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Estudos Enunciativos no Brasil - Histórias e Perspectivas

NOTAS SOBRE LIVROS BOOKNOTES

Adail Sobral

LAEL- PUC/SP

BRAIT, Beth (org.). 2001. Estudos Enunciativos no Brasil – Histórias e Perspectivas, Campinas: Pontes/FAPESP, 199 páginas.

Resultado do Seminário Estudos Enunciativos no Brasil – Histórias e Perspectivas, também organizado por Beth Brait no Departamento de Semiótica e Lingüística Geral da FFLCH da USP, no ano de 1988, este importante livro apresenta um amplo panorama das perspectivas de estudos enunciativos e discursivos em curso no Brasil, além de apontar para algumas novas perspectivas, tanto teóricas como práticas. Trata-se de livro indispensável para quantos se interessem por um panorama dos elementos mais relevantes do espectro dos estudos enunciativos no país, além de apresentar uma variedade de pontos de vista nos vários artigos em que se divide que só tende a contribuir para fundamentar uma abordagem multidisciplinar da enunciação.

No primeiro artigo, "Alteridade, dialogismo, heterogeneidade: nem sempre o outro é o mesmo", a organizadora faz um completo e bem estruturado resumo das obras de Jacqueline Authier-Revuz, da perspectiva da presença de Bakhtin, notadamente em termos de sua concepção de "outro", ao mesmo tempo em que procura ver pontos de convergência/divergência entre esse "outro" e o "outro" lacaniano nas obras examinadas, fornecendo assim novos elementos para um diálogo Bakthin-Lacan.

Cabe a Carlos Alberto Faraco, em "Bakhtin e os Estudos Enunciativos no Brasil: Algumas Perspectivas", examinar, de um ponto de vista mais propriamente filosófico, questões bakhtinianas como a natureza da compreensão e os "aspectos semânticos não reiteráveis do signo", e principalmente sua contraposição a dois vigorosos pilares do pensamento moderno, a dicotomia sujeito-objeto e a primazia axiomática do sujeito.

Eduardo Guimarães faz o levantamento das contribuições, em termos enunciativos, dos trabalhos de três importantes teóricos brasileiros, Eni Orlandi (análise do discurso de linha francesa), com merecido destaque, Carlos Vogt (semântica argumentativa) e Haquira Osakabe (argumentação), mostrando a ênfase neles dado ao sujeito e ao sentido numa perspectiva distinta da estruturalista tout court e da sintaxe gerativa, ainda que variada de um para o outro.

Helena Brandão mapeia, em "Da Língua ao Discurso, do Homogêneo ao Heterogêneo", as transições indicadas no título de seu artigo, destacando a questão do discurso como "atividade do sujeito" e abordando ainda a questão da opacidade do sentido, do social e do histórico presentes à enunciação, a polifonia enunciativa e o interdiscurso.

Abordando a enunciação do ponto de vista da lingüística textual, Ingedore Koch, em "Lingüística Textual: Retrospecto e Perspectivas", apresenta,a partir de uma ampla análise bibliográfica, um indispensável panorama da teoria do texto, que vai da análise transfrástica à "teoria ou lingüística do texto", passando pelas gramáticas textuais. A autora mostra o caráter interdisciplinar que a teoria vem assumindo crescentemente, o que abre importantes perspectivas para um estudo textual da interação social.

"Comunicação e Estudos Enunciativos: A Contribuição de Roman Jakobson" é o texto em que Irene Machado, mostrando a amplitude muitas vezes ignorada da obra de Jakobson, destaca a contribuição do teórico para uma concepção dialógica do discurso em que, ao reconhecimento do "rigor do código", se une a "recodificação como ato dialógico". Trata-se de um importante artigo que mostra a convergência, que para alguns pode parecer inesperada, de teses jakobsonianas com postulados de Bakhtin.

José Luiz Fiorin mostra as relações entre "Categorias da Enunciação e Efeitos de Sentido" no âmbito da semiótica greimasiana. De acordo com ele, embora "regidas pelos mesmos princípios", as categorias de pessoa, espaço e tempo têm no discurso um 'funcionamento instável", ressalvando porém que "essa instabilidade obedece a determinadas coerções". Conclui ele, depois de análises práticas, que "o que é autorizado pelo sistema existe. No entanto, cabe ainda lembrar que o discurso, sendo da ordem da História, pode mudar o sistema", o que aproxima a teoria greimasiana das teses bakhtinianas.

"Estudos Enunciativos: Atividades de Linguagem em Situação de Trabalho" é a contribuição em que Cecília Souza-e-Silva mostra as perspectivas de um novo e promissor campo de estudos enunciativos, que vem sendo promovido teórica e praticamente no âmbito do LAEL, da PUC de São Paulo, por meio de vários projetos em conjunto com estudiosos e instituições franceses e brasileiros. Destacando a contribuição de Maingueneau, mostra ela o caráter essencialmente multidisciplinar do "objeto de investigação do lingüista". Destaca a autora o importante trabalho de Josiane Boutet, apresentando os postulados que funda os estudos da linguagem em situação de trabalho. Não faltam ao artigo considerações metodológicas e uma breve demonstração da aplicação dessa nova área de estudos enunciativos.

Numa aparentemente inusitada e, como mostra o autor, produtiva aproximação, Orlando Vian Jr. aborda, em "Sobre o Conceito de Gêneros do Discurso: Diálogos entre Bakhtin e a Lingüística Sistêmico-Funcional", as convergências entre as perspectivas de Bakhtin e, principalmente, de Halliday,, apontando para vários estudos que promovem de várias maneiras essa junção, fundada nos "tipos relativamente estáveis de enunciados" propostos por Bakhtin e na concepção sistêmico-funcional do gênero em termos "do propósito social" a que atende.

Em "A Teoria dos Gêneros em Bakhtin: Construindo uma Perspectiva Enunciativa para o Ensino de Compreensão e Produção de Textos na Escola", Roxane Rojo apresenta valiosos dados sobre outro promissor campo de estudos enunciativos, concretizado num grupo de pesquisas que envolve estudiosos e instituições brasileiros e suíços (LAEL-PUC/SP, Educação/Unicamp, Didática de Línguas/Universidade de Genebra). A autora destaca a contribuição de Vygotsky e de Bakhtin/Voloshinov, além de se referir a obras de autores como Wertsch e Smolka. Traça Rojo um amplo panorama dos estudos da área, bem como de suas significativas intervenções práticas no ensino da língua materna, a que não faltam considerações metodológicas e a apresentação dos dois desafios teóricos que ocupam atualmente os membros do grupo: "como re-enfocar a interação de sala de aula como circulação de gêneros escolares do discurso" e como promover "em termos enunciativos", a releitura das "teorias psicolingüísticas de 'aquisição' e 'processamento' da linguagem".

Encerra o volume Sírio Possenti, que examina "O Que Significa 'O Sentido Depende da Enunciação'?". O autor inicia o artigo mostrando que as várias perspectiva de abordagem do sentido terminam por levar à pergunta: "a que nos referimos quando usamos a palavra 'sentido'"? A partir de uma releitura em três passos de Benveniste, do exame da enunciação em análise do discurso, com ênfase em Pêcheux e Fuchs, e da concepção bakhtiniana de enunciação, Possenti apresenta as condições nas quais "o sentido depende da enunciação" e "o sujeito é a fonte do sentido" são enunciados dotados de sentido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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