), quanto no nível dos setores de serviços individualmente.

A Análise Fatorial Exploratória

Para a análise fatorial exploratória foi utilizada a análise de componentes principais (ACP) sobre a matriz das correlações, sendo, então, retidos todos os eixos para os quais o valor próprio era superior ou igual a 1 e foi efetuada uma rotação ortogonal Varimax. Na elaboração de Servqual, Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988) utilizaram o procedimento Oblimin, de rotação oblíqua da matriz principal, porque a análise fatorial com rotação ortogonal não apresentou resultados satisfatórios. Na presente análise, no entanto, a rotação ortogonal Varimax permitiu fazer emergir uma estrutura fatorial assaz clara.

A extração dos fatores revelou a forte contribuição do primeiro deles em todos os setores de serviços examinados, entre 52,9% e 58,8%. A regra do valor próprio superior a 1 sugere um número de 4 fatores para os serviços de locação de automóveis, revenda de automóveis, seguro de vida e telefonia fixa, ainda que se possa identificar um limite após o terceiro fator. Por outro lado, para o serviço de transporte aéreo e para o modelo geral (amostra total), a regra do valor próprio superior a 1 sugere uma solução de 3 fatores. Talvez se pudesse tentar efetuar uma análise fatorial para todos os setores de serviços, fixando o número de fatores em 4; entretanto, com essa solução, os valores próprios do quarto fator para o serviço de transporte aéreo e para o modelo geral estariam abaixo de 1, o que não seria mais significativo do que uma variável tomada individualmente.

A solução fatorial obtida não verifica as dimensões da qualidade de serviços definidas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). Outras pesquisas precedentes também não identificaram essas cinco dimensões da qualidade de serviços (Carman, 1990; Finn e Lamb, 1991; Hedvall e Paltschik, 1991; Babakus e Boller, 1992; Bouman e Van der Wiehe, 1992). Para tentar identificar o número adequado de dimensões da nossa escala, foram examinadas as soluções resultantes da utilização de 4 e 3 fatores.

A solução de 4 fatores, após rotação ortogonal da matriz principal, com o procedimento Varimax, gerou matrizes de cargas fatoriais com estrutura muito instável entre os setores de serviços. Esse aspecto tornou difícil uma primeira interpretação. Alguns itens apresentavam ainda elevadas cargas sobre mais de um fator, o que poderia sugerir a sua supressão. Esse aspecto indicava uma possível redução do número de dimensões da solução fatorial.

As matrizes foram recalculadas para todos os setores, adotando-se um procedimento ligeiramente modificado para a extração dos fatores. Uma vez mais foi utilizada a ACP sobre a matriz das correlações e as dimensões foram fixadas previamente em 3. Com esse procedimento, além da obtenção de estrutura fatorial muito mais estável, as matrizes fatoriais de todos os setores puderam ser mais facilmente comparadas. O padrão de cargas fatoriais resultante mostrou-se similar entre os setores, o que sugere que a estrutura obtida é estável. As porcentagens de restituição da variância dos três primeiros fatores variam de 68,7% para o serviço Telefone, a 73,3% para o serviço Seguro de Vida. Parasuraman e colaboradores, em duas pesquisas diferentes, fundamentadas em uma solução fatorial de cinco dimensões, obtiveram percentuais da variância explicada entre 56% e 61,6% (1988) e 66,9% e 70,9% (1991b).

A interpretação dos itens finais, que compõe as três dimensões resultantes da análise fatorial, sugere os intitulados e definições seguintes.

· Dimensão 1 (D1) - Responsabilidades do prestador: que reagrupa os itens ligados às obrigações e ao desempenho do prestador do serviço. Aspectos como o prazo da prestação, o respeito ao orçamento, a capacidade e a competência do prestador, para produzir o serviço de maneira adequada, estão presentes nessa dimensão.

· Dimensão 2 (D2) - Relação com o cliente: que reagrupa os itens ligados à interação cliente-prestador. O tratamento recebido pelo cliente e a sua relação com o prestador se traduzem pelos elementos como cortesia, ambiente da prestação, atenção individual, entre outros.

