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O movimento feminista brasileiro na virada do século XX: reflexões sobre sujeitos políticos na interface com as noções de democracia e autonomia

The Brazilian feminist movement at the turn of the 20th century: reflections on political subjects in the interface with the concepts of democracy and autonomy

Resumos

Este texto discute as tensões em torno da legitimidade dos sujeitos políticos feministas brasileiros, na interface com as noções de democracia e autonomia. Para tanto, realiza sua análise em consonância com dados da etnografia do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em 2005, em São Paulo. Esse espaço é tido como importante seara de constituição dos pensamentos e ações do movimento feminista no Brasil e na América Latina.

feminismo; sujeitos políticos; democracia; estudos de gênero


This article discusses the tensions surrounding the legitimacy of the Brazilian feminist political subjects in the interface with the concepts of democracy and autonomy. The study adopts an ethnography perspective to analyze the 10th Latin American and Caribbean Feminist Meeting, held in São Paulo in 2005, an important space for the constitution of the thoughts and actions of the feminist movement in Brazil and Latin America.

Feminism; Political Subjects; Democracy; Gender Studies


ARTIGOS

O movimento feminista brasileiro na virada do século XX: reflexões sobre sujeitos políticos na interface com as noções de democracia e autonomia

The Brazilian feminist movement at the turn of the 20th century: reflections on political subjects in the interface with the concepts of democracy and autonomy

Karla Galvão AdriãoI; Maria Juracy Filgueiras ToneliII; Sônia Weidner MalufII

IUniversidade Federal de Pernambuco

IIUniversidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Este texto discute as tensões em torno da legitimidade dos sujeitos políticos feministas brasileiros, na interface com as noções de democracia e autonomia. Para tanto, realiza sua análise em consonância com dados da etnografia do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em 2005, em São Paulo. Esse espaço é tido como importante seara de constituição dos pensamentos e ações do movimento feminista no Brasil e na América Latina.

Palavras-chave: feminismo; sujeitos políticos; democracia; estudos de gênero.

ABSTRACT

This article discusses the tensions surrounding the legitimacy of the Brazilian feminist political subjects in the interface with the concepts of democracy and autonomy. The study adopts an ethnography perspective to analyze the 10th Latin American and Caribbean Feminist Meeting, held in São Paulo in 2005, an important space for the constitution of the thoughts and actions of the feminist movement in Brazil and Latin America.

Key Words: Feminism; Political Subjects; Democracy; Gender Studies.

Este artigo discute o sujeito político do feminismo na interface com as noções de democracia e autonomia, a partir da etnografia do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado no ano de 2005, em São Paulo, importante seara de constituição dos pensamentos e ações do movimento feminista no Brasil e na América Latina. São questões do movimento aqui trabalhadas: a) o que une e o que separa as mulheres em torno de um movimento - pluralidade, diversidade e busca de uma linguagem e de uma identidade que agregue os diversos interesses; e b) como se dá a busca por legitimidade e inclusão dentro dessa esfera.

Nesse percurso, importantes noções podem atuar como "pistas" analíticas, dentre elas, igualdade, diferença, pluralidade e diversidade. As duas primeiras acompanham os dilemas históricos, os quais o movimento percorreu e ainda percorre rumo à equidade nas relações de gênero. As demais fazem parte da ampliação do espaço interno do movimento com relação às identidades de sujeito político e à agregação de outras desigualdades, como as de raça e etnia, geração, sexualidade.

Alguns dos argumentos aqui apresentados levam em consideração que os encontros feministas são importantes espaços políticos, que atuam como momentos paradigmáticos das tensões que acontecem no campo.1 1 Karla ADRIÃO, 2008.

Os percursos dos encontros feministas como espaço de formalização e consolidação do movimento

A partir da década de 1970 até os dias atuais, um fato que contribuiu enormemente para o desenvolvimento interno2 2 Como espaço de construção e consolidação de um ethos feminista. do movimento feminista no Brasil foi a realização de encontros de mulheres e feministas. Esses eventos surgem, inicialmente, a partir de grupos e organizações de mulheres, ainda na década de 1970, e de ONGs nos anos 1980, e vão se destacando como espaços de unificação e vivência de um "fazer feminista" dos diversos grupos, no que se refere ao desenvolvimento de redes e trabalhos em conjunto, em torno de uma mesma agenda.3 3 Ana Alice COSTA, 1981.

Os encontros feministas, nacionais e latino-americanos, caracterizaram-se, desde o início, como espaços de fortalecimento e discussão interna dos passos feministas, agendas e formulações. Porém, mais que isso, esses espaços se conformaram, na percepção das diversas mulheres que os compõem, como lugares de exercício de um modo de ser feminista e de fazer feminismo.4 4 ADRIÃO, 2008 (Diários de Campo, 2004 e 2005); e COSTA, 1981.

Estar em um encontro é marca de participação, é crédito, cartão de iniciação e fortalecimento de uma (ou muitas) identidade(s) feminista(s). Portanto, organizar e participar desses momentos conformou-se como locus de necessidade e importância para todas aquelas que fazem o(s) feminismo(s) no Brasil, na América Latina e no Caribe.5 5 Sonia ALVAREZ et alii, 2003.

Vale ressaltar que esses momentos também indicam a existência eficaz da tendência atual em trabalhar e articular as ações e agendas através de redes e encontros. Os movimentos sociais contemporâneos vêm construindo novas narrativas para a compreensão da complexidade na sociedade globalizada e da informação, onde a transformação, por vezes, surge como resultado da articulação discursiva e da prática de variados atores coletivos.6 6 Chantal MOUFFE, 1996.

Através da análise dos encontros é possível compreender os caminhos que os feminismos no sul das Américas vêm trilhando.7 7 ALVAREZ et alii, 2003, p. 543. Mais que isso, cada encontro enfatiza questões ou problemas específicos do país-sede que podem ser compreendidos na interface entre especificidades locais e debates globais.8 8 Apoiadas nesse fato é que tratamos dos dois encontros ocorridos no Brasil como campo de análise. O 3º Encontro, de 1985, por meio de relatos e fontes secundárias oficiais do evento; e o 10º Encontro, de 2005, por meio de pesquisa etnográfica. Mesmo que ancorados na solidariedade política entre mulheres, os encontros e os "desencontros" têm propiciado debates produtivos e reconfigurado alianças e coalizões entre as feministas da região.9 9 ALVAREZ et alii, 2003, p. 543.

Enquanto os feminismos na região latino-americana surgiram de uma grande diversidade de lutas políticas e localidades sociais, os encontros permitiram que as militantes pudessem compartilhar/confrontar suas diferentes perspectivas e construir significados políticos e culturais alternativos. Além disso, "Os encontros provaram ser arenas transnacionais fundamentais onde identidades e estratégias especificamente latino-americanas têm sido constituídas e contestadas".10 10 Até a presente data, ocorreram dez encontros, sendo que, dentre eles, apenas o Brasil sediou por mais de uma vez os Encontros Feministas Latino-Americanos.

O foco da reflexão, a partir deste momento, é o 10º e último Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, considerado como momento paradigmático das ações e sentidos produzidos pelas feministas sobre o campo feminista no Brasil, por meio de análise do trabalho de campo de uma das autoras.

O objetivo aqui é realizar uma reflexão, a partir da etnografia do evento na qual focamos sobretudo as pautas políticas e perspectivas internas e externas, sobre o(s) sujeito(s) político(s) do feminismo na interface com noções de democracia e autonomia, inclusão e expansão do movimento.

Em sua décima versão, em 2005, esse encontro contou com a participação de mais de 700 brasileiras e de aproximadamente 700 mulheres da América Latina e do Caribe. Além dessas, algumas mulheres espanholas, norte-americanas, inglesas e belgas também compareceram, justificando-se pela "importância de se estar presente em um momento de análise e fortalecimento do movimento a partir de uma reflexão sobre suas práticas e teorias".11 11 ADRIÃO, 2008 (Diários de Campo, 2004 e 2005). A maioria das mulheres presentes fazia parte de alguma ONG, grupo de mulheres, fórum de mulheres ou redes feministas nacionais e latino-americanas. Além delas, poucas participantes identificaram-se como integrantes de redes e núcleos de pesquisa acadêmica e ainda de órgãos gestores dos governos federal, estadual e municipal (principalmente coordenadorias ou secretarias da mulher).

