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Agente comunitário de saúde: desafios do trabalho na zona rural

Resumos

Estudo de abordagem qualitativa objetivando conhecer os desafios do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde na zona rural de Jerônimo Monteiro - ES e identificar se estes ACS, no atendimento das demandas dos usuários rurais, além de suas atividades instituídas, buscam formas diferenciadas de produzir a sua prática. A produção do material do estudo se deu através de entrevistas e da observação. A Análise Institucional norteou a análise deste estudo. O extenso território de abrangência das USF, a grande dispersão demográfica, os acessos distantes e difíceis aos domicílios, as formas de locomoção, os animais e as visitas domiciliares no período da colheita do café foram os principais desafios do cotidiano laboral do ACS rural. Diante destes desafios e na obrigação de cumprir as ações instituídas, os ACS rurais de Jerônimo Monteiro inovam e buscam formas diferenciadas de produzir a sua prática.

Agentes Comunitários de Saúde; Saúde da Família; Saúde da População Rural; Cidades Pequenas; Meio Ambiente


Este estudio cualitativo busca identificar los retos de la labor de los trabajadores de salud comunitarios en las zonas rurales Jerônimo Monteiro - ES e identificar si estos ACS, para satisfacer las demandas de los usuarios rurales y sus actividades instituyó, buscando diferentes maneras de producir su práctica. La producción del material de estudio se recogió a través de entrevistas y observación. El Análisis Institucional guiado el análisis de este estudio. La amplia cobertura de la USF territorio, la gran dispersión demográfica, la distante y difícil de acceder a viviendas, formas de locomoción, los animales y las visitas domiciliarias durante la cosecha de café fueron los principales desafíos de la labor diaria de la campo ACS. Ante estos retos y la obligación de cumplir con las medidas impuestas, la ACS rural Jerônimo Monteiro innovar y buscar diferentes maneras de producir su práctica.

Agentes Comunitarios de Salud; Salud de la família; Salud Rural; Ciudades Pequeñas; Ambiente


The purpose of this qualitative study is to identify the challenges Community Health Workers (CHW) face in the rural areas of Jerônimo Monteiro - ES and assess whether in the course of meeting the demands of rural health service users, CHWs seek different ways of carrying out their activities, over and above institutionalized practice. The study material was collected through interviews and observation, following an Institutional Analysis perspective. The extension of the Family Health Unit (FHU), its large demographic dispersion, the fact that homes are distant and difficult to access, forms of locomotion, animals, and home visits during the coffee harvest constituted the main challenges of the daily work of CHWs in rural areas. Given these challenges and the need to fulfil with their assigned activities, CHWs working in the rural areas of Jerônimo Monteiro innovate and seek different ways to develop their practice.

Community Health Workers; Family Health; Rural Health; Small Cities; Environment


Agente comunitário de saúde: desafios do trabalho na zona rural

Renan Almeida BaptistiniI; Tulio Alberto Martins de FigueiredoII

IMestre em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: renan_baptistini@hotmail.com

IIProfessor Associado do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: tulioamf@hotmail.com

RESUMO

Estudo de abordagem qualitativa objetivando conhecer os desafios do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde na zona rural de Jerônimo Monteiro – ES e identificar se estes ACS, no atendimento das demandas dos usuários rurais, além de suas atividades instituídas, buscam formas diferenciadas de produzir a sua prática. A produção do material do estudo se deu através de entrevistas e da observação. A Análise Institucional norteou a análise deste estudo. O extenso território de abrangência das USF, a grande dispersão demográfica, os acessos distantes e difíceis aos domicílios, as formas de locomoção, os animais e as visitas domiciliares no período da colheita do café foram os principais desafios do cotidiano laboral do ACS rural. Diante destes desafios e na obrigação de cumprir as ações instituídas, os ACS rurais de Jerônimo Monteiro inovam e buscam formas diferenciadas de produzir a sua prática.

Palavras-chave: Agentes Comunitários de Saúde; Saúde da Família; Saúde da População Rural; Cidades Pequenas; Meio Ambiente

ABSTRACT

The purpose of this qualitative study is to identify the challenges Community Health Workers (CHW) face in the rural areas of Jerônimo Monteiro - ES and assess whether in the course of meeting the demands of rural health service users, CHWs seek different ways of carrying out their activities, over and above institutionalized practice. The study material was collected through interviews and observation, following an Institutional Analysis perspective. The extension of the Family Health Unit (FHU), its large demographic dispersion, the fact that homes are distant and difficult to access, forms of locomotion, animals, and home visits during the coffee harvest constituted the main challenges of the daily work of CHWs in rural areas. Given these challenges and the need to fulfil with their assigned activities, CHWs working in the rural areas of Jerônimo Monteiro innovate and seek different ways to develop their practice.

Keywords: Community Health Workers; Family Health; Rural Health; Small Cities; Environment

RESUMEN

Este estudio cualitativo busca identificar los retos de la labor de los trabajadores de salud comunitarios en las zonas rurales Jerônimo Monteiro - ES e identificar si estos ACS, para satisfacer las demandas de los usuarios rurales y sus actividades instituyó, buscando diferentes maneras de producir su práctica. La producción del material de estudio se recogió a través de entrevistas y observación. El Análisis Institucional guiado el análisis de este estudio. La amplia cobertura de la USF territorio, la gran dispersión demográfica, la distante y difícil de acceder a viviendas, formas de locomoción, los animales y las visitas domiciliarias durante la cosecha de café fueron los principales desafíos de la labor diaria de la campo ACS. Ante estos retos y la obligación de cumplir con las medidas impuestas, la ACS rural Jerônimo Monteiro innovar y buscar diferentes maneras de producir su práctica.

