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Práticas de gestão e feminização do magistério

Feminization of teaching

Resumos

A feminização é discutida na perspectiva de práticas administrativas, relacionadas com os processos de formação de professoras e desenvolvidas em escolas femininas a partir de 1900, no Rio Grande do Sul. Situam-se processos iniciais de formação para o magistério de primeiras letras, destacando rupturas e alterações no perfil da demanda. Conclui-se que, do atendimento a órfãs, que ocorria na Escola Normal articulada à Diretoria de Instrução Pública e cuja profissionalização estava vinculada a práticas assistenciais, os cursos de formação de professoras foram reconstituídos e passaram a ser ofertados em várias instituições e locais no estado. Essas instituições, assumindo a formação de professoras de primeiras letras, tornaram-se independentes da diretoria, vindo a constituir espaço de influência da iniciativa feminina na oferta de cursos para mulheres de camadas privilegiadas da população.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO; PROFESSORA; MULHER; ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO


Feminization is discussed in the perspective of the administrative practices, related to the processes of female teacher education, developed in women's schools, since 1900, in the Federal State of Rio Grande do Sul. We situate initial processes of formation for teaching os first letters, stressing ruptures and alterations in the profile of the demand. We conclude that the care for orphans, whose professionalization was linked with assistential practices, a fact that occurred at the Normal School, articulated with the power structure of the Direction of Public Instruction. The courses of female teacher education were reconstituted, starting to be offered in various institutions and locations in the State, which, assuming the formation of teachers of first letters, became independent from the Directory, being spaces of influence of the female initiative in the offering of courses for women of the privileged strata of the population.

HISTORY OF EDUCATION; WOMEN TEACHERS; WOMEN; EDUCATIONAL ADMINISTRATION


OUTROS TEMAS

Práticas de gestão e feminização do magistério

Feminization of teaching

Flávia Obino Corrêa Werle

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo/RS, flaviaw@unisinos.br

RESUMO

A feminização é discutida na perspectiva de práticas administrativas, relacionadas com os processos de formação de professoras e desenvolvidas em escolas femininas a partir de 1900, no Rio Grande do Sul. Situam-se processos iniciais de formação para o magistério de primeiras letras, destacando rupturas e alterações no perfil da demanda. Conclui-se que, do atendimento a órfãs, que ocorria na Escola Normal articulada à Diretoria de Instrução Pública e cuja profissionalização estava vinculada a práticas assistenciais, os cursos de formação de professoras foram reconstituídos e passaram a ser ofertados em várias instituições e locais no estado. Essas instituições, assumindo a formação de professoras de primeiras letras, tornaram-se independentes da diretoria, vindo a constituir espaço de influência da iniciativa feminina na oferta de cursos para mulheres de camadas privilegiadas da população.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO – PROFESSORA – MULHER – ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

ABSTRACT

Feminization is discussed in the perspective of the administrative practices, related to the processes of female teacher education, developed in women's schools, since 1900, in the Federal State of Rio Grande do Sul. We situate initial processes of formation for teaching os first letters, stressing ruptures and alterations in the profile of the demand. We conclude that the care for orphans, whose professionalization was linked with assistential practices, a fact that occurred at the Normal School, articulated with the power structure of the Direction of Public Instruction. The courses of female teacher education were reconstituted, starting to be offered in various institutions and locations in the State, which, assuming the formation of teachers of first letters, became independent from the Directory, being spaces of influence of the female initiative in the offering of courses for women of the privileged strata of the population.

HISTORY OF EDUCATION – WOMEN TEACHERS – WOMEN – EDUCATIONAL ADMINISTRATION

Muitos são os sentidos da expressão feminização do magistério. A maioria dos autores refere feminização indicando o expressivo número de mulheres que exercem o magistério; apoiada em dados quantitativos; incluindo argumentos que apontam prejuízos para a formação dos alunos decorrentes de tal predominância.

Tambara (1998, p.49) analisa o magistério sob a ótica do gênero, afirmando que nele ocorreu uma "feminilização" pela "identificação entre a natureza feminil e a prática docente no ensino primário", num movimento de colagem das características próprias do sexo feminino ao magistério. Para o autor, a Escola Normal foi a grande responsável por esse processo de constituição da forma feminil, envolvendo o assemelhamento da docência com trabalho doméstico, dependência e fragilidade.

Almeida (1998, p.64) utiliza a expressão "feminização do magistério primário" referindo-se à expansão da mão-de-obra feminina nos postos de trabalho em escolas e nos sistemas educacionais, à freqüência da Escola Normal e aos traços culturais que favoreceram a ocupação do magistério pelas mulheres.

Campos (2002) discutindo a gênese histórica dos cursos de formação de professores demonstra, pelo número de matriculados e diplomados nas Escolas Normais, a feminização do magistério em São Paulo. A autora situa no final do século XIX o processo de feminização da profissão de professor no Brasil, relacionando-o ao desprestígio do magistério, à sua baixa remuneração e qualificação, e ao fato de acolher moças originárias de camadas pobres da população.

Silva (2002, p.96) considera que a feminização do magistério ocorreu como luta das mulheres para se estabelecerem profissionalmente, configurando um nicho no mercado de trabalho ocupado por mulheres.

A feminização da educação básica do ponto de vista da composição do professorado é também discutida em relação à predominância numérica de professoras neste nível de ensino, como ocorre em Vianna (2002, p.51). A autora aprofunda a questão "para além da mera composição sexual da categoria", identificando significados femininos nas atividades docentes independentemente de quem as realiza e afirmando que professores e professoras têm relações e práticas escolares ligadas à feminilidade. Conclui, numa abordagem ampliada, que o sentido feminino da profissão do magistério ultrapassa o fato de a maioria dos docentes ser mulher, pelo entendimento da feminização de espaços e práticas mesmo quando ocupados por homens (p.56). Para ela o magistério é uma profissão feminina em decorrência de uma atribuição social, independentemente do sexo de quem a exerce.

Lopes discute, a partir de um referencial psicanalítico, a feminização e as características do magistério como missão, vocação e apostolado, tentando explicar a relação entre maternidade e docência.

A mulher-professora, ao assumir essa função e responder ao desejo do outro (cultural), abre mão do seu próprio desejo e faz do sacrifício a tônica da tarefa a que passa a se devotar, mesmo ao preço de sua vida pessoal, especialmente da vida amorosa ("esquecem-se de casar"). Sustentáculo da sociedade, amparo dos pequenos e que não sabem ainda, prestadora de um inestimável serviço ao outro, ela busca se identificar com uma imagem feminina, ou seja, produzir um signo indubitável de mulher, um signo que a fundiria numa feminilidade, enfim, reconhecida. (1991, p.38)

A reflexão sobre a feminização como um "equilíbrio nefasto" é trazida pela francesa Ida Berger (apud Lopes, 1991, p.30), que justifica a referência negativa pelo fato de fortalecer a influência da mulher na formação dos alunos em detrimento da paternal.

Em trabalho anterior (Werle, 1996a), utilizei a expressão feminização do magistério para indicar o processo de ocupação de espaços profissionais, especificamente o magistério elementar em classes de meninos, por parte de mulheres, a partir de diretrizes político-administrativas adotadas no estado do Rio Grande do Sul em meados do século XIX. Neste artigo, analiso como e quanto mulheres ocuparam os espaços em cursos de formação para o magistério, que proposta administrativo-curricular orientava esses cursos, focalizando portanto a formação inicial como um fator de feminização do magistério. Aponto também para um foco pouco estudado em história da educação, qual seja, a feminização de funções de direção de escola em colégios femininos mantidos por congregações religiosas. É uma análise de parte do material da pesquisa "Escola complementar: práticas e instituições", que envolve entrevistas com ex-complementaristas e consulta a documentos imagéticos e escritos para o estudo da vida institucional de três colégios femininos privados, mantidos por congregações católicas. Apenas os dados de uma das escolas são trabalhados mais detidamente para demonstrar a feminização do magistério por meio dos processos de gestão de estabelecimentos de formação de professoras.

