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Atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais associados à ocorrência de "bitter pit" em maçãs

Physiological, physicochemical and mineral attributes associated with the occurrence of bitter pit in apples

Resumos

O objetivo deste trabalho foi identificar os atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais associados à ocorrência pós-colheita de "bitter pit" em maçãs 'Fuji' e 'Catarina'. Os frutos foram colhidos, armazenados por 120 dias a 1ºC, com 90–95% de umidade relativa e, em seguida, divididos em lotes com ou sem sintoma de "bitter pit". Maçãs 'Catarina' apresentaram maior incidência e severidade de "bitter pit", em comparação a 'Fuji'. Em ambas as cultivares, os frutos com "bitter pit" apresentaram maior produção de etileno, respiração e acidez titulável, e menor pH, firmeza de polpa, textura da casca e da polpa e percentagem de cor vermelha na casca. Os frutos com "bitter pit" também apresentaram menores teores de Ca e maiores valores das relações K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca nos tecidos da casca e da polpa da região pistilar. A análise canônica discriminante indica que os atributos mais adequados para discriminar frutos com e sem "bitter pit" são força para penetração na polpa e relação K/Ca na polpa, em maçãs 'Fuji', e acidez titulável e relação K/Ca na casca, em maçãs 'Catarina'.

Malus domestica; análise canônica discriminante; distúrbio fisiológico; estado nutricional; deficiência de cálcio; pós-colheita


The objective of this work was to identify the physiological, physicochemical, and mineral attributes associated with the occurrence of bitter pit in 'Fuji' and 'Catarina' apples. Fruit were harvested, stored in air at 1ºC and 90–95% relative humidity for 120 days, and, then, divided into lots with or without bitter pit symptoms. 'Catarina' apples had higher incidence and severity of bitter pit, in comparison to 'Fuji'. In both cultivars, fruit with bitter pit had higher ethylene production, respiration, and titratable acidity, and lower pH, flesh firmness, skin and pulp textures, and percentage of red skin area. Fruit with bitter pit also had lower Ca content and higher values of K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca, and (K+Mg +N)/Ca ratios in the skin and flesh tissues of the blossom-end. Canonical discriminant analysis indicates that the best attributes to discriminate between fruit with or without bitter pit are force to penetrate the flesh and K/Ca ratio in the pulp, in 'Fuji' apples, and titratable acidity and K/Caratio in theskin, in 'Catarina' apples.

Malus domestica; canonical discriminant analysis; physiological disorder; nutritional status; calcium deficiency; post-harvest


FISIOLOGIA VEGETAL

Atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais associados à ocorrência de "bitter pit" em maçãs

Physiological, physicochemical and mineral attributes associated with the occurrence of bitter pit in apples

Aquidauana Miqueloto; Cassandro Vidal Talamini do Amarante; Cristiano André Steffens; Aline dos Santos; Tiago Miqueloto; João Paulo Generoso Silveira

Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Agroveterinárias, Avenida Luiz de Camões, nº 2.090, CEP 88520-000 Lages, SC. E-mail: aquidauanamiqueloto@hotmail.com, amarante@cav.udesc.br, steffens@cav.udesc.br, aline_snt@hotmail.com, tiagomiqueloto@hotmail.com, joaop-silveira@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi identificar os atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais associados à ocorrência pós-colheita de "bitter pit" em maçãs 'Fuji' e 'Catarina'. Os frutos foram colhidos, armazenados por 120 dias a 1ºC, com 90–95% de umidade relativa e, em seguida, divididos em lotes com ou sem sintoma de "bitter pit". Maçãs 'Catarina' apresentaram maior incidência e severidade de "bitter pit", em comparação a 'Fuji'. Em ambas as cultivares, os frutos com "bitter pit" apresentaram maior produção de etileno, respiração e acidez titulável, e menor pH, firmeza de polpa, textura da casca e da polpa e percentagem de cor vermelha na casca. Os frutos com "bitter pit" também apresentaram menores teores de Ca e maiores valores das relações K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca nos tecidos da casca e da polpa da região pistilar. A análise canônica discriminante indica que os atributos mais adequados para discriminar frutos com e sem "bitter pit" são força para penetração na polpa e relação K/Ca na polpa, em maçãs 'Fuji', e acidez titulável e relação K/Ca na casca, em maçãs 'Catarina'.

