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Preparação e caracterização do vinho de laranja

Preparation and characterization of orange wine

Resumo

A simple method of home made preparation and physical-chemical characterization of orange wine was investigated. Saccharomyces cerevisiae was used as inoculum for wine-making by fermentation. Chemical compositions related to the aroma components seems to be very similar between grape and orange wines.

fermentation; orange wine; chemical characterization


fermentation; orange wine; chemical characterization

Artigo

PREPARAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO VINHO DE LARANJA

Marcos L. Corazza, Dina G. Rodrigues e Jorge Nozaki *

Departamento de Química, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900 Maringá - PR

*e-mail: jnozaki@cybertelecom.com.br

Recebido em 26/1/00; aceito em 27/11/00

PREPARATION AND CHARACTERIZATION OF ORANGE WINE. A simple method of home made preparation and physical-chemical characterization of orange wine was investigated. Saccharomyces cerevisiae was used as inoculum for wine-making by fermentation. Chemical compositions related to the aroma components seems to be very similar between grape and orange wines.

Keywords: fermentation; orange wine; chemical characterization.

INTRODUÇÃO

A citricultura é a mais recente alternativa agrícola da região noroeste do Estado do Paraná, e o município de Paranavaí é o maior produtor de laranjas da região. A produção atual é de 125 mil toneladas anuais, com expectativas de produção de 210 mil toneladas em 2001. A Paraná Citrus e a CITROCOP são as responsáveis pela transformação da laranja e a exportação do suco e seus subprodutos como o óleo essencial e o d-limoneno1.

Os óleos essenciais são óleos voláteis que são retirados das cascas das frutas cítricas e, tem aplicações variadas nas indústrias farmacêuticas e alimentíceas. O d-limoneno é uma fração oleosa, sendo considerada uma das mais puras fontes de terpeno monocíclico. Outro subproduto importante da laranja é o farelo de polpa cítrica ou farelo de casca de laranja. Este farelo é obtido por meio do tratamento de resíduos sólidos e líquidos remanescentes da extração do suco. O farelo da polpa cítrica peletizado é utilizado como complemento de ração animal na pecuária, tendo boa aceitação como insumo na ração de bovinos2.

O cultivo da laranja em escala comercial, no Estado do Paraná, está restrito aos terrenos arenosos da região de Paranavaí e, quanto ao reaproveitamento dos subprodutos da laranja, são necessários estudos para que esta atividade seja economicamente rentável para a região. Por outro lado, a citricultura e especialmente os seus subprodutos, constituem-se em uma das mais importantes atividades econômicas no Estado de S. Paulo, a maior produtora do país, conforme os dados da Tabela 1.

OBTENÇÃO DO VINHO

O vinho é uma bebida alcoólica fermentada por difusão, que é obtido genericamente pela fermentação alcoólica de um suco de fruta natural madura, principalmente a uva (Vitis vinífera). Admitem-se, tradicionalmente, que o nome vinho seja reservado só para a bebida proveniente da uva. Para bebidas produzidas por fermentação alcoólica que não seja a uva, deve-se indicar o nome da fruta, como no caso atual, o vinho de laranja. Qualquer fruta que contenha níveis razoáveis de açúcar é possível de se produzir um bom vinho, com sabores característicos de cada fruta. Segundo a Legislação Brasileira, os vinhos são divididos quanto à classe em: vinho de mesa, com um teor alcoólico de 10 e 13oGL (graus Gay-Lussac); vinho champanha, contendo de 10 a 13oGL; espumante, entre 7 e 10oGL; espumante gaseificado entre 10 e 12,5oGL; e licoroso, entre 14 e 18oGL, podendo ser tintos, rosados, ou brancos em cada caso. A Legislação estabelece ainda que para os vinhos de frutas a graduação alcoólica esteja entre 10 e 14oGL e, a adição de sacarose poderá ser, no máximo, igual à dos açúcares da fruta3. Existem ainda o vinho de fruta gaseificado, em que se adicionou anidrido carbônico e o vinho de fruta licoroso, cuja graduação alcoólica vai de 13 a 18oGL, este último pode ser doce ou seco3.

Em geral, as operações envolvidas no processo de fabricação de vinhos são: extração e preparo do mosto; fermentação alcoólica; trasfega; clarificação e conservação. A nível industrial, portanto o mais difundido, estas operações são aplicadas na produção do vinho de uva. Por outro lado, o vinho de laranja não é uma bebida com grande comercialização no Brasil, apesar de ser conhecida há anos a possibilidade de sua fabricação.

FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA

A fermentação alcoólica, a mais importante na fabricação do vinho, abrange toda a etapa desde o preparo do inóculo até a etapa de trasfega. No processo de fermentação pode-se distinguir três fases: uma preliminar que é de adaptação da cultura ao meio, outra tumultuosa e, a fase complementar que é o fim da fermentação. A fermentação compreende um conjunto de reações enzimaticamente controladas, através das quais uma molécula orgânica é degradada em compostos mais simples liberando energia. O processo tem início com a ativação da glicose, que recebe em reações sucessivas dois fosfatos energéticos, fornecidos por duas moléculas de ATP (adenosina trifosfato) que se transforma em ADP (adenosina difosfato). A glicose, por sua vez, se transforma em gliceraldeido 1,3-difosfato. Ao final, cada gliceraldeído é transformada em ácido pirúvico. O rendimento é de duas moléculas de ATP para cada molécula de glicose utilizada4.