Retoma-se o tema das iniciativas de instalação de cursos de formação de professoras no Rio Grande do Sul, destacando as características da clientela e as relações da Escola Normal com o poder político. Prossegue-se com uma discussão sobre a designação "Normal" para o curso de formação de professores, no qual a prática ocupava espaço central no processo formativo, a caracterização do Curso Complementar e sua clientela, bem como a discriminação das características de uma das escolas estudadas: o Colégio Sévigné. Discute-se, por fim, o perfil de direção das escolas femininas mantidas por congregações religiosas, formulando a hipótese de um paradigma de gestão específico, diferente do encontrado em escolas públicas no período (final do século XIX e início do século XX).

SOB LIDERANÇA MASCULINA: FEMINIZAÇÃO, ASSISTENCIALISMO E POUCA EXIGÊNCIA NA ESCOLA NORMAL

Em 1840, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul havia a intenção de criar, junto a um colégio para recolhimento de meninas desvalidas, uma Escola Normal na qual essas completariam a instrução (Schneider, 1993, p.60; Desaulniers, 1997, p.106). Essa proposta nunca se concretizou. Após muitas tentativas1 1 Há registros de que também em outros estados a criação da Escola Normal tenha sido uma empreitada cheia de tentativas frustradas (Campos, 2002, p.17; Freitas, 2002, p.142-143; Bonato, 2002, p.173). , trinta anos depois, é que foi criada a Escola Normal na Província. Assim, no ano de 1860 (Schneider, 1993, p.229), novamente é autorizado o estabelecimento de uma Escola Normal de instrução primária, anexa ao Liceu D. Afonso2 2 Ver em Kulesza (1998) a estreita vinculação entre os liceus e os cursos normais de formação de professores de primeiras letras. , a qual, por falta de professores, não chegou a ser implantada. Apenas em 5 de abril de 1869, é criado o Curso de Estudos Normais, cujo funcionamento inicia em 1º de maio, no qual seriam preparados professores de ambos os sexos para a instrução primária. Já no ano seguinte, outra lei redefine a clientela da Escola Normal: "aspirantes ao magistério público do sexo masculino".

Embora objetivando formar professores homens para atuar no magistério das primeiras letras, muitas de suas matrículas foram ocupadas por órfãs3 3 O fato de a Escola Normal atender moças órfãs também ocorria em outros estados (Campos, 1990, 2002; Demartini, Antunes, 2002; Freitas, 2002). que buscavam uma forma de se manter ao saírem do Colégio Santa Teresa, como que resgatando as intenções de 1840. Em contrapartida, seu primeiro diretor foi o padre Joaquim Cacique de Barros, que já era diretor do Colégio Santa Teresa. Portanto, no Rio Grande do Sul constata-se uma situação de feminização imediata da formação para o magistério, vinculada a promoção de moças desvalidas, muito embora a política declarada nos instrumentos legais fosse de reservar o espaço para homens.

A Escola Normal era uma instituição separada do Colégio Santa Teresa e ligada, inicialmente, ao Atheneu. Embora a figura do Pe. Cacique fosse, em ambas as instituições, de muita importância, não se pode afirmar que no Rio Grande do Sul, nesse período, as Escolas Normais fossem iniciativas "menos institucionalizadas" (Kulesza, 1998, p.68). O Colégio Santa Teresa era uma instituição assistencial destinada a acolher meninas órfãs, enquanto a Escola Normal tinha um status político-administrativo ligado à estrutura do poder provincial (Schneider, 1993, p.462-465), na qual a educação de algumas órfãs, as que mostrassem condições para o magistério, se completaria. Isto ocorria pois as iniciativas assistenciais atendiam à dimensão de formação de mulheres com um perfil capaz de se inserirem produtiva e positivamente na sociedade, tornando-se úteis a si e aos outros. Assim, tal escola favorecia a integração na sociedade de mulheres abandonadas na infância, que conquistavam um espaço de participação social e cujo compromisso estava diretamente relacionado às atividades de formação e à retribuição dos benefícios recebidos.

A Escola Normal passou por várias reformas, tanto estruturais como curriculares, o que lhe trouxe instabilidade. Enquanto diretor, Pe. Cacique, em muitos momentos apresentou resistência a tais reformas, tendo em vista a percepção4 4 "O novo regulamento porém, posto em execução a 3 de abril [1872] [...] veio interromper a marcha e colocar os professores e alunos da escola em embaraços bem sérios. [...] A variedade, porém, e a multiplicidade de matérias a estudar-se, perturba de tal sorte as idéias, que por mais robusta que seja a inteligência e feliz a memória, o talento verga-se ao peso de tanto trabalho; e tendo sido a Escola Normal concorrida sempre desde o seu principio por muito maior número de alunas do que de moços, tanto mais prejudicial se torna esta variedade de matérias de ensino, quanto o sexo feminino, se excepcionalmente tem sido mais constante, o é temporariamente, mostrando no final sua natural fraqueza" (Barros, apud Moraes, 1873, p.18-19). das possibilidades intelectuais das mulheres que a freqüentavam. A "natureza" das alunas requeria, na visão do diretor, umtrabalho menos árduo para que lhes fosse possível concluir o curso5 5 O tema da progressão das alunas no Curso Normal no final do século XIX está ainda em aberto, para o caso do Rio Grande do Sul. A Escola Normal atendeu predominantemente alunas do sexo feminino, na década de 1870 e 1880. Foi, em sua implantação inicial, freqüentada mais por mulheres do que por homens, tanto é que em 1878, nos três anos do curso, estavam matriculadas 74% de alunas (dados trabalhados a partir de Schneider, 1993, p.349). Na década de 80, permanece a predominância do sexo feminino, mas em proporção um pouco menor. A taxa média de alunas matriculadas na Escola Normal entre os anos de 1881 e de 1889 foi de 63%. Na época, pode-se dizer que feminização relacionava-se, considerando o dizer do diretor da Escola Normal, a dois objetivos: "preparar alguns mestres e também boas mães" (Schneider, 1993, p.451). Dados referentes a São Paulo indicam que, embora as mulheres se matriculassem em maior número na Escola Normal, elas alcançavam uma percentagem de conclusão muito pequena. Em 1876, 49 alunas matricularam-se no referido curso, e de 1875 a 1878, apenas 7 mulheres completaram tal curso (Campos, 2002, p.20). , em cujos objetivos incluía-se a formação para o lar. Portanto, o diretor da Escola Normal, embora aceitasse mulheres em maioria, representava-as publicamente como cognitivamente inferiores, sem condições para acompanhar um currículo mais variado e longo.

PEDAGOGIA COMO DISCIPLINA MINISTRADA POR UM HOMEM

A Pedagogia estava inicialmente vinculada à Gramática e ao ensino de Língua Portuguesa. Um homem as ministrava, compreendendo-as como disciplinas separadas, o que foi institucionalizado em 1881. Isso sugere um certo tom não feminizante da formação dada na Escola Normal neste período. A presença de Pe. Cacique como professor nas disciplinas de Pedagogia e Gramática não confirma o entendimento, bem mais contemporâneo, de que professores homens colaboravam na Escola Normal, especialmente em disciplinas vinculadas às Ciências Exatas. Em contrapartida, na Escola Elementar Anexa, onde era realizada a prática do Curso Normal, lecionava uma professora que tinha sido criada no Colégio Santa Teresa e se diplomado na Escola Normal. Assim, a Escola Elementar, como espaço de prática para os que se preparavam para ser professores, estava diretamente vinculada ao trabalho do professor de Pedagogia. Com isso se argumenta que um poder masculino, mais do que um feminino, se constituía no interior da Escola Normal e do incipiente sistema de ensino, seja pelo ensino na cadeira de Pedagogia e Gramática, seja pela origem e obrigação moral da professora da Escola Elementar em relação ao professor de Pedagogia, também diretor da Escola Normal, na qual se formara, e diretor do asilo no qual tinha sido criada. Em 1881, reorganiza-se novamente a Escola Normal em sua clientela, duração e currículo, explicitando a diferenciação de gênero. Na ocasião foi introduzido um ano de curso de preparação, seguido de três anos de Curso Normal. O preparatório habilitava para o ingresso no Normal, instituindo-se, ademais, como espaço de prática para alunos do terceiro ano Normal. Os candidatos do curso preparatório separavam-se em turmas conforme o sexo, uma para meninas e outra para meninos. Assim, a prática em escola anexa ou no preparatório atendia também à diferenciação de gênero imposta pelo poder da lei.