Palabras clave: Agentes Comunitarios de Salud; Salud de la família; Salud Rural; Ciudades Pequeñas; Ambiente

Introdução

O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é um trabalhador que atua em duas importantes iniciativas do Ministério da Saúde: o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e a Estratégia Saúde da Família (ESF). Atualmente, esses programas consolidam-se no contexto da municipalização e descentralização das ações de atenção primária à saúde no Brasil.

O PACS surgiu em 1991, na região Nordeste do Brasil, com o compromisso de melhorar a capacidade da população de cuidar de sua saúde por intermédio do Agente Comunitário de Saúde. Uma nova estratégia foi adotada em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF), contemplando a incorporação de recursos humanos e tecnológicos à proposta anterior, para expressar um novo acesso da comunidade ao serviço de saúde, inclusive no que se refere às ações diretas dos profissionais às famílias, representando maior grau de resolutividade do que o PACS às demandas em saúde (LARA, 2008).

A Estratégia Saúde da Família (ESF), denominação que atualmente substitui PSF, surge com o propósito de superação de um modelo de assistência à saúde marcado pelos serviços hospitalares, atendimentos médicos e ações curativas. A atenção estaria centrada na família e a unidade de saúde inserida na atenção básica, devendo estar vinculada à rede de serviços de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias.

Desde 1994, as equipes da ESF são compostas, minimamente, por um enfermeiro, um médico, um auxiliar de enfermagem, quatro a seis ACS e equipe de saúde bucal, sendo que outros profissionais podem ser incorporados de acordo com as necessidades da população.

O ACS atua neste contexto como membro da equipe de saúde, sendo responsável por uma microárea dentro da área territorial de adscrição da equipe, desenvolvendo ações que buscam a integração entre a equipe de saúde e a população, além de ser responsável por cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados; orientar famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis; desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade, entre outras.

A figura do ACS, inserido na ESF, emerge como um elo entre a comunidade e o sistema de saúde, uma vez que o mesmo deve residir na própria comunidade onde atua. Acredita-se que por ser parte da comunidade em que vive e para quem trabalha, conhece melhor as necessidades desta, compartilha um mesmo contexto social e cultural e um mesmo universo linguístico e, portanto, está mais apto a lutar pelos direitos da comunidade. Este fato é decisivo no aumento da eficácia das ações de educação em saúde (NUNES et al., 2002).

Na opinião de Nascimento (2008), o ACS é o profissional que está em contato permanente com a comunidade. Ele vive nela e faz parte dela. Une dois universos culturais distintos: o científico e o popular, ajudando assim no trabalho de vigilância e na promoção da saúde.

No contexto em que se deu o estudo, o município contava com quatro unidades de saúde inseridas na ESF, com equipes em pleno funcionamento. Estavam integrados a essas equipes vinte e seis ACS, dos quais nove desenvolviam suas atividades na zona rural do município.

Alguns desafios podem ser apontados para o saber-fazer e saber-ser Agente Comunitário de Saúde como, por exemplo, o papel de "tradutor" do universo científico ao popular; a entrada no contexto e na problemática das famílias; a enorme variedade de contexto, exigindo flexibilização em sua prática; a amplitude das finalidades da ESF, exigindo ora uma vertente mais assistencial e de vigilância e ora de promoção de saúde e qualidade de vida; a resistência da população às propostas de mudança de hábitos; os conflitos e dificuldade de relacionamento com os membros da comunidade e dentro da própria equipe de saúde; dentre outros.

Além dos desafios já apontados, os ACS que trabalham na zona rural convivem, diariamente, com algumas situações que são singulares de seu labor. Este estudo teve como objetivos conhecer os desafios do trabalho do Agente Comunitário de Saúde na zona rural de Jerônimo Monteiro – ES e identificar se os ACS, no atendimento das demandas dos usuários rurais, além de suas atividades instituídas, buscam criar formas diferenciadas de produzir a sua prática.

O município de Jerônimo Monteiro é caracterizado por uma situação fundiária típica do Estado do Espírito Santo, onde predominam as pequenas propriedades rurais geridas pelas famílias (agricultura familiar). A área urbana de Jerônimo Monteiro é contornada por estas pequenas propriedades rurais que são cortadas por estradas de terra batida que dão acesso aos domicílios situados na zona rural. É neste contexto que alguns ACS vivenciam os desafios de seu cotidiano laboral.

Métodos

Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa. A opção por tal abordagem considera que a mesma aplica-se ao estudo das relações, das representações, das percepções e das opiniões, produto das interpretações que os homens fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam (MINAYO, 2008).

O cenário do estudo foi o município de Jerônimo Monteiro, situado no Sul do estado do Espírito Santo. Trata-se de um município localizado na Macrorregião Administrativa Sul do Espírito Santo, na Microrregião de Gestão do Polo Cachoeiro, a 194 Km da capital do estado. O município tem uma área de 162,164 Km² e uma população de 10.879 habitantes (IBGE, 2010).

O universo deste estudo foi o conjunto formado pelos nove ACS rurais que integram a equipe de saúde local. Os critérios de inclusão dos participantes deste estudo foram os seguintes: ser ACS e ter domicílio no município de Jerônimo Monteiro, atuar na zona rural e estar de acordo em participar do mesmo.