Para ingressar no encontro feminista, segundo sua página na Internet,12 12 Página na Internet: < www.10feminista.org.br>. Última visita em 7 de janeiro de 2008. foi preciso preencher uma ficha de inscrição que tinha duas perguntas de acesso. Era necessário 1) ser mulher, e 2) ser feminista, enquanto autodefinição, para que se pudesse estar nesse espaço de discussão, assim como nos encontros anteriores. Portanto, uma verdadeira "cidade das mulheres" foi recriada a cada versão do encontro. Cidade onde mulheres dos movimentos lésbico, negro, indígena, de partidos políticos, de gestão pública, de redes feministas nacionais e internacionais, de financiadoras, de núcleos acadêmicos, de movimentos populares e, agora, de jovens feministas encontraram-se e buscaram discutir agendas de aproximação ou não. Tensões e reconfigurações são construídas e reconstruídas nesses espaços concretos.

Os espaços dos encontros e das conferências colocam-se como lugares de tensionamento e recriação do que vem sendo agendado como pauta política do feminismo contemporâneo. Compreender esses espaços e como eles se configuram trata-se de algo da ordem do dia, visto que neles os processos do campo ganham visibilidade, formam-se e se conformam. Isso se faz a partir de uma agenda largamente negociada pelos diversos segmentos de mulheres feministas e por correntes políticas dentro do feminismo.

As temáticas feministas colocam-se em torno de uma busca de transformação social - no sentido amplo do termo - além de procurarem erradicar as desigualdades sofridas pelas mulheres, acarretadas por sua condição de subordinação. Essas chamadas são conhecidas de todas e todos aqueles que estudam ou militam em torno das questões de gênero e feminismo. Além dessa perspectiva geral, negociações internas vêm sendo feitas no sentido de definir o que é específico da agenda feminista, no Brasil pós-década de 1990, seja nos fóruns políticos, seja nos fóruns acadêmicos. As I Conferências (Governamentais) Estaduais e a Nacional de Políticas para as Mulheres,13 13 As Conferências de Políticas para Mulheres Brasileiras (organizadas pelo governo federal, através da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) surgem a partir da constituição dos novos campos de ação feminista, resultantes da compreensão dos contextos históricos, envolvendo as décadas de 1970, 1980 e 1990. que ocorreram em 2004, traziam propostas que, por sua vez, também já refletiam as discussões iniciadas no processo de organização da plataforma política feminista (encontro organizado pela rede do movimento feminista nacional AMB), em 2002.14 14 A primeira Plataforma Política Feminista foi organizada por um grupo de entidades do movimento de mulheres nacional, tendo a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) como a grande impulsionadora nos estados brasileiros. Em 2002, ano de eleições presidenciais, essa articulação promoveu conferências municipais e estaduais em todo o território nacional, com o intuito de construir uma plataforma norteadora das ações que as mulheres desejavam implementar via governos (COMISSÃO ORGANIZADORA..., 2003).

A seguir, destacamos momentos do 10º Encontro que servirão como frames15 15 A noção de frames é emprestada da Linguística de Textos e da Linguística Cognitiva, ambas áreas teórico-conceituais dos estudos macrolinguísticos, que consideram a língua em sua interação com o contexto socio-cultural. Dessa forma, os frames, ou enquadramentos, são momentos "recortados" da realidade sociocultural que se apresenta como um todo, para efeitos de análise de um momento discursivo ou sociolinguístico. Tomamos os frames para configurar momentos emblemáticos dentro do contexto geral do 10º Encontro, de forma a discutir sobre a realidade macro a partir de uma análise de momentos específicos, ou micro. Fontes: Gilles FAUCONNIER, 1997; e Robert BEAUGRAND, 1997. para algumas das questões que pretendemos discutir aqui. Classificamos os momentos analisados em a) o sujeito político - em um campo analítico-teórico e empírico; e b) as relações entre democracia, autonomia e sujeitos políticos.

a) O sujeito político

A perspectiva de constituição de um sujeito político orienta e unifica os movimentos sociais, dando-lhes "uma cara própria" que, por sua vez, indica quais são as desigualdades sofridas e quais as reivindicações almejadas.16 16 Nancy FRASER, 2007; e Ilse SCHERER-WARREN, 1987. Por muitos anos, pelo menos desde o século XVIII, as ações do movimento feminista orientaram-se a partir da unidade de todas as mulheres em torno do significante "mulher". As ações galgadas, entretanto, oscilavam, em diferentes momentos históricos, entre estratégias que se utilizavam de argumentos pautados na noção de igualdade ou na de diferença.17 17 Joan SCOTT, 2002.

Além disso, essas estratégias tinham em comum o ponto de partida de que havia uma diferença sexual para a qual se colocavam distinções, a saber, entre os homens - que possuíam o acesso ao mundo público e à cidadania - e aos demais sujeitos que se encontravam à margem dos processos decisórios.18 18 SCOTT, 2005. Às feministas restava utilizar-se desse argumento - o da diferença sexual - como portal de chegada e de partida. Essa escolha é chamada por Joan Scott19 19 SCOTT, 2002. de paradoxal, já que as feministas usam da noção que as restringe - a de que há uma diferença entre homens e mulheres - como possibilidade de alcance de cidadania.

Percebe-se aqui que a diferença sexual apoia estratégias paradoxais de igualdade e de diferença em relação ao outro sujeito político que tem livre acesso aos diretos do Estado-nação. Uma segunda forma de uso desse mesmo significante "mulher" é descrito por Judith Butler.20 20 BUTLER, 2003. Aqui, a autora problematiza a igualdade e a diferença em relação ao que une e o que separa todas as mulheres em torno do movimento feminista e de mulheres. É ressaltada a importância do sujeito "mulher" como unidade do todo - as mulheres do movimento. Entretanto, ao se deparar com a chegada das mulheres situadas em segmentos específicos, percebe-se que esse sujeito "mulher" sofre rupturas quanto ao seu conteúdo uno. Argumentaremos que essas duas perspectivas são usadas, sendo uma voltada para fora, na relação do movimento de busca de igualdade de direitos, enquanto a outra é utilizada internamente, na tensão entre diferença de segmentos e unidade do movimento.

Scott21 21 SCOTT, 2005. discute sobre a relação da igualdade almejada por segmentos marginais, através de dois caminhos: o dos grupos e o do indivíduo. Na sociedade moderna contemporânea as leis se organizam em torno dos direitos dos indivíduos, entretanto, os movimentos sociais buscam agregar a noção de grupo para acessar diferenças que aparecem como da ordem cultural e, portanto, que ultrapassam os direitos individuais. A autora coloca que há uma tensão presente na constituição de uma identidade de grupo sobre a qual a discriminação está baseada. Nesse sentido, as demandas por igualdade evocam e repudiam as diferenças que, em um primeiro momento, não permitiram a igualdade.

Em outras palavras, a visibilidade do sujeito "mulher" é acionada através de uma "identidade de grupo"22 22 SCOTT, 2005. sem, no entanto, agregar todas as diferenças no interior desse significante. Há uma busca por igualdade do grupo e dos indivíduos baseada na diferença que exclui. E essa identidade unifica-se em torno de um termo: "a mulher".

Importa-nos, neste momento, compreender essas relações internas e externas das quais o movimento feminista lança mão, tendo como foco a relação entre constituição de sujeitos políticos feministas e estratégias de igualdade e diferença, a partir dessas visões teóricas confrontadas com a realidade do 10º Encontro.

