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O processo dialógico de construção do conhecimento em fóruns de discussão

The dialogic process of knowledge construction in discussion forums

El processo dialógico de construcción de conocimientos en foros de discusión

Resumos

A Educação a Distância (EAD) se expande em diferentes níveis de ensino, sobretudo no âmbito do Ensino Superior, levando à necessidade de estudos que colaborem para a compreensão da qualidade dos processos educativos em EAD. Este trabalho explora a noção de intercognição como categoria para análise de processos de construção do conhecimento no Ensino Superior a distância, em uma perspectiva dialógica. Baseia-se em estudo empírico sobre interações de professores-tutores e cursistas em fóruns de discussão de um curso de Licenciatura a distância, para avaliar o papel do professor-tutor e identificar indicadores de intercognição presentes nas interações. Resultados apontam relação significativa entre o engajamento dialógico dos interlocutores e a qualidade dos processos de aprendizagem. Entre os indicadores apontados, está a participação ativa, frequente e pertinente dos interlocutores na discussão via fórum, fundamentada em leituras acadêmicas.

Construção dialógica do conhecimento; Dialogia; Fórum de discussão; Mediação pedagógica; Ensino Superior a distância


Distance Education has expanded in different educational levels, especially in higher education. Such expansion points to the need to investigate and promote the quality of its learning processes. This paper explores the notion of intercognition and its potential as a category to analyze dialogic learning processes in the context of distance education. The study, based on empirical investigation, aimed to interpret learning potentials of the conversational dynamics interaction between teacher-tutors and students within discussion forums of a Teacher Education Program. The focus was to understand the role of the teacher-tutors and identify indicators of intercognition within concrete verbal interactions. Results show the significant relationship between the interlocutors' dialogic engagement and the quality of learning processes in distance learning, with indicators of intercognition characterized by active, frequent and pertinent participation of interlocutors in discussion forums.

Dialogic construction of knowledge; Dialogism; Discussion forum; Pedagogical mediation; Distance higher education


La Educación a Distancia (EAD) aumenta en los diferentes niveles educativos, principalmente en Educación Superior, apuntando para la necesidad de estudios que puedan profundizar la comprensión de sus características. En este trabajo se utiliza la intercognición con el propósito de analizar los procesos de diálogo que contribuyen al aprendizaje en EAD, en una investigación empírica que indagó sobre la interacción entre profesores-tutores y estudiantes que participaron en foros de discusión de un curso de formación a distancia. El objetivo fue evaluar el papel mediador de los indicadores de intercognición. Los resultados indican una relación estrecha entre la calidad del compromiso dialógico de los interlocutores y los procesos de aprendizaje a distancia. Los indicadores encontrados fueron participación activa, frecuente y pertinente de interlocutores dentro de la discusión a través del foro, basado en las lecturas académicas.

Construcción de conocimiento; Dialogismo; Foro de discusión; Mediación pedagógica; Enseñanza superior a distancia


O processo dialógico de construção do conhecimento em fóruns de discussão* * Elaborado com base em Bicalho (2010), pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

The dialogic process of knowledge construction in discussion forums

El processo dialógico de construcción de conocimientos en foros de discusión

Rute Nogueira de Morais BicalhoI; Maria Cláudia Santos Lopes de OliveiraII

IPrograma de Pós-Graduação, Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento (PED), Universidade de Brasília (UnB). Campus Universitário Darcy Ribeiro, Ala Sul do ICC. Brasília, DF, Brasil. 70.910-900. arutebicalho@gmail.com

IIDepartamento de Psicologia Escolar e Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, UnB

RESUMO

A Educação a Distância (EAD) se expande em diferentes níveis de ensino, sobretudo no âmbito do Ensino Superior, levando à necessidade de estudos que colaborem para a compreensão da qualidade dos processos educativos em EAD. Este trabalho explora a noção de intercognição como categoria para análise de processos de construção do conhecimento no Ensino Superior a distância, em uma perspectiva dialógica. Baseia-se em estudo empírico sobre interações de professores-tutores e cursistas em fóruns de discussão de um curso de Licenciatura a distância, para avaliar o papel do professor-tutor e identificar indicadores de intercognição presentes nas interações. Resultados apontam relação significativa entre o engajamento dialógico dos interlocutores e a qualidade dos processos de aprendizagem. Entre os indicadores apontados, está a participação ativa, frequente e pertinente dos interlocutores na discussão via fórum, fundamentada em leituras acadêmicas.

Palavras-chave: Construção dialógica do conhecimento. Dialogia. Fórum de discussão. Mediação pedagógica. Ensino Superior a distância.

ABSTRACT

Distance Education has expanded in different educational levels, especially in higher education. Such expansion points to the need to investigate and promote the quality of its learning processes. This paper explores the notion of intercognition and its potential as a category to analyze dialogic learning processes in the context of distance education. The study, based on empirical investigation, aimed to interpret learning potentials of the conversational dynamics interaction between teacher-tutors and students within discussion forums of a Teacher Education Program. The focus was to understand the role of the teacher-tutors and identify indicators of intercognition within concrete verbal interactions. Results show the significant relationship between the interlocutors' dialogic engagement and the quality of learning processes in distance learning, with indicators of intercognition characterized by active, frequent and pertinent participation of interlocutors in discussion forums.

Keywords: Dialogic construction of knowledge. Dialogism. Discussion forum. Pedagogical mediation. Distance higher education.

RESUMEN

La Educación a Distancia (EAD) aumenta en los diferentes niveles educativos, principalmente en Educación Superior, apuntando para la necesidad de estudios que puedan profundizar la comprensión de sus características. En este trabajo se utiliza la intercognición con el propósito de analizar los procesos de diálogo que contribuyen al aprendizaje en EAD, en una investigación empírica que indagó sobre la interacción entre profesores-tutores y estudiantes que participaron en foros de discusión de un curso de formación a distancia. El objetivo fue evaluar el papel mediador de los indicadores de intercognición. Los resultados indican una relación estrecha entre la calidad del compromiso dialógico de los interlocutores y los procesos de aprendizaje a distancia. Los indicadores encontrados fueron participación activa, frecuente y pertinente de interlocutores dentro de la discusión a través del foro, basado en las lecturas académicas.