No contexto em que se deu o estudo estavam integrados à municipalidade vinte e seis ACS, dos quais cinco atuavam exclusivamente na atenção de domicílios rurais, entretanto, outros quatro atuavam tanto na atenção de domicílios rurais quanto urbanos. Assim posto, este estudo poderia envolver um conjunto de nove participantes. No entanto, um dos sujeitos se recusou a participar do estudo, ficando a amostra definida por oito sujeitos.

Os instrumentos de coleta de material utilizados neste estudo foram a entrevista e a observação.

Marconi e Lakatos (2007) avaliam a entrevista como "um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação profissional". Múltiplos são os objetivos das entrevistas, a nossa pretendeu caracterizar e conhecer os planos de ação dos Agentes Comunitários de Saúde a fim de identificar suas condutas e o cotidiano de suas visitas domiciliares rurais.

Todas as entrevistas foram gravadas mediante permissão dos sujeitos investigados. Sobre a observação, a mesma foi direta e registrada em um diário de campo. O registro das atividades de campo tornou-se indispensável para a pesquisa e visou acompanhar os processos de trabalho dos ACS rurais em suas visitas domiciliares.

As entrevistas gravadas com os ACS foram previamente agendadas e realizadas na unidade de saúde de referência de cada um deles. Da mesma forma agendou-se, juntamente com o enfermeiro da unidade de cada ACS, os dias em que se deu o trabalho de produção do material do estudo, sendo que foram feitos dois dias de visitas aos domicílios rurais com cada um dos ACS.

Após a transcrição, na íntegra, das entrevistas, procedeu-se a leitura das mesmas procurando, através de unidades de sentido, a sua categorização, seguida da análise dos dados, à luz da Socioanálise, conforme proposição de Lourau (1993). Segundo preconiza o referido autor, o relatório parcial do estudo foi repassado em uma assembleia aos sujeitos do estudo e demais colegas da equipe de saúde, numa restituição concreta. Lourau (1993) considera que a restituição concreta "compreende uma restituição pessoal, implicada e posta, dentro da pesquisa, como um procedimento real do ato de pesquisar" (p. 55). Dessa forma, a restituição faz parte do procedimento cientifico, tratando-se da discussão das produções da pesquisa junto com os interessados, de modo a possibilitar a interferência direta dos mesmos neste processo.

Este estudo contou com a anuência do Secretário Municipal de Saúde local e foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências de Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), tendo sido aprovado sob Nº. 287/10-CEP/CCS/UFES.

Todos os participantes do estudo foram informados sobre a natureza acadêmica e objetivos do mesmo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Os Agentes Comunitários de Saúde rurais de Jerônimo Monteiro – ES

Da totalidade de sujeitos que participaram deste estudo – oito Agentes Comunitários de Saúde rurais –, sete eram do sexo feminino, cinco da raça/cor branca, cinco casados, cinco da religião católica e seis possuíam o Ensino Médio completo. A idade média destes ACS era de quarenta e um anos e possuíam média de oito anos atuando como ACS rural.

Trata-se de uma caracterização que reflete uma realidade social das pequenas cidades interioranas capixabas, colonizadas por imigrantes europeus. Enquanto a colonização da faixa litorânea capixaba aconteceu precocemente, a partir de 1543, logo após a ocupação do solo pelos portugueses, o genocídio dos índios foi um fato marcante e, a seguir, o que se viu foi a ocupação das fazendas costeiras para plantação de cana de açúcar com a presença marcante dos escravos africanos.

A ocupação do interior capixaba só ocorreu tempos depois, a partir do século XIX, marcada pela ocupação de imigrantes europeus empobrecidos, especialmente italianos católicos apostólicos romanos e, excepcionalmente, grupos protestantes tais como os pomeranos que se radicaram no município de Santa Maria de Jetibá ou Santa Leopoldina; isto sem contar pequenas levas de protestantes poloneses, holandeses e outras minorias tais como belgas. A este respeito, vale a pena ressaltar que especialmente no tocante à colonização alemã, as mudanças adaptativas daqueles imigrantes e seus descendentes foram tão sutis, que as referidas cidades nas quais a sua concentração foi mais intensa tem idiomas bilíngues, predominando o pomerano (um dialeto alemão) como forma de comunicação. Nas referidas cidades, o domínio do dialeto pomerano é condição indispensável ao ACS rural, visto ser comum ouvir de descendentes mais idosos a expressão de que "eu não fala brasileiro". No tocante aos italianos, no entanto, mantida a tradição linguística de origem e os seus costumes, o processo de aculturação moldou a vida de cada um, "num ser preparado para viver mil vidas" (LARAIA, 2005, p. 66).

Como singularidade, tais municípios interioranos ao longo dos anos tornaram-se marcadamente influenciados por uma população de descendência europeia, com seus costumes preservados e fortemente influenciados pelas suas religiões de origem. No tocante à religião, enquanto nas grandes cidades brasileiras – inclusive as capixabas –, o processo de expansão das denominações neopentecostais se manifesta, o mesmo não ocorre nas pequenas cidades do interior cuja colonização tem como marcador a presença europeia. Os sujeitos aqui estudados, assim como a maioria da população de Jerônimo Monteiro, ainda se comportam como no século passado e, diferentemente de nas cidades litorâneas como Vitória-ES, aqueles profissionais são católicos praticantes em sua maioria. Isto, certamente, reflete as formas de viver daquela comunidade em sua expressão religiosa fervorosa e na preservação de herança cultural italiana que se expressa nas comidas típicas, apreço ao vinho caseiro, músicas e danças folclóricas.