Termos para indexação:Malus domestica, análise canônica discriminante, distúrbio fisiológico, estado nutricional, deficiência de cálcio, pós-colheita.

ABSTRACT

The objective of this work was to identify the physiological, physicochemical, and mineral attributes associated with the occurrence of bitter pit in 'Fuji' and 'Catarina' apples. Fruit were harvested, stored in air at 1ºC and 90–95% relative humidity for 120 days, and, then, divided into lots with or without bitter pit symptoms. 'Catarina' apples had higher incidence and severity of bitter pit, in comparison to 'Fuji'. In both cultivars, fruit with bitter pit had higher ethylene production, respiration, and titratable acidity, and lower pH, flesh firmness, skin and pulp textures, and percentage of red skin area. Fruit with bitter pit also had lower Ca content and higher values of K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca, and (K+Mg +N)/Ca ratios in the skin and flesh tissues of the blossom-end. Canonical discriminant analysis indicates that the best attributes to discriminate between fruit with or without bitter pit are force to penetrate the flesh and K/Ca ratio in the pulp, in 'Fuji' apples, and titratable acidity and K/Caratio in theskin, in 'Catarina' apples.

Index terms:Malus domestica, canonical discriminant analysis, physiological disorder, nutritional status, calcium deficiency, post-harvest.

Introdução

A macieira, Malus domestica Borkhausen (1803), é a espécie frutífera de clima temperado mais cultivada na região Sul do Brasil, com produção anual de aproximadamente 1,3 milhões de toneladas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009). Para ofertar maçãs durante todo o ano, prolongar a conservação e manter a qualidade dos frutos, cerca de 99% da produção total é destinada ao armazenamento (Associação Brasileira de Produtores de Maçã, 2004). Contudo, durante o armazenamento, as perdas pós-colheita são elevadas, em virtude da ocorrência de doenças (podridões), danos mecânicos e distúrbios fisiológicos (Brackmann et al., 2010).

Entre os distúrbios fisiológicos, o "bitterpit" é um dos mais importantes, e pode ocasiona rperdas pós-colheita de até 30%, em frutos provenientes de pomares com elevado risco e em safras agrícolas que propiciam a sua ocorrência (Basso, 2002). O "bitter pit" ocorre principalmente durante o período de frigoconservação e caracteriza-se por manchas escuras na polpa, que desidratam com o tempo e formam depressões na epiderme dos frutos (Amaranteet al.,2006a, 2006b).

A ocorrência de "bitter pit" em maçãs está relacionada a fatores de manejo do pomar, com destaque para o raleio excessivo de frutos, o elevado vigor das plantas, a adubação excessiva de N e a deficiência hídrica (Saure, 2005). De acordo com Ferguson & Watkins (1989), em maçãs, os baixos teores de Ca e os elevados teores de Mg, K e N nos frutos são os principais fatores que os predispõem para a ocorrência desse distúrbio fisiológico. O Ca exerce um importante papel na permeabilidade seletiva, na estruturação e na funcionalidade das membranas celulares, por meio da ligação de fosfolipídeos e de monogalactosildiacilgliceróis na superfície da membrana (Freitas et al., 2010). Esse elemento, em baixas concentrações nos frutos, favorece a formação de injúrias que evoluem para a morte dos tecidos, o que ocasiona o "bitter pit" (Amarante et al., 2006b).

Além de aumentar a predisposição à ocorrência de "bitter pit" em maçãs, o baixo teor de Ca promove alterações nos atributos fisiológicos e físico-químicos dos frutos (Ferguson & Watkins, 1989; Freitas et al., 2010). Os frutos com deficiência de Ca tendem a apresentar aumento nas taxas respiratórias e de produção de etileno (Kerbauy, 2008). O "bitter pit" causa maior acúmulo de ácidos orgânicos durante o armazenamento do fruto, o que provoca alterações no sabor e na aparência da polpa e reduz o valor comercial e a qualidade da maçã (Iuchi et al., 2001). Freitas et al. (2010) observaram que maçãs 'Granny Smith' com "bitter pit" apresentavam maior acidez e menor firmeza de polpa, em comparação aos frutos sem "bitter pit".

Nesse contexto, é necessário investigar os atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais relacionados à ocorrência de "bitter pit", que podem ser utilizados como ferramentas para minimizar os efeitos desse distúrbio fisiológico, reduzir perdas e manter a qualidade dos frutos durante o período de armazenamento.