Palavras clave: Construcción de conocimiento. Dialogismo. Foro de discusión. Mediación pedagógica. Enseñanza superior a distancia.

Temos assistido, nos últimos anos, a uma expansão da EAD em distintos contextos de formação e qualificação profissional, no Brasil. No âmbito do Ensino Superior, essa expansão tem sido mais acentuada, levando à formação de parcerias e consórcios, como é o caso da Universidade Aberta do Brasil (UAB).

No modelo de EAD adotado na UAB, a figura do professor-tutor é de fundamental importância, tendo por função, entre outras, mediar o processo de aprendizagem do aluno em formação. Essa mediação pedagógica ocorre, sobretudo, nos fóruns de discussão. Por adotar uma visão construtivista e dialógica das aprendizagens, na UAB, o fórum se converte em significativo instrumento para a promoção de debates e construções coletivas de conhecimentos.

A investigação das ações dos interlocutores (professores-tutores e cursistas) em fóruns de discussão contribui para se compreender formas apropriadas de mediação pedagógica no processo de ensino-aprendizagem a distância. O levantamento de indicadores de qualidade dos processos interacionais em trocas sociais é parte essencial da compreensão do fenômeno da construção do conhecimento em EAD.

Nesse sentido, analisamos a dinâmica conversacional de professores-tutores e cursistas, com o objetivo de apreender os indicadores de intercognição presentes e a especificidade do papel do professor-tutor na promoção da intercognição. Os indicadores são entendidos como aspectos associados à situação de aprendizagem que permitem identificar a qualidade ou aprofundamento das discussões empreendidas pelos interlocutores, ao longo do tempo. Na próxima seção, discutimos a noção de intercognição, entendida como fenômeno da interação socialmente estabelecida entre interlocutores concretos, e que revela a interdependência mútua e constante entre eles para a construção dialógica do conhecimento.

Intercognição: para uma construção dialógica do conhecimento

A intercognição é um conceito em construção em nosso trabalho, tendo se desdobrado a partir do estudo de Bicalho (2010). O termo intercognição, proposto por nós, encontra lastro em uma abordagem construtivista, cuja matriz provém: da tradição piagetiana, considerando a ênfase dada ao papel ativo do sujeito da aprendizagem; da perspectiva sociocultural de Vygotsky (2007, 2001), ressaltando a noção de zona de desenvolvimento próximo (ZDP); da abordagem dialógica de Bakhtin (1997, 1988); e de interlocutores (Ligorio et al., 2005; Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005; Bruner, 2001; Rommetveit, Blakar, 1979), sobre a importância dos processos interativos para a construção do conhecimento pessoal.

A intercognição emerge e se mantém a partir das interações socialmente estabelecidas. É uma atividade que opera na esfera do social e tem, na comunicação interpessoal, lugar privilegiado, levando à construção coletiva e dialógica do conhecimento. A intercognição é empreendida pelos interlocutores, à medida que eles desenvolvem um fio condutor de natureza simbólica que circula entre os interlocutores e avança junto com a comunicação, caracterizado pelo acréscimo de conteúdos pertinentes e novas perspectivas que levam à reconstrução do objeto do conhecimento, em uma relação de contínua coautoria (Ligorio et al., 2005; Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005).

De acordo com a perspectiva que adotamos, a cognição deve ser analisada no contexto da socialização e dos processos comunicativos. Via de regra, os estudos sobre cognição têm sido realizados em contextos de interações verbais do tipo face a face (Bourdais, 2002; Sigel, 2002). Nossa proposta é analisar as interações empreendidas a distância. Acreditamos que a intercognição converte-se em principal instrumento de aprendizagem, quando envolve trocas ativas entre professores-tutores e cursistas, permitindo desenvolver e ampliar o que Pontecorvo, Ajello e Zucchermaglio chamaram de "pensamento coletivo", para referir-se àquele pensamento que "passa de um para o outro, como se não tratasse mais de indivíduos diferentes, mas de um único sujeito que fala com mais 'vozes' (como poderíamos dizer seguindo Bakthtin, 1981)" (Pontecorvo, Ajello e Zucchermaglio, 2005, p.69).

Nessa perspectiva, o papel do outro é essencial, não apenas como fonte de informação, mas como parceiro no próprio processo de estruturação e transformação da aprendizagem, visto que o conhecimento não está localizado em um ou outro interlocutor, mas na interação que eles estabelecem intencional e colaborativamente. Para tanto, é indispensável uma imersão dos interlocutores no fluxo da comunicação, logrando uma participação e escuta ativa na dinâmica conversacional, constantemente reestruturada em função da resposta de cada um.

A intercognição potencializa-se tanto em função de trocas de conhecimento de forma simétrica, com vistas à complementação entre os interlocutores (Rogoff, 2005; Trevarthen, Aitken, 2001; Rommetveit, Blakar, 1979), como também nas formas assimétricas e conflitantes, à medida que os interlocutores criam tensões entre si e a partir daí, potencialmente, podem produzir algo novo (Linell, 2003; Marková, 2003; Wertsch, Del Rio, Alvarez, 1998).

Fórum de discussão como espaço de intercognição e o papel do professor-tutor

O fórum de discussão é uma ferramenta interativa frequentemente utilizada nos modelos de EAD de orientação construtivista, que prezam a construção de comunidades de aprendizagem online (Pallof, Pratt, 2002). Entendemos que, para a construção dessa comunidade, o fórum não pode se resumir a um espaço de trocas de informações assíncronas ou repositório de mensagens com fins meramente avaliativos (Dennen, 2005). Ele deve se converter em um verdadeiro contexto dialógico, em que as trocas se caracterizem não apenas pelo encadeamento das mensagens na linha do tempo, mas, sobretudo, pelo comprometimento dos interlocutores em criarem um espaço de compartilhamento de experiências e perspectivas, visando o fomento da discussão e o aprofundamento das reflexões a respeito do conteúdo. Portanto, devem prevalecer, no fórum, mensagens endereçadas a interlocutores concretos ou imaginados e encadeadas em um ativo fluxo de interações, e não mensagens abertas, sem a expectativa de respostas.