· Dimensão 3 (D3) - Elementos tangíveis: que reagrupa os itens ligados aos aspectos tangíveis da prestação do serviço, como o estado dos equipamentos e das instalações, assim como a apresentação do pessoal da empresa.

Antes de efetuar outras análises fatoriais para identificar uma estrutura mais estável, foi examinada a solução obtida em três dimensões. Para avaliar esta dimensionalidade, foi elaborada a matriz de correlações entre os itens da escala. Essa matriz foi examinada, utilizando-se regras de convergência e de discriminação de medida sugeridas por Bagozzi (1981).

Um exame detalhado das correlações revela que as regras de convergência entre os itens verificam-se de maneira satisfatória. Os itens representando cada dimensão exibem coeficientes de correlação intradimensão bastante elevados entre eles. O valor mais fraco é igual a 0,47. Em termos de discriminação entre os itens da escala, a solução fatorial em três dimensões é satisfatória. Com poucas exceções, os coeficientes de correlação interdimensão apresentam, em geral, valores bastante reduzidos. Em nível das dimensões, os itens de D3 apresentam bom nível de discriminação.

Assim, pode-se aceitar que a matriz das correlações, resultante da solução fatorial em três dimensões, apresenta boas propriedades de convergência e de discriminação entre os itens. Em uma etapa seguinte da análise da escala, foi avaliada a confiabilidade do instrumento de medida da zona de tolerância, ou seja, a sua propensão a fornecer os mesmos valores nas mesmas condições de medida.

A Confiabilidade da Escala

Para avaliar a confiabilidade da escala utilizada foi adotado o método de consistência interna, que avalia a homogeneidade do conjunto de itens. Para isso, utilizou-se o cálculo do coeficiente α-Cronbach, que constitui um dos procedimentos mais adotados para avaliar a confiabilidade de uma escala múltipla de itens. Em razão da multidimensionalidade do construto, o coeficiente α-Cronbach foi calculado separadamente para as três dimensões. O objetivo foi determinar em que medida os itens que compõem cada uma das dimensões compartilham uma noção comum. Além disso, as cinco subamostras independentes, correspondendo a cada setor de serviços, foram analisadas separadamente.

Os dados brutos das respostas ao questionário foram utilizados para o cálculo dos coeficientes α-Cronbach; a escala total apresentou um valor igual a 0,97. Além disso, os valores compreendidos entre 0,74 e 0,97 para o nível dos setores, sugerem que a escala apresenta boa confiabilidade, sobretudo para o conjunto de itens que traduzem as dimensões D1 e D2. Os coeficientes obtidos reforçam a demonstração da coerência entre os itens no interior de cada dimensão. Essa consistência interna contribui para estabelecer a validade convergente da escala de medida da zona de tolerância utilizada nesta pesquisa.

A obtenção de coeficientes α-Cronbach elevados é compreensível, porque o ponto de partida para a elaboração do questionário desta pesquisa sobre a zona de tolerância foi o instrumento Servqual, que já apresentava coeficientes bastante elevados. Além disso, o coeficiente total de confiabilidade apresentado pela escala da presente pesquisa é superior àqueles obtidos por Parasuraman e colaboradores (1988, 1991b) com a aplicação de Servqual.

A Purificação da Escala

Numa etapa seguinte, foi realizada outra análise fatorial, suprimindo-se itens que apresentavam número mais elevado de inconsistências nas matrizes de cargas fatoriais iniciais. A supressão desses itens conduziu, por um lado, a calcular novamente os coeficientes α-Cronbach e a reexaminar a estrutura fatorial do conjunto de itens. Após uma série de análises fatoriais exploratórias, efetuadas de forma interativa, obteve-se uma solução que parece a mais adequada, com a supressão de 5 itens da escala original. A solução final é constituída de 22 itens. O critério adotado para a supressão dos itens foi a estabilidade do modelo fatorial resultante. Esta estabilidade é caracterizada por um número menor de inconsistências item-dimensão. É provável que a supressão desses 5 itens possa reforçar a validade da escala definitiva de medida da zona de tolerância, que é discutida na seção seguinte.