As estratégias que pretendemos discutir foram percebidas em dois segmentos que buscavam legitimar seus discursos e serem vistos como mais um grupo dentro do campo feminista. Um deles, o das jovens feministas,23 23 As jovens feministas organizaram, a partir de suas ações durante o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em 2005, uma articulação nacional. No ano de 2007, durante a II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, fortaleceram a rede e construíram o I Encontro Nacional de Jovens Feministas que ocorreu na cidade de Fortaleza, Ceará. O encontro tinha como objetivo principal consolidar a criação da Articulação Brasileira de Jovens Feministas, e fortalecer a agenda política para as mulheres jovens. aponta para as relações no interior do movimento, enquanto o outro, o das transgêneros, deflagra externamente as tensões do feminismo, em dois movimentos distintos, um centrípeto e o outro centrífugo, tal qual apontado por Sônia Maluf.24 24 MALUF, 2006.

O discurso oficial do movimento feminista no 10º Encontro traz a "pluralidade" como termo agregador das políticas internas e das estratégias externas e internas de constituição de pautas, de diferentes segmentos. Dessa forma, pretende assegurar direitos para cada um dos distintos grupos e, ao mesmo tempo, deflagra as dificuldades inerentes a essa proposição, porque convivem no mesmo espaço os segmentos já existentes, que buscam consolidar-se internamente, e, concomitantemente, "novos segmentos" com "novas demandas".

Apresentamos informações da plenária final do 10º Encontro, onde em torno de 1.400 mulheres reuniram-se para leitura de moções e debate de pontos políticos, demarcando o encerramento do evento. Dessa reunião, trazemos duas imagens: a leitura da moção das jovens feministas e a discussão - que culminou em votação - sobre a participação de transgêneros no próximo encontro. A esses momentos será dado destaque, na medida em que condensam e dão visibilidade às tensões em torno de quais são os sujeitos políticos reconhecidos e legitimados pelo movimento feminista. Acompanhemos:

No primeiro destes, a plenária aplaudiu sem parar a desobediência das jovens feministas (categoria pela qual se autodefinem) que tomaram a área central da plenária, onde se situava a mesa de coordenação dos trabalhos, e iniciaram em conjunto a leitura de sua carta de reivindicações. A regra a ser cumprida era a de que apenas uma representante de cada segmento iria ao centro e leria sua carta moção. Em sua maioria, as cartas moções tinham uma página no máximo, onde se reivindicava maior visibilidade e/ou participação daquele segmento ali representado (foram lidas cartas das deficientes, das lésbicas, das indígenas e das jovens feministas). Voltando à leitura da carta das jovens feministas, rapidamente fez-se uma meia lua, composta por mais de 30 jovens mulheres da América Latina e do Caribe. Ovacionadas por sua iniciativa em desobedecer, as jovens feministas iniciaram a leitura de uma carta que trazia para o foco as especificidades destas enquanto feministas. Ao meu lado, nas cadeiras ao redor, ouvia as mulheres feministas comentando, com entusiasmo, que gostariam de saber mesmo quais eram as especificidades das jovens e o que elas queriam. O clima era de festa e de receptividade àquelas novas que vinham trazer gás e força às lutas das mulheres, conforme comentado a minha volta. Pela primeira vez na História do Feminismo Latino ouve-se falar, de forma consolidada, em um grupo de jovens que reivindicam especificidades.

O segundo momento da plenária final tratava de algo que vinha sendo comentado arduamente por várias mulheres, nos espaços informais do encontro, e antes deste se iniciar, através de cartas do movimento de transexuais, veiculadas na internet. A questão se colocava da seguinte maneira: poderiam participar do encontro as transgêneros que se autodefiniam como mulheres feministas? A plenária foi aberta através da possibilidade de fala e exposição de argumentos pró e contra a entrada destas. Depois de muitos embates, ouvia-se um grande burburinho e finalmente os argumentos foram se consolidando em torno das seguintes afirmações: quem se posicionava a favor, colocava que transgêneros já participavam dos encontros feministas desde sempre e que não se podia medir o tamanho das convicções feministas e sim, acreditar umas nas outras. Ou seja, se o critério para ida ao encontro era de autodefinição (deveria se marcar, como já exposto, um questionário onde duas perguntas eram feitas "é mulher?" e "é feminista?"), então deveríamos respeitar estas companheiras que se definiam como mulheres, embora não tivessem nascido com o corpo biológico feminino.

A posição contrária era defendida em sua maioria por mulheres feministas lésbicas radicais (autodefinição) e feministas da União Brasileira de Mulheres (UBM), as quais diziam que isto significava um retorno ao patriarcado e uma entrega dos espaços de poder, mais uma vez, aos homens. Ao final, a maioria presente ergueu os braços e votou a favor. Entretanto, nos espaços informais, na saída do encontro, comentários continuaram sendo feitos. Deixo aqui um destes: "os homens agora devem estar rindo de nós, após esta votação".25 25 ADRIÃO, 2008 (citações retiradas do Diário de Campo).

Dois segmentos distintos evocam a mesma estratégia de utilização do espaço da plenária final para colocarem suas reivindicações. A plenária final dos encontros feministas tem o caráter de agregar o fechamento dos trabalhos produzidos durante o processo, ao mesmo tempo que se coloca como espaço para apresentação de moções ou cartas que tragam comentários, propostas, moções ou repúdios a situações específicas. Ao ocuparem esse espaço, tanto as jovens quanto aquelas que trouxeram a reivindicação das transgêneros26 26 A definição de transgênero, de acordo com nossas interlocutoras feministas, era o de que este era um termo genérico para designar homens que "agem socialmente como se fossem mulheres. Alguns destes chegam a realizar cirurgia sexual, mudando de sexo biológico, outros não. O que mais importa é que estes se sentem como mulheres e, portanto, querem ser identificados como tal" (ADRIÃO, 2008 - Diário de Campo, 2005, e diálogos pela Internet, anteriores à realização do 10º Encontro, sobre a polêmica da participação ou não das trans). sabiam que dispunham da possibilidade de serem ouvidas por todas, podendo, dessa forma, lançar alguma proposta de seu segmento. Entretanto, o espaço da plenária não comporta votações; apenas a aclamação do que é lido pode ser tida como aprovada por todas e alocada nas atas oficiais dos encontros.

As jovens leram sua carta que foi aclamada por todas as participantes do 10º Encontro. As transgêneros, em contrapartida, não estavam presentes (por não poderem participar do evento), mas, apesar disso, sua reivindicação foi colocada em votação pela mesa coordenadora, não havendo consenso,27 27 O consenso é uma estratégia largamente almejada pelas feministas, nos momentos de embate político interno, em reuniões dos fóruns de mulheres e em outras redes do mesmo tipo. Busca-se chegar a uma ideia homogênea, se não unitária, que conduza às ações. Isso se faz através de larga negociação, em debates acirrados. A decisão de realizar uma votação, mais característica de outro tipo de fórum ou encontro, como as conferências de políticas públicas - as quais necessitam de uma decisão sobre uma diretriz com teor futuro de lei -, foi tomada, pela primeira vez, em uma plenária final, na história dos Encontros Feministas Latino-Americanos (ADRIÃO, 2008 - Diários de Campo, 2004 e 2005). mas sendo tomada a decisão do que foi acatado pela maioria.

Além disso, outras características distinguem e aproximam esses dois segmentos que buscavam visibilidade. A eles nos detemos adiante.

a.1) Incursões em torno de um "novo"28 28 ALVAREZ et alii, 2003, trazem comentários históricos sobre o primeiro aparecimento das jovens feministas, no final da década de 1990, em Juan Dolio, na República Dominicana (1999), no 8º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe. Naquele momento, as questões eram as mesmas que as atuais, evidenciando que esse segmento continua causando "estranhamento" nas demais feministas participantes desses eventos. lugar no feminismo: as jovens feministas

O encontro entre Ana e uma das autoras29 29 Karla Galvão Adrião. deste artigo se deu numa manhã de segunda-feira, em São Paulo, na sede da União de Mulheres, cinco dias após o 10º Encontro Feminista. Ana é uma das lideranças jovens do movimento feminista no Brasil, embora ela mesma não tenha se referido a si própria dessa forma. Branca, de estatura média, com 25 anos e formada em Letras, Ana atua no movimento desde 1996, quando iniciou um curso de jovens lideranças na ONG União de Mulheres, em São Paulo. Desde então, vem militando e se identificando como feminista. Porém, como feminista jovem, ou jovem feminista, quando esta jornada se iniciou?