A mútua compreensão é um pressuposto que move a comunicação humana. Quando um integrante da comunidade de aprendizagem posta uma mensagem no fórum, ele parte do princípio de que a mensagem é clara, que a pessoa do "outro lado" a compreende, ou, se não a compreender, vai se esforçar para entender o que está sendo expresso. Com base no princípio da mútua compreensão, cada um pode reformular seus enunciados coordenando-os entre si e mantendo ativo o fluxo da comunicação (Watzlawick, Beavin, Jackson, 1993). Em face disso, é necessário que os parceiros apropriem-se da perspectiva uns dos outros como condição para a construção dos significados (Rommetveit, Blakar, 1979).

Deve-se considerar, entretanto, que nos contextos educativos formais, nem todos os interlocutores se encontram em igualdade de posições. A autoridade do conhecimento e sua posição institucional diferenciada tendem a colocar o professor-tutor como um interlocutor diferente dos demais nos contextos de trocas da EAD, acentuando sua responsabilidade na promoção de trocas significativas, mesmo em contextos de educação de adultos.

De acordo com os Referenciais de Qualidade Para Educação Superior a Distância, o professor-tutor deve "contribuir para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem..." e "promover espaços de construção coletiva de conhecimento..." (Brasil, 2007, p.21). Nessa direção, a mediação pedagógica, intencionalmente exercida pelo professor-tutor nos fóruns de discussão, é fundamental para a qualidade dos processos de aprendizagem em EAD, uma vez que pode provocar avanços na aprendizagem do cursista ou colocar "em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer" (Vygotsky, 2007, p.118). Considerando esse aspecto, as intervenções do professor-tutor e suas contribuições para o fomento da intercognição em meio às dinâmicas interativas do fórum, são objetos privilegiados em nossas análises.

Contexto e desenvolvimento da pesquisa

A UAB é um sistema de Ensino Superior a distância de abrangência nacional, realizado por meio de consórcios entre o Ministério da Educação e as instituições federais de Ensino Superior, e que oferece cursos de Licenciatura e Especialização a distância. A principal meta do Sistema UAB é complementar a formação de professores que atuam na rede pública de educação básica, sem antes haver obtido a devida formação superior.

Analisamos a dinâmica conversacional nos fóruns de discussão de duas turmas (aqui denominadas A e B), de uma das disciplinas1 1 Trata-se de disciplina de introdução à psicologia aplicada ao contexto de ensino-aprendizagem, totalmente desenvolvida a distância, via plataforma Moodle. Ministrada no terceiro semestre do curso, computou carga horária de sessenta horas e duração de dois meses. Os materiais didáticos utilizados foram preparados pela professora-supervisora com o fim específico de utilização na disciplina. Ela também acompanhou o trabalho de quatro professoras-tutoras em turmas de, aproximadamente, 45 alunos, cada. de um curso de Licenciatura do campo da saúde, ofertada pela UAB em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). Ao longo da disciplina, foram realizados 16 fóruns (um fórum por semana em cada turma), acumulando 1.097 mensagens postadas, sendo 771 da turma A e 326 da turma B.

A seleção das turmas se deu com base no perfil das professoras-tutoras, as quais tinham perfil pessoal e profissional semelhantes, em alguns aspectos: ambas eram casadas, tinham filhos, idade acima dos 45 anos, funcionárias públicas, graduadas em Pedagogia, com especialização em EAD e experiência prévia de tutoria no Sistema UAB, que não constituía sua atividade profissional principal. Distinguiam-se, entretanto, por exibirem estilos pedagógicos e mediacionais bem distintos, a serem evidenciados na apresentação dos resultados, tendo em conta a emergência e manutenção da intercognição.

Para efeito deste estudo, todas as mensagens foram lidas na íntegra e analisadas segundo os pressupostos da Análise da Conversação, por considerarmos a adequação dos pressupostos dessa metodologia para a investigação do fenômeno da intercognição, segundo a ótica adotada no estudo.

Tais pressupostos permitem analisar sistematicamente as práticas de conversação, por meio da produção e interpretação das sequências organizadas de enunciados em uma dada interação social (Hutchby, Drew, 1995). O nível de base da Análise da Conversação é a articulação do turno2 2 O turno refere-se à produção daquele que está com a "palavra". , no qual o enunciado de um falante vincula-se ao do falante sucessivo (Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005).

Embora, tradicionalmente, os estudos que fazem uso da Análise da Conversação sejam voltados para o entendimento das cadeias enunciativas em interações do tipo face a face, o presente estudo evidenciou que se aplicam de igual modo ao contexto da comunicação virtual, na qual ocorre um tipo particular de conversação que se efetua por meio do texto escrito. Essa especificidade comunicativa pode ser compreendida a partir do conceito de gênero discursivo proposto por Bakhtin (1997), explorado por Machado (2005) e, particularmente, por Lopes de Oliveira (2000), em seu estudo sobre comunicação no contexto virtual.

De acordo com Bakhtin (1988), o estabelecimento do diálogo dispensa que as pessoas estejam em interação face a face (em comunicação síncrona). Para ele, não é sequer necessária a existência de interlocutor concreto, bastando que se pressuponha a existência dos interlocutores imaginados para que uma relação de natureza dialógica se processe. O diálogo envolve qualquer situação que promova o encontro de vozes, na qual os enunciados se relacionam com outros enunciados reais previamente produzidos (Freitas, 2007), afetando os interlocutores e o próprio processo comunicativo.

