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25 anos do Sistema Único de Saúde: resultados e desafios

SAÚDE PÚBLICA

25 anos do Sistema Único de Saúde: resultados e desafios

Eugênio Vilaça Mendes

Eugênio Vilaça Mendes – @ – eugenio.bhz@terra.com.br

A pedido de estudos avançados, o médico Samir Salman, fundador do primeiro centro privado especializado em cuidados paliativos e no atendimento a pacientes crônicos de alta dependência (o Hospital Premier),

entrevistou Eugênio Vilaça Mendes, conselheiro da Organização Pan-Americana da Saúde na área de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde e secretário adjunto da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais no governo Tancredo Neves. Entre os temas abordados, destacam-se o Sistema Único de Saúde e a Estratégia da Saúde da Família.

Além de consultor de organismo internacional na área da saúde e gestor público, Eugênio Vilaça Mendes é especialista em planejamento de saúde, mestre em Administração e doutor em Odontologia. Foi professor das Faculdades de Odontologia e Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, da Faculdade de Odontologia da PUC Minas, das Escolas de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) e do Ceará, e da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (MG), da qual recebeu o título de "Professor Honoris Causa". É autor de vários livros e capítulos de livros, e de artigos no Brasil e no exterior. Seu livro mais recente, As redes de atenção à saúde, foi publicado pela ESP-MG.

Samir Salman – Passados 25 anos de sua instalação, o Sistema Único de Saúde (SUS) se apresenta a 75% dos brasileiros como a única forma de acesso e assistência à saúde. Qual a sua avaliação, hoje, dos caminhos do SUS diante dos desafios que sua implantação almejava responder, décadas atrás?

Eugênio Vilaça Mendes – O SUS foi instituído pela Constituição Federal de 1988. É, portanto, uma política pública recente, com duas décadas e meia de existência. Não obstante sua curta vida, tem muitos resultados a celebrar e, também, enormes desafios a superar.

O nosso sistema público de saúde tem uma dimensão verdadeiramente universal quando cobre indistintamente todos os brasileiros com serviços de vigilância sanitária de alimentos e de medicamentos, de vigilância epidemiológica, de sangue, de transplantes de órgãos e outros. No campo restrito da assistência à saúde ele é responsável exclusivo por 140 milhões de pessoas, já que 48 milhões de brasileiros recorrem ao sistema de saúde suplementar, muitos deles acessando concomitantemente o SUS em circunstâncias em que o sistema privado apresenta limites de cobertura.

O SUS constituiu a maior política de inclusão social da história de nosso país. Antes do SUS vigia um Tratado das Tordesilhas da saúde que separava quem portava a carteirinha do Inamps e que tinha acesso a uma assistência curativa razoável das grandes maiorias que eram atendidas por uma medicina simplificada na atenção primária à saúde e como indigentes na atenção hospitalar. O SUS rompeu essa divisão iníqua e fez da saúde um direito de todos e um dever do Estado. A instituição da cidadania sanitária pelo SUS incorporou, imediatamente, mais de cinquenta milhões de brasileiros como portadores de direitos à saúde e fez desaparecer, definitivamente, a figura odiosa do indigente sanitário.

O SUS apresenta números impressionantes: quase seis mil hospitais e mais de sessenta mil ambulatórios contratados, mais de dois bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano, mais de onze milhões de internações hospitalares por ano, aproximadamente dez milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia por ano, mais de duzentas mil cirurgias cardíacas por ano e mais de 150 mil vacinas por ano. O SUS pratica programas que são referência internacional, mesmo considerando países desenvolvidos, como o Sistema Nacional de Imunizações, o Programa de Controle de HIV/Aids e o Sistema Nacional de Transplantes de Órgãos que tem a maior produção mundial de transplantes realizados em sistemas públicos de saúde do mundo, 24 mil em 2012. O programa brasileiro de atenção primária à saúde tem sido considerado, por sua extensão e cobertura, um paradigma a ser seguido por outros países. Com esses processos o SUS tem contribuído significativamente para a melhoria dos níveis sanitários dos brasileiros. Entre 2000 e 2010, a taxa de mortalidade infantil caiu 40%, tendo baixado de 26,6 para 16,2 óbitos em menores de um ano por mil nascidos vivos.