O objetivo deste trabalho foi identificar os atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais associados à ocorrência pós-colheita de "bitter pit" em maçãs 'Fuji' e 'Catarina'.

Material e Métodos

Os frutos foram colhidos em um pomar comercial localizado no Município de São Joaquim, SC (28º11'20"S e 49º59'43"W, a 1.219 m de altitude), na safra de 2009/2010. Foram utilizadas macieiras das cultivares Fuji e Catarina, com 13 anos de idade, sobre porta-enxerto 'Marubakaido' com filtro EM-9, conduzidas com líder central no espaçamento de 2,0 m entre plantas e 6,0 m entre filas. Os teores de Ca, Mg e K no solo do pomar foram de 11, 5 e 0,51 cmolc dm-3, respectivamente.

Frutos das duas cultivares foram colhidos aos 188 dias após a plena floração (maturação comercial) e transportados para o laboratório, onde foram selecionados, tendo-se eliminado aqueles que apresentaram defeitos ou dano mecânico, para a formação das unidades experimentais. Em seguida, os frutos foram armazenados a 1ºC e 90–95% de umidade relativa, por 120 dias.

Antes do armazenamento, foi realizada análise inicial de seis amostras de dez frutos, para determinar as características de qualidade inicial. As maçãs 'Fuji' e 'Catarina' apresentaram, respectivamente: coloração da epiderme (ângulo 'hue'; hº) de 26,50 e 27,61, na região exposta à luz, e de 89,35 e 87,74, na região sombreada; sólidos solúveis de 13,58 e 13,55 ºBrix; acidez titulável de 0,43 e 0,45%; força para penetração na casca de 15,9 e 15,2 N; e força para penetração na polpa de 4,4 e 4,2 N.

Após o período de armazenamento, os frutos de cada cultivar foram divididos em dois lotes, de acordo com a ausência ou a presença (uma ou mais manchas por fruto) de "bitter pit". Cada lote foi constituído por seis repetições, e cada unidade experimental por dez frutos. Os frutos foram avaliados quanto a taxas respiratórias (µmol kg-1 s-1 de CO2) e de produção de etileno (µmol kg-1 s-1 de C2H4), acidez titulável (AT, % de ácido málico), sólidos solúveis (SS, oBrix), pH, firmeza de polpa (Newton, N), atributos de textura (forças para penetração na casca e na polpa, N), percentagem de cor vermelha (PCV), cor da epiderme e teores minerais (Ca, Mg, K e N nos tecidos da casca e da polpa da região pistilar do fruto).

Para obter as taxas respiratórias e de produção de etileno, foram colocados sete frutos de cada repetição em recipientes herméticos, com volume de 2,3 L. Alíquotasdegás(1 mL)foramretiradasdosrecipientes por um septo de borracha, imediatamente após o seu fechamento e também depois de 1 hora, e injetadas em um cromatógrafo a gás modelo CP-3800 (Varian, Palo Alto, CA, EUA), equipado com coluna Porapak N de 3 m de comprimento (80–100 mesh), metanador e detector de ionização de chama, para a quantificação das concentrações de CO2 e etileno. As temperaturas da coluna, do detector, do metanador e do injetor foram de 45, 120, 300 e 110oC, respectivamente. Os fluxosde nitrogênio, hidrogênio e ar sintético foram de 70, 30 e 300 mLmin-1, respectivamente.

Os valores de AT foram determinados por titulação de uma amostra de 10 mL de suco diluída em 90 mL de água destilada, com solução de NaOH 0,1 N, até pH 8,1. Os valores de SS foram obtidos por meio de alíquota do suco submetida à leitura em refratômetro digital modelo PR201α, (Atago, Tókio, Japão).

A firmeza de polpa foi determinada com auxílio de penetrômetro manual, equipado com ponteira de 11 mm de diâmetro. A leitura foi realizada em lados opostos da região equatorial dos frutos, após a remoção de uma fina camada da epiderme.

Os atributos de textura foram analisados com texturômetro eletrônico TAXT-plus (Stable Micro Systems Ltd., Surrey, Reino Unido), em termos de forças necessárias para a penetração na epiderme e na polpa, tendo-se utilizado ponteira modelo PS2 com 2 mm de diâmetro, a qual foi introduzida na polpa a uma profundidade de 10 mm, com velocidades pré-teste, teste e pós-teste de 30, 5 e 30 mm s-1, respectivamente.