Coerentemente com a Análise da Conversação, tratamos as mensagens como unidades interdependentes e conectadas ao contexto social dos interlocutores, de modo que a compreensão da dinâmica conversacional exige olhar o todo e as unidades de análise. Desse modo, o material bruto (1.097 mensagens) foi organizado em cadeias enunciativas, com base em dois critérios considerados em conjunto: envolver a participação de, no mínimo, três interlocutores diferentes, incluindo a professora-tutora; e coerência entre o assunto enfocado nas mensagens e o tópico acadêmico do fórum de discussão, aspecto considerado um indicador do compromisso do interlocutor com a construção colaborativa das aprendizagens.

As cadeias enunciativas formadas foram analisadas considerando-se duas dimensões interdependentes para a construção dialógica do conhecimento: 1) o conteúdo das mensagens e 2) a presença de indicadores de intercognição.

A relação entre aprendizagem e o conteúdo das mensagens, constitutivo das cadeias enunciativas, pode caracterizar-se pelo acréscimo de novos e pertinentes elementos à discussão, conectados e fundamentados em leituras acadêmicas, capazes de sustentar o ativo debate de ideias na linha do tempo, motivar e envolver a participação de outros cursistas. Por outro lado, as mensagens podem apresentar conteúdo não pertinente (meras repetições acríticas de falas e opiniões alheias, por exemplo) que contribuem para a estagnação ou redução do debate, levando à interrupção ou a paulatina desaceleração da dinâmica interativa da cadeia.

A presença de indicadores de intercognição, por seu turno, evidencia mudanças em nível de aprendizagem, caracterizadas pelo implemento do raciocínio exteriorizado coletivo (Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005; Lopes de Oliveira, 2000). Expressam-se em cadeias de mensagens semioticamente relacionadas, na presença de novos elementos, reestruturação dos enunciados, generalizações e pontes entre os saberes, levando a reorganizações e conexões pertinentes com os materiais didáticos, na linha do tempo. Na prática, podemos visualizar os indicadores de intercognição quando o interlocutor apropria-se ativamente de um enunciado no fórum e, dialogicamente, aprofunda-o, inserindo novos elementos.

Resultados e discussões

Após a aplicação dos critérios de organização do material bruto, explicitados acima, obtivemos 55 cadeias enunciativas, totalizando 41 da turma A e 14 da turma B, como mostra a Tabela 1.

Como observado, as mensagens intercambiadas pela turma A foram em maior número do que as da turma B. No entanto, considerando os objetivos deste artigo de analisar a dinâmica conversacional empreendida pelos interlocutores para a construção do conhecimento em fóruns de discussão e analisar a participação das professoras-tutoras nesse processo, não nos basta verificar a quantidade de mensagens que constituem a cadeia enunciativa, mas fundamentalmente a qualidade do conteúdo dessas mensagens em termos de indicadores de intercognição engendrados.

Para fins de apresentação deste artigo, selecionamos alguns turnos de uma cadeia enunciativa de cada turma investigada. Por meio deles foi possível perceber a participação dos interlocutores sobre o processo de aprendizagem uns dos outros, em especial a importância da mediação pedagógica das professoras-tutoras, no sentido de favorecer a qualidade dos intercâmbios.

A cadeia enunciativa da qual foram extraídos os turnos aqui analisados ocorreu no fórum 2 das turmas A e B, que teve por tema a noção de regras em jogos coletivos, tomando por base teórica a perspectiva de Jean Piaget. Os turnos encontram-se inicialmente representados em forma de fluxograma3 3 Algumas informações para a compreensão dos fluxogramas: a turma A, está representada na forma de retângulo. Já a turma B, na forma de elipse. As letras inseridas em cada forma geométrica referem-se aos interlocutores. Os números, também apresentados dentro das formas, informam o encadeamento temporal das mensagens, ou seja, a ordem cronológica em que foram enviadas ao fórum. As setas estreitas indicam para quem o interlocutor direcionou sua mensagem/resposta. , construídos segundo o encadeamento semiótico e temporal das mensagens (Figura 1).


A dinâmica conversacional da turma A

A cadeia enunciativa da turma A foi composta por 14 turnos, dos quais destacamos os turnos de 4 a 9, como indicam as setas mais escuras apresentadas no fluxograma4 4 As mensagens apresentadas foram copiadas na íntegra, tal como postadas no fórum. Mantivemos coerência com o estilo de escrita dos cursistas, incluindo os erros de digitação e ortográficos, por acreditarmos que o estilo individual expressa a pessoa e seu contexto sociocultural, além de revelar a qualidade do Ensino Superior no Brasil, tema tangencialmente relacionado ao presente trabalho. .

Turno 4 – VAS

Segundo Piaget às regras morais das crianças são transmitidas pelos adultos, sendo assim as crianças ja recebem as regras prontas, sem que possa elabora-las de acordo com suas necessidades e interesses. Esse fato coloca uma dificuldade de analise para distinguir o q provém dos conteúdos das regras e o que provém do respeito ao adulto. Por outro lado quando pensamos nos jogos sociais das crianças as regras que são eleboradas por elas próprias, sem necessariamente estarem relacionadas às regras morais.

Turno 5 – VAS

Com isso podemos perceber que a partir de um jogo de bolinha, como citado no texto, a criança passa a perceber o valor moral que ela possui. É certo que todos nós educadores estamos na vida de criança que irá fazer parte da nonssa vida, ensinado elas a ter seus valores éticos e morais.

Podemos perceber que VAS expressa uma percepção acerca do tema do desenvolvimento moral que, notadamente, distorce o que é proposto pela teoria de Piaget (esse equívoco está expresso de modo mais claro na seguinte parte: "sem que [a criança] possa elabora-las de acordo com suas necessidades e interesses"). Ao perceber o equívoco do autor da mensagem, a professora-tutora intervém de modo assertivo no turno 6.

Turno 6 – Prof. A

Olá VAS!

Existem alguns equívocos em sua mensagem.

Segundo Piaget "o conhecimento é construído na integração..."

"A compreensão de regras e de outros conceitos morais desenvolve-se de maneira similar aos conceitos cognitivos" (página 11). Sendo assim, o juizo moral, não se impõe, se constrói.

Você já observou uma criança em atividade coletiva lúdica? Pense no comportamento dela. Como ela se relaciona com os demais colegas? Como ela reage diante de situações de conflitos no que se refere as regras estabelecidas?