A Escola Normal no Rio Grande do Sul era, portanto, um espaço de formação profissional para órfãs e grupos desfavorecidos no qual foi marcante a presença masculina de seu diretor, que mediava a participação dessas órfãs no Colégio Santa Teresa, na Escola Normal e nas aulas públicas. A Pedagogia, como disciplina individualizada no currículo, se constituiu pela diferenciação da Língua Portuguesa, por influência do primeiro professor de Pedagogia do estado, Pe. Cacique.

UM HOMEM COM INFLUÊNCIA NA ESCOLA NORMAL E NO PODER PÚBLICO

Pe. Cacique foi intelectual destacado e membro do Conselho de Instrução Pública e Diretor Geral de Instrução Pública, substituindo seu titular em certos períodos (Schneider, 1993, p.463). A alternância nos cargos sugere uma certa complementaridade entre as instituições, sendo que a "Escola Normal constituiu-se um objeto de disputa muito importante entre os vários representantes do campo do poder" (Desaulniers, 1997, p.109).

Referindo-se à autoridade e poder da Escola Normal, o diretor de instrução pública da província assim se manifestava em relatório datado de 1886: "temos o Estado dentro do Estado. [...] causa admiração a preponderância exclusiva com que (se) dotou a Escola Normal" (Couto, apud Schneider, 1993, p.432 e 467). Eram críticas referidas ao fato de os professores da Escola Normal tomarem parte na direção geral do ensino e em remoções, transferências, suspensão de exercício de cadeiras, processos disciplinares, gratificações, jubilações, vitaliciedade e fornecimento de materiais para as escolas. A situação da província não era por certo diferente da forma de administrar a educação nas demais províncias brasileiras. Pelo Decreto Federal 981, de 8 de agosto de 1890, que aprova o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, da composição do Conselho Diretor de Instrução fazia também parte o diretor da Escola Normal (Brasil, 1890).

A Escola Normal no Rio Grande do Sul, em seu início, por influência de destacado religioso e homem público, profissionalizava as mulheres que a ela acorriam, vinculando-se diretamente às estruturas de poder e tinha ingerência na atribuição de cadeiras públicas, sendo, de fato, e a um só tempo, instituição com poder de formação e de colocação profissional. Era uma escola que incluía como alunas, mulheres discriminadas socialmente, e que estava vinculada ao filantropismo, tanto pelas obras de seus fundadores como pela incorporação deste no habitus de suas alunas. Vale lembrar que o filantropismo, na ausência de mecanismos sistemáticos de financiamento da coisa pública, era importante estratégia de sustentação de ações do Estado ou de iniciativas voltadas para o bem comum.

De qualquer forma, a captação de moças órfãs para a Escola Normal e, portanto, para ocupar funções no magistério de primeiras letras, relaciona-se ao trabalho de Pe. Cacique que desempenhou um papel fundante na formação de professoras para o magistério no Rio Grande do Sul e teve um histórico pessoal de benemerência e assistencialismo.

O poder público da época adotava estratégias discursivas e de convencimento, reafirmando a importância de recorrer às "professoras habilitadas pela Escola Normal", para suprir as cadeiras do sexo masculino vagas por falta de professores homens. A sociedade da época deveria ser convencida das vantagens de mulheres, e não homens, ensinarem as primeiras letras aos meninos. Pela argumentação de agentes do governo, a representação da mulher-professora se fazia pela sua infantilização e "maternagem"6 6 Domesticidade e maternagem são os dois fundamentais eixos pelos quais as mulheres são socializadas (Rosemberg, Amado, 1992). A maternagem, implicando características como carinho, atenção, amor, presidindo as relações menino e professora, precisava ser destacada como substituta legítima da relação autoritária, dominadora e patriarcal do professor homem de classes elementares masculinas. Sobre quando o espaço da casa se incorpora à instrução pública e como tal é indiretamente inspecionado quanto a limpeza e condições de ordem, ver discussão com dados empíricos referentes à instrução pública do Rio Grande do Sul em Werle, 1996a. associadas à dedicação, amor, carinho e doação.

Há mais semelhança nas duas naturezas infantil e feminina. A inocência, a curiosidade, a bondade, o sentimento, as lágrimas, os sorrisos e até a voz, tudo se harmoniza na mulher e no menino. Todas as leis do coração levam o menino para a mulher e não para o homem; e que admira isto, se foi nas entranhas femininas que ele recebeu já uma ante-vida. (Villanova, 1877)

Portanto, os processos de formação inicial eram uma das faces da feminização do magistério. Ao lado deles, os agentes da política educacional atuavam construindo discursos de sentido feminizador para atrair alunas para a profissão, remunerando-as diferenciadamente, para menos, em relação aos professores homens. Em tais discursos destaca-se o sentido de domesticidade e maternagem associado às mulheres professoras para instituí-las neste espaço público. No período de instalação da Escola Normal, entretanto, não encontramos registros que indiquem no currículo sinais de domesticidade e maternagem. O proferimento feito pelos governantes era uma forma de dar significado e construir a imagem de professora nessas duas dimensões.

DESIGNANDO "NORMAL" A ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

"O Conselho de Instrução Pública compõe-se: do Diretor Geral, que presidirá as conferências; dos lentes e professor de desenho da Escola Normal" (Regulamento do ensino público primário de 21 de abril de 1881, apud Schneider, 1993, p.469). Os responsáveis pela preparação dos professores estavam, por obrigação moral, "a par de todo o progresso em matéria de ensino, [...] e com mais probabilidades de acertarem, resolverem todas as questões que se prendem à instrução popular" (Schneider, 1993, p.469). Nesta argumentação transparece o sentido de escola modelo7 7 "...o primeiro ministro francês Lakanal as designou com o nome de Escolas Normais porque eram as escolas que davam a 'norma' docente, ou seja escolas como as demais primárias, porém modelos em que a outro nível se estudava a norma didática que haviam de seguir os que queriam dedicar-se ao ensino de crianças. Ou seja, escola dedicada total e unicamente a estudo da norma, do guia, da forma e procedimentos mais adequados para, prévio conhecimento da criança e da escola, saber instruir e educar as crianças da melhor maneira" (Guzmán, 1986, p.17-18). , de instituição que dá a norma, o que também dá margem a uma associação estreita entre a Escola Normal e a hierarquia da Instrução Pública. O conhecimento e a competência prática do corpo docente dava respaldo para que a escola fosse considerada a instituição que detinha, definia e assegurava a educação elementar em sua norma e melhor forma. O capital simbólico dos professores da Escola Normal assegurava a posição decisória na estrutura do estado e legitimava sua ação docente. A Escola Normal era uma instituição que condensava o saber-fazer pedagógico tanto num nível micro, o que exigia sua vinculação a aulas elementares, como num nível macro, vinculando-se a estruturas da administração da instrução pública estadual.