No geral, a principal reação seria:

C6H12O6® 2 CH3CH2OH + CO2 + 33 cal.

Durante o processo fermentativo com o S. cerevisiae as principais variáveis devem ser bem controladas, caso contrário, podem ocorrer variações na composição química do suco pela presença do Gluconobacter oxydans5, variação no conteúdo de ácido ascórbico6, fermentação do citrato, juntamente com a glicose, na presença do L. plantarum com a produção de ácido acético e do vinagre7, 8, 9, etc.

A fabricação caseira do vinho de laranja, utilizando-se frutos que não encontram demanda comercial devido a defeitos nas cascas e tamanhos, foram investigados como alternativa de consumo das mesmas.

MATERIAIS E MÉTODOS

A produção caseira do vinho de laranja consistiu nas etapas abaixo, utilizando-se um fermentador caseiro conforme a Figura 1.


Obtenção e classificação dos frutos

As frutas, da região de Paranavaí-PR., foram classificadas de acordo com o estado de amadurecimento (maturação). Foram escolhidas as frutas sadias, descartando-se as demais.

Extração do mosto

Consistiu em separar o suco do restante da laranja utilizando-se um espremedor de frutas elétrico e, em seguida coado, em um coador manual.

Preparo do mosto (sulfitagem)

Utilizou-se o metabissulfito de sódio a 10% (m/v). Após a aplicação, deixou-se em repouso durante 3 horas, coado, sendo que o mosto fora previamente fervido e resfriado à temperatura ambiente.

Determinação do grau Brix e correção do açúcar

O grau Brix indica o teor aproximado de açúcar no mosto. Assim, um mosto com 10oBrix contém aproximadamente 10% de açúcar. Considerando-se que 2 graus Brix produz aproximadamente 1oGL após a fermentação, a correção foi feita adicionando-se açúcar (sacarose) ao mosto, para a produção alcoólica desejada. As leituras do grau Brix foram feitas em refratômetro (Carl Zeiss), onde cada grau Brix representa aproximadamente 15g de açúcar dissolvido para cada litro de mosto. O aparelho foi calibrado em banho termostatizado a 20oC com água deionizada (oBrix = 0) e, a seguir, foram feitas as leituras das amostras a 20oC.

Correção de acidez

A determinação da acidez total foi feita por titulação volumétrica com solução de NaOH 0,1 mol L-1, e a solução alcoólica de fenolftaleína a 1% como indicador. Foram utilizados em cada titulação 10mL do mosto, diluído a 50mL com água destilada e 3 gotas de fenolftaleína. As correções de acidez foram feitas com soluções de CaCO3.

Preparo do inóculo

Utilizou-se o Saccharomyces cerevisiae na quantidade adequada3,10.

Densidade do mosto

Determinou-se a densidade do mosto pesando-se inicialmente um balão volumétrico de 25mL limpo e seco. Pesou-se novamente o balão contendo água destilada até o menisco. A seguir, lavou-se cuidadosamente com álcool etílico e éter etílico e pesou-se o balão com a amostra do mosto. A densidade do mosto foi calculada pela fórmula D = (w – b2)/(h – b1).

Onde w = massa da amostra; h = massa da água; b2 = massa do balão na segunda pesagem e b1 a massa do balão na primeira pesagem.

Sólidos suspensos

Os sólidos suspensos foram determinados pelas medidas no turbidímetro, em cubetas de vidro (Turbidímetro Micronal B 250).

Grau alcoólico (oGL)

Foram transferidos 200mL da amostra, à temperatura ambiente, a um balão de destilação contendo 10mL de água, e a uma coluna de destilação e esta a um condensador. Foram recolhidos 3/4 do volume inicial pela destilação, completou-se o volume com água destilada na mesma temperatura inicial. Determinou-se a densidade da amostra pelo mesmo procedimento anterior. Para o cálculo do grau alcoólico, utilizou-se uma tabela de densidade x grau alcoólico3.

Trasfega

Foi a transferência, após a filtração, do fermentado já pronto do reator para outro recipiente.

Clarificação

A clarificação do vinho pode ser feita com a bentonita, gelatina, albumina, etc. Utilizou-se neste trabalho a clara de ovo (albumina), na proporção de uma colher de sopa por litro do vinho.

Conservação

Após a filtração e aquecimento em banho-maria a 650C por 20 minutos, o vinho foi resfriado naturalmente e a conservação foi feita engarrafando-se o vinho em frascos de vidro e fechados com rolhas adequadas.