Gostaria que você retornasse para continuarmos a conversa. É possível?

Abraços! Prof.A

Como visto, a professora-tutora chama a atenção de VAS, com o fim de provocar nele mudanças de significados. Esse propósito é complementado pela oferta de questões problematizadoras, que têm o potencial de levá-lo a refletir sobre suas afirmações anteriores e manter vivo o debate de ideias. Ao mesmo tempo, ao fazer isso, ela expõe as fragilidades dos argumentos de VAS e provoca um momento de tensão, potencialmente privilegiado para a intercognição. A fim de validar a afirmativa: "existem alguns equívocos em sua mensagem", a professora-tutora cita partes do texto didático e categoricamente pontua que "[...] o juízo moral, não se impõe, se constrói". É possível perceber que a professora-tutora atua na ZDP e abre possibilidades para que VAZ ressignifique suas colocações.

Segundo Pontecorvo, Ajello e Zucchermaglio (2005), a intervenção do professor deve ter um forte caráter metodológico, no sentido de perceber os graus de elaboração dos conteúdos e informações e propor aspectos ainda não contemplados pelos interlocutores em suas elaborações.

A professora-tutora finaliza sua mensagem convidando-o a repensar seus argumentos e retornar ao debate. Podemos observar que ela altera o tom inicialmente enfático da sua intervenção para outro mais ameno e simétrico ("Gostaria que você retornasse para continuarmos a conversa..."), no qual convida o interlocutor a fazer observações em seu próprio cotidiano. VAS, no entanto, não acata a continuidade da discussão, perdendo a possibilidade de formação de novas ZDP.

Nesse sentido, verificamos como é fundamental a adesão dos interlocutores para a divisão de responsabilidades quanto aos rumos das discussões (Pretti, 2000). O conceito de autonomia do cursista proposto por Moore e Kearsley (2008) mostra-se indispensável, já que é preciso desenvolver a capacidade de tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem. Por mais que a professora-tutora esteja presente e promovendo o debate, sem a participação dos demais interlocutores, especialmente daquele que é questionado, a intercognição fragiliza-se e a construção do conhecimento tende a se empobrecer.

Entretanto, como se trata de um contexto coletivo e dialógico de comunicação, um mesmo enunciado pode gerar efeitos distintos entre os vários cursistas. É plausível supor que a intervenção da professora-tutora tenha surtido efeito positivo para outro interlocutor: PEA, turno 7.

Turno 7 – PEA

Se faz necessário que o professor conheça o comportamento da turma baseando-se nos diferentes estágios do desenvolvimento cognitivo, nas atividades de jogos coletivos que envolvem competição é comum ocorrerem certos comportamentos, discussões, cabe ao professor estabelecer regras, conversar a respeito das consequências de não segui-las, o professor ainda pode propor as crianças para que eles elaborem regras e penalidades para quem descumpri-las, o que pode favorecer o respeito mútuo, cooperação, entre os alunos.

PAZ, no turno seguinte (8), valida os argumentos de PEA quanto à necessidade de o professor conhecer os estágios cognitivos de seus alunos:

Turno 8 – PAZ

Concordo com você PEA, quando diz que se faz necessário que o professor conheça o comportamento da turma baseando-se nos diferentes estágios do desenvolvimento cognitivo, pois só assim ele saberá como agir diante dos tão variados comportamentos dos alunos durante a aula.

PAZ demonstra ser um interlocutor atento e ativo, que, partindo da contribuição do colega, agrega novo elemento ao conhecimento do grupo com a afirmativa: "[somente o professor sabe] como agir diante dos tão variados comportamentos dos alunos durante a aula". Moore e Kearsley (2008) destacam que cada participante de um diálogo deve ser um ouvinte respeitoso e ativo que busque agregar novos elementos ao conhecimento do grupo, baseando-se na contribuição de outro(s) participante(s), em uma perspectiva de coautoria (Ligorio, Talamo, Pentecorvo, 2005).

A professora-tutora novamente intervém (turno 9), desta vez direcionando sua mensagem ao PEA, destacando a importância de se negociarem as regras entre professores e alunos.

Turno 9 – Prof.A

Olá PEA!

Sua mensagem traz uma sugestão simples e eficiente para a questão atividades práticas que contribuem para o desenvolvimento do juízo moral em uma aula de [cita o nome do curso]: "propor as crianças para que eles elaborem regras e penalidades para quem descumpri-las". Ao estabelecer regras coletivamente, o professor divide com os alunos a responsabilidade de sua observância. As regras deixam de ser impostas por outros (arbitrariamente) e tornam-se mais compreensivas e fáceis de ser seguidos por todos.

Abraços! Prof.A

A professora-tutora utiliza parte dos enunciados de PEA para validar seus próprios argumentos, apresentados no turno 6. Segundo Pontecorvo, Ajello e Zucchermaglio (2005) e Dennen e Wieland (2007), as intervenções do professor que repetem ou reformulam elementos-chave, presentes nos enunciados dos interlocutores, facilitam a compreensão do conteúdo, melhoram a expressão linguística e informam à audiência que a informação reelaborada é pertinente. Desta forma, contribuem para o desenvolvimento do conteúdo por parte do interlocutor, que se sente instigado a seguir aprofundando suas colocações. Ao que tudo indica, a intervenção da professora-tutora instiga PEA a retornar ao diálogo que, já no turno 10, busca dar continuidade aos seus argumentos (rever Figura 1).

A cadeia enunciativa da turma A começa marcada por mensagens que dizem do entendimento do conteúdo por parte dos cursistas, em que os enunciados apresentados indicam seus percursos cognitivos. A intercognição é construída à medida que os interlocutores oferecem contribuições ao conteúdo trabalhado e quando a professora-tutora coloca-se como interlocutora atenta aos enunciados dos cursistas e aos termos utilizados por eles na organização de seus pensamentos. Ela ainda demonstra ser parceira privilegiada, ao qualificar o espaço de construção aos processos constituídos pelos cursistas e, ao mesmo tempo, deixar espaço para que suas vozes se manifestem.