Há alguns anos mulheres jovens feministas participaram de um curso de capacitação em feminismo e juventude, organizado pela Rede Latino-Americana e Caribenha de Jovens pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos (REDLAC). Após essa capacitação, formou-se o grupo Jovens Feministas de São Paulo, do qual Ana faz parte. Desse processo, ela e mais algumas jovens de seu grupo participaram ativamente traduzindo e adaptando o manual desse curso, em espanhol,30 30 MANUAL..., 2002. para a realidade brasileira. Outros grupos, em todo o Brasil, apropriaram-se dessa metodologia, através da participação em instâncias feministas como fóruns de mulheres estaduais e ONGs feministas, ao mesmo tempo que novos grupos de jovens feministas iam se formando e/ou se consolidando. Ana cita jovens dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Acre.

Quais especificidades as jovens feministas trazem em seus discursos? Para além da discussão sobre hierarquia dentro do movimento, onde feministas mais experientes teriam mais poder e visibilidade, essas jovens se preocupam em se colocar em espaços de discussão não apenas como observadoras ou coadjuvantes dos processos. Antes, elas querem discutir e ter acesso aos debates, assim como outras parcelas e segmentos dentro dos movimentos. Mas será que há uma especificidade ou várias especificidades que coloquem as jovens feministas como mais um segmento dentro do movimento feminista?

Ana diz que não tem clareza quanto a isso. Ao ser questionada se existiam especificidades na carta de moção na tomada do centro da plenária, no último dia do 10º Encontro, quando mais de 30 jovens a leram, Ana diz que esse momento retrata algo de novo, sim, mas que este novo não é produto final, constituindo um processo. Ela direciona então a discussão sobre os dois nomes/conceitos que identificam esse segmento: jovens e feministas. Por que "jovens" antes de "feministas"? As jovens com quem dialogaram nos dias do encontro, vindas, principalmente, da Nicarágua, do Chile e do Peru, autodenominavam-se "feministas jovens", porque eram feministas, em primeiro lugar. Mas Ana, assim como as demais jovens brasileiras, também é "feminista em primeiro lugar". Entretanto, diz mais uma vez Ana que colocar o nome "jovem" antes do nome feminista revela uma demarcação de visibilidade. "Ou seja, somos jovens feministas, sim, e, mesmo com toda a ambiguidade que esse discurso traz em si, colocamo-nos enquanto segmento dentro do movimento feminista mais amplo".

No 10º Encontro, as jovens feministas organizaram uma oficina de diálogo e compartilhamento de experiências entre "as jovens e as velhas" feministas.31 31 Miriam Grossi destacou a relação entre jovens e velhas feministas em seu texto "Velhas e novas feministas no Brasil" (GROSSI, 1998). A atividade, que não estava inscrita, foi impulsionada "por um desejo das mulheres jovens que estiveram no Fórum de Mulheres Jovens [Feministas], no dia 10 de outubro, durante o 10º Encontro, com o objetivo de troca entre as gerações e de se reconhecer e construir ações comuns".32 32 Fernanda Grigolin, jovem feminista, página do 10º Encontro na Internet. Nesse momento, duas a duas, as mulheres de gerações distintas se encontravam para dividir suas experiências de militância, sua entrada no movimento, suas demandas e especificidades. Essa foi uma tentativa de promover o diálogo entre as jovens e as velhas feministas e lançar na agenda do movimento o debate geracional.

O Fórum de Mulheres Jovens Feministas contou com mais de cem jovens de toda a América Latina e do Caribe. O momento, considerado de articulação, foi importante porque ali se discutiram as demandas, especificidades e estratégias das jovens feministas. Entre as demandas, as jovens destacaram:

Ser necessário não construir espaços adultocêntricos e verticais, garantir que as mais diversas jovens expressem suas necessidades e apreensões dentro do processo, além de se trabalhar conjuntamente nos movimentos de juventudes e feministas, sem deixar de pensar, considerando as inter-relações com as demais identidades, raça/etnia, classe social, condições sócio-geográficas, culturais e orientações sexuais.33 33 Fernanda Grigolin, jovem feminista, página do 10º Encontro na Internet.

Outro momento que se destaca é a conversa entre a socióloga feminista Sonia Alvarez e jovens feministas vindas da cidade de Natal, Rio Grande do Norte. Em pé, no meio do pátio central do 10º Encontro, antes de seguirem para mais uma oficina, conversavam sobre a especificidade de ser jovem e feminista. Um dos argumentos trazidos era o do estranhamento da acadêmica com relação a essa categoria, não nova, mas que se reconfigurava de forma tal que pedia por discursos de especificidade enquanto categoria identitária dentro do movimento feminista como um todo.

É importante situar a inclusão dos lugares de imposição de agendas e discussões sociais, tomando a conformação de movimentos de jovens e redes de juventudes nesse locus. Nas duas últimas décadas o que assistimos é a conformação e segmentação de identidades políticas e, nesses espaços, os movimentos de jovens têm se tornado cada vez mais participantes no cenário geral. Veja-se, por exemplo, o contexto dos Fóruns Sociais Mundiais, em que o acampamento da juventude é um dos espaços políticos de grande impacto internamente e, também, junto à mídia e ao que é veiculado e percebido pela população em geral. Assim, o encontro de mais esse movimento, de jovens, vem se agregar de maneira distinta das vivências das feministas jovens das décadas de 1980 e 1990, no Brasil. Existiam, sim, feministas jovens, entretanto, neste momento, o que parece se conformar é um espaço onde "ser jovem" tem um valor/peso de ordem semelhante a "ser feminista", afirmam as jovens feministas. Questionamos essa afirmação, visto que consideramos que o debate não se concentra no ato de "medir uma dupla participação" e sim no peso que a imbricação de dois significantes, orientadores de dois segmentos específicos - movimento da juventude e movimento feminista -, tem quando aparecem juntos.

A importância da participação das jovens é inegável. Trazem à tona a existência de uma hierarquia interna do movimento, na qual quem tem mais tempo ali, ou seja, as "históricas", têm mais poder (aqui estão envolvidos o estabelecimento da agenda, a distribuição do financiamento, o assento em órgãos importantes como os Conselhos etc.). A constatação dessa evidência, aparentemente óbvia, fundamenta parte das reivindicações das jovens e faz emergir as formas pelas quais as relações de poder se fundamentam. Além disso, vem questionar o nível de participação, a igualdade de participação e de poder decisório quanto a pautas, já que leva à proposição de temas de debate que nem sempre estão na ordem do dia para o movimento, como a preocupação com a concepção e contracepção do ponto de vista da idade fértil e do direito de ter filhos, creches e licença de gestação para estudantes de pós-graduação, por exemplo; e a participação "igual" para jovens e "históricas".34 34 Termo êmico. As jovens feministas também levantam a questão da participação masculina no movimento, concordando em alguns casos com a presença dos homens nas suas reuniões.

Elas desestruturam a ordem, ao mesmo tempo que pedem licença às "mais velhas" para participarem, exaltando o que já foi conquistado e levando em consideração as lutas travadas anteriormente. Ou seja, reconhecem o passado histórico, sem abrir mão de alterações no presente, de maneira que não apenas sejam ouvidas, mas também tenham acesso aos espaços decisórios. De certa forma, isso já vem acontecendo, visto que uma das jovens feministas estava presente na comissão organizadora do 10º Encontro e que o debate sobre as jovens feministas fez parte da programação oficial do evento, havendo uma jovem feminista em cada mesa de debate dos diálogos complexos.