A Escola Normal oferecia "um padrão" pelo qual se deviam avaliar as habilitações necessárias para o exercício do magistério público elementar. Para o diretor da Escola Normal, em 1890, as aulas regidas pelos professores normalistas deveriam constituir uma "verdadeira Escola Tipo" para que nelas os alunos pudessem praticar, diariamente, como auxiliares dos respectivos professores e onde também fossem preparados "nas disciplinas indispensáveis ao mínimo de conhecimentos que deve ter todo o cidadão" (Schneider, 1993, p.452). O costume de associar aspirantes a professor a um docente em exercício na condiçãode adjunto, era uma estratégia institucionalizada de formação do professor para a instrução pública e um reconhecimento concreto da prática como espaço de formação.

Almeida (1995), revendo a trajetória da Escola Normal paulista, enfatiza a diminuta posição, no currículo, de componentes diretamente vinculados ao estudo da Pedagogia, concluindo que o aspecto profissional ficava relegado ao segundo plano. Pelo que foi exposto, é possível formular hipótese diferente, relacionada à importância da prática como elemento formativo e diminuta elaboração teórica de conteúdos relacionados ao ensino8 8 Ver discussão mais aprofundada do papel da prática na formação do professor em Werle, 2003, 2003a. . Os dados parecem indicar que a prática na aula elementar e o ambiente formativo da Escola Normal tornavam desnecessário ampliar o currículo com disciplinas referentes à Pedagogia, a qual também não era diferenciada suficientemente em termos de conteúdos teóricos e estava ligada ao ensino da língua nacional.

FEMINIZAÇÃO E ASSISTENCIALISMO NO MAGISTÉRIO DA ESCOLA NORMAL

À Escola Normal acorreram jovens pobres, recolhidas da roda dos expostos, excluídas da sociedade, que, ao concluírem o curso, assumiam uma cadeira pública. Assim passavam a ter condições de sustento próprio e contribuíam para a manutenção de outras jovens de mesma condição na Escola Normal, destinando parte de seus proventos para que órfãs pudessem preparar-se para o magistério, bem como sustentando outras obras de benemerência na província. O Curso Normal não era gratuito; em 1881, é reforçada a proposta de facilitar a formação de professores para classes mais desfavorecidas – órfãos, filhos de professores e outros funcionários públicos pobres – por meio de isenção de taxas.

Esta relação inicial da Escola Normal com mulheres marginalizadas da sociedade e com a prática da caridade decorria da influência de Pe. Cacique, cujo sobrenome "de Barros" passou a ser também usado pelas asiladas. Usar o sobrenome "de Barros", de alguma forma marcava uma identidade e origem de exclusão social, significava compromisso de apoiar obras de caridade dando continuidade à benemerência do Pe. Cacique, o qual fundara também, auxiliado pelas asiladas do Colégio Santa Teresa, outros recolhimentos.

Portanto, no período de instalação da escola de formação de professoras no Rio Grande do Sul, mulheres marcadas pela exclusão social é que ocuparam as vagas da Escola Normal e lecionaram em escolas elementares públicas. Esses elementos de diferenciação e exclusão caracterizaram a feminização do magistério na província. Marcado pela gratidão e dívida para com a sociedade, era um magistério devedor, que retribuía os favores recebidos ministrando ensino em escolas públicas.

Estes fatos sugerem hipóteses que, ao mesmo tempo, explicam e produzem a baixa remuneração e a escassa valorização social da professora de primeiras letras. Embora a direção da Escola Normal estivesse envolvida na administração da instrução pública da província, não havia procura de aulas vagas por parte de outros segmentos sociais. As aulas vagas não eram disputadas nem por candidatos homens nem por mulheres oriundas de classes mais abastadas. É provável que o encaminhamento de mulheres pobres para a Escola Normal e o posterior ingresso delas no magistério, isento de exames de seleção, bem como a vinculação da escola à estrutura de poder provincial, possam explicar os motivos9 9 Hipótese diferente é apresentada por Venturini (1997, p.219), que relaciona a demissão do Pe. Cacique da Escola Normal a "uma série de conflitos com o corpo docente". das desavenças que levaram o Pe. Cacique a deixar a Escola Normal no final da década de 1870. Ele não apenas abandonou seu trabalho de formação de professoras, como também as asiladas do Colégio Santa Teresa deixaram de freqüentar a Escola Normal. Estas, para se manter, dedicaram-se daí por diante a atividades de costura e não mais disputaram sistematicamente as vagas da Escola Normal.

ESCOLA COMPLEMENTAR: ATENDIMENTO A JOVENS DE CLASSES MAIS ABASTADAS

Em 1906, foram criadas, no Rio Grande do Sul, Escolas Complementares10 10 As Escolas Complementares cumpriram importante papel no magistério no Rio Grande do Sul, até 1946, tendo formado professoras, profissionais que ocuparam cargos na hierarquia do sistema de ensino do estado, quando neste se intensificaram os processos de especialização, diferenciação e hierarquização (a partir dos anos 40). Acerca do Curso Complementar, Campos, 2002, p.32 ss, citando Tanuri, afirma que nas escolas complementares a presença de homens era muito pronunciada. Este dado não encontra paralelo no Rio Grande do Sul. em substituição aos Colégios Distritais, atendendo a alunos que se mostravam habilitados nas matérias do curso elementar, com o objetivo de desenvolver e aprofundar o ensino desse nível e de preparar candidatos ao magistério público primário, mediante estratégias de caráter privativo e profissional. Era um tipo de escola graduada, pois poderia ter vários professores segundo as seções em que o curso fosse dividido. O Curso Complementar não estava vinculado às estruturas de poder que intervinham politicamente na instrução pública da região, no que se diferençava da antiga Escola Normal. Embora formasse para o magistério público primário, não levava o nome de Escola Normal, tendo sido predominantemente desenvolvido, no Rio Grande do Sul, em instituições mantidas pela iniciativa privada11 11 Em 1930, o poder público tinha criado e mantinha diretamente uma Escola Normal e seis Escolas Complementares (Mensagem enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul pelo Presidente Getúlio Vargas, apud Corsetti, 1998 , p.296). Em 1943, estavam arrolados como escolas de formação de professores no Rio Grande do Sul 25 estabelecimentos de ensino: 7 oficiais, incluindo um Instituto de Educação, 3 Escolas Normais e 3 Escolas Complementares, 15 escolas equiparadas particulares e 3 Escolas Normais Rurais (Relatório, apud projeto de pesquisa Escola Complementar: práticas e instituições). Havia portanto, excluindo as Escolas Normais Rurais e os Institutos de Educação, cinco vezes mais Escolas Complementares privadas do que públicas. Cabe referir também que "no estado do Rio Grande do Sul, [...] sua Constituição vetava a existência de estabelecimentos de ensino secundário estaduais" (Amaral,1999, p.149). .

O ensino privado para mulheres era, na maioria das vezes, ligado a uma ordem religiosa12 12 No Rio Grande do Sul, as ordens religiosas chegaram na segunda metade do século XIX. que definia, em seu ministério, a educação. As Escolas Complementares foram ligadas a ordens religiosas femininas oferecendo educação para meninas de classes mais abastadas da sociedade. As Escolas Complementares no Rio Grande do Sul foram predominantemente um espaço de formação da elite feminina da região, pertencente ao sistema de ensino, mas cuja direção era independente da hierarquia do sistema, ainda que atendesse às normas legais. Sendo internatos – embora também mantivessem o regime de externato –, configuravam-se como instituições totais, controlando todos os espaços da vida pessoal e todos os momentos do dia das alunas.