A Dimensionalidade de Escala

As análises fatoriais efetuadas permitiram identificar claramente a existência de três dimensões da qualidade de serviços, confirmando os resultados de pesquisas precedentes sobre a dimensionalidade desse construto(2 2 Bouman e Van der Wiehe (1992) examinaram o serviço automobilístico e concluíram que a qualidade de serviços apresenta três dimensões, ainda que uma dessas dimensões ( faith) não encontre correspondência nos resultados aqui obtidos. ). Em todas as matrizes de cargas fatoriais obtidas para cada setor de serviços e para o modelo geral, a dimensão D1 é aquela que mais contribui para a variância explicada, antes da fase de rotação. Esse plano fatorial explica mais da metade da informação inicial. Além disso, o percentual total da variância explicada pelos três fatores da solução obtida, aproximadamente 70% em todos os casos, reforça o fato de que essa solução tridimensional é amplamente adequada para descrever o conjunto de variáveis.

Por outro lado, a dimensão D2, formada pela combinação de itens originários de duas dimensões definidas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988), parece refletir os mesmos problemas de estabilidade já identificados sobre essas duas dimensões em pesquisas precedentes (Babakus e Boller, 1992). A dimensão D3 reflete efetivamente a dimensão Tangíveis definida por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). Os resultados obtidos sugerem ainda que a solução em cinco dimensões proposta por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988) é problemática, já que não se pôde identificar esse mesmo número de dimensões.

Esses primeiros resultados parecem indicar que a dimensionalidade da qualidade de serviços pode ser dependente do setor de serviços examinado. Essa conclusão preliminar segue o mesmo raciocínio de Carman (1990) e Babakus e Boller (1992) a respeito da inexistência de um número único de dimensões para todos os serviços; entretanto as análises fatoriais, realizadas na seqüência, com o número de dimensões fixadas em três, produziram matrizes fatoriais que apresentam estabilidade satisfatória, segundo os setores de serviços examinados. Para cada um desses setores, a solução em três dimensões explica uma porção importante da variância.

Já que essa solução se mostrou estável em todos os serviços examinados, parece provável que ela possa adaptar-se igualmente bem para um número maior de outros setores de serviços. Isso sugere que a qualidade de serviços parece um construto tridimensional e que esse número de dimensões não teria tendência a variar em função do setor de serviços. Essa conclusão refuta a existência das cinco dimensões da qualidade de serviços, tal como preconizadas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). Por outro lado, ela parece confirmar o argumento desses autores de que o número dessas dimensões pode ser generalizado a grande número de serviços.

A Validade da Escala

Um aspecto importante, ainda por analisar, está ligado à validade interna da escala. Os critérios adotados para apreciar a validade foram a confiabilidade, a validade convergente e a validade discriminante.

Os coeficientes de confiabilidade e as estruturas fatoriais obtidas sugerem que a escala final de medida da zona de tolerância, composta de 22 itens articulados em três dimensões, apresenta boas propriedades psicométricas. Os coeficientes α-Cronbach, calculados para as três dimensões, são similares e elevados em todas as amostras independentes examinadas. A estimação da confiabilidade total da escala para o conjunto dos 22 itens varia de 95 a 97. Os resultados apóiam amplamente a coerência interna dos itens da escala em cada dimensão. Além disso, esses coeficientes são claramente superiores àqueles obtidos por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988).

O fato de obter coeficientes elevados sugere que as modificações efetuadas em nível dos itens da escala, buscando uma formulação positiva, podem ter tido efeitos benéficos sobre a confiabilidade. Em uma pesquisa destinada ao refinamento de Servqual, Parasuraman, Berry e Zeithaml (1991a) também adotaram uma formulação positiva para todos os itens dessa escala. Esses autores já reconheciam que os efeitos de tal formulação "podem ser especialmente benéficos" (Parasuraman, Berry e Zeithaml, 1991a, p. 434). Esse procedimento de formulação dos itens da escala na presente pesquisa segue as recomendações de Carman (1990).