Como as possibilidades de acesso à educação formal nas pequenas cidades do interior são mais restritas que nas grandes cidades, isto se reflete diretamente no nível de escolaridade daqueles profissionais, perfil bem diferenciado da cidade de Vitória-ES, por exemplo, na qual a totalidade dos ACS são portadores de Ensino Médio e mesmo Ensino Superior. É evidente que, quanto maior o grau de escolaridade, maiores as condições do ACS incorporar novos conhecimentos e orientar as famílias sob sua responsabilidade.

A presença feminina, no entanto, constitui a maioria do quadro desses profissionais e reflete a incisiva ocupação das mulheres no espaço laboral da saúde, especialmente no nível técnico. A propósito, segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as mulheres no estado do Espírito Santo representam 50,7% da população geral e, historicamente, as mesmas estão buscando espaço dentro do mercado de trabalho visto que no lar tem assumido o lugar de chefes de família (IBGE, 2010).

A predominância de agentes do sexo feminino caracteriza a crescente feminização da força de trabalho nos atos em saúde, que também está presente entre outras profissões, como enfermagem. Este perfil está relacionado com o papel de cuidador que a mulher sempre desempenhou na sociedade, sendo responsável pela educação e cuidados às crianças e aos idosos da família, o que contribui para a sua maior credibilidade e sensibilidade perante a comunidade assistida. Desde a implantação do PACS priorizava-se a contratação de mulheres para atuar como ACS, baseado no fundamento de que elas sofreriam um processo de melhoramento da sua condição social através do trabalho remunerado e estimulariam um posicionamento mais ativo de outras mulheres da comunidade que coabitam (LUNARDELO, 2004).

A faixa etária dos Agentes Comunitários de Saúde rurais de Jerônimo Monteiro concentrou-se entre vinte e nove e sessenta e um anos. Os agentes comunitários de saúde com mais idade tendem a conhecer melhor a comunidade, ter mais vínculos e laços de amizades, porém podem ter algumas inimizades ou conflitos com outros moradores. Eles também têm seus próprios conceitos sobre o processo saúde-doença, advindos de experiências próprias ou alheias, podendo ser mais resistentes a novos conceitos relacionados à promoção da saúde em sua comunidade. Por outro lado, os agentes mais jovens não conhecem tão bem a comunidade, seu envolvimento pode ser menor; entretanto, poderão não ter inimizades, seus conceitos de saúde e doença poderão não ser muito cristalizados, estando mais abertos às mudanças e às novidades (FERRAZ e AERTS, 2005).

Quanto ao tempo de trabalho, encontramos uma baixa rotatividade desses trabalhadores, visto que sete dos oito sujeitos deste estudo trabalham na ESF há muitos anos – entre cinco a quatorze anos. O tempo de trabalho torna-se importante, principalmente, para o entendimento do papel do agente, que é construído em seu cotidiano laboral e no seu tempo de permanência e vínculo de contato com a comunidade (GAVALOTE et al., 2011).

No tocante à inclusão digital, cinco dos oito sujeitos do estudo utilizam computador. No entanto, apenas quatro ACS tem acesso à internet sendo que em dois casos esse acesso se dá somente no local de trabalho. A maioria teve algum trabalho antes de ser ACS sendo que apenas dois dos sujeitos já desenvolviam atividades na zona rural.

Segundo Mendonça et al. (2009), a inclusão digital dos ACS representa um acompanhamento dos avanços tecnológicos que podem aprimorar o processo de conhecimento à distância destes profissionais, além de possibilitar aos indivíduos, famílias e comunidades atendidas por eles, a construção e o acesso a uma rede de informação, de educação e comunicação nas questões de saúde pública, auxiliando-as nos processos de cuidar de sua própria saúde, melhorando assim a qualidade de suas vidas, tendo as tecnologias livres como mediadoras no processo de desenvolvimento humano local e regional visando a promoção da saúde.

O acesso às informações de saúde via eletrônica, apesar de constituir uma importante ferramenta para expandir os conhecimentos e auxiliar nas atividades de promoção de uma vida saudável e prevenção de doenças, principalmente no trabalho de educação em saúde feito nas visitas domiciliares, ainda não é uma prática constante no cotidiano laboral dos agentes comunitários rurais de Jerônimo Monteiro.

Entre os sujeitos entrevistados, apenas quatro sabem, mesmo que basicamente, utilizar a Internet, sendo que o acesso a esta ferramenta para dois destes sujeitos se dá apenas no local de trabalho. Neste contexto, vale ressaltar que a inclusão digital nas Unidades de Saúde da Família de Jerônimo Monteiro é bem recente, visto que apenas no ano de 2011 as equipes de saúde da família passaram a dispor de computadores e acesso à internet no local de trabalho.

A labuta do agente comunitário de saúde rural

Alguns desafios podem ser apontados para o saber-fazer e saber-ser agente comunitário de saúde, especialmente para aqueles que trabalham na zona rural. Afinal, esses profissionais convivem com algumas situações que são singulares de seu labor.

No tocante ao trabalho rural do ACS, um de seus principais desafios é o acesso aos domicílios rurais, que geralmente são distantes ou mesmo quase inacessíveis.

Eu vou de moto, mas nem todo lugar a moto chega. Aí tem lugar que eu tenho que parar e andar a pé e não é pouco. Tem lugar que eu vou que é dificílimo e, às vezes, passa do meu horário de almoço e eu não to em casa, to bem longe de casa. Aí eu almoço lá onde eu to fazendo visita (Sujeito 2).