RESULTADOS E DISCUSSÂO

Na Tabela 2 aparecem os dados experimentais do processo de fermentação de 4,5 litros de sucos, correspondentes a 8 kg de laranjas pêras. O Brix foi corrigido a cada 12 h, no início para 15 e depois para 26oBrix. Após 24 h de inoculação, adicionou-se ao mosto já preparado e previamente fervido. As variações de pH, acidez total e densidade ocorridas durante a fermentação aparecem na Tabela 3. Observou-se os decréscimos no grau Brix e a densidade durante a fermentação. A acidez total elevou-se bruscamente somente no início, permanecendo praticamente constante durante a fermentação, portanto, foi suficiente a adição de pequenas quantidades de CaCO3 durante a preparação do mosto.

Conforme se observa na Figura 2, a variação do grau Brix com o tempo de fermentação, existem duas fases distintas. Nas primeiras 28-30 horas a fermentação é tumultuosa, com rápido consumo do açúcar do mosto, ou seja, alta atividade dos microorganismos. Numa segunda fase, menos tumultuosa, observa-se menor atividade das leveduras. Estas variações descendentes do grau Brix coincidem com a diminuição da intensidade de borbulhamento do dióxido de carbono no batoque hidráulico do fermentador (Figura 1). Observa-se ainda que, no final da fermentação, o grau Brix permaneceu em aproximadamente 8, de forma constante. Este fato deve-se, provavelmente, à presença de açúcares não fermentecíveis no suco de laranja.


De acordo com a Tabela 3, a densidade do mosto decresceu durante a fermentação, de acordo com o consumo de açúcar e a produção de etanol no processo fermentativo. A elevação da acidez total foi também muito rápida nas primeiras 24 horas de fermentação, permanecendo então constante, após este período, até o final da fermentação, conforme se observa na Figura 3.


Um dos principais fatores da qualidade de um vinho é a sua composição fenólica. As substâncias fenólicas são reativas em presença de oxigênio, pela transformação de fenóis em quinonas e a polimerização de flavanóides, alterando assim a turbidez, sabor e aroma do vinho11. A remoção dos compostos fenólicos foi uma tentativa para a melhora das qualidades sensoriais de certos tipos de vinhos12. As tentativas mais bem sucedidas foram com a utilização de produtos enológicos como a gelatina, caseína, albumina, carvão ativado e certos polímeros como a polivinilpolipirrolidona (PVPP)12. No caso da produção do vinho de laranja não houve esta preocupação, exceto pela utilização da albumina, em função das suas excelentes qualidades sensoriais.

Na comparação dos vinhos de laranja e uva observou-se certas semelhanças como os graus alcoólico e o Brix. Pelos espectros registrados na região ultravioleta das respectivas amostras, observou-se uma grande semelhança nas absorções em l = 255 e 264nm, indicando inclusive os baixos níveis de compostos fenólicos ou outras substâncias aromáticas. A produção caseira do vinho de laranja poderá ser vantajosa, devido ao baixo custo da fruta e a relativa facilidade de fermentação por leveduras selecionadas. O sabor e a qualidade sensorial do vinho é comparável com o vinho de uvas.

  • 1. Paraná citrus S/A, Boletim Técnico, 2000: http://www.paranacitrus.com.br
  • 2
    Instituto de Economia Agrícola e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral. Informações Econômicas, São Paulo-SP, 2000; p 99.
  • 3. Hashizume, T.; Manual prático da fabricaçăo de vinhos de frutas ITAL-Instituto de Tecnologia de Alimentos, Campinas-SP, 1991; p 3.
  • 4. Regodón, J. A.; Pérez, F.;Valdés, M. E.; Miguel, C. de; Ramírez, M.; Food Microbiol. 1997, 14, 247.
  • 5. Cancalon, P. F.; Parish, M. E.; Food Microbiol. 1995, 12, 117.
  • 6. Aleksander, C.; Joanna, L.; Joanna, S.; Przem. Ferment. Ow.-Warzywny 1998, 42, 17.
  • 7. Kennes, C.; Dubourguier, H. C.; Albagnac, G.; Nyns, E. J.; J. Appl. Bacteriol. 1991, 70, 380.
  • 8. Kennes, C.; Veiga, M. C.; Dubourguier, H. C.; Touzel, J. P.; Albagnac, G.; Naveau, H.; Nyns, E. J.; Appl. Environ.Microbiol. 1991, 57, 1046.
  • 9. Kennes, C.; Dubourguier, H. C.; Albagnac, G.; Naveau, H.; Veiga, M.; Nyns, E. J.; Appl. Microbiol. Biotechnol. 1991, 35, 369.
  • 10. Pérez-Coelho, M. S.; Briones Pérez, A. I.; Ubeda Iranzo, J. F.; MartinAlvarez, P. J.; Food Microbiol. 1999, 16, 563.
  • 11. Singleton,V. L.; Trousdale, E.; Zaya, J.; Am. J. Enol. Vitic. 1979, 30, 49.
  • 12. Pereira, I. M.; Moretti, R. H.; Cięnc. Tecnol. Alimen. 1997, 17, 192.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Ago 2001

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2000
  • Aceito
    27 Nov 2000
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