As jovens feministas utilizam estratégias de busca de igualdade dentro do movimento ressaltando suas "diferenças específicas". Ou seja, movimentam internamente o feminismo com a inserção de demandas situadas e contextualizadas como "de um movimento jovem". Ao mesmo tempo, percorrem caminhos que outras mulheres de outros segmentos já percorreram, como foi o caso das negras, indígenas e lésbicas. Trazem a reflexão de volta para a questão interna do movimento feminista acerca da sua unidade, traduzida em termos de questões da mulher. Levantam o paradoxo em dois sentidos: um deles reforçando a existência da diferença sexual,35 35 SCOTT, 2002. a partir da afirmação de que são feministas e mulheres, unindo-se, dessa forma, ao todo do movimento; e o outro afirmando a diferença no interior do movimento, ao trazer mais uma desigualdade que se encontrava na margem, a de geração, portanto situada e específica para o todo do movimento feminista. Os percursos desse "novo" segmento auxiliam a compreender as dinâmicas discursivas pelas quais se produzem sujeitos legítimos, com demandas aceitas dentro do contexto feminista.

a.2) Abrindo frestas? A possibilidade das transgêneros participarem nos encontros feministas

Na plenária inicial, durante a abertura do 10º Encontro, a fala da comissão organizadora mesclou-se entre demarcar historicamente o lugar desse encontro, em destacar os objetivos e dar as boas-vindas às participantes. Porém, uma fala a mais foi introduzida, a de uma das organizadoras que vinha, em público, justificar a tomada de posições da comissão em não aceitar que transexuais e transgêneros participassem e se inscrevessem no 10º Encontro. O texto argumentava, dentre outras coisas, que não era da alçada da comissão deliberar por todas as mulheres feministas sobre essa questão. Portanto, seguindo o critério democrático que marca as decisões feministas, estavam delegando o espaço da plenária final para a decisão sobre a participação das trans no 11º Encontro.

Essa fala se constitui em torno de um processo que se iniciou por e-mail, pelo menos um mês antes da realização do encontro. Nos e-mails conformou-se uma espécie de fórum informal, em que se discutia sobre a possibilidade ou não da inclusão das trans, impulsionada por uma carta destas, na qual pediam que as feministas abrissem a possibilidade para sua participação no 10º Encontro. Esses e-mails circularam por redes informais e foram sendo repassados de forma tal que não foi possível ter a real dimensão de quantas mulheres efetivamente tiveram acesso à discussão. Porém, ao chegar à "cidade das mulheres", de uma forma ou de outra se recebia, nas conversas informais, informações sobre a existência da polêmica, fato esse explicitado na fala de abertura da organização, conforme exposto no parágrafo anterior.

Durante o processo do 10º Encontro, pelo menos uma oficina foi realizada com o objetivo direto de discutir a inclusão das trans. Nessa oficina, intitulada "Cuerpos Feministas",36 36 Oficina organizada por Aireana, Grupo por los Derechos de las Lesbianas; Asociación de Lucha por la Identidad Travesti Transexual (ALITT); Centro de Documentacion y Estudios (Área Mujer-CDE); Comision Internacional de Derechos Humanos de Gays y Lesbianas (IGLHRC). Objetivos expostos no caderno da programação oficial do evento: "Taller participativo donde se reflexionará sobre el feminismo como corriente de pensamiento más Allá de los cuerpos. Preguntas y críticas" (CADERNO..., 2005). discutia-se, a partir da experiência vivencial, "o que nos constitui enquanto mulheres", tomando características corpóreas e simbólicas da ordem do discurso até chegar ao argumento de que as transexuais "também se constituem como mulheres", logo, podem se autodefinir como feministas, se assim o desejarem, e, consecutivamente, participarem do 10º Encontro. As participantes da oficina debateram essa questão colocando-se a favor ou contra o argumento.

Nos diversos espaços de discussão - formais e informais - quem apresentava argumentos favoráveis à entrada das transgêneros nos encontros feministas alegava, dentre outros aspectos, que a utopia feminista de busca de igualdades teria possibilitado fissuras nos modelos heterossexuais. Ou seja, que a possibilidade de trabalhar os direitos sexuais e a politização do espaço privado iria impulsionar novos estilos de vida. Dentre estes, a possibilidade de uma pessoa que nascesse com o sexo biológico de um homem ter acesso a uma nova definição identitária. Da mesma maneira, foram citadas as mulheres lésbicas como porta-vozes feministas da livre expressão de viver a sexualidade e o amor por alguém do mesmo sexo.

Nessa mesma linha argumentativa, o feminismo "se depara com as dimensões [que se abriram] a partir da utopia de uma vida sem desigualdades, de transformação social para todas e todos e, portanto, também para as transgêneros".37 37 ADRIÃO, 2008 (Diário de Campo, 2005). Ser feminista diz, portanto, de um lugar de possibilidades para pessoas que se autodefinam como partidárias de princípios comuns a essa forma de ver e pensar o mundo. Então, o que dizer daquelas pessoas que se autodefinem como feministas e também como mulheres? Estariam as transgêneros sendo porta-vozes de um caminhar a partir de um olhar de gênero - em que femininos e masculinos transitam em corpos de homens e de mulheres - em contrapartida a uma visão essencializada de como deveriam ser as mulheres e, portanto, as mulheres feministas?

Gostaríamos de resgatar mais um momento registrado no Diário de Campo de Karla Adrião, por evidenciar com mais detalhes a tensão a partir das formas discursivas empregadas durante as argumentações a favor e contra a participação das transgêneros nos encontros subsequentes:

As falas na plenária final indicavam quem era a favor e contra a entrada de transexuais nos próximos encontros feministas. Uma partícula/artigo definido era evidenciador do argumento contra ou a favor: artigo definido masculino "O" ou artigo definido feminino "A". Ou seja, a frase que se iniciava com "O transexual" era contrária à inserção destes nos encontros. O inverso, ou seja, a definição "As transexuais" dava-lhes acesso ao "mundo feminista". Estes argumentos eram colocados no centro da plenária, ao microfone. Porém, mais alto que esses, vozes em coro questionavam o artigo feminino ou masculino, ora em acordo, ora em desacordo, fato este que me chamou bastante atenção. Algumas mulheres tendiam a corrigir o termo "O transexual", enfatizando que este deveria ser chamado no feminino, o que vinha a atordoar, em alguns momentos, aquelas que estavam argumentando contra a sua entrada e participação nos encontros.38 38 ADRIÃO, 2008 (Diário de Campo, 2005).

Esses momentos apontados acima mostram que, aqui, a unidade se faz através do termo "mulher", o qual agrega todas aquelas que são mulheres, distintamente do "outro" que são os homens, ao mesmo tempo que lança a ambiguidade que o termo atravessa, a partir da pergunta: mas, afinal, o que é ser mulher?

As transgêneros podem participar dos Encontros desde que atestem que são mulheres, em relação a um dos argumentos lançados. Nestes termos, é importante utilizar o artigo masculino "O", de forma a evidenciar que elas não são mulheres. Há também o receio de que transgêneros representem a fala dos homens no movimento, restringindo, portanto, os direitos e as estratégias feministas.

Ao mesmo tempo, a outra parte do movimento feminista, favorável à presença das transgêneros, vinha organizando encontros estaduais de debates39 39 Esses encontros aconteceram em algumas cidades do país e foram relatados por interlocutoras, depois do 10º Encontro, em suas cidades, a saber, São Paulo, Recife e João Pessoa (ADRIÃO, 2008). - através de parcerias locais entre fóruns de mulheres, articulações de mulheres e ONGs feministas - sobre a fluidez das subjetividades e dos corpos, na perspectiva teórica dos estudos de gênero.40 40 BUTLER, 2003 e 2004; Marilyn STRATHERN, 1988; Donna HARAWAY, 1995, dentre outras. Esses debates incitavam a necessidade de agregar todas aquelas que se dissessem feministas, tendo ou não "corpos prioritariamente femininos".41 41 Entrevista com participante da rede de Mulheres em Articulação da Paraíba e integrante de ONG feminista lésbica, em janeiro de 2006 (ADRIÃO, 2008).