Pequenos trilhos rodeados por muito mato e cercados por fios de arame farpado dão acesso a alguns domicílios localizados em meio às plantações de café. Sem outra opção, o ACS se adentra no matagal para cumprir suas visitas domiciliares:

Tem algumas casas que não tem estrada pra chegar. A gente tem que passar no meio do mato e passar pela cerca. Eu acho perigoso porque pode ter cobra ou outro bicho lá no meio daquele matagal (Sujeito 2).

Situada em um vale, a área urbana de Jerônimo Monteiro é contornada por pequenas propriedades rurais cortadas por estradas de terra batida que se tornam quase inacessíveis em alguns pontos da região montanhosa do município. Sobre essa inacessibilidade, os Sujeitos 2 e 3 contam que:

O meu grande desafio é a parte alta da minha área. Porque a parte baixa eu faço toda de moto e se não chover é tranquilo. Mas, na parte alta a minha moto não vai. Só vai cavalo, mas eu não gosto de andar a cavalo. No início eu ia a cavalo. Eu subia e quando chegava na última casa, pra mim não precisar voltar, eu descia por um trilho, mas um trilho que você olhava pra baixo e era um despenhadeiro e só tinha lugar pro cavalo. E se acontecesse alguma coisa, tipo ele (o cavalo) pisar fora (do trilho)? Uma colega minha já até se acidentou lá em cima. Hoje em dia eu não vou mais, é uma opção de vida. Eu não vou mais a cavalo, eu vou até onde minha moto da pra ir e o resto eu faço a pé porque eu não gosto de andar a cavalo e acho um risco de vida andar lá em cima de cavalo porque quando chove escorrega muito, aí você sobe no cavalo, o cavalo escorrega. Não é legal, não é fácil, não é. A moto não vai nem na metade dessa área. Ela me leva apenas na primeira casa e o resto eu tenho que subir a pé (Sujeito 2).

[...] eu trabalhava sempre aos domingos e meu marido ia comigo porque se acontecesse alguma coisa ele tava junto. Aí, quando a gente chegou lá em cima, deu uma "chuvada". Choveu muito mesmo, aí eu tive que abandonar o resto das casas porque se não ia ficar tarde. A gente foi embora a pé porque o cavalo deslizava e tinha lugar que eu, nem a pé, tava conseguindo (passar) (Sujeito 3).

Nesse contexto topográfico acidentado, o cavalo, muito além de meio de transporte, por muito tempo foi um "personagem" que compôs a singularidade de qualquer tipo de trabalho. Sobre a relação homem-cavalo, trata-se de uma conexão binária, uma máquina humana/equina destacável no contexto rural e inimaginável nos grandes centros urbanos:

Hoje eu utilizo moto, quando não tá chovendo. Mas eu fazia (visita domiciliar) a cavalo e a pé (Sujeito 5).

A minha área agora é baixa, mas antigamente eu ia em uma área que só ia a cavalo. Eu saía de casa seis horas da manhã e chegava seis horas da noite. Eu ia a cavalo e chegava em casa moída, toda arrebentada e na primeira vez que eu fui lá fiquei três dias com febre porque eu não estava acostumada a andar a cavalo [...] (Sujeito 3).

No entanto, com a disponibilidade de meios de transporte modernos, o cavalo foi perdendo espaço e hoje deixou de ser a principal forma de locomoção na zona rural, até mesmo para os ACS. Inseridos em um sistema neoglobalizante, que torna todos tão iguais, estes ACS rurais, ao que parece, conseguem fazer o retorno à etnia, às suas tradições, mantendo o cavalo – tão obsoleto nos meios urbanos –, como um meio de transporte, mesmo que hoje reservado como a última das alternativas, mas capaz de suportar as mais adversas intempéries.

Neste sentido, a possibilidade de resgate da máquina binária equino-humana persiste nessa comunidade como um analisador natural. A propósito, os analisadores naturais são os fenômenos que fazem parte do cotidiano das organizações institucionais e que são produzidos espontaneamente pela própria vida histórico-social-libidinal e natural como resultado de suas determinações e da sua margem de liberdade (BAREMBLITT, 2002).

A labuta do ACS rural em Jerônimo Monteiro é marcada pelo tempo da seca e o tempo das águas. Entre os meses de novembro e março, período em que dias chuvosos são mais comuns, e nas chuvas esporádicas ao longo dos demais meses do ano, o desafio do ACS de chegar ao domicilio do usuário rural torna-se ainda maior. Nesse período, devido à falta de pavimentação, as estradas rurais ficam intransitáveis por quase toda sua extensão:

Só tem um problema: quando chove. Aí fica ruim porque o acesso nas casas na roça é horrível. Às vezes não dá pra ir de carro, de nada. Tem lugar que tem que ir a pé quando chove muito mesmo. Isso já aconteceu várias vezes e ainda acontece até hoje. Tem três casas que não dava pra ir não (Sujeito 3).

O meu primeiro desafio é o tipo de locomoção. Quando chove lá (na zona rural) é um problema (Sujeito 6).

Apesar de não constituir mais o principal meio de transporte dos ACS, é nesse contexto – tempo das águas –, que o cavalo volta a ser um importante dispositivo de locomoção, restaurando a conexão binária, máquina humana/equina, objeto de superação aos atravessamentos do tempo. Num tempo marcado por chuvas, para muitos moradores da zona rural de Jerônimo Monteiro, a "saúde" chega a cavalo:

Outra questão é a cheia né, a chuva porque a gente fica sem estrada e tem que ir a cavalo e, às vezes, nem o cavalo consegue ir por falta de estrada e aí a gente tem que ir a pé (Sujeito 5).