Vejamos, a seguir, como se processa a interação na turma B.

A dinâmica conversacional da turma B

A cadeia enunciativa aqui apresentada, na realidade, foi a única sequência de mensagens estabelecida no fórum 2 da turma B, de acordo com os critérios aqui adotados. Tal cadeia foi composta por 15 turnos. Destacamos a seguir os turnos indicados pelas setas mais escuras do fluxograma (Figura 2).


Turno 1 – MED

[Apresenta uma longa descrição sobre a temática, destacando os principais conceitos da teoria piagetiana, explorados no texto didático].

[Cita exemplo: o professor precisa] explicar a natureza do jogo, apresentar as regras, discutir as regras com os alunos, possibilitar a modificação das regras para aquele momento específico, criar novas regras, definir estratégias de punição quando as regras não forem cumpridas, etc [...].

No turno 1, MED posta um resumo bem completo do texto didático e, como característica própria do seu estilo comunicativo evidenciado em outras sequências interativas, faz uma introdução ao tema, apresentando pontos que irá desenvolver ao longo da sua mensagem. Ao que parece, o trecho do enunciado de MED que faz referência a "definir estratégias de punição quando as regras não forem cumpridas, etc.", chama a atenção da professora-tutora, que solicita dele outros argumentos acerca do significado da prática de punição no contexto da teoria piagetiana.

Turno 2 – Prof. B

Olá MED,

Ótimas contribuições!

Você desenvolveria nos jogos com crianças de seis(06) anos, estratégias de punição, caso as regras não fossem cumpridas, mesmo as mais simples? Qual a contribuição de Piaget nessa perspectiva?!

Abraços,

Prof.B

A professora-tutora promove um momento de tensão, que se converte em indicador profícuo à intercognição na medida em que MED retorna à cadeia enunciativa dando-lhe continuidade.

Turno 7 – MED

Olá Prof.B e Colegas!

Erro e Punição ocupam lugares específicos na proposta piagetiana. Ao contrário de muitas perspectivas teóricas o "erro" é investido de importância por Piaget, tendo em vista que ele é compreendido dentro do processo de desenvolvimento. O erro é positivamente considerado como natural no processo de desenvolvimento. Logo, se o erro não é investido negativamente, também não será a punição necessária. A criança de 6 anos está no estágio egocêntrico do desenvolvimento do julgamento moral, que embora adquirida a noção de regras, ainda apresenta limitações na interação social e na cooperação. O interessante é utilizar-se do erro como proposta reflexiva, oportunizando que a criança se posicione diante dele.

Segundo Reboul (1998), cada réplica direcionada a um argumento prévio traz a possibilidade de levar o interlocutor a reformular ou reorganizar seus argumentos. Nesse sentido, podemos verificar que MED responde à solicitação da professora-tutora, demonstrando, nessa nova mensagem, ter reelaborado seus conhecimentos acerca dos pressupostos do desenvolvimento moral, ao identificar que a punição não é objeto de foco na teoria de Piaget. Nas palavras de MED (turno 7): "se o erro não é investido negativamente, também não será a punição necessária".

A última frase da mensagem de MED provoca uma reação nos demais interlocutores. Parece não ter ficado claro o que ele quis dizer com a frase: "O interessante é utilizar-se do erro como proposta reflexiva, oportunizando que a criança se posicione diante dele". Nos turnos subsequentes, vários buscam refletir sobre isso. Todavia, destacamos os turnos de 11 a 13 por evidenciarem a necessidade de um comprometimento dos envolvidos no fluxo da comunicação, com o objetivo de elevar o fórum à condição de um espaço potencial para a intercognição.

Turno 11 – TAT

Professora diante de tudo que foi estudado eu gostaria de saber se entre uma fase de um estágio para o outro, o professor pode monstrar a criança que ela está errada e dizer o porque que a resposta dela não é a verdadeira. Ou o correto é deixar cada fase acontecer sem haver a interferênica de ninguém.

Turno 12 – MAL

Caro colega MED, gostei da sua colocação quando disse que o interessante é utilizar-se do erro como proposta reflexiva, oportunizando que a criança se posicione diante dele. Mas como agir quando essa mesma criança não adimite que errou? ou quando ela sabe que fez algo de errado mas nem se preocupa em consertar esse erro?

Turno 13 – SEC

A dúvida apresentada pela colega TAT é muito interessante.

Corrijam-me se estiver errada, mas creio que cabe não só ao professor, mas principalmente aos pais estimular a criança e orientar em relação ao que é certo ou não. Não esquecendo que o ambiente que a criança vive interfere bastante em seu desenvolvimento.

Podemos observar que não há uma reciprocidade dos interlocutores ou uma mediação pedagógica adequada, uma vez que decorre uma efervescência de mensagens permeadas por falas recursivas. Desviando-se da noção de erro tratada em Piaget, os cursistas passam a tratar do tema fazendo relações simplórias, apoiadas no senso comum e nas práticas cotidianas. O valor epistêmico da noção de erro destacado na perspectiva de Piaget se dissolve. Sem a mediação pedagógica da professora-tutora durante o desenrolar desses turnos, vemos que a construção do objeto de conhecimento, em torno da noção de erro em Piaget, vai adquirindo contornos inadequados em que, paulatinamente, a intercognição fragiliza-se. Ainda que os interlocutores dos turnos 11 e 12, ao se apropriarem de outros enunciados até esse momento, façam perguntas potenciais à discussão, a cadeia enunciativa não ganha fôlego.

Verificamos que os interlocutores não utilizam o texto didático como mediador para a construção dos significados em torno do objeto do conhecimento. Nos turnos 11 a 12, é possível perceber que TAT e MAL sentem dificuldades para compreender, na essência, o significado da noção de erro em Piaget. À medida que exteriorizam suas dúvidas, eles demonstram como os seus pensamentos se organizam e como são localizados em meio a um contexto de expectativas e de valores (Pontecorvo et al. , 2005). Segundo o texto didático que fundamentou as discussões do fórum (Melo, 2008, p.3), para Piaget, o desenvolvimento ocorre sempre com a interferência do meio social: "Piaget partiu da compreensão de que o conhecimento é construído na interação do indivíduo com o meio...".