Há uma necessidade do próprio campo de ação militante de definir características identitárias fixas, ou ainda, "estratégias essencialistas" que aproximem as lutas e as buscas por direitos legais.42 42 Diane ELAM, 1997; e Rosi BRAIDOTTI, 1989. As dicotomias se dão entre mulheres feministas que buscam seu espaço de direitos, o qual se concentra em uma unidade interna que as constitua nessa luta. Ou seja, debater sobre o que une e o que separa todas as mulheres, levando em conta, ao mesmo tempo, que as mulheres são diferentes entre si quanto a vários aspectos: sexualidade, raça/etnia, geração e classe social.

Nesse exemplo de demanda por inclusão de um segmento como sujeito político do feminismo, o que percebemos em termos de estratégias é que a relação entre igualdade e diferença percorre um caminho mais ousado que o anterior (das jovens feministas), no sentido de que busca igualdade na afirmação de uma diferença aparentemente "biológica", o sexo masculino, portanto, a identidade masculina em oposição à feminina, através da inclusão de uma igualdade discursiva que afirma "se me sinto feminista, então posso ser uma". O paradoxo da diferença sexual aqui é utilizado ao revés, ou seja, ao invés de afirmar a diferença sexual, fortalece a possibilidade de trânsito dos lugares instituídos pelos/nos corpos como masculino e feminino. Donna Haraway comenta essa condição de fluidez, a partir da metáfora do ciborgue:

Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade social, bem como uma criatura de ficção.Social reality is lived social relations, our most important political construction, a world-changing fiction. A realidade social é vivida nas relações sociais, a nossa mais importante construção de um mundo em mudança ficcional e política.The international women's movements have constructed 'women's experience', as well as uncovered or discovered this crucial collective object. O movimento internacional de mulheres tem construído "a experiência da mulher", bem como descobriu este crucial objeto coletivo.This experience is a fiction and fact of the most crucial, political kind. Esta experiência é uma ficção e realidade das mais cruciais [...] o ciborgue é um assunto de ficção e experiência vivida que muda o que conta como as experiências das mulheres em finais do século XX.This is a struggle over life and death, but the boundary between science fiction and social reality is an optical illusion. Esta é uma luta sobre a vida e a morte, mas a fronteira entre a ficção científica e a realidade social é uma ilusão óptica [...] as reflexões dos outros - a relação entre o organismo e a máquina - têm sido uma guerra fronteiriça na tradição utópica de imaginar um mundo sem sexo, que é talvez um mundo sem gênese, mas talvez também um mundo sem fim [The cyborg incarnation is outside salvation h...] o ciborgue é uma criatura de um mundo pós-gênero.43 43 HARAWAY, 1991, p. 149, 150 e 152. Tradução nossa.

A autora afirma ainda que o aprofundamento dos dualismos mente e corpo, animal e máquina, podem ser refutados através da imagem do ciborgue que, por sua vez, auxilia no argumento de que a produção de um universal é um erro, pois leva a uma análise parcial da realidade. Em contraposição, através da imagem do ciborgue, assim como com a perspectiva de inclusão das transgêneros, a visão situada e específica de um segmento trans é reconhecida através da possibilidade de fluidez de significantes masculinos e femininos em corpos sexuados. Essa perspectiva se ancora nos estudos de gênero44 44 BUTLER, 2003 e 2004; e STRATHERN, 1988. e no estatuto de sujeito descentrado.45 45 Stuart HALL, 2000; Bruno LATOUR, 2005; Michel FOUCAULT, 2002; Jacques DERRIDA, 2005, dentre outros. Porém, diferentemente do ciborgue, o segmento das trans pode invocar a dualidade mais uma vez, marcando também um retorno à biologização dos corpos e da diferença de sexo.46 46 Thomas LAQUEUR, 2001. Isso pode acontecer se tomarmos o fato de que algumas das transgêneros são sujeitos que passaram por processos de alteração de seus corpos biológicos através da tecnologia e da ciência, adaptando esse corpo à sua identificação sexual subjetiva. Ou seja, as trans possuíam um corpo biológico de homem com o qual não se adaptavam e precisaram fazer uma alteração concreta em seu órgão sexual masculino, de forma que seu sexo biológico se adequasse à sua "identidade feminina".

Essa tensão entre utilização de argumentos pautados ou na biologia ou na construção cultural acompanha a história dos movimentos LGBTTT,47 47 A visibilidade desse segmento vem a reboque dos avanços dos estudos sobre sexualidade e da organização dos movimentos de Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTT). Regina FACCHINI, 2005, discute o movimento homossexual organizado, no Brasil, associando-o à construção daquilo que a autora chama de "identidades coletivas". Além disso, dentre as conquistas atuais das trans no espaço das políticas públicas, está a garantia de que não serão mais associadas a prostitutas, além das propostas de diversidade sexual nas escolas e dos trabalhos do governo federal sobre o Brasil sem homofobia. apontando polarizações, e está longe de ter chegado a um consenso. No movimento feminista, ao se situarem as diferenças das mulheres em "corpos sexuados femininos", há uma escolha política que também vem a reboque dessa noção e que separa homens (corpos) de mulheres (corpos), marcando a desigualdade de gênero em "mulheres concretas" e perpetuando a lógica binária já tão criticada pelas teorias feministas. Ao permitir a participação das trans nos encontros, esse argumento sofre uma ruptura, visto que as trans desconstroem a ideia de unidade baseada na diferença sexual e aproximam as mulheres dos homens ao proporem que os corpos - e a biologia e a natureza - podem ser alterados.

b) Relacionando sujeitos políticos, autonomia e democracia

No tocante às questões políticas centrais para as feministas no 10º Encontro, destacamos a dos sujeitos políticos. Neste momento, buscamos relacionar tais questões com as noções de democracia e de autonomia, tendo em vista complexificar o debate em torno de sujeitos políticos e das políticas e suas estratégias de ação.

Nancy Fraser, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe48 48 Nancy FRASER, 2007; e Ernesto LACLAU e Chantal MOUFFE, 1985. apontaram a importância das estratégias políticas de "redistribuição" e "reconhecimento" na democracia. Fraser49 49 FRASER, 2007. apresentou uma análise de como o movimento feminista lidou com essas estratégias. Segundo a autora, durante a segunda onda feminista, pode-se identificar três momentos no tocante à escolha por estratégias de ação política: o primeiro, o de políticas de redistribuição; o segundo, o de políticas de identidade; e o terceiro, o atual, aquele no qual se busca uma conjunção dos dois momentos anteriores aliados a políticas de representação. Laclau e Mouffe50 50 LACLAU e MOUFFE, 1985. também defendem a união dos dois momentos da redistribuição e do reconhecimento, como forma de radicalizar a democracia.

No Brasil, as estratégias de redistribuição foram principalmente utilizadas no período de estruturação dos novos movimentos sociais, quando as feministas atuavam juntamente com a esquerda brasileira. Uma das tensões entre esses dois sujeitos políticos dava-se no tocante à relação entre classe e gênero nas estratégias utilizadas.51 51 Tatau GODINHO, 1998; Solange JUREMA, 2005; e Amelinha TELES, 1999.

Fraser afirma que os feminismos expuseram o androcentrismo da sociedade capitalista, "politizando 'o pessoal', expandiram as fronteiras de contestação para além da redistribuição sócio-econômica - para incluir o trabalho doméstico, a sexualidade e a reprodução".52 52 FRASER, 2007, p. 4.

Percebemos o segundo momento, das estratégias de reconhecimento no Brasil, através das ações, pós-década de 1980, de demandas de segmentos específicos, como as negras e lésbicas. Esse momento se prolonga até os dias atuais, com a tensão entre sujeitos políticos autorizados e as demandas de novos sujeitos como as trans e as jovens feministas. Fraser aponta que nos Estados Unidos, principalmente, mas também na Europa, este segundo momento colocou sua ênfase nas políticas de identidade, de sujeitos específicos, retirando a centralidade da classe para a cultura. "O resultado foi uma grande mudança no imaginário feminista: enquanto a geração anterior buscava um ideal de eqüidade social expandido, esta investia suas energias nas mudanças culturais."53 53 FRASER, 2007, p. 5.

