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Uma mini-introdução à concisa álgebra geométrica do eletromagnetismo

A very short introduction to the concise geometric algebra of the electromagnetism

Resumos

Faz-se uma brevíssima introdução à álgebra geométrica aplicada ao eletromagnetismo para mostrar como as equações de Maxwell se reduzem a uma única equação nesta linguagem muito concisa.

álgebra geométrica; multivetores; eletromagnetismo; equações de Maxwell


A very short introduction of the geometric algebra applied to the electromagnetism is carried out in order to show that the Maxwell equations are contained in a single equation when such a concise formalism is employed.

geometric algebra; multi-vectors; electromagnetism; Maxwell equations


ARTIGOS GERAIS

Uma mini-introdução à concisa álgebra geométrica do eletromagnetismo

A very short introduction to the concise geometric algebra of the electromagnetism

G.F. Leal Ferreira1 1 E-mail: guilherm@if.sc.usp.br.

Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil

RESUMO

Faz-se uma brevíssima introdução à álgebra geométrica aplicada ao eletromagnetismo para mostrar como as equações de Maxwell se reduzem a uma única equação nesta linguagem muito concisa.

Palavras-chave: álgebra geométrica, multivetores, eletromagnetismo, equações de Maxwell.

ABSTRACT

A very short introduction of the geometric algebra applied to the electromagnetism is carried out in order to show that the Maxwell equations are contained in a single equation when such a concise formalism is employed.

Keywords: geometric algebra, multi-vectors, electromagnetism, Maxwell equations.

1. Introdução

Estamos todos acostumados com a formulação do Eletromagnetismo (EM) segundo Gibbs-Heaviside, em que as entidades são, essencialmente, escalares e vetoriais: temos quatro equações especificando a divergência e o rotacional dos campos elétrico e magnético. Confrontemos esta situação com a formulação do EM segundo a Álgebra Geométrica (AG): temos aqui uma única equação! Nesta, as entidades são mais complexas, geradas por operações geométricas: temos os escalares, os vetores, os bivetores e os trivetores. Do que conhecemos do EM, não é natural associar ao campo magnético uma circularidade? De fato, na AG ele será um bivetor e não um (pseudo)vetor.

Evidentemente, apresentaremos aqui somente uma mini-introdução à AG aplicada ao Eletromagnetismo que, mesmo bastante incompleta, poderá ter a virtude de atrair a atenção do leitor devido a sua concisão e conteúdo físico, na opinião do autor, ainda não totalmente esclarecido. Uma apresentação minuciosa da AG por Jayme Vaz Jr. foi publicada nesta revista [1] e no final deste artigo apresentamos bibliografia complementar.

2. As entidades e seus produtos

As entidades da AG em três dimensões são os n-vetores ou vetores de grau n: os escalares, com a = 0, os vetores, com a = 1, os bivetores com a = 2 e os trivetores, com a = 3. Isto é, além dos conhecidos escalares, l, e vetores, a, temos o bivetor representando o 'plano' orientado gerado por dois vetores ordenados, a e b. sua magnitude sendo ab se a e b são perpendiculares e representado por = a b (pronunciado 'a cunha b') ou por - = a a (ver Fig. 1) A última entidade é o trivetor de grau 3, T, representado por T = a b c, sendo a entidade volumétrica gerada pela terna ortogonal orientada a, b e c, de magnitude abc, Fig. 2, A unidade I, gerada quando os vetores são unitários, é, na verdade, em um pseudo-escalar, cujo quadrado é igual a -1, como o quadrado do imaginário i. A terna ordenada negativamente gera o trivetor -I.



Entre estas entidades estão definidos dois produtos, com sentido geométrico bem definido: o externo e o interno. Por exemplo, o produto interno de dois vetores, a e b, é o conhecido produto escalar a.b, enquanto que o produto externo, não comutativo, de a e b é o bivetor, a b. Na álgebra de Gibbs, o produto correspondente é o produto vetorial axb que, na verdade, não gera um vetor, mas um pseudovetor. De fato, se o resultado do produto fosse um vetor, por uma inversão espacial, a operação deveria gerar o seu negativo, mas tem-se (-a)x(-b)= axb. Mostra-se que o bivetor pode ser expresso como o produto do pseudo-escalar I pelo campo magnético B, isto é,

Claro que os produtos interno e externo entre os n-vetores são consistente e geometricamente definidos, em particular o externo obedecendo a associatividade, de forma que, por exemplo, (a b) c = a (b c). Em [2] há uma ampla cobertura da geometria dos produtos entre os vários n-vetores.