COLÉGIO SÉVIGNÉ

O Colégio Sévigné13 13 O nome do Colégio tinha inspiração na escritora francesa do século XVII, Marie de Rabutin Chantal, Marquesa de Sévigné, que nasceu em Paris, no ano de 1626. foi fundado em 1900, por Emmeline Courteilh, esposa do agente consular da França, que no mesmo ano, publica no jornal local:

CURSOS ELEMENTARES E SUPERIORES, DIVIDIDOS EM SEIS ANOS

A instrução da mulher, por muito tempo desprezada, é hoje considerada como parte importante de sua educação. É pois necessário começar desde a infância esta instrução indispensável, ministrando às meninas conhecimentos claros, simples e atraentes, permitindo-lhes adquirir gradualmente noções exatas, base de todo o ensino completo. Uma experiência de muitos anos, convenceu a diretora de que um curso graduado em seis anos, compreendendo um racional sistema de estudos, satisfaria a estas condições. Recebem-se desde já alunas pensionistas, semi-pensionistas e externas. O prédio onde funciona o Colégio, um dos mais vastos edifícios de Porto Alegre, contém grandes salas, vastos dormitórios, assim como espaçosos jardins e páteos cobertos, especialmente apropriados ao recreio das crianças. A instrução religiosa, a pedido dos pais, é dada duas vezes por semana. Um médico assiste constantemente ao estabelecimento. Os cursos são confiados a hábeis professores. Para mais informações queiram os Srs. Pais ou encarregados dirigir-se a mim E. Courteilh, diretora do Colégio Sévigné, a rua Duque de Caxias n. 253 (Porto Alegre).

PROGRAMA DOS ESTUDOS

1º ANO – Leitura, Caligrafia, Lições de Coisas, Geografia elementar, Aritmética, Francês, Ginástica, Trabalhos de agulha e Canto.

2º ANO – Leitura variada, Caligrafia, Ditado, História do Brasil, elementos de Ciências Naturais, Geografia, Aritmética, Francês, Ginástica, Trabalhos de agulha e Canto.

3º e 4º ANOS – Gramática, Sintaxe, Literatura, Historia Universal, Geografia, Ciências Físicas e Naturais, Francês, Desenho, Trabalhos de agulha e Solfejo.

4º e 5º ANO – História Universal, Geografia Universal, Aritmética, Geometria, Álgebra, Física e Química, História Natural, elementos de Astronomia e de Geologia, Economia Doméstica, Pedagogia, Francês, Solfejo, Desenho e Corte.

TAMBÉM SE LECIONA ALEMÃO; INGLÊS, PIANO, VIOLINO E CYTHARA.

O colégio recebeu imediatamente alunas filhas de famílias residentes em Porto Alegre e do interior.

A não ser a referência de que nos 4º e 5º anos do currículo havia a disciplina Pedagogia, não se encontraram outros registros que detalhassem as estratégias de formação da professora. Além da disciplina Pedagogia, provavelmente ministrada pela própria Madame Emmeline, não há outros registros referentes ao ensino de procedimentos pedagógicos. Essa formação ocorreu por diversos anos, preparando as alunas para prestar exames na Escola Normal do estado. Identifica-se, pelas disciplinas do currículo, uma proposta clara de formação de caráter intelectual, bem como de formação da mulher pela inclusão dos trabalhos voltados à economia doméstica e à educação musical.

É explícita a preocupação com o atendimento aos interesses dos pais e o afinamento entre a orientação religiosa das famílias e do colégio.

PRESENÇA FEMININA NA CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DO COLÉGIO

Madame Courteilh convida, em 1904, religiosas da congregação de São José de Chambéry a trabalharem no colégio. Das sete religiosas convidadas, cinco eram francesas de nascimento. Assim, quando, em 1906, o casal Courteilh retorna à França, a direção do colégio passa para as religiosas sem que esse fato tenha significado abandono às origens da escola, pautada pela cultura francesa.

O Colégio Sévigné ofereceu, desde sua fundação, o curso de primeiras letras e o de preparação para os exames de professor que eram prestados na Escola Normal. O Jardim de Infância foi fundado em 1930 e o Curso Complementar começou a funcionar em 1927. No colégio funcionaram também, conforme o período e a legislação vigente no sistema educacional brasileiro, os cursos ginasial, clássico e científico, e de formação de professores – Complementar, Normal e Magistério.

Localizado no centro da cidade, na mesma rua da Catedral Metropolitana, Palácio do Governo e Assembléia Legislativa, o Colégio logo teve grande procura. Em 1906 contava com 70 alunas e, em 1910, tinha um número bem maior de matrículas correspondendo a 142% de aumento em relação ao primeiro período referido.

MUNICIPALIZAÇÃO E ESTADUALIZAÇÃO: COLÉGIOS FEMININOS E MASCULINOS INTEGRADOS PELO PODER PÚBLICO

No final da década de 1920 houve alterações na educação brasileira que levaram o Colégio Sévigné a sofrer profundas mudanças administrativas. Em decorrência de lei que reservou a equiparação das escolas secundárias ao colégio D. Pedro II apenas às instituições estaduais, o Colégio terminou passando para o poder público.

O Ginásio Municipal de Porto Alegre havia sido criado com duas seções, uma destinada ao sexo masculino, então a cargo do Ginásio Anchieta e outra de sexo feminino, ocupada pelo Ginásio Bom Conselho. Em 12 de julho de 1928, pelo fato de os Colégios Anchieta e Bom Conselho terem passado a constituir o Ginásio Estadual, o intendente de Porto Alegre decreta a municipalização do Colégio Sévigné. Assim, em julho de 1928, ele é municipalizado e anexado ao Ginásio Municipal como seção feminina, com a designação Ginásio Municipal Feminino Sévigné, regido administrativamente por estatuto próprio, mas obrigado a atender às condições exigidas pelo Departamento Nacional de Ensino e sob controle do município.

Em dezembro do mesmo ano, por ato do governo estadual, o colégio foi equiparado às Escolas Complementares do Estado, o que permitia às alunas nele formadas ingressar diretamente e sem concurso, no magistério de escolas públicas elementares. O Curso Complementar funcionou a partir de 1927, quando o Colégio Sévigné foi elevado à categoria de Escola Complementar. Ser elevado a esta categoria implicava submeter-se às normas do sistema de ensino: todos os exames das disciplinas do curso complementar deveriam ser assistidos e fiscalizados por professores estaduais, designados pelo Secretário do Interior e Exterior.

Em 1928, mais um momento importante e que demonstra a credibilidade do ensino nele ministrado: o Colégio é equiparado ao Colégio D. PedroII, do Rio de Janeiro. A partir de 1930, passa a fazer parte da instância estadual como externato do Departamento Feminino do Ginásio Estadual do Rio Grande do Sul.

Em 1931, o Colégio passa a ser o Ginásio Feminino do Externato do Ginásio Estadual do Rio Grande do Sul, permanecendo vinculado ao Colégio do Estado até 1944. Cada colégio constituía um departamento do Ginásio Estadual14 14 A estadualização vinculava quatro colégios: Colégio Anchieta, escola masculina fundada, em 1890, pelos jesuítas; Colégio Bom Conselho, escola feminina, fundado em 1905 pela Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã; Colégio Nossa Senhora do Rosário, fundado por Irmãos Maristas, em 1904, além do Colégio Sévigné fundado em 1900. . O departamento feminino externato era ocupado pelo Colégio Sévigné, o departamento feminino internato, era ocupado pelo Colégio Bom Conselho, o masculino externato, era ocupado pelo Colégio Nossa Senhora do Rosário e o masculino internato, pelo Colégio Anchieta.