Neste contexto, vale ressaltar que, devido à grande dispersão demográfica presente na zona rural, o caminho percorrido pelo ACS, muitas vezes a pé, geralmente é muito longo, como conta o Sujeito 5:

O maior desafio que eu tenho é a distância entre as casas. Às vezes eu ando 40, 50 minutos, às vezes até uma hora pra chegar de uma moradia até a outra. [...] outra coisa que eu vejo é que a população fica muito distante da unidade (USF). Eu moro no início da minha área que fica a 20 km da unidade, imagina quem mora muito mais longe do que eu (Sujeito 5).

No período de estiagem, a motocicleta torna-se o principal meio de transporte utilizado pelos ACS nas visitas domiciliares, seguido pelo automóvel e a bicicleta. Esta última, além do cavalo, por muitos anos, foi a principal forma de locomoção de alguns ACS na zona rural de Jerônimo Monteiro. Sobre esse meio de transporte, os Sujeitos 1 e 3 contam que:

Moto. Agora né, porque eu andei foram quatro anos de bicicleta. No inicio era de bicicleta (Sujeito 1).No início eu só fazia (visita domiciliar) de bicicleta. Mas agora eu to com hérnia, a coluna já não aguenta mais, as minhas pernas não aguentam. Se eu andar de bicicleta a minha cabeça estoura de dor porque minha coluna dói de cima em baixo e aí a cabeça dói muito, então eu não aguento mais. No início do meu trabalho era só bicicleta. Fiz visita de bicicleta durante uns três anos (Sujeito 3).

As variadas formas de transporte utilizadas pelos ACS rurais de Jerônimo Monteiro, muito além de apenas opções de locomoção, muitas vezes – diante das singularidades da zona rural –, são as únicas soluções encontradas pelos próprios ACS para cumprir suas ações instituídas. Alheios à burocracia, às ameaças, a sistematização das metas daqueles ACS rurais vão se impondo através de alternativas viáveis – substituir o carro pela motocicleta, abrir mão da motocicleta e adotar a bicicleta ou, então, seguir a cavalo ou mesmo a pé.

Os animais, domésticos ou não, são bem comuns na zona rural e, muitas vezes, dificultam o trabalho do ACS. Segundo os sujeitos entrevistados, o boi e o cachorro são os animais que mais causam problemas durante as visitas ou no percurso até os domicílios rurais:

[...] tomei muito galope de cachorro e de boi (Sujeito 1).

[...] o pior é as mordidas de cachorro [...] eu chegando de moto, parei e botei o pé no chão e eles vieram latindo e me mordeu [...] (Sujeito 7).

Para evitar o ataque dos cães, alguns ACS adotam uma estratégia singular: fazer "amizade" com o cachorro. Amizade? É isso mesmo, criar vínculo de afeto com o animal para não ser surpreendido por um ataque. Em uma dessas visitas na zona rural, passando as mãos sobre a cabeça de um cachorro em movimentos de carinho, um dos sujeitos deste estudo relatou o seguinte:

Além de conquistar os moradores, a gente precisa ser amigo dos cachorros também, sabia? A maioria das casas na roça tem cachorro bravo que eles (os moradores) usam pra proteger a casa e a gente, além de fazer o nosso trabalho, ainda tem que fazer amizade com os cachorros. Tem que saber até o nome deles pra quando a gente chegar a casa pra fazer visita não correr o risco de tomar um galope e ser mordido (Sujeito 5).

Na zona rural de Jerônimo Monteiro predominam as pequenas propriedades rurais geridas pelas famílias (agricultura familiar), com destaque para o cultivo do café e laranja e criação de suínos e bovinos, além das pequenas lavouras de milho, arroz e feijão que são utilizadas basicamente para a subsistência familiar.

A colheita do café, um dos principais produtos agrícolas cultivados no município de Jerônimo Monteiro, dura cerca de dois a três meses tendo início, geralmente, no final do mês de abril ou início de maio podendo estender-se até o fim do mês de julho. Durante esse período, a rotina de sair de casa bem cedinho, às vezes ainda na madrugada, passar o dia trabalhando nas lavouras de café e retornar ao domicílio apenas ao cair da noite, é muito comum entre os moradores da zona rural. Essa rotina é importante para garantir a colheita do fruto no seu tempo ideal. No entanto, dificulta o trabalho do ACS que, nesse período, dificilmente tem êxito nas suas visitas domiciliares.

Sobre o desafio de fazer visitas aos domicílios rurais no período da colheita do café, o Sujeito 6 conta que:

No mês de junho eu fui lá (na zona rural) 18 vezes porque era panha de café e eles estavam trabalhando até dia de sábado até 5 horas da tarde e lá não tem luz (energia elétrica). Eu não posso ir lá depois de 5 horas da tarde porque, se eu for, eu tenho medo de voltar (Sujeito 6).