Esse foi, grosso modo, o desenvolvimento da AG segundo o matemático alemão, H. Grassmann, no meio do século XIX. Um pouco mais tarde, W. Clifford no Reino Unido, completou sua formulação.

3. Os multivetores e o produto cliffor

W. Clifford introduziu os multivetores que são a associação numa única entidade de diferentes n-vetores. Por exemplo, no E.M. cria-se a entidade união do potencial escalar, U e do potencial vetor A, um multivetor potencial de n = 0 e n =1. Note-se que estes em Relatividade formam os quadrivetores, um caso particular de multivetor. O multivetor formado pelo campo elétrico E e o bivetor magnético será o multivetor eletromagnético, com entidades n = 1, n = 2. Os spinores, base da formulação AG da mecânica quântica, são multivetores 0,2.

A criação dos multivetores permitiu à Clifford ir mais além e generalizar o produto, unindo o produto interno e o externo. Por exemplo, o produto cliffor (nomenclatura usada em [2]) de dois vetores a e b será a soma do escalar a.b e do bivetor a b,

Note-se que o produto cliffor pode ser definido para qualquer dois n-vetores e isto é feito respeitando-se a associatividade. Por exemplo, ter-se-á no produto cliffor de um bivetor por um vetor, (ab)c=a(bc)=abc, note-se, apesar da associatividade não se aplicar ao produto interno, envolvido nos quatro produtos ab, (ab)c, bc e a(bc).

4. O vetor nabla

O vetor nabla (a palavra nabla representa um instrumento musical hebreu na forma de um triângulo invertido Ñ) é o vetor designado às mudanças espaciais de um multivetor. Em coordenadas cartesianas ele é

O produto cliffor Ña, dando a variação generalizada do vetor a será então

em que Ñ.a é a conhecida divergência de a e Ñ a é o bivetor correspondente ao rotacional de a, Ñ × a, isto é, termo com n = 0 e outro com n = 2. Por esta razão, no caso de Ñ aplicado ao escalar l x, considera-se Ñ.l (x) = 0, pois l já tem grau nulo, e, portanto, Ñ l (x) é definido como o familiar gradiente de l (x).

5. Aplicação ao EM

Vamos em primeiro lugar definir os muti-vetores gradientes generalizados, Ñ' , e Ñ" , assim

em que c é a velocidade da luz. Tendo em conta a correlação entre variações espaciais e temporais dos fenômenos eletromagnéticos, essa generalização é natural. Vamos agora aplicar o operador Ñ' ao multivetor potencial, n = 0, 1, -U+A, funções da posição e do tempo

e usando a Eq. (4), tem-se finalmente

em que os termos estão separados de acordo com os graus, n = 0, a = 1 e a = 2, respectivamente, a condição de Lorentz, o campo elétrico E e o bivetor magnético 2 2 O revisor argumentou que a definicão de Ñ " na Eq. (5) poderia ser omitida, pelo uso de operadores, como o de 'graduacão', que muda a componente n-vetor, Fn, do multivetor em (-1) n Fn (no caso presente seria em (-1) n+1 Fn), evidenciando a facilidade com que a AG transforma entidades e operadores. Agradecemos o comentário. .

6. As equações de Maxwell na AG

Admitindo o calibre causal de Lorentz, podemos anular o termo de grau zero no lado direito da Eq. (7) e aplicando agora o operador Ñ" no lado esquerdo da Eq. (6), vamos mostrar que as equações de Maxwell se reduzem à equação

em que r é a densidade de carga e J a densidade de corrente. Como mencionado na Eq. (1), podemos substituir por IB, e, seguindo [1], temos as passagens

Nesta equação aparece o termo Ñ

E e Ñ e outra vez usamos a Eq. (1). Organizamos agora os termos em ordem crescente dos seus graus

Como mencionado na seção 2, I2 = -1 e sobre a natureza bivetorial do 3º termo do lado direito, retornar à Eq. (1). Comparando o lado direito da Eq. (10) com o lado esquerdo da Eq. (8) vê-se que a Eq. (8) condensa as equações de Maxwell. Note que o lado direito da Eq. (8) só contém os multivetores escalar e vetorial e que portanto os termos de graus dois e três da Eq. (10) devem se anular. Isto é, temos

Pode-se mostrar também que o produto Ñ"Ñ' é o , ou seja, o d'Alembertiano, exprimindo-se as equações de Maxwell agora em termo dos potenciais.