A PCV foi determinada por meio de análise subjetiva da superfície com coloração vermelha nos frutos (Amarante et al., 2009b). A determinação do ângulo 'hue' (hº) da epiderme foi realizada com colorímetro modelo CR 400 (Minolta, Osaka, Japão), e as leituras foram feitas em dois lados do fruto. O hº define a coloração básica, em que 0º = vermelho, 90º = amarelo e 180º = verde.

A incidência de "bitter pit" foi determinada pela contagem de frutos com a presença do distúrbio, e os resultados foram expressos em percentagem. A severidade de "bitter pit" (manchas/fruto) foi determinada com uso de uma escala de 0 a 6, em que 0 é a ausência de manchas, e 1 a 6, a presença de uma mancha até seis ou mais manchas.

Para a análise mineral, os frutos foram cortados na região equatorial, tendo-se utilizado apenas a região pistilar (distal), na qual ocorre maior incidência de "bitter pit", da qual foram retiradas a casca e 5 mm da polpa logo abaixo da casca. Os teores de todos os elementos minerais foram quantificados (mg kg-1) conforme Amarante et al. (2006a), e expressos com base no peso fresco. Os teores de Ca e Mg foram determinados por espectrofometria de emissão induzida por plasma. Para a determinação de K, foi utilizado fotômetro de chama (DM-61, Digimed, São Paulo, SP). O N foi determinado pelo método semimicro Kjeldahl.

Utilizou-se o delineamento experimental inteiramente casualizado, com seis repetições, para avaliação da incidência e da severidade de "bitter pit", durante o armazenamento refrigerado. Cada unidade experimental foi composta de 100 frutos. Para as análises físico-químicas e minerais, a amostra foi constituída de dez frutos. Os dados foram submetidos à análise de variância, a 5% de probabilidade, e à análise canônica discriminante (ACD), com uso do SAS (SAS Institute, 2002). A ACD foi utilizada para identificar os principais atributos fisiológicos, físico-químicos e minerais capazes de discriminar frutos com e sem "bitter pit".

Resultados e Discussão

Maçãs 'Fuji' e 'Catarina' com "bitter pit" apresentaram maiores taxas respiratórias e de produção de etileno, do que os frutos sem "bitter pit" (Tabela 1). A maior produção de etileno em frutos com "bitter pit" está relacionada ao estresse provocado por esse distúrbio nos tecidos, o que proporciona aumento na síntese e na ativação das enzimas sintase e oxidase do ácido 1-aminociclopropano-1-carboxílico (ACC), com subsequente aumento na síntese desse hormônio nos frutos (Kerbauy, 2008). Cooper & Bangerth (1976) observaram que a taxa respiratória aumenta em frutos com "bitter pit", em decorrência dos menores teores de Ca. Os baixos teores de Ca na parede celular aumentam a atividade das enzimas responsáveis pela redução da firmeza dos frutos, como as poligalacturonases (PGs) (Huber et al., 2001). Com a degradação da parede celular, pode ocorrer aumento na atividade respiratória por meio da desestruturação celular, que provoca a solubilização de várias substâncias que servem de substrato para enzimas no processo respiratório (Bangerth, 1974). Além disso, os frutos com "bitter pit" podem apresentar aumento da permeabilidade da membrana plasmática. Os frutos com "bitter pit" apresentam baixa quantidade de Ca fisiologicamente ativo presente no apoplasto e elevados teores de Ca indisponível, que se encontram no interior do vacúolo e complexados a proteínas e a lipídeos na membrana plasmática (Freitas et al., 2010). Quando há baixa quantidade de Ca no apoplasto, esse elemento mineral estará pouco disponível à membrana plasmática, o que ocasiona perda na integridade da membrana. Assim, ocorre aumento da respiração do fruto, para reparar os danos na membrana plasmática e restabelecer a homeostase celular (Cooper & Bangerth, 1976).

Os teores de SS não diferiram entre os frutos com e sem "bitter pit", em ambas as cultivares analisadas (Tabela 1). Esses resultados estão de acordo com os obtidos por Freitas et al. (2010), em maçãs 'Granny Smith'.