Quando estadualizada, a escola gozava dos privilégios de reconhecimento de seus atos curriculares, mas devia pagar taxas, tanto para a instância estadual como para a federal e era inspecionada, quanto ao prédio e atos pedagógicos e administrativos, por inspetores públicos. As professoras do Sévigné eram nomeadas para exercerem o magistério no Ginásio Estadual, mesmo que nele já trabalhassem ou que fossem religiosas. Esta presença autoritária do poder público no período de aproximadamente 14 anos em que o Colégio Sévigné esteve subordinado à instância estadual e à federal, não está entretanto registrada na história que a escola sistematiza acerca de si mesma. Nela também está informada apenas a presença de diretoras mulheres embora, no período em que o colégio foi municipalizado e estadualizado, tenha havido diretores homens do Ginásio Estadual, ao qual o Colégio pertencia. A escola retém, nos seus registros alterações de cursos e de condição administrativa; sendo um colégio mantido por religiosas católicas reitera que, de 1900 a 1906, foi dirigido por sua fundadora, leiga, passando daí em diante para a administração da congregação, ou seja, mantém o nome de mulheres na condição de ex-diretoras, leigas ou religiosas, mas omite o de homens que ocuparam cargos administrativos no Colégio Estadual do qual o Sévigné era um departamento. Por outro lado há que registrar o encobrimento da figura feminina fundadora do Sévigné em Relatório15 15 Há registros, em um dos relatórios publicados do Ginásio Municipal Feminino Sévigné, de que o colégio tinha sido fundado não por Madame Emmeline, mas por seu marido (Relatório de 1928, p.3, acervo do Colégio Sévigné). do colégio, datado de 1928. Isto pode indicar, por um lado, quanto o poder público da época tinha dificuldade de lidar com uma situação de iniciativa feminina no âmbito do sistema educativo do estado e, por outro, que o anúncio de 1900 teria crédito perante a comunidade, apenas quando avalizado por uma mulher, visto que a proposta era de um colégio feminino e que a liberdade de ensino assim o permitia. A força da presença feminina desde a fundação, entretanto, é marca nesse colégio.

O PARADIGMA FEMININO DE ADMINISTRAÇÃO

Um colégio que se mantém por 105 anos, a maior parte dos quais administrado por mulheres religiosas – em apenas 12% deste período havia diretoras leigas –, sugere a existência de um paradigma de administração feminino profundamente impregnado do religioso. As diretoras eram chamadas "Madre Superiora" e mantinham uma imagem de autoridade e liderança, sendo figuras públicas atuantes, respeitadas e visíveis na comunidade local e nacional. Madre Superiora, entretanto, também significava mãe, embora numa dimensão distanciada do sentido de maternagem e domesticidade (Rosemberg, Amado, 1992). O colégio comemora o aniversário da Madre Superiora (Alcântara, 2000, p.73), o que demonstra a proximidade entre as alunas e a diretora.

O livro Histórias do Sévigné Centenário 1900-2000 traz vários depoimentos de ex-professoras e ex-alunas. Nele as menções às diretoras do colégio referem a sua cultura, dignidade, alegria, humanidade, sabedoria, firmeza, energia, serenidade, compreensão, afetividade e autoridade. Possivelmente não eram modelos de maternagem, mas de competência, inteligência, e lucidez que as diretoras, "Madre Superiora", transmitiam às alunas. A feminização da formação das professoras ocorria também pelas funções administrativas. Mulheres administravam o colégio realizando todas as tarefas necessárias ao seu funcionamento: direção, portaria, secretaria, finanças, ensino – embora homens também atuassem como professores –, serviços de cozinha, lavanderia, dentre outros. A importância do papel feminino das religiosas na expansão e construção da identidade do colégio pode ser identificada pela orientação que Madre Louise Gabrielle imprimiu na época da construção da capela, em 1938, colaborando no desenho das estruturas góticas de seu interior (Histórias..., 2000, p.118). Certamente esta não era uma tarefa vinculada à maternagem e domesticidade. Construção e desenho de prédios eram predominantemente vinculados ao masculino, entretanto, no caso em estudo, eram feitas por uma mulher, trazendo com isto um certo modelo de feminização do magistério para as alunas ali formadas.

Vale lembrar que no âmbito da instrução pública, em especial em funções ligadas à hierarquia do sistema, havia uma exclusividade masculina. Mulheres eram aceitas para as séries iniciais da escolarização pública, mas não para ensinar em níveis mais adiantados. Os colégios femininos constituiram-se de forma diversa pois as funções pedagógicas e as administrativas eram desenvolvidas por mulheres.

As funções docentes eram também ocupadas por religiosas e, em alguns casos, por leigos, como os inspetores federais e fiscais de ensino e alguns professores, em geral, de ciências exatas. Apenas na época de Madame Courteilh é que professores homens lecionavam Português, Matemática, História e Geografia, até pela necessidade de comunicação em língua portuguesa, embora não fosse Madame e sim Monsieur Courteilh que lecionasse Francês.

O PARADIGMA DE FORMAÇÃO

As Escolas Complementares privadas, como o Colégio Sévigné, educavam meninas de famílias de elite, mediante um paradigma administrativo de caráter religioso feminino e sua formação era pautada na pedagogia do exemplo e no controle disciplinar, muito referenciada ao campo religioso16 16 A vinculação entre formação da professora e Igreja Católica ocorria também em estabelecimentos públicos laicos, como assinala Cunha (2002, p.128, 130, 135). .

Os cursos de formação de professoras em escolas privadas se desenvolveram sob um modelo de instituição total (Histórias..., 2000, p.109-114), realizado em internato, semi-internato e externato. Na forma de internato, constituíram uma proposta de formação integral de mulheres da sociedade da época, pela reclusão, separação referente a processos sociais mais amplos e confinamento em um espaço escolar predominantemente feminino, em que a figura masculina ingressava eventualmente como médico, confessor ou professor.

As alunas eram tratadas com respeito mas sob controle. Delas era exigida compostura no vestir, separação dos valores mundanos – penteados simples, unhas sem esmaltes fortes (Histórias..., 2000, p.40, 44 e 98). Na escola era vedado o uso de pentes e maquiagem (p.118). A vigilância plena implicava que uma religiosa acompanhasse inclusive as alunas na rua, nas proximidades da escola, até à esquina, como "guardiã da adolescência" (p.106). As alunas eram impedidas de exibir seu status sob qualquer forma: jóias, penteados, futilidades.

Os dados obtidos permitem identificar a orientação propedêutica da formação da professora, articulada à formação religiosa e a uma atitude de responsabilidade e compromisso social.

ELEMENTOS CONCLUSIVOS

Entre a criação da primeira Escola Normal no Rio Grande do Sul, até a sua implantação, decorreram 30 anos. Ainda que no início a Escola Normal devesse formar professores homens, muitas de suas matrículas foram ocupadas por órfãs que buscavam a profissionalização ao sair do asilo. A primeira Escola Normal fez parte, portanto, de estratégia de integração, na sociedade rio-grandense, de mulheres abandonadas na infância, que assim conquistavam um espaço de participação e possibilidades de auto-sustentação, mas que mantinham dívidas para com a sociedade, retribuindo-as, ao destinar parte de seus vencimentos, à formação de outras moças desvalidas. Nessa escola uma figura masculina de forte atuação: o professor de Pedagogia e diretor da escola, um padre, que também desempenhava, na época, funções na Diretoria de Instrução Pública.

A primeira Escola Normal no Rio Grande do Sul era portanto, um tipo de "orfanato avançado", e um espaço de preparação para o posicionamento útil e independente de moças na sociedade, onde a feminização, assistencialismo e inserção social se articulavam. Por um período de tempo esta escola foi lugar de acolhida da pobreza e da orfandade. Pode-se dizer que, em intenção, a Escola Normal nasceu masculina, tornando-se em seguida mista para, não muito depois, configurar-se como predominantemente feminina. Esse movimento de feminização está relacionado com a característica de escola intelectualmente pouco exigente segundo normas legais e, em sua fase inicial, com uma instituição pública, porém não gratuita. A possibilidade de saber mediante ampliação, aprofundamento e diferenciação de disciplinas, era cuidadosamente controlada para as mulheres, em especial no início da implantação da Escola Normal, uma vez que também os discursos dos governantes e do diretor da escola, contribuíam para a representação de "natural debilidade das mulheres". No currículo, os conteúdos relacionados à domesticidade foram em parte, e progressivamente acolhidos. A partir de 1946, a Lei Orgânica do Ensino Normal, fornecendo definições de âmbito nacional para os processos de formação de professores, alterou profundamente a proposta de formação do magistério, possibilitando oferecer, mediante o desdobramento da disciplina Pedagogia em conteúdos específicos, conhecimentos técnico-científicos ao trabalho docente.