A maioria das famílias residentes na zona rural de Jerônimo Monteiro têm suas atividades diárias ligadas à agricultura, de onde tiram seu sustento. Com isso, mesmo fora do período de colheita, os membros da família, inclusive algumas mulheres, passam boa parte do dia trabalhando nas lavouras da região. Nesse contexto, o ACS, para cumprir o instituído, precisa inovar e buscar formas diferenciadas de produzir a sua prática:

Na minha zona rural é um pouco difícil o acesso. Ou eu vou lá sábado e domingo ou eu vou à noite porque se eu for de dia acontece de eu não encontrar ninguém. Se eu for na parte da manhã vou encontrar 3 ou 4 (moradores), o resto ta na lavoura, ta trabalhando. E as minhas crianças que eu tenho pra pesar lá eu só encontro algumas aos sábados porque as mães trabalham e eu só encontro aos sábados. Então, por isso, eu troco: eu fico uma sexta-feira em casa e trabalho sábado e domingo. Tem que ser assim senão eu não consigo completar lá não (Sujeito 6).

Na época da panha de café, às vezes, eu subo o morro e vou lá dentro da lavoura de café pra fazer a visita. Isso sem contar que tem casos que eu tenho que ir na casa da pessoa de madrugada pra conseguir fazer a visita porque se eu for em outro horário eu não encontro ninguém em casa. E a gente tem que fazer isso pra conseguir dar conta do nosso serviço né (Sujeito 5).

Essa labuta dos usuários rurais, muitas vezes, obriga o ACS a realizar suas visitas fora do domicílio, em lugares inimagináveis nos centros urbanos. Sobre essas visitas "especiais", o Sujeito 1 conta que:

Tem dia que eu não encontro ninguém em casa, mas se eles (os usuários rurais) estiverem trabalhando por perto, eu faço a visita lá mesmo. Hoje, por exemplo, ele tava no curral cuidando dos bois e eu tive que fazer a visita lá no curral mesmo (Sujeito 1).

Alheios aos conceitos da Análise Institucional, esta equipe de ACS rurais, com a chegada do tempo marcado por chuvas, nos propicia um dos mais concretos exemplos do que pode ser o funcionamento. Segundo Baremblitt (2002), "[...] funcionamento designa o movimento dos processos produtivo-desejante-revolucionários de qualquer materialidade e essência [...] gerador da diferença, da invenção, da metamorfose" (p. 153).

Em uma perspectiva mais ampliada, esse funcionamento, marcado pela inventividade e criatividade do ACS rural, poderia ser considerado como Imanência. Baremblitt (2002) nos convida a refletir que para alguns filósofos, dentre os quais a referência clássica é Spinoza (2011), este termo designa a interioridade de um ser ao ser de outro. Opõe-se à transcendência. Para o Institucionalismo, expressa a não-separação entre os processos econômicos, políticos, culturais (sociais em sentido amplo), os naturais e os desejantes. Todos eles são inerentes, intrínsecos e só separáveis com finalidades semânticas ou pedagógicas.

Apesar dos desafios de seu cotidiano laboral, todos os sujeitos deste estudo relataram que gostam de trabalhar como ACS na zona rural e avaliaram seu trabalho como de grande importância para as Unidades de Saúde da Família. Sobre este prazer em ser ACS rural, os Sujeitos 1, 6 e 3 contam que:

Eu me sinto muito bem. No início eu entrei por opção de emprego, pra trabalhar [...] porque eu precisava de trabalho, mas, ao passar de um ano, dois, eu peguei gosto por essa profissão e não tem nada que me tira. Qualquer coisa que falarem não vai me tirar o orgulho que eu tenho de ser agente comunitária (Sujeito 1).

Sem as minhas informações e sem as minhas visitas, como o enfermeiro e a técnica (de enfermagem) vão ficar sabendo o que ta acontecendo lá (na zona rural)? Eu acho que 90% do trabalho do PSF é graças a gente. Eu penso assim. Eu digo isso porque tudo é em torno da gente. Quem vigia os hipertensos somos nós, quem vê os diabéticos somos nós. O PSF tem que ter muita confiança no agente. Sem o agente o PSF não existe não. Se acabar o agente comunitário, acaba o PSF (Sujeito 6).

Eu gosto da minha profissão. [...] Eu não gostaria de ser outra coisa não. Só tem um problema: quando chove aí fica ruim porque o acesso nas casas na roça é horrível. Ás vezes não da pra ir de carro, de nada. Tem lugar que tem que ir a pé quando chove [...]. Teve uma época que choveu tanto que até a pé era difícil de passar. Até a cavalo tinha lugar que o cavalo atolava. Então tem essas dificuldades (Sujeito 3).

Segundo Lopes (2009), para transformar um trabalho fatigante em um trabalho equilibrante é necessário tornar a organização do trabalho flexível, a fim de proporcionar ao trabalhador maior liberdade no trabalho, possibilitando identificar os fatores que desencadeiam prazer.

O prazer no trabalho e a satisfação pessoal estão vinculados às possibilidades de ser criativo, de ter liberdade para inovar, de participar ativamente nas decisões e, ainda, de ter reconhecida e valorizada sua prática profissional (LOPES, 2009).

Restituindo a história com os agentes comunitários de saúde rurais: um nó bem atado?

A restituição, enquanto conceito socioanalítico, supõe que se deva, e se possa, falar de algumas coisas que, em geral, são deixadas à sombra. Essas coisas seriam as comumente silenciadas, faladas apenas em corredores, cafés, ou na intimidade do casal. Tais "coisas" são aquela "fala" institucional que não pode ser "ouvida" de forma pública. Há, frequentemente, um aspecto de indiscrição no conceito de restituição e, mesmo, o risco de se cair na denúncia meramente recriminatória. É preciso que o pesquisador esteja muito atento quando maneja esta técnica e a melhor maneira de combater seus riscos – a mera indiscrição, a acusação revanchista, as denúncias impotetizantes, as alianças espúrias e, até, irrefletidas - é aplicá-la a si mesmo. Ou seja, deve-se enunciar "coisas", e não denunciar outrem (L0URAU, 1993).