Não obstante a exuberância dos números, o nosso sistema público de saúde permanece com muitos problemas a solucionar. No meu entendimento há três grandes desafios para o SUS: a organização macroeconômica do sistema de saúde no Brasil, a organização microeconômica expressa no modelo de atenção à saúde que pratica e o financiamento.

No plano da organização macroeconômica, o SUS foi concebido como um sistema público de saúde de cobertura universal, de corte beveridgeano que se caracteriza por financiamento público por meio de impostos gerais, universalidade de acesso, gestão pública e prestação de serviços por mix público/privado, com especificação de obrigações e direitos dos cidadãos e dos órgãos prestadores de serviços. O modelo beveridgeano tem como fundamento a saúde como direito humano e como direito constitucional, e tem como objetivo a universalização da atenção à saúde e o aumento da coesão social. Nele, o sistema público provê uma carteira generosa de serviços sanitariamente necessários, havendo a possibilidade de os cidadãos adquirirem, no setor privado, serviços suplementares aos que estão inscritos nessa carteira. Esse modelo originário do Reino Unido implantou-se em diferentes países, como Canadá, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Itália, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Suécia.

A generosa concepção constitucional de um sistema de saúde de cobertura universal, ao longo dos anos, vem caminhando num sentido diverso, expresso na segmentação do sistema de saúde brasileiro. Dessa forma, o sonho da universalização vem se transformando no pesadelo da segmentação.

Os sistemas de saúde segmentados combinam diferentes modelos institucionais segundo diferentes clientelas, segregando-as em nichos institucionais singulares. Disso resulta uma integração vertical em cada segmento e uma segregação horizontal entre eles, em que cada segmento, público ou privado, exercita as macrofunções de financiamento, regulação e prestação de serviços para sua clientela particular. Os Estados Unidos são um exemplo emblemático de sistema segmentado com sistemas públicos específicos para pobres (Medicaid), idosos (Medicare) e veteranos de guerra e sistema privados para quem pode pagar por si ou por meio de empresas.

Em função da segmentação, o SUS, pensado como um sistema de cobertura universal, vem se consolidando como um subsistema público de saúde que convive, em nosso país, com um subsistema privado de saúde suplementar e um outro subsistema privado de desembolso direto.

No plano da organização microeconômica, o desafio é superar a forma fragmentada como o SUS se estrutura. Em realidade, a fragmentação dos sistemas de saúde é uma característica que dá tons de universalidade à crise dos modelos de atenção à saúde em todo o mundo, nos setores públicos e privados. Nesse plano, pode-se afirmar que a crise está em responder a uma situação de saúde do século XXI com um modelo de atenção à saúde engendrado na metade do século passado. Isso não deu certo nos países ricos, isso não está dando certo no Brasil. A razão desse problema está no descompasso temporal que ocorre entre uma evolução muito rápida dos fatores contingenciais do sistema de saúde (transição demográfica, transição nutricional, transição epidemiológica e inovação tecnológica) e a baixa velocidade desse sistema em adaptar-se a essas mudanças por meio de reformas internas (cultura organizacional, arranjos organizativos, modelos assistenciais, modelos de financiamento, sistemas de incentivos e liderança).

O Brasil vive uma transição demográfica acelerada. A população de pessoas de mais de 65 anos dobrará nos próximos vinte anos e isso significará, no futuro, mais doenças crônicas, porque 79% de pessoas idosas brasileiras relatam ser portadores dessas condições de saúde. A transição nutricional é, também, muito rápida. Hoje, metade de nossa população total e um terço de nossa população de crianças de cinco a dez anos de idade tem sobrepeso ou obesidade. Por outro lado, o país apresenta uma transição epidemiológica singular. A carga de doença, medida em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, se compõe de 14,8% de doenças infecciosas e desnutrição, 10,2% de causas externas, de 8,8% de causas maternas e perinatais e de 66,2% de doenças crônicas. Isso significa que o Brasil tem uma situação epidemiológica de tripla carga de doenças com a convivência, no mesmo tempo, de uma agenda de doenças infecciosas e causas maternas e perinatais, do crescimento das causas externas e pela dominância relativa das doenças crônicas e de seus fatores de riscos.