A Escola Normal no Rio Grande do Sul fez parte inicialmente da hierarquia e do poder educacional. O Curso Complementar rompe com as orientações preliminares da formação do professor. Quando se tornou espaço concorrente de formação do magistério, esta expandiu-se e passou para o âmbito de instituições privadas as quais, no início do século, não eram cooptadas pelo poder estadual, mas com ele conviviam, colaboravam e por vezes a ele se submetiam. Considerando os processos de equiparação, municipalização e estadualização, pode-se dizer que o poder estadual se institui por meio dessas instituições, sem lhes atribuir poder de decisão. Na forma de Curso Complementar a formação de professoras em instituições privadas assume características de educação das elites femininas e não mais de acolhida de órfãs. A formação para o magistério em escolas privadas mantidas por congregações religiosas era exigente, com ênfase em conteúdos propedêuticos, objetivando a educação da vontade e do caráter sóbrio. As religiosas eram modelos para as alunas e constituíam silenciosa vigilância.

A feminização em escolas mantidas por congregações religiosas perpassava a administração. As diretoras eram personalidades públicas que interatuavam com as propostas governamentais acolhendo-as, o que dava às instituições femininas visibilidade no sistema educativo. Constituíam um paradigma de administração feminino de inspiração religiosa, com base em sua dedicação, inteligência, sabedoria, continuidade administrativa e autoridade. As diretoras dos colégios femininos não configuravam uma imagem de "maternagem" e infantilização da mulher. Ao contrário, formavam as alunas-mestras com uma conduta baseada na austeridade, respeito, ética, simplicidade com requinte e atenção. As diretoras das escolas femininas foram mulheres pioneiras na administração da educação; davam testemunho do exercício do magistério não como atividade paralela a outras, mas como atividade central em suas vidas, diretamente vinculada à opção religiosa. Demonstravam que as mulheres poderiam ocupar vários cargos em instituições educacionais, exercendo, além da atividade docente, posições administrativas e de destaque em colégios privados de grande porte pelo número de alunas e reconhecidos pela qualidade do ensino ministrado.

Esta característica – mulheres diretoras de escola exercendo tal função desde o final do século XIX – presente em colégios femininos mantidos por congregações religiosas, evidencia um elemento diferenciador na discussão das relações de poder e gênero na gestão educacional. Vianna, pesquisando professoras paulistas, afirma que, embora o magistério seja predominantemente feminino, são os homens "alçados a posições de controle e prestígio, mesmo se não têm esse objetivo ... [homens] assumiram cargos com relativo poder, ocuparam postos de direção nas escolas e foram indicados como representantes e diretores de categoria no sindicato" (2002, p.58). Demartini e Antunes (1993), também analisando a realidade da escola pública paulista, identificam a ascensão na carreira e oportunidades de promoção como privilégios facilmente alcançados pelos professores homens, do que decorria que as mulheres, em geral, se aposentavam no exercício da docência, em atividade de sala de aula.

No caso de escolas femininas mantidas por congregações religiosas, inexistem barreiras invisíveis interpostas por homens que almejam ou estão na hierarquia, chamadas "teto de vidro", imagem construída por Williams, citado por Vianna (2002), o que nos leva a formular uma hipótese explicativa para o fato de mulheres exercerem a direção de escolas de porte, já no final do século XIX e início do século XX. Ora, toda a hierarquia a que as religiosas professoras estão vinculadas era a da congregação, exclusivamente composta por mulheres. Portanto, em escolas femininas mantidas por estas congregações, as mulheres sempre tiveram acesso a posições de direção. Promoções, remoções, exercício de cargos administrativos e de controle entre escolas e obras da congregação, estavam diretamente ligados a necessidades das referidas obras e aos votos de obediência a que, como religiosas, se submetiam. Essas instituições escolares dirigidas por mulheres instituíam um ambiente que legitimava poderes construídos e compartilhados entre religiosas. É a este espaço de gestão escolar ocupado por mulheres que este texto dá visibilidade. Ademais, a necessidade de conciliar atividades do magistério e compromissos domésticos – com filhos e marido –, a busca de estabilidade no emprego e o interesse por um período de férias mais longo, não eram argumentos produtivos e mobilizadores do trabalho feminino dessas religiosas, que exerciam o magistério e a gestão em escolas femininas em articulação direta com a vocação religiosa.

Bonato, discutindo a criação, em 1876, das duas escolas normais do Município da Corte, uma para rapazes e outra para moças, indica a estrutura de pessoal de cada uma. A Escola Normal para o sexo feminino, que foi criada e deveria ser mantida pelo poder público, deveria ter seu pessoal nomeado por decreto imperial, funcionava sob a forma de internato para moças, contando com o seguinte pessoal administrativo:

...uma diretora, uma amanuense servindo de secretária; uma amanuense servindo de bibliotecária e arquivista; uma mordoma; uma porteira; uma contínua; três bedéis e inspetoras de alunas; serventes e criadas necessárias; toda essa equipe composta por mulheres. Porém, duas funções restritas somente a homens: um médico e um capelão, sendo também este último o professor de instrução moral e religiosa. (Bonato, 2002, p.172)

Portanto, verifica-se que, embora o material empírico explorado neste texto ofereça comprovação de que a gestão em escolas femininas de congregações religiosas fosse espaço privilegiado de mulheres, ocorrendo a feminização da gestão escolar, também em escolas públicas apenas femininas esta exclusividade se fazia presente.

Maternagem e comportamentos que fomentassem a infantilização da mulher eram desestimulados junto ao corpo discente de colégios femininos mantidos por ordens religiosas. As alunas eram coibidas em suas manifestações de extravagância, frivolidade, luxo, vaidade e impedidas de acompanhar a moda no vestir-se, pelo uso de uniformes, devendo manter uma aparência cuidada, agradável, limpa e saudável, mas desprendida de mundanidade. A escola era um espaço em que se articulavam a educação de leigas, a clausura e a congregação religiosa. Nele, a descrença, o desânimo e a falta de responsabilidade não tinham lugar; ao contrário, a formação se dava pelo exemplo e imagem de esforço, conhecimento e dedicação.

A Escola Complementar era um ambiente profundamente impregnado pela presença feminina. Perpassava-a uma proposta formativa que objetivava, não um perfil profissional genérico, referido a uma "profissão neutra do ponto de vista do gênero"17 17 Tomei emprestada a expressão de Bruschini e Amado (1988, p.10), as quais, ao analisarem pesquisas feitas sobre o magistério, escolha da carreira e escolas normais, constatam que, embora fique evidente a preponderância feminina para os autores e autoras dos trabalhos, estes, pelas omissões, falta de discussão e análise de dados empíricos, não evidenciam a questão de gênero, mesmo reconhecendo a maioria de mulheres no magistério. , mas a formação de uma aluna-mestra. Aquela que concluía o Curso Complementar, era intencionalmente formada para ser uma mulher/professora. Uma mulher/professora comprometida com os demais, que tivesse a atenção, a ética do cuidado e a responsabilidade18 18 Tomo como base as idéias de Carol Gilligan (cf. discussão em Dietz, 1999, Mouffe, 1999), que propõe "perspectiva maternalista", identificando estes valores (atenção e amor, responsabilidade, ética do cuidado, compromisso, que pautam o comportamento feminino) como fundados na experiência das mulheres como mulheres experiência da maternidade –, os quais se tornam fundantes de seus comportamentos em espaços públicos, humanizando a participação feminina na sociedade. orientando suas relações com os outros e o exercício do magistério.