Os elevados coeficientes de confiabilidade e a estrutura fatorial coerente desta escala, por meio das cinco amostras independentes, constituem elementos em favor da validade interna (Peter, 1981); entretanto tal evidência, ainda que necessária, não é suficiente para estabelecer a validade de construto da escala. Um aspecto importante que avaliar é o da validade convergente, buscando identificar se os itens da escala, supostos representar um construto, convergem em relação ao mesmo construto. A confiabilidade da escala, medida pelo coeficiente α-Cronbach, reflete o grau de consistência entre os itens da escala e constitui, portanto, um indicador indireto da validade convergente. Nesta pesquisa, os coeficientes α-Cronbach são bastante elevados.

Outro aspecto importante para verificar a validade convergente de uma escala é a avaliação, visando saber se os itens, na suposição de representarem uma dimensão, compartilham efetivamente cargas fatoriais elevadas e similares sobre essa dimensão. Um exame das matrizes finais, resultantes das análises fatoriais, mostra que as cargas relativas a cada dimensão, com pouquíssimas exceções, variam sempre entre 0,50 e 0,90, o que sugere que a escala apresenta validade convergente.

Em termos de validade discriminante, a escala de medida da zona de tolerância parece apresentar desempenhos bastante satisfatórios. A análise da discriminação entre os itens da escala é feita com base na matriz das correlações. Para que o nível de discriminação seja considerado adequado, é necessário que os coeficientes das correlações entre os itens pertencentes a diferentes dimensões sejam muito fracos. De maneira geral, pode-se constatar que todos os coeficientes interdimensão apresentam valores reduzidos nessa matriz. Afora três itens, a maior parte dos coeficientes situam-se abaixo de 0,50. Os itens da dimensão D3 são aqueles que parecem apresentar melhor discriminação.

Em conclusão, pode-se dizer que os índices de confiabilidade da escala e os coeficientes de correlação intradimensão bastante elevados verificam as propriedades de validade convergente da escala de medida da zona de tolerância. Além disso, o padrão das cargas fatoriais obtidas e os coeficientes das correlações interdimensão são favoráveis à validade discriminante da escala. Os níveis de validade convergente e discriminante da escala de medida da zona de tolerância são aceitáveis, o que demonstra a validade de construto da escala. Coeficientes interdimensões com valores ainda menos elevados seriam mais desejáveis; entretanto, como se pôde constatar por meio das análises fatoriais efetuadas, a existência de uma dimensão dominante pode demonstrar que há um efeito de método. Esse efeito, comum a todos os itens, faz com que a validade discriminante possa ser mais limitada.

CONCLUSÃO E CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA

Nesta pesquisa, buscou-se explorar um pouco mais as expectativas do consumidor e o seu papel no processo de avaliação da qualidade de serviços. Na literatura específica de serviços, muito poucas pesquisas examinaram o conceito de zona de tolerância (Parasuraman, Berry e Zeithaml, 1991b; Liljander e Strandvik, 1993; Zeithaml, Berry e Parasuraman, 1993; Parasuraman, Zeithaml e Berry, 1994b). As conclusões desta pesquisa contribuem para o enriquecimento da literatura sobre a qualidade de serviços por meio da elaboração de um instrumento destinado a operacionalizar e medir a zona de tolerância de consumidores. A necessidade de desenvolver medidas mais efetivas para estudar a qualidade de serviços já havia sido destacada por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1994a).

Ainda que a zona de tolerância seja conceitualizada como a diferença entre as expectativas do nível de serviço desejado do consumidor e as expectativas do nível de serviço adequado em relação a uma prestação, privilegiou-se o desenvolvimento de uma escala de medida direta. Essa orientação segue as recomendações de Carman (1990), Brown, Churchill Jr. e Peter (1993) e Peter, Churchill Jr. e Brown (1993), com relação aos problemas ligados à utilização de medidas fundamentadas na diferença de escores.