Segundo Lourau (1993, p. 52), a restituição na socioanálise, para ser verdadeiramente construtiva, supõe o respeito a certas regras. Entre estas, certamente, as regras ontológicas da discrição, e as regras técnicas relativas à escolha do momento oportuno para a restituição. É um pouco como na vida cotidiana, quando escolhemos o que deve ser dito das coisas que pensamos (e quando). Realmente nunca dizemos tudo o que pensamos, não importa em qual situação.

Restituir às pessoas com quem se trabalha o saber científico que se permitiu construir trata-se de uma ideia relativamente recente que, por muito tempo, escapou completamente aos pesquisadores. Os primeiros sociólogos de campo não se preocupavam em restituir à população estudada os resultados da pesquisa. Ou, simplesmente, falar da importância que teve essa população para a produção científica (LOURAU,1993)

A restituição do material deste estudo ocorreu em uma assembleia, no início do mês de março de 2012, em uma sala do Centro de Pastoral da Igreja Católica daquele município. Este espaço, frequentemente é utilizado pelas equipes de saúde da família do município para reuniões. Compareceram a este encontro cinco ACS rurais, os quais participaram do estudo como sujeitos do mesmo. Os outros três sujeitos do estudo justificaram, ainda no dia do encontro, o motivo da ausência, alegando estarem envolvidos em atividades em uma campanha de vacinação.

Os dados da pesquisa foram repassados aos ACS rurais através de uma apresentação de dispositivos, utilizando-se para tal recurso multimídia, contendo todas as informações referentes ao estudo, tais como os objetivos, a metodologia e os resultados, incluindo as fotos registradas durante o trabalho de observação feito através das visitas domiciliares na zona rural e os relatos dos sujeitos do estudo. Durante a assembleia, os agentes comunitários de saúde tiveram total liberdade para intervir e expressar suas opiniões.

As informações repassadas foram bem aceitas pelos sujeitos e, apesar das manifestações calorosas dos mesmos no decorrer da apresentação, principalmente recontando as experiências expostas na apresentação, não solicitaram nenhuma alteração na redação do texto.

A restituição não é um ato caridoso, gentil; é uma atividade intrínseca à pesquisa, uma retroalimentação tão importante quanto os dados contidos em artigos de revistas e livros científicos ou especializados. Ela nos faz considerar a pesquisa para além dos limites de sua redação final; ou melhor, de sua transformação em mercadoria cultural para servir unicamente ao pesquisador e à academia (LOURAU, 1993).

A pesquisa, sob a ótica da socioanálise, continua após a redação final do texto, podendo até mesmo, ser interminável. Se a população estudada recebe essa restituição, pode se apropriar de uma parte do status do pesquisador. Se tornar uma espécie de "pesquisador-coletivo, sem a necessidade de diplomas ou anos de estudos superiores, e produzir novas restituições, tanto ao agora talvez ex-pesquisador quanto ao presente social mais imediato ou global. Isso seria, efetivamente, a socialização da pesquisa (BAREMBLITT, 2002).

Considerações finais

Na zona urbana de um pequeno município, chegar a uma residência para fazer uma visita domiciliar não parece, à primeira vista, ser problema para um ACS. Na zona rural, no entanto, o simples fato de acessar o domicilio, muitas vezes, torna-se um desafio para o ACS visto que os núcleos rurais, ou mesmo casas isoladas, são muito distantes entre si, e, em alguns pontos, muito comprometidos pelas estradas inóspitas e em um relevo acentuado. No tempo das águas, o desafio do ACS de chegar aos domicílios rurais torna-se ainda maior. Nesse período, devido à falta de pavimentação, as estradas rurais ficam intransitáveis por quase toda sua extensão.

Chegado o tempo das chuvas, marcado por tempestades torrenciais, esses trabalhadores poderiam simplesmente se recolherem à unidade de saúde alegando não ter condições de chegar às residências rurais tão dispersas e às vezes situadas em locais de difícil acesso.

Nossas experiências, no espaço da ESF urbana de Vitória, a capital do estado, no que diz respeito ao alheamento dos trabalhadores de saúde da família, aqui incluídos os ACS, são bem marcantes: ao menor sinal de mudança climática, um rumor de que traficantes estarão interditando o território de saúde, tudo é motivo para recolhimento à Unidade de Saúde da Família.

Alheios à burocracia, às ameaças – mesmo que de outra ordem –, a sistematização das metas daqueles ACS rurais – expressão máxima dos processos de autoanálise e autogestão, vão se impondo através de alternativas viáveis – substituir o carro pela motocicleta, abrir mão da motocicleta e adotar a bicicleta ou, então, seguir a cavalo ou mesmo a pé.

Portanto, diante dos desafios do seu cotidiano laboral e na obrigação de cumprir as ações instituídas, os ACS rurais de Jerônimo Monteiro inovam e buscam formas diferenciadas de produzir a sua prática.

Para esses ACS que atuam na zona rural do município de Jerônimo Monteiro, ao que parece, seu trabalho é conduzido pelo motor do desejo enquanto forma de produção, desejo essencial e imanentemente produtivo, gerado e gerador no processo mesmo de invenção, metamorfose ou criação do novo (BAREMBLITT, 2002).

Submetido em: 14/03/13

Aceito em: 17/10/13

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2013
  • Aceito
    17 Out 2013
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