7. Conclusões

O caminho adotado não foi percorrido de forma estritamente lógica, mas, achamos, que permitiu expor a extrema concisão da AG. O fato é que sendo a AG de estrutura mais complexa, ela exige uma álgebra bem mais refinada do que a de Gibbs-Heaviside, o que torna seu estudo complicado, impedindo ou dificultando o acesso ao seu mais rico conteúdo físico. Enquanto que com Gibbs-Heaviside mantemo-nos satisfeitos com os vetores, já que estes apelam para o conceito de força, os multivetores da AG, entidades mais complexas, já não são tão facilmente apreendidos. Achamos que cabe aos físicos elaborar sobre o sentido físico destas novas grandezas físicas.

8. Informações bibliográficas

O grande incentivador das aplicações da AG em física tem sido David Hestenes, com sistemática presença na literatura, começando na década de sessenta do século passado, com o artigo 'Real spinor fields' [3] e o 'Vectors, spinors and complex numbers in classical and quantum physics' [4]. Sua recente conferencia ao receber a Oersted Medal, 'Reforming the mathematical language of physics' está publicada [5]. Ver também seu livro sobre a nova formulação da mecânica clássica [6]. Seus esforços foram direcionados em grande parte à tentativa de re-interpretação da mecânica quântica, não-relativista [7], e relativista [8] segundo a AG. No que concerne ao EM, o livro de referência é o de Bernard Jancewicz, com uma pormenorizada intodução à geometria e à álgebra da A.G [2] e ver também o artigo em [9]. Em português, além da referência [1], Jayme Vaz Jr. publicou também artigo sobre a AG aplicada à Relatividade [10].

9. Agradecimentos

Gostaria de aqui expressar meus agradecimentos ao Prof. Jayme Vaz Jr. pela vasta correspondência trocada, em especial, pela sua inesgotável paciência em esclarecer as dúvidas do autor. Gostaria também de agradecer ao colega, Prof. José Eduardo M. Hornos pelo convite para lecionar duas aulas sobre o assunto aos seus alunos de EM em 2002.

Recebido em 12/4/2006; Aceito em 13/7/2006

  • [1] J. Vaz Jr., Rev. Bras. Ens. Física 19, 234 (1997).
  • [2] B. Jancewicz, Multivectors and Clifford Algebra in Electrodynamics (World Scientific, Singapore, 1989).
  • [3] D. Hestenes, Amer. J. Phys. 71, 104 (2003).
  • [4] D. Hestenes, J. Math. Phys. 8, 798 (1967).
  • [5] D. Hestenes, Amer. J. Phys. 39, 1013 (1971).
  • [6] D. Hestenes, New Foundation for Classical Mechanics D. Reidel Publ. Co., Dordrecht, 1986.
  • [7] D. Hestenes, Amer. J. Phys. 47, 399 (1979).
  • [8] D. Hestenes, Amer. J. Phys. 71, 691 (2003).
  • [9] T.G. Vold, Amer. J. Phys. 61, 505 (1993).
  • [10] J. Vaz Jr., Rev. Bras. Ens. Fís. 22, 5 (2000).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    O revisor argumentou que a definicão de Ñ
    " na Eq. (5) poderia ser omitida, pelo uso de operadores, como o de 'graduacão', que muda a componente
    n-vetor,
    Fn, do multivetor em (-1)
    n
    Fn (no caso presente seria em (-1)
    n+1
    Fn), evidenciando a facilidade com que a AG transforma entidades e operadores. Agradecemos o comentário.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Jul 2006
    • Recebido
      12 Abr 2006
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br