Os resultados das análises efetuadas demonstram que a escala mede adequadamente a extensão da zona de tolerância dos consumidores de serviços. Como se destacou anteriormente, a indicação do nível de serviço desejado não é uma condição essencial para medir essa extensão, já que os consumidores tendem a demonstrar um nível desejado muito elevado. Além disso, os resultados obtidos apontam ainda que a escala desenvolvida apresenta bons níveis de confiabilidade e validade. Os coeficientes α-Cronbach bastante elevados indicam boa consistência interna e contribuem para a validade convergente do instrumento. Ademais, a construção cuidadosa da escala, fundamentada em exame exaustivo da literatura sobre a realização de pré-testes, sugere que o instrumento apresenta boa validade interna.

A escala desenvolvida nesta pesquisa pode ser adequadamente utilizada para estimar as variações da extensão da zona de tolerância dos consumidores de serviços, seja em relação a um aspecto preciso da prestação do serviço, seja de uma dimensão mais ampla dessa mesma prestação. Outra contribuição teórica importante desta pesquisa relaciona-se à discussão do número de dimensões da qualidade de serviços. Nas primeiras análises fatoriais efetuadas, identificaram-se dimensões entre 3 e 4. Esses resultados não confirmam a existência das cinco dimensões preconizadas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988). As análises fatoriais sugerem que uma solução de três fatores é aquela que se adapta melhor ao construto da qualidade de serviços. Ao longo dessas análises fatoriais, a solução de três dimensões mostrou-se estável para todos os setores examinados.

Do ponto de vista da gestão de serviços, a compreensão da maneira como os consumidores avaliam a qualidade de serviços pode ajudar os profissionais de marketing na concepção e na definição de uma prestação de serviço, de seu preço e de sua promoção. A contribuição em termos de segmentação de mercado também pode ser importante. Por outro lado, a definição e a implantação de políticas de serviço mais eficazes por parte da empresa estão ligadas a uma melhor compreensão dos fatores determinantes da avaliação da qualidade pelos consumidores.

Já que a qualidade de um serviço depende fortemente das expectativas do cliente em relação à prestação do serviço, a atenção a aspectos que determinam essas expectativas torna-se fundamental. O conhecimento da extensão da zona de tolerância dos consumidores é um aspecto importante para ser considerado pelas empresas na sua definição da prestação do serviço. A empresa que conhece os limites aceitos pelo consumidor de seu serviço está em condições de melhor definir uma oferta superior no mercado. Como destacado por Grönroos (1990, p. 35-36), "quando o prestador de serviço compreende como o serviço será avaliado pelo consumidor, é possível administrar essas avaliações e influenciá-las em certa direção".

Esse controle das variações da zona de tolerância pode ser efetuado por meio de adaptações em termos da prestação do serviço. Os responsáveis pela prestação do serviço deveriam, ainda, enfocar a administração específica das dimensões da qualidade de serviços. O conhecimento dessas dimensões representa uma base sólida para ações de marketing na empresa, assim como para o desenvolvimento de programas de qualidade em nível interno. É preciso conhecer quais são os aspectos privilegiados pelo consumidor na prestação do serviço. O que parece realmente contar para ele é o próprio serviço, ou seja, o fato de que o serviço que lhe é oferecido é efetivamente o serviço que ele procura.

NOTAS

Alziro César M. Rodrigues, é Doutor em Administração pela École des Hautes Études Commerciales, France. Professor Titular do Departamento de Administração e Coordenador do Curso de Mestrado em Administração e Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, além de Consultor de Empresas. Suas áreas de interesse em pesquisa são comportamento do consumidor, qualidade de serviços, satisfação do consumidor, marca e imagem corporativa. Endereço: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia, Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: rodrigues@pucrs.br

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  • 1
    O teste de diferença das médias, efetuado em nível global, com a soma algébrica das variáveis
    Dificuldade e
    Compreensão, apresenta resultados semelhantes no sentido da igualdade das médias dessas duas variáveis.
  • 2
    Bouman e Van der Wiehe (1992) examinaram o serviço automobilístico e concluíram que a qualidade de serviços apresenta três dimensões, ainda que uma dessas dimensões (
    faith) não encontre correspondência nos resultados aqui obtidos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2001
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