Em ambas as cultivares, os frutos com "bitter pit" apresentaram menor pH e maior AT, em comparação aos frutos sem "bitter pit" (Tabela 1). Esse resultado pode ser explicado pelos maiores teores de ácido málico (Freitas et al., 2010). Os frutos com "bitter pit" apresentam maior expressão de proteínas de transporte na membrana do tonoplasto, como a H+-ATPase e a H+-pirofosfatase, que acumulam hidrogênio e ácido málico no vacúolo. Isso ativa as bombas trocadoras de cátions-H+ (CAXs), que retiram Ca do citosol e o transportam para o interior do vacúolo, ao mesmo tempo que retiraram hidrogênio e o transportam de volta ao citosol (Freitas et al., 2010). O Ca transportado para o vacúolo forma complexos com fenóis, oxalatos, carbonatos e fosfatos, o que o indisponibiliza para desempenhar outras funções de regulação de metabolismo celular e favorece a ocorrência de "bitter pit" (Freitas et al., 2010).

Em maçãs 'Fuji', a coloração da epiderme na região sombreada, determinada pelo hº, não diferiu entre os frutos com e sem "bitter pit" (Tabela 2). Entretanto, na cultivar Catarina, os frutos com a presença do distúrbio apresentaram menor hº na região sombreada, em comparação aos frutos sem "bitter pit". Nas duas cultivares, a PCV foi menor nos frutos com "bitter pit". A menor PCV em maçãs com "bitter pit" pode estar relacionada à sua posição na planta, pois, em condição de menor incidência de luz (interior do dossel), os frutos tendem a apresentar menor acúmulo de pigmentos antociânicos na epiderme e maior suscetibilidade à ocorrência de "bitter pit" durante o período de armazenamento. O sombreamento dos frutos reduz o fluxo transpiratório e, consequentemente, o aporte de Ca, o que aumenta a predisposição ao "bitter pit" (Iuchi et al., 2001). Além disso, os frutos no interior do dossel podem apresentar menor suprimento de Ca via pulverizações com CaCl2, realizadas para aumentar o conteúdo deste mineral em pomares comerciais de maçãs, em comparação aos frutos da parte mais externa da planta.

Nas duas cultivares, os frutos com "bitter pit" apresentaram menor firmeza de polpa e menor força para penetração na casca e na polpa (textura), em comparação aos frutos sem "bitter pit" (Tabela 2). Esse resultado pode ser explicado pela tendência de frutos com "bitter pit" apresentarem baixa integridade de membrana plasmática e alta perda de água, o que leva à redução da pressão de turgor da célula (Freitas et al., 2010) e da firmeza e a textura da polpa.

Os frutos com "bitter pit" apresentaram maiores teores de N na polpa e menores teores de Ca total (Tabela 3). De acordo com Qiu et al. (1995), há uma forte relação entre os elevados teores de N e a perda na firmeza pois, aparentemente, o excesso de N reduz a capacidade do tecido mesocárpico em acumular Ca. Como o Ca atua diretamente na organização da estrutura da parede celular, quando em baixa concentração no tecido, há redução na firmeza de polpa, pela restrição na formação de ligações entre as pectinas da parede celular na lamela média, o que reduz a sua estabilidade (Poovaiah, 1986).

A reduzida firmeza de polpa em frutos com "bitter pit" pode ser relacionada, também, ao menor pH celular. Huber et al. (2001), em trabalho realizado com tomate, relatam que, durante o amadurecimento dos frutos, há maior expressão e atividade das enzimas PGs, relacionadas ao baixo pH (3,0–4,5) do fruto, o que gera condições favoráveis para a atuação desta enzima sobre a parede celular e reduz a firmeza da polpa.

No tecido da casca da região pistilar, os frutos com "bitter pit" apresentaram menores teores de Ca, maiores teores de K e maiores valores das relações Mg/Ca, K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca, em comparação aos frutos sem "bitter pit", em ambas as cultivares (Tabela 3). Os teores de N e Mg da casca da porção pistilar não diferiram entre frutos com e sem "bitter pit", nas duas cultivares.