O problema do SUS, mas presente igualmente nos subsistemas privados brasileiros, está numa situação de saúde que combina transição epidemiológica e nutricional aceleradas e tripla carga de doença, com forte predomínio relativo de condições crônicas, e uma resposta social estruturada num sistema de atenção à saúde que é fragmentado, que opera de forma episódica e reativa e que se volta, principalmente, para a atenção às condições agudas e às agudizações das condições crônicas. O sistema de saúde fragmentado que praticamos não é capaz de responder socialmente, com efetividade, eficiência e qualidade, à situação de saúde vigente.

A resposta a esse desafio está em restabelecer a coerência entre a situação de saúde e a forma de organização do sistema de saúde no plano microeconômico, acelerando as mudanças necessárias que levem à conformação de um sistema integrado que opere de forma contínua e proativa e que seja capaz de responder, com eficiência, efetividade, qualidade e de modo equilibrado às condições agudas e crônicas. Ou seja, o SUS deverá ser estruturado em redes de atenção à saúde, coordenadas pela atenção primária à saúde.

Esse é um grande desafio que se coloca para os anos futuros, mas que não será fácil de ser superado porque a fragmentação presente tem profundas raízes econômicas, políticas e culturais que a sustenta. Mas alguns passos têm sido dados, nos últimos anos, no caminho da construção de redes de atenção à saúde no SUS.

O terceiro desafio, o do subfinanciamento do SUS, que está na base da segmentação do sistema de saúde brasileiro, será considerado na questão seguinte.

Samir Salman – A gestão de um sistema social complexo como o SUS exige recursos que possibilitem, de fato, a sua manutenção. Mas também exige um criterioso método de aplicação. Como o senhor avalia esse binômio alocação-método na atual conjuntura do SUS? Iluminando ainda questões importantes nesta reflexão, como o princípio da universalidade, qual o volume de recursos que seriam necessários, ano a ano, para que o SUS seja plenamente implantado no país, ainda nesta década?

Eugênio Vilaça Mendes – A generosidade do mandamento jurídico da saúde como direito de todos e dever do Estado não foi sustentada, na Constituição Federal, por uma base material que garantisse um financiamento público compatível com a universalidade.

O exame dos dados de 2013 da Organização Mundial da Saúde sobre financiamento dos sistemas de saúde mostra que o Brasil gasta em saúde 9,0 do PIB. Esse valor indica que o Brasil tem um gasto total em saúde muito adequado, bem próximo à média dos gastos em saúde dos países desenvolvidos. Contudo quando se examina o percentual do gasto público em saúde verifica-se que ele é muito baixo e incapaz de garantir que a norma constitucional se materialize na prática social de modo a garantir o princípio da universalidade do SUS.

As evidências internacionais mostram que todos os países que estruturaram sistemas universais de saúde, beveridgeanos ou bismarckianos, apresentam uma estrutura de financiamento em que os gastos públicos em saúde são, no mínimo, 70% dos gastos totais em saúde. Por exemplo: Alemanha, 76,8%; Canadá, 71,1%; Itália, 77,6%; Holanda, 84,8%, Noruega, 85,5%; Reino Unido, 83,2%. No Brasil, o gasto público como porcentual do gasto total em saúde é de, apenas, 47%, inferior aos 53% que constituem o porcentual de gastos privados em saúde. Em geral, a segmentação dos sistemas de saúde se dá quando os gastos públicos são inferiores a 50% dos gastos totais em saúde. Nos Estados Unidos, país emblemático do sistema segmentado, esse valor é de 48,2%, bem próximo ao gasto público brasileiro.

Com a estrutura vigente de gastos públicos em saúde não se pode pretender consolidar o SUS como direito de todos e dever do Estado. Essa é a razão fundante da segmentação do sistema de saúde brasileiro que poderá fazer de nosso sistema público de saúde, no longo prazo, um sistema de assistência à saúde para as classes mais baixas e um resseguro para procedimentos de alto custo para as classes médias e para os ricos.