Os proponentes da virada cultural esperavam que a política feminista de identidade e diferença criasse uma sinergia com as lutas pela igualdade social. Mas o que aconteceu foi que, no contexto da virada do século, a utilização do reconhecimento acomodou-se confortavelmente ao neoliberalismo hegemônico que, por sua vez, esperava reprimir a memória do igualitarismo social.

O resultado foi uma trágica ironia histórica. Ao invés de chegar a um paradigma maior e mais rico que incluísse tanto a redistribuição quanto o reconhecimento, nós efetivamente trocamos um paradigma truncado por outro, um economicismo truncado por um culturalismo truncado.54 54 FRASER, 2007, p. 6.

O debate por políticas de identidade no movimento feminista no Brasil apresenta a dupla conformação de acionar políticas agregadoras - em torno do significante "mulher" - sem perder de vista as disputas internas das diversas mulheres negras, lésbicas, jovens, rurais, dentre outras. Longe de simplificar as demandas, apresenta nuances características da fragmentação e da pluralidade de sujeitos contemporâneos. Acreditamos que o movimento feminista no Brasil se encontre, sobretudo, nesta fase de políticas de reconhecimento, mas relacionada com a terceira fase mencionada por Fraser,55 55 FRASER, 2007. caracterizada por políticas transnacionais que indicariam alternativas às impossibilidades dos períodos anteriores.

O feminismo brasileiro tem participado ativamente das ações transnacionais que indicam políticas globais para os Estados-nação, através dos espaços das grandes conferências da ONU, dos Fóruns Sociais Mundiais, encontros latinos etc. Com relação a isso, Fraser56 56 FRASER, 2007. propõe que a alternativa atual para as ações feministas deve se compor de uma tríade: junção de políticas de redistribuição e de reconhecimento, acopladas a uma outra estratégia, a de representação57 57 Fraser conceitua representação da seguinte forma: "como a entendo, representação não é apenas uma questão de assegurar voz política igual a mulheres em comunidades políticas já constituídas. Ao lado disso, é necessário reenquadrar as disputas sobre justiça que não podem ser propriamente contidas nos regimes estabelecidos" (FRASER, 2007, p. 11). - relacionada a ações globalizadas e transnacionais.

Laclau e Mouffe58 58 LACLAU e MOUFFE, 1985. já apontavam a importância de não perder de vista as duas primeiras estratégias. Além disso, os dados de campo do 10º Encontro mostraram a preocupação com a autonomia na interface com as políticas globalizadas ou transnacionais. Não gostaríamos de perder de vista essa questão, já que, se por um lado há questões macroeconômicas que desestabilizam a democracia e os direitos das mulheres - fruto das políticas neoliberais e do ajuste estrutural dos Estados-nação - indicando a necessidade de ações globalizadas por parte das feministas,59 59 Atualmente as feministas buscam conectar cada vez mais as políticas de redistribuição e reconhecimento através de ações transnacionalizadas, indo além das economias nacionais. Na Europa, por exemplo, feministas atuam diante das políticas e estruturas econômicas da União Europeia, unindo-se aos que protestam contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), desafiando as estruturas de governabilidade na economia global. Além disso, com o slogan "os direitos das mulheres são direitos humanos", feministas ao redor do mundo estão conectando as lutas contra as desigualdades de gênero locais a campanhas para reformar o direito internacional. O espaço dos Fóruns Sociais Mundiais tem servido, de forma análoga, ao encontro de muitos debates, ações e campanhas (FRASER, 2007; e ALVAREZ et alii, 2003). por outro não deixa de ser necessário cuidar das microdemandas, situadas e contextuais. A crítica à autonomia, no tocante às políticas locais, tem sua importância, uma vez que questiona a própria globalização. Nesse sentido, Haraway60 60 HARAWAY, 1995. propõe uma interpretação da objetividade científica61 61 A autora está desenvolvendo um diálogo com as epistemologias feministas e o próprio modelo de ciência positiva. Esse debate é apresentado aqui para discutir a especificidade das necessidades e dos saberes locais, os quais muitas vezes são, tanto no campo da ciência quanto no das políticas, ofuscados em função das necessidades e saberes globais. Para mais detalhes, ver ADRIÃO (2008). em termos de "conhecimentos situados", ou seja, que a perspectiva parcial deve ser legitimada cada vez mais, tendo em vista a necessidade de evidenciação dos saberes localizados.

A democracia plural e radical, discutida pelas feministas do 10º Encontro, e ressaltada pelos teóricos Ernesto Laclau e Chantal Mouffe,62 62 LACLAU e MOUFFE, 1985. apresenta-se em sua complexidade e em meio a forças em choque e a tensões e conflitos por hierarquias dentro do movimento, por espaços identitários e políticos, mas não necessariamente em oposição a sujeitos políticos, na busca por autonomia e por espaços que reflitam os anseios e demandas dos diversos segmentos. Como bem atestam Laclau e Mouffe,63 63 LACLAU e MOUFFE, 1985. a inclusão no contexto democrático não se faz sem exclusão concomitante. Não há, portanto, consenso real, e a necessidade do conflito e da pluralidade de oposições, além de demonstrar as dificuldades do jogo de disputas no qual se faz um movimento, fortalece o próprio conflito, como condição sine qua non da democracia radical que as feministas almejam.

Recebido em 15 de maio de 2010 e aceito para publicação em 27 de setembro de 2010