TAT, por exemplo, no turno 11, além de confundir-se diante da noção de erro, também se atrapalha com a noção de estágios e com a perspectiva global de Piaget, quando ela afirma: ("[...] o correto é deixar cada fase acontecer sem haver a interferência de ninguém[?]").

O texto didático ainda enfatiza que os erros apontam o modo como a pessoa pensa e age diante dos estímulos, demonstrando o nível de conhecimento que ela possui até aquele momento (Melo, 2008). Podemos fazer uso das próprias palavras de Melo (2008), para argumentar que os "erros" e desvios cometidos pelos interlocutores, particularmente nos turnos 11 e 12, mostram a qualidade do processo de construção de conhecimentos quanto à temática apresentada, e que a professora-tutora, contrariando o que postulava o texto, não buscou trabalhar os erros apresentados, convertendo-os em experiências pedagógicas positivas.

A adequada mediação pedagógica oferece o andaime (Bruner, 1997) necessário à construção do conhecimento significativo. Conforme Vygostky (2007), uma aprendizagem de qualidade somente vai ocorrer quando a intervenção pedagógica é realizada de modo a estabelecer a ponte entre o que o cursista sabe fazer sozinho e sua potencialidade para aprender, promovendo, assim, a passagem progressiva das formas do pensamento comum ao pensamento científico, ou do concreto para o simbólico (Sigel, 2002). Este último processo implica consciência e domínio do conteúdo no nível de definição, relação com outros conceitos (Oliveira, 1992) e aplicabilidade do conhecimento à prática.

Indicadores de intercognição presentes nas dinâmicas conversacionais e implicações pedagógicas

A partir dos resultados expostos, podemos notar a relação entre o encadeamento dos enunciados dos interlocutores e a qualidade das discussões para a construção dialógica do conhecimento. Conforme já delineado, essa construção procede das dinâmicas conversacionais, em uma ligação de total interdependência entre os envolvidos no ato comunicativo.

Observamos que, nas cadeias enunciativas 1 (turma A) e 2 (turma B), há praticamente a mesma quantidade de turnos (14 e 15, respectivamente), o que significa número equivalente de mensagens trocadas em ambos os grupos. Entretanto, a qualidade das discussões é marcadamente diferente. As intervenções da professora-tutora A, além de serem mais frequentes, diferem quanto ao conteúdo e têm caráter mais interativo, convocando os interlocutores ao engajamento dialógico. Desse modo, coadunam com os objetivos acadêmicos da educação, em geral, particularmente, do campo da EAD, no sentido de buscar agregar novos elementos que promovam diferenciação qualitativa às discussões.

É certo que os estilos pedagógicos das professoras-tutoras participantes do nosso estudo promoveram, ao longo do tempo, diferentes possibilidades de construções de conhecimento, algumas mais e outras menos interessantes, do ponto de vista pedagógico. Se abordamos a construção do conhecimento a distância como efeito da comunicação e definimos que certos estilos comunicativos tendem a impedir sua continuidade, estamos assumindo que as professoras-tutoras têm papel destacado na promoção de qualidade de conhecimento nos fóruns de discussão. A construção do conhecimento ocorre sob as oportunidades e limites impostos pelas relações dialógicas nas quais, ativamente, todos se envolvem ou deixam de se envolver (Simão, Martínez 2004).

De forma sistemática e em resposta aos nossos objetivos, reuniremos abaixo os indicadores de intercognição encontrados nas cadeias enunciativas, semioticamente relacionadas, de ambas as turmas, e que consideramos poderem servir de guia para a formação e a avaliação da tutoria a distância:

- A cadeia inicia-se com perguntas abertas, mas a professora-tutora permanece atenta a orientar a comunicação em direção ao foco acadêmico. Ao angariar por participações, inicialmente, as perguntas das professoras-tutoras também foram abertas, favorecendo as primeiras construções de significados por parte dos cursistas. E, uma vez estabelecidas as primeiras trocas, as intervenções subsequentes foram mais pontuais e assertivas, visando manter o foco nos objetivos e conteúdos em elaboração.

- Tempo e frequência das mensagens de respostas da professora-tutora. As mediações pedagógicas foram rápidas, eficientes e constantes, com o objetivo de ajudar os cursistas a concretizarem os conteúdos trabalhados no texto didático, favorecendo as discussões e o aprofundamento em relação ao assunto em foco.

- Avanço em relação ao texto didático, por meio da apresentação de exemplos, modelos e metáforas. As professoras-tutoras direcionaram a discussão para pontos ainda não trabalhados ou não exteriorizados no fórum em relação ao tema proposto, na busca de ampliarem a discussão. Esse tipo de intervenção não é natural e espontâneo, mas decorre de uma competência profissional (Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005), ou seja trata-se de exercitar habilidades de condução que sejam mais adequadas aos contextos virtuais de aprendizagem.

- O conteúdo das mensagens pertinente aos objetivos pedagógicos do fórum e à formação de novas ZDP. Os interlocutores buscaram agregar novos elementos ao debate, integrando-os ao fluxo da comunicação e evitando repetições acríticas aos enunciados uns dos outros. Os interlocutores intervieram, sobretudo, nos momentos de dificuldades dos colegas, conferindo valor epistêmico aos enunciados e aos termos utilizados, passando do senso comum para o gênero discursivo acadêmico, e conteúdos cientificamente embasados.

- Reflexividade do posicionamento dos interlocutores frente aos conhecimentos. Os interlocutores evidenciaram a consciência de que os termos utilizados revelavam dificuldades ou desenvolturas no processo de coconstrução do conhecimento. Trata-se de um indicador de desenvolvimento cognitivo para formas mais avançadas de aprendizagem.