Os gastos públicos em saúde em nosso país são muito baixos quando comparados com outros países em dólares americanos com paridade de poder de compra. O gasto total em saúde é de US$ 1.009,00, mas o gasto público per capita em saúde é de apenas US$ 474,00. Esse valor é muito inferior aos valores praticados em países desenvolvidos, mas é inferior a países da América Latina como Argentina, US$ 851,00; Chile, US$ 562,00; Costa Rica, US$ 825,00; Panamá, US$ 853,00; e Uruguai, US$ 740,00. A razão para esse baixo gasto público em saúde no Brasil está no fato de que os gastos em saúde correspondem a 10,7% do gasto do orçamento total dos governos, um valor muito abaixo do praticado em âmbito internacional, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estima-se que o faturamento per capita do sistema de saúde suplementar brasileiro é três vezes superior aos gastos per capita do SUS.

Esses dados eloquentes sobre o subfinanciamento do SUS não têm sensibilizado os segmentos políticos, de diferentes matizes ideológicos, para que promovam um aumento do financiamento que permita tornar realidade o princípio da cobertura universal em saúde. Os sistemas segmentados de saúde, não raro, são justificados por um suposto, aparentemente magnânimo: o de que ao se instituírem sistemas específicos para quem pode pagar, sobrariam mais recursos públicos para dar uma melhor atenção aos pobres. As evidências indicam que esse suposto não é verdadeiro; ao contrário, ao se especializar um sistema singular para os pobres, dada a desorganização social desses grupos excluídos e sua baixa vocalização política, esse sistema tende a ser subfinanciado.

O financiamento do SUS é feito pela trina federativa de forma solidária. Ocorre que os Estados e municípios vêm aumentando seus gastos em saúde e chegaram ao limite definido pela Emenda Constitucional 29. De outra forma, os gastos federais em saúde vêm numa tendência fortemente decrescente e as tentativas de aumentar os gastos federais em saúde são reiteradamente frustradas. Estima-se que seria necessário quase dobrar o orçamento do Ministério da Saúde para chegar-se a uma relação que torne viável a universalização da saúde. Por isso, não há que ter muita esperança para a solução desse problema nesta década e, como consequência, o gasto público deverá permanecer em valores próximos a 50% dos gastos totais em saúde, o que manterá a segmentação do sistema de saúde.

Em função do volume de recursos necessários para fortalecer o sistema público da insensibilidade dos diferentes segmentos políticos para o tema da universalização da saúde, dos movimentos de mobilidade social que ampliaram vertiginosamente as classes médias do país, dos valores professados por esses segmentos sociais emergentes, da dimensão alcançada pelo sistema privado de saúde suplementar e das dificuldades de se fazerem reformas sanitárias no âmbito macroeconômico do sistema de saúde, o cenário mais provável para os próximos dez anos é de mudanças incrementais lentas, pontuais e destituídas de visão estratégica que levarão a uma consolidação da segmentação do sistema de saúde, com as consequências, no longo prazo, de ineficiência e de iniquidade. Em certo sentido, se pode prever que, em termos de sistema de saúde, caminharemos para sermos amanhã, à moda brasileira, o que são, hoje, os Estados Unidos.

Samir Salman – A Estratégia de Saúde da Família tem sido considerada pelo senhor como a principal forma de implantação do SUS por todo o país. Qual o mérito dessa estratégia?

Eugênio Vilaça Mendes – O sistema público de saúde brasileiro sempre fez uma opção por organizar-se com base na Atenção Primária à Saúde (APS). Historicamente, é possível identificar sete ciclos de desenvolvimento da APS no sistema público de saúde de nosso país, desde o ciclo inicial do Prof. Paula Souza na USP, na segunda década do século XX, até o sétimo ciclo inaugurado em 1993, no governo Itamar Franco, o ciclo da Estratégia da Saúde da Família (ESF), ainda vigente. O Brasil tem hoje uma ESF extensiva que conta com mais de 32 mil equipes espalhadas por quase todos os municípios brasileiros e que cobrem aproximadamente 58% de nossa população.

Creio que a expansão da APS e sua tradução na ESF foi a opção estratégica mais consequente feita no sistema de saúde brasileiro ao longo de toda sua história. A razão disso está nas evidências que se produziram, nos âmbitos internacional e nacional, sobre a APS em geral e sobre a ESF em particular.

