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Gravidade dos acidentes de trabalho atendidos em serviços de emergência

Gravedad de los accidentes de trabajo atendidos en servicios de emergencia

Resumos

OBJETIVO: Estimar o nível de gravidade de acidentes de trabalho e fatores associados. MÉTODOS: Estudo longitudinal realizado em Salvador, BA, conduzido com todos os 406 casos de acidentes de trabalho atendidos em duas unidades de emergência de hospitais públicos, entre junho e agosto de 2005. Os participantes foram identificados durante a admissão no serviço de emergência e entrevistados mensalmente em suas residências, até o retorno ao trabalho ou finalização do tratamento. A gravidade foi definida com a Abbreviated Injury Scale utilizada para calcular escores do Injury Severity Score. Foram estimadas a letalidade e a mortalidade hospitalar, permanência e internação na unidade de terapia intensiva (UTI). Variáveis descritoras foram sexo, idade, ramo de atividade econômica e ocupação. Empregaram-se proporções, razões de proporções e intervalos de confiança para a inferência estatística e média e teste t de Student para variáveis normais contínuas. RESULTADOS: A maior parte dos 406 casos foi de gravidade leve (39,4%) e moderada (38,7%), seguida pelos de nível sério (17,2%), severo (3,2%) e crítico (1,5%). A letalidade global foi 0,7% e 5,0% entre os que ficaram internados (14,8%), enquanto a média de hospitalização foi 3,2 dias (DP=2,8). Três casos (0,7%) necessitaram UTI (média= 8,4 dias, DP=1,2). A maior parte dos casos graves ocorreu entre os homens e os que tinham mais que 37 anos de idade. Acidentes com trabalhadores de transporte (RP=2,20; IC 90%: 1,06;4,58) e comércio (RP=1,85 IC 90%: 1,14;3,00) foram mais graves do que o do grupo referente. A proporção de acidentes graves foi 54% maior entre os de trajeto em comparação com os típicos. No total foram 325 dias de hospitalização e 34 dias de permanência em UTI. CONCLUSÕES: Foi elevada a gravidade de acidentes de trabalho, especialmente os ocorridos com trabalhadores do ramo de transporte e comércio, repercutindo nos serviços de emergência e ocupação de leitos hospitalares e UTI.

Serviços Médicos de Emergência; Tempo de Internação; Estatísticas de Seqüelas e Incapacidade; Saúde do Trabalhador; Acidentes de Trabalho; Gravidade de acidentes; Escalas de gravidade


OBJETIVO: Estimar el nivel de gravedad de accidentes de trabajo y factores asociados. MÉTODOS: Estudio longitudinal realizado en la cuidad de Salvador, Nordeste de Brasil, conducido con todos los 406 casos de accidentes de trabajo atendidos en dos unidades de emergencia de hospitales públicos, entre junio y agosto de 2005. Los participantes fueron identificados durante la admisión en el servicio de emergencia y entrevistados mensualmente en sus residencias, hasta el retorno al trabajo o finalización del tratamiento. La gravedad fue definida con la Abbreviated Injury Scale utilizada para calcular escores del Injury Severity Score. Fueron estimadas la letalidad y la mortalidad hospitalaria, permanencia e internación en la unidad de terapia intensiva (UTI). Variables descriptoras fueron sexo, edad, área de actividad económica y ocupación. Se emplearon proporciones, razones de proporciones e intervalos de confianza para la inferencia estadística y promedio y prueba t de Student para variables normales continuas. RESULTADOS: La mayor parte de los 406 casos fue de gravedad leve (39,4%) y moderada (38,7%), seguida por los de nivel serio (17,2%), severo (3,2%) y crítico (1,5%). La letalidad global fue 0,7% y 5,0% entre los que permanecieron internados (14,8%), mientras que el promedio de hospitalización fue 3,2 días (DE=2,8). Tres casos (0,7%) necesitaron UTI (promedio= 8,4 días, DE=1,2). La mayor parte de los casos graves ocurrió entre los hombres y los que tenían más de 37 años de edad. No hubo diferencias socioeconómicas estadísticamente significativas. Accidentes con trabajadores de transporte (RP= 2,20; IC 90%: 1,06;4,58) y comercio (RP=1,85; IC 90%: 1,14;3,00)) fueron más graves que el grupo referido. La proporción de accidentes graves fue 54% mayor entre los de trayecto en comparación con los típicos. En total fueron 325 días de hospitalización y 34 días de permanencia en UTI. CONCLUSIONES: Fue elevada la gravedad de accidentes de trabajo, especialmente los ocurridos con trabajadores del área de transporte y comercio, repercutiendo en los servicios de emergencia y ocupación de camas de hospital y UTI.

Servicios Médicos de Urgencia; Tiempo de Internación; Estadísticas de Secuelas y Discapacidad; Salud Laboral; Accidentes de Trabajo; Severidad del traumatismo; Puntajes de severidad


OBJECTIVE: To estimate the severity of occupational injuries and associated factors. METHODS: Longitudinal study performed in the city of Salvador, Northeastern Brazil, with all 406 occupational injury cases treated in two emergency rooms of public hospitals, between June and August 2005. Participants were identified during admission to the emergency room and interviewed monthly in their homes, until returning to work or ending the treatment. Severity was defined by the Abbreviated Injury Scale, used to calculate scores from the Injury Severity Score. Hospital lethality and mortality, and length of inpatient and intensive care unit (ICU) stay were estimated. Descriptive variables were sex, age, economic field of activity and occupation. Proportions, proportion ratios and confidence intervals were used for statistical inference and mean, and the Student t test for normal continuous variables. RESULTS: The majority of the 406 cases had a mild (39.4%) and moderate severity (38.7%), followed by serious (17.2%), severe (3.2%) and critical severity (1.5%). Overall lethality was 0.7% and 5.0% among those who stayed for inpatient treatment (14.8%), whereas mean length of inpatient stay was 3.2 days (SD=2.8). A total of three cases (0.7%) required ICU (mean=8.4 days, SD=1.2). The majority of serious cases occurred among men and those older than 37 years of age. Injuries among transport (PR=2.20; 90% CI: 1.06;4.58) and retail workers (PR=1.85; 90% CI: 1.14;3.00) were more serious than those in the reference group. Proportion of serious injuries was 54% higher among commuting accidents than among typical ones. In all, there were 325 days of inpatient stay and 34 days of ICU stay. CONCLUSIONS: Severity of occupational injuries was high, especially those occurring among transport and retail workers, thus affecting emergency services and hospital bed and ICU occupancy.

Emergency