Recebido em: fevereiro 2003

Aprovado para publicação em: maio 2005

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  • 1
    Há registros de que também em outros estados a criação da Escola Normal tenha sido uma empreitada cheia de tentativas frustradas (Campos, 2002, p.17; Freitas, 2002, p.142-143; Bonato, 2002, p.173).
  • 2
    Ver em Kulesza (1998) a estreita vinculação entre os liceus e os cursos normais de formação de professores de primeiras letras.
  • 3
    O fato de a Escola Normal atender moças órfãs também ocorria em outros estados (Campos, 1990, 2002; Demartini, Antunes, 2002; Freitas, 2002).
  • 4
    "O novo regulamento porém, posto em execução a 3 de abril [1872] [...] veio interromper a marcha e colocar os professores e alunos da escola em embaraços bem sérios. [...] A variedade, porém, e a multiplicidade de matérias a estudar-se, perturba de tal sorte as idéias, que por mais robusta que seja a inteligência e feliz a memória, o talento verga-se ao peso de tanto trabalho; e tendo sido a Escola Normal concorrida sempre desde o seu principio por muito maior número de alunas do que de moços, tanto mais prejudicial se torna esta variedade de matérias de ensino, quanto o sexo feminino, se excepcionalmente tem sido mais constante, o é temporariamente, mostrando no final sua natural fraqueza" (Barros, apud Moraes, 1873, p.18-19).
  • 5
    O tema da progressão das alunas no Curso Normal no final do século XIX está ainda em aberto, para o caso do Rio Grande do Sul. A Escola Normal atendeu predominantemente alunas do sexo feminino, na década de 1870 e 1880. Foi, em sua implantação inicial, freqüentada mais por mulheres do que por homens, tanto é que em 1878, nos três anos do curso, estavam matriculadas 74% de alunas (dados trabalhados a partir de Schneider, 1993, p.349). Na década de 80, permanece a predominância do sexo feminino, mas em proporção um pouco menor. A taxa média de alunas matriculadas na Escola Normal entre os anos de 1881 e de 1889 foi de 63%. Na época, pode-se dizer que feminização relacionava-se, considerando o dizer do diretor da Escola Normal, a dois objetivos: "preparar alguns mestres e também boas mães" (Schneider, 1993, p.451). Dados referentes a São Paulo indicam que, embora as mulheres se matriculassem em maior número na Escola Normal, elas alcançavam uma percentagem de conclusão muito pequena. Em 1876, 49 alunas matricularam-se no referido curso, e de 1875 a 1878, apenas 7 mulheres completaram tal curso (Campos, 2002, p.20).
  • 6
    Domesticidade e maternagem são os dois fundamentais eixos pelos quais as mulheres são socializadas (Rosemberg, Amado, 1992). A maternagem, implicando características como carinho, atenção, amor, presidindo as relações menino e professora, precisava ser destacada como substituta legítima da relação autoritária, dominadora e patriarcal do professor homem de classes elementares masculinas. Sobre quando o espaço da casa se incorpora à instrução pública e como tal é indiretamente inspecionado quanto a limpeza e condições de ordem, ver discussão com dados empíricos referentes à instrução pública do Rio Grande do Sul em Werle, 1996a.
  • 7
    "...o primeiro ministro francês Lakanal as designou com o nome de Escolas Normais porque eram as escolas que davam a 'norma' docente, ou seja escolas como as demais primárias, porém modelos em que a outro nível se estudava a norma didática que haviam de seguir os que queriam dedicar-se ao ensino de crianças. Ou seja, escola dedicada total e unicamente a estudo da norma, do guia, da forma e procedimentos mais adequados para, prévio conhecimento da criança e da escola, saber instruir e educar as crianças da melhor maneira" (Guzmán, 1986, p.17-18).
  • 8
    Ver discussão mais aprofundada do papel da prática na formação do professor em Werle, 2003, 2003a.
  • 9
    Hipótese diferente é apresentada por Venturini (1997, p.219), que relaciona a demissão do Pe. Cacique da Escola Normal a "uma série de conflitos com o corpo docente".
  • 10
    As Escolas Complementares cumpriram importante papel no magistério no Rio Grande do Sul, até 1946, tendo formado professoras, profissionais que ocuparam cargos na hierarquia do sistema de ensino do estado, quando neste se intensificaram os processos de especialização, diferenciação e hierarquização (a partir dos anos 40). Acerca do Curso Complementar, Campos, 2002, p.32 ss, citando Tanuri, afirma que nas escolas complementares a presença de homens era muito pronunciada. Este dado não encontra paralelo no Rio Grande do Sul.
  • 11
    Em 1930, o poder público tinha criado e mantinha diretamente uma Escola Normal e seis Escolas Complementares (Mensagem enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul pelo Presidente Getúlio Vargas, apud Corsetti, 1998 , p.296). Em 1943, estavam arrolados como escolas de formação de professores no Rio Grande do Sul 25 estabelecimentos de ensino: 7 oficiais, incluindo um Instituto de Educação, 3 Escolas Normais e 3 Escolas Complementares, 15 escolas equiparadas particulares e 3 Escolas Normais Rurais (Relatório, apud projeto de pesquisa Escola Complementar: práticas e instituições). Havia portanto, excluindo as Escolas Normais Rurais e os Institutos de Educação, cinco vezes mais Escolas Complementares privadas do que públicas. Cabe referir também que "no estado do Rio Grande do Sul, [...] sua Constituição vetava a existência de estabelecimentos de ensino secundário estaduais" (Amaral,1999, p.149).
  • 12
    No Rio Grande do Sul, as ordens religiosas chegaram na segunda metade do século XIX.
  • 13
    O nome do Colégio tinha inspiração na escritora francesa do século XVII, Marie de Rabutin Chantal, Marquesa de Sévigné, que nasceu em Paris, no ano de 1626.
  • 14
    A estadualização vinculava quatro colégios: Colégio Anchieta, escola masculina fundada, em 1890, pelos jesuítas; Colégio Bom Conselho, escola feminina, fundado em 1905 pela Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã; Colégio Nossa Senhora do Rosário, fundado por Irmãos Maristas, em 1904, além do Colégio Sévigné fundado em 1900.
  • 15
    Há registros, em um dos relatórios publicados do Ginásio Municipal Feminino Sévigné, de que o colégio tinha sido fundado não por Madame Emmeline, mas por seu marido (Relatório de 1928, p.3, acervo do Colégio Sévigné).
  • 16
    A vinculação entre formação da professora e Igreja Católica ocorria também em estabelecimentos públicos laicos, como assinala Cunha (2002, p.128, 130, 135).
  • 17
    Tomei emprestada a expressão de Bruschini e Amado (1988, p.10), as quais, ao analisarem pesquisas feitas sobre o magistério, escolha da carreira e escolas normais, constatam que, embora fique evidente a preponderância feminina para os autores e autoras dos trabalhos, estes, pelas omissões, falta de discussão e análise de dados empíricos, não evidenciam a questão de gênero, mesmo reconhecendo a maioria de mulheres no magistério.
  • 18
    Tomo como base as idéias de Carol Gilligan (cf. discussão em Dietz, 1999, Mouffe, 1999), que propõe "perspectiva maternalista", identificando estes valores (atenção e amor, responsabilidade, ética do cuidado, compromisso, que pautam o comportamento feminino) como fundados na experiência das mulheres como mulheres experiência da maternidade –, os quais se tornam fundantes de seus comportamentos em espaços públicos, humanizando a participação feminina na sociedade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      Fev 2003
    • Aceito
      Maio 2005
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