Recentemente fiz uma revisão bibliográfica sobre a APS visitando centenas de publicações de muitos países, desenvolvidos e em desenvolvimento. As evidências são robustas em atestar que os sistemas de saúde com forte orientação para a APS comparados com outros com frágil orientação para a APS apresentam melhores resultados em termos de diminuição da mortalidade, redução dos custos da atenção, maior acesso a serviços preventivos, melhoria da equidade em saúde, redução das internações hospitalares e redução da atenção de urgência.

Da mesma forma, um exame da literatura produzida por acadêmicos, no exterior e no Brasil, mostrou que a opção feita pelo SUS para fortalecer a APS produziu os mesmo resultados. Mas, muito importante, vários estudos demonstraram que a operacionalização da APS por meio da ESF tem sido exitosa e superior aos modelos tradicionais de estruturação da APS. As evidências indicam que a ESF influiu positivamente no acesso e na utilização dos serviços e teve impacto na saúde dos brasileiros: reduziu a mortalidade infantil e a mortalidade de menores de cinco anos; teve impacto na morbidade; aumentou a satisfação das pessoas com a atenção recebida; teve uma nítida orientação para os mais pobres; melhorou o desempenho do SUS; influiu positivamente em outras políticas públicas como educação e trabalho; e contribuiu para incrementar o interesse internacional pela APS.

Samir Salman – Dos desafios e tendências que se colocam nos caminhos futuros do SUS, quais seriam, na sua opinião, duas propostas de aperfeiçoamento que poderiam reescrever a trajetória do sistema de forma a cumprir a proteção social a que se destina?

Eugênio Vilaça Mendes – Creio que se pode subscrever a afirmativa de que o SUS não é um problema sem solução, mas uma solução com problemas. Mas a superação de seus problemas não será fácil, nem rápida, nem barata.

As mudanças na organização macroeconômica do sistema de saúde no Brasil são improváveis pelas razões mencionadas na primeira questão. Junte-se a elas a constatação empírica de que mudanças consequentes nesse âmbito, em geral, se dão em janelas históricas que se abrem em momentos de fortes transformações institucionais, o que não parece estar no horizonte brasileiro.

Por consequência, as mudanças possíveis devem se limitar ao plano da organização microeconômica do SUS, especialmente por meio de sua organização em redes de atenção à saúde e do fortalecimento da APS por meio da ESF.

Nesse âmbito, mesmo contando com menores recursos que o sistema privado de saúde suplementar, o SUS apresenta melhores condições de efetivamente estruturar redes de atenção à saúde, coordenadas pela APS. O sistema de saúde suplementar brasileiro sequer colocou, em sua agenda, os temas das redes de atenção à saúde e da APS.

As redes de atenção à saúde são a resposta adequada à situação de saúde vigente em nosso país e implicam organizar, de forma integrada, sob coordenação da APS, os pontos de atenção ambulatoriais e hospitalares secundários e terciários, os sistemas de apoio (sistema de assistência farmacêutica, sistema de apoio diagnóstico e terapêutico e sistema de informação), os sistemas logísticos (sistema de regulação da atenção, registro eletrônico em saúde e sistema de transporte em saúde) e o sistema de governança.

A proposta de organização em redes de atenção à saúde já foi incorporada na legislação do SUS pelo Decreto 7.508/2011 que regulamentou a Lei Orgânica da Saúde e tem constituído uma prioridade de diversos governos nos âmbitos nacional, estadual e municipal.

As redes de atenção à saúde, para cumprirem com seus objetivos, devem ser coordenadas por uma APS forte. Para isso, será necessário aprofundar o movimento de implantação da ESF, inaugurando um oitavo ciclo no SUS, o ciclo da atenção primária à saúde. Isso implicará uma agenda de radicalização da ESF com alguns pontos fundamentais: aumento da cobertura como um foco especial em grandes e médios municípios, até atingir uma cobertura de 75% da população brasileira; superação dos problemas críticos de sua gestão; expansão do trabalho interdisciplinar; implantação de modelos de atenção à saúde baseados em evidência; e incremento dos recursos financeiros.

Esse novo ciclo significará o encontro da ESF brasileira com as novas diretrizes da APS, enunciadas pela Organização Mundial da Saúde no Relatório Mundial de Saúde de 2008. "Agora mais do que nunca" é preciso fortalecer a ESF no SUS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2015
  • Data do Fascículo
    2013
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