No tecido da polpa da região pistilar, menores teores de Ca, maiores teores de N e maiores valores das relações K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca foram observados nos frutos com "bitter pit", em ambas as cultivares (Tabela 3). Para os demais atributos minerais da polpa, não foram constatadas diferenças significativas entre frutos com e sem a presença do distúrbio fisiológico, nas duas cultivares. De acordo com Ferguson & Watkins (1989), frutos com baixos teores de Ca e elevados valores das relações K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca apresentaram maior predisposição ao "bitter pit". Amarante et al. (2009a) relatam que o risco de ocorrência de "bitter pit" pode ser avaliado por meio de análise mineral dos frutos.

Maçãs 'Catarina' apresentaram menores valores absolutos dos teores de Ca na casca e na polpa da região pistilar, em comparação a maçãs 'Fuji' (Tabela 3), o que indica maior incidência e severidade de "bitter pit" após o armazenamento (Figura 1). Esses resultados podem ser atribuídos à maior perda da funcionalidade do xilema nos tecidos que ligam o fruto à planta em maçãs 'Catarina', em comparação a 'Fuji' (Miqueloto, 2011). Maçãs 'Catarina' também apresentaram maior crescimento em tamanho de fruto, o que pode ocasionar comprometimento da funcionalidade do xilema (Miqueloto, 2011), em virtude da elongação das células do parênquima. Como o xilema é o principal vaso condutor do Ca, ocorre redução do aporte deste mineral para os frutos. Entretanto, a funcionalidade do floema mantém-se inalterada, o que garante o transporte de K, Mg e N durante todo o período de desenvolvimento do fruto e assegura elevados teores desses minerais (Dražeta et al., 2004). Assim, há redução nos teores de Ca e, consequentemente, aumento nos valores das relações K/Ca, N/Ca, (K+Mg)/Ca e (K+Mg+N)/Ca em maçãs, principalmente na região pistilar (Ferguson & Watkins, 1989). O Ca estabelece ligações iônicas com o ânion fosfato de fosfolípideos da membrana plasmática, o que permite a manutenção de sua integridade (Freitas et al., 2010). Além disso, altos teores de K e Mg e baixos teores de Ca pode levar à competição dos primeiros elementos por sítios de ligação do Ca na membrana plasmática. Porém, tanto K como Mg não desempenham a mesma função de integridade de membranas que o Ca, o que provoca o colapso da membrana e a morte celular (Freitas et al., 2010).


Quanto aos atributos fisiológicos e físico-químicos, a ACD indicou que a força para penetração na polpa, em maçãs 'Fuji', e a AT, em maçãs 'Catarina', apresentaram a maior taxa de discriminação paralela (TDP), o que promoveu melhor discriminação entre frutos com e sem "bitter pit" (Tabela 4).

Para os atributos minerais nos tecidos da casca e da polpa da porção pistilar dos frutos, a relação K/Ca na polpa, em maçãs 'Fuji', e a relação K/Ca na casca, em maçãs 'Catarina', promoveram maior distinção entre os frutos com e sem "bitter pit" (Tabela 5). O Ca na casca e na polpa, para ambas as cultivares, apresentou baixa correlação canônica e baixa TDP, o que indica que, apesar de o Ca ser o elemento mineral diretamente relacionado à ocorrência de "bitter pit", não é o melhor atributo para discriminar frutos com a presença desse distúrbio fisiológico. Resultados semelhantes foram reportados por Benavides et al. (2002) e Amarante et al. (2006a, 2009a), que verificaram que o Ca isoladamente não é o melhor parâmetro para discriminar frutos com e sem "bitter pit", mas sim as relações K/Ca, Mg/Ca ou (K+Mg)/Ca, dependendo da cultivar.

Conclusões

1. A ocorrência de "bitter pit" em maçãs 'Fuji' e 'Catarina' está associada a menores teores de Ca, altos valores da relação (K+Mg+N)/Ca nos tecidos da casca e da polpa da região pistilar, maiores taxas respiratórias, de produção de etileno e de acidez titulável, e menor firmeza de polpa, texturas da casca e da polpa e percentagem de cor vermelha nos frutos.

2. A força para penetração na polpa e a relação K/Ca na polpa, em maçãs 'Fuji', e a acidez titulável e a relação K/Ca na casca, em maçãs 'Catarina', são os atributos que melhor discriminam frutos com e sem "bitter pit".

Recebido em 28 de março de 2011 e aprovado em 29 de junho de 2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Jul 2011

Histórico

  • Aceito
    29 Jun 2011
  • Recebido
    28 Mar 2011
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