- Comprometimento dos mais capazes com a construção coletiva e dialógica do conhecimento. Intervenções demonstraram, além de cuidado, afeto e zelo com os enunciados alheios, comprometimento em prover suporte emocional e pedagógico ao grupo, facilitando as exteriorizações de demandas pedagógicas e didáticas de interlocutores mais tímidos ou academicamente menos competentes, no contexto do fórum.

- Manutenção da dinâmica ativa das trocas e da qualidade do fórum como contexto de aprendizagem. Os interlocutores se envolviam na discussão em um movimento de ir e vir, sinalizando que o fórum não é apenas um repositório de mensagens de cunho avaliativo, mas um lugar privilegiado de aprendizagem.

- Privilégio das mensagens coletivas sobre as privadas. Os interlocutores responderam de maneira pública, ao serem solicitados também publicamente, possibilitando a legitimação do fórum enquanto a "sala de aula virtual". Os envolvidos na cadeia enunciativa criaram possibilidades profícuas ao debate, por meio da apresentação de dúvidas, polêmicas, desacordos e solicitações de ajudar para a compreensão do assunto e complementação do debate, apresentando justificativas fundamentadas teoricamente.

Sobre este último indicador, é importante destacar que perguntas não respondidas parecem causar impacto negativo no fórum, uma vez que dificultam o estabelecimento de laços de confiança entre os participantes e com a professora-tutora (Moore, Kearsley, 2008). Sem a certeza de que existe um interlocutor privilegiado do outro lado, e disponível para lhe oferecer assistência, o cursista se sente sozinho. O suporte pedagógico e emocional oferecido pelos membros mais capazes do grupo é essencial, já que os parceiros de aprendizagem dividem "o esforço e o empenho de pensar, reduzindo a ansiedade produzida pela situação perturbadora de encontrar-se sozinho para resolver um problema" (Pontecorvo, Ajello, Zucchermaglio, 2005, p.43).

Nesse sentido, quando as solicitações públicas e as expectativas dos interlocutores não são atendidas também publicamente, a colaboração interpessoal no fórum perde o potencial transformador, deixando de oferecer suporte cognitivo a quem necessita.

Considerações finais

Este artigo buscou compreender, no âmbito do Ensino Superior a distância, os processos de construção do conhecimento em fóruns de discussão. Para tanto, analisamos a dinâmica conversacional de professoras-tutoras e cursistas, enfatizando a importância do papel do professor-tutor e buscando apreender os indicadores de intercognição presentes. Estes evidenciam a qualidade das discussões empreendidas nos fóruns e, consequentemente, das aprendizagens logradas.

Procuramos apresentar evidências empíricas de que a intercognição potencializa-se quando, além de uma cultura orientada ao debate público das ideias em um palco aberto à negociação de significados, os interlocutores engajam-se, comprometendo-se com os rumos e a qualidade da discussão, por meio da inserção de conteúdos pertinentes. Isso significa que o fórum de discussão, enquanto contexto de construção do conhecimento em EAD, perde sentido se não puder ser convertido em espaço de intercognição. À medida que os enunciados dos interlocutores entrecruzam-se de forma colaborativa, no empenho de dar continuidade ao debate, o fórum de discussão pode ser legitimado como contexto dialógico e de intercognição.

Fundamental, nessa direção, é a presença do outro, motivado a desafiar os enunciados e a levar à apresentação de novas proposições, de modo que cada um incorpore os enunciados alheios para o desenvolvimento de seus próprios. Dessa forma, os interlocutores constituem-se discursivamente e juntos constroem o contexto do fórum de discussão.

O conceito de intercognição busca compreender essa dinâmica, mostrando-se fértil ao indicar a escuta ativa, o envolvimento mútuo e o foco no processo cognitivo dos interlocutores, que constroem, situadamente, um pensamento global, coletivo e socializado, o qual tem como processo e produto a dinâmica conversacional. Entretanto, compreendemos que a noção de intercognição, que começamos a esculpir, necessita continuar sendo elaborada, por meio de investigação que envolva outros segmentos da EAD e distintas dinâmicas de construção de conhecimento, como também os contextos educativos convencionais.

Acreditamos que essa perspectiva modifica imensamente o paradigma do ensino tradicional, que ainda se reflete nas metodologias em EAD, tornando possível a superação da visão de sujeito encapsulado, fazendo emergir um sujeito ativo, ator de seu aprendizado (Lopes de Oliveira, 2000) e coautor da aprendizagem alheia.

Colaboradores

As autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção deste manuscrito.

Recebido em 15/06/11.

Aprovado em 05/11/11.

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  • *
    Elaborado com base em Bicalho (2010), pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 1
    Trata-se de disciplina de introdução à psicologia aplicada ao contexto de ensino-aprendizagem, totalmente desenvolvida a distância, via plataforma
    Moodle. Ministrada no terceiro semestre do curso, computou carga horária de sessenta horas e duração de dois meses. Os materiais didáticos utilizados foram preparados pela professora-supervisora com o fim específico de utilização na disciplina. Ela também acompanhou o trabalho de quatro professoras-tutoras em turmas de, aproximadamente, 45 alunos, cada.
  • 2
    O turno refere-se à produção daquele que está com a "palavra".
  • 3
    Algumas informações para a compreensão dos fluxogramas: a turma A, está representada na forma de retângulo. Já a turma B, na forma de elipse. As letras inseridas em cada forma geométrica referem-se aos interlocutores. Os números, também apresentados dentro das formas, informam o encadeamento temporal das mensagens, ou seja, a ordem cronológica em que foram enviadas ao fórum. As setas estreitas indicam para quem o interlocutor direcionou sua mensagem/resposta.
  • 4
    As mensagens apresentadas foram copiadas na íntegra, tal como postadas no fórum. Mantivemos coerência com o estilo de escrita dos cursistas, incluindo os erros de digitação e ortográficos, por acreditarmos que o estilo individual expressa a pessoa e seu contexto sociocultural, além de revelar a qualidade do Ensino Superior no Brasil, tema tangencialmente relacionado ao presente trabalho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Jun 2011
    • Aceito
      05 Nov 2011
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