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  • TELES, Amelinha. Breve História do feminismo no Brasil São Paulo: Brasiliense. 1999.
  • 1
    Karla ADRIÃO, 2008.
  • 2
    Como espaço de construção e consolidação de um ethos feminista.
  • 3
    Ana Alice COSTA, 1981.
  • 4
    ADRIÃO, 2008 (Diários de Campo, 2004 e 2005); e COSTA, 1981.
  • 5
    Sonia ALVAREZ et alii, 2003.
  • 6
    Chantal MOUFFE, 1996.
  • 7
    ALVAREZ et alii, 2003, p. 543.
  • 8
    Apoiadas nesse fato é que tratamos dos dois encontros ocorridos no Brasil como campo de análise. O 3º Encontro, de 1985, por meio de relatos e fontes secundárias oficiais do evento; e o 10º Encontro, de 2005, por meio de pesquisa etnográfica.
  • 9
    ALVAREZ et alii, 2003, p. 543.
  • 10
    Até a presente data, ocorreram dez encontros, sendo que, dentre eles, apenas o Brasil sediou por mais de uma vez os Encontros Feministas Latino-Americanos.
  • 11
    ADRIÃO, 2008 (Diários de Campo, 2004 e 2005).
  • 12
    Página na Internet: <
    www.10feminista.org.br>. Última visita em 7 de janeiro de 2008.
  • 13
    As Conferências de Políticas para Mulheres Brasileiras (organizadas pelo governo federal, através da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) surgem a partir da constituição dos novos campos de ação feminista, resultantes da compreensão dos contextos históricos, envolvendo as décadas de 1970, 1980 e 1990.
  • 14
    A primeira Plataforma Política Feminista foi organizada por um grupo de entidades do movimento de mulheres nacional, tendo a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) como a grande impulsionadora nos estados brasileiros. Em 2002, ano de eleições presidenciais, essa articulação promoveu conferências municipais e estaduais em todo o território nacional, com o intuito de construir uma plataforma norteadora das ações que as mulheres desejavam implementar via governos (COMISSÃO ORGANIZADORA..., 2003).
  • 15
    A noção de
    frames é emprestada da Linguística de Textos e da Linguística Cognitiva, ambas áreas teórico-conceituais dos estudos macrolinguísticos, que consideram a língua em sua interação com o contexto socio-cultural. Dessa forma, os
    frames, ou enquadramentos, são momentos "recortados" da realidade sociocultural que se apresenta como um todo, para efeitos de análise de um momento discursivo ou sociolinguístico. Tomamos os
    frames para configurar momentos emblemáticos dentro do contexto geral do 10º Encontro, de forma a discutir sobre a realidade macro a partir de uma análise de momentos específicos, ou micro. Fontes: Gilles FAUCONNIER, 1997; e Robert BEAUGRAND, 1997.
  • 16
    Nancy FRASER, 2007; e Ilse SCHERER-WARREN, 1987.
  • 17
    Joan SCOTT, 2002.
  • 18
    SCOTT, 2005.
  • 19
    SCOTT, 2002.
  • 20
    BUTLER, 2003.
  • 21
    SCOTT, 2005.
  • 22
    SCOTT, 2005.
  • 23
    As jovens feministas organizaram, a partir de suas ações durante o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em 2005, uma articulação nacional. No ano de 2007, durante a II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, fortaleceram a rede e construíram o I Encontro Nacional de Jovens Feministas que ocorreu na cidade de Fortaleza, Ceará. O encontro tinha como objetivo principal consolidar a criação da
    Articulação Brasileira de Jovens Feministas, e fortalecer a agenda política para as mulheres jovens.
  • 24
    MALUF, 2006.
  • 25
    ADRIÃO, 2008 (citações retiradas do Diário de Campo).
  • 26
    A definição de transgênero, de acordo com nossas interlocutoras feministas, era o de que este era um termo genérico para designar homens que "agem socialmente como se fossem mulheres. Alguns destes chegam a realizar cirurgia sexual, mudando de sexo biológico, outros não. O que mais importa é que estes se sentem como mulheres e, portanto, querem ser identificados como tal" (ADRIÃO, 2008 - Diário de Campo, 2005, e diálogos pela Internet, anteriores à realização do 10º Encontro, sobre a polêmica da participação ou não das trans).
  • 27
    O consenso é uma estratégia largamente almejada pelas feministas, nos momentos de embate político interno, em reuniões dos fóruns de mulheres e em outras redes do mesmo tipo. Busca-se chegar a uma ideia homogênea, se não unitária, que conduza às ações. Isso se faz através de larga negociação, em debates acirrados. A decisão de realizar uma votação, mais característica de outro tipo de fórum ou encontro, como as conferências de políticas públicas - as quais necessitam de uma decisão sobre uma diretriz com teor futuro de lei -, foi tomada, pela primeira vez, em uma plenária final, na história dos Encontros Feministas Latino-Americanos (ADRIÃO, 2008 - Diários de Campo, 2004 e 2005).
  • 28
    ALVAREZ et alii, 2003, trazem comentários históricos sobre o primeiro aparecimento das jovens feministas, no final da década de 1990, em Juan Dolio, na República Dominicana (1999), no 8º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe. Naquele momento, as questões eram as mesmas que as atuais, evidenciando que esse segmento continua causando "estranhamento" nas demais feministas participantes desses eventos.
  • 29
    Karla Galvão Adrião.
  • 30
    MANUAL..., 2002.
  • 31
    Miriam Grossi destacou a relação entre jovens e velhas feministas em seu texto "Velhas e novas feministas no Brasil" (GROSSI, 1998).
  • 32
    Fernanda Grigolin, jovem feminista, página do 10º Encontro na Internet.
  • 33
    Fernanda Grigolin, jovem feminista, página do 10º Encontro na Internet.
  • 34
    Termo êmico.
  • 35
    SCOTT, 2002.
  • 36
    Oficina organizada por Aireana, Grupo por los Derechos de las Lesbianas; Asociación de Lucha por la Identidad Travesti Transexual (ALITT); Centro de Documentacion y Estudios (Área Mujer-CDE); Comision Internacional de Derechos Humanos de Gays y Lesbianas (IGLHRC). Objetivos expostos no caderno da programação oficial do evento: "Taller participativo donde se reflexionará sobre el feminismo como corriente de pensamiento más Allá de los cuerpos. Preguntas y críticas" (CADERNO..., 2005).
  • 37
    ADRIÃO, 2008 (Diário de Campo, 2005).
  • 38
    ADRIÃO, 2008 (Diário de Campo, 2005).
  • 39
    Esses encontros aconteceram em algumas cidades do país e foram relatados por interlocutoras, depois do 10º Encontro, em suas cidades, a saber, São Paulo, Recife e João Pessoa (ADRIÃO, 2008).
  • 40
    BUTLER, 2003 e 2004; Marilyn STRATHERN, 1988; Donna HARAWAY, 1995, dentre outras.
  • 41
    Entrevista com participante da rede de Mulheres em Articulação da Paraíba e integrante de ONG feminista lésbica, em janeiro de 2006 (ADRIÃO, 2008).
  • 42
    Diane ELAM, 1997; e Rosi BRAIDOTTI, 1989.
  • 43
    HARAWAY, 1991, p. 149, 150 e 152. Tradução nossa.
  • 44
    BUTLER, 2003 e 2004; e STRATHERN, 1988.
  • 45
    Stuart HALL, 2000; Bruno LATOUR, 2005; Michel FOUCAULT, 2002; Jacques DERRIDA, 2005, dentre outros.
  • 46
    Thomas LAQUEUR, 2001.
  • 47
    A visibilidade desse segmento vem a reboque dos avanços dos estudos sobre sexualidade e da organização dos movimentos de Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTT). Regina FACCHINI, 2005, discute o movimento homossexual organizado, no Brasil, associando-o à construção daquilo que a autora chama de "identidades coletivas". Além disso, dentre as conquistas atuais das trans no espaço das políticas públicas, está a garantia de que não serão mais associadas a prostitutas, além das propostas de diversidade sexual nas escolas e dos trabalhos do governo federal sobre o Brasil sem homofobia.
  • 48
    Nancy FRASER, 2007; e Ernesto LACLAU e Chantal MOUFFE, 1985.
  • 49
    FRASER, 2007.
  • 50
    LACLAU e MOUFFE, 1985.
  • 51
    Tatau GODINHO, 1998; Solange JUREMA, 2005; e Amelinha TELES, 1999.
  • 52
    FRASER, 2007, p. 4.
  • 53
    FRASER, 2007, p. 5.
  • 54
    FRASER, 2007, p. 6.
  • 55
    FRASER, 2007.
  • 56
    FRASER, 2007.
  • 57
    Fraser conceitua representação da seguinte forma: "como a entendo, representação não é apenas uma questão de assegurar voz política igual a mulheres em comunidades políticas já constituídas. Ao lado disso, é necessário reenquadrar as disputas sobre justiça que não podem ser propriamente contidas nos regimes estabelecidos" (FRASER, 2007, p. 11).
  • 58
    LACLAU e MOUFFE, 1985.
  • 59
    Atualmente as feministas buscam conectar cada vez mais as políticas de redistribuição e reconhecimento através de ações transnacionalizadas, indo além das economias nacionais. Na Europa, por exemplo, feministas atuam diante das políticas e estruturas econômicas da União Europeia, unindo-se aos que protestam contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), desafiando as estruturas de governabilidade na economia global. Além disso, com o slogan "os direitos das mulheres são direitos humanos", feministas ao redor do mundo estão conectando as lutas contra as desigualdades de gênero locais a campanhas para reformar o direito internacional. O espaço dos Fóruns Sociais Mundiais tem servido, de forma análoga, ao encontro de muitos debates, ações e campanhas (FRASER, 2007; e ALVAREZ et alii, 2003).
  • 60
    HARAWAY, 1995.
  • 61
    A autora está desenvolvendo um diálogo com as epistemologias feministas e o próprio modelo de ciência positiva. Esse debate é apresentado aqui para discutir a especificidade das necessidades e dos saberes locais, os quais muitas vezes são, tanto no campo da ciência quanto no das políticas, ofuscados em função das necessidades e saberes globais. Para mais detalhes, ver ADRIÃO (2008).
  • 62
    LACLAU e MOUFFE, 1985.
  • 63
    LACLAU e MOUFFE, 1985.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      27 Set 2010
    • Recebido
      15 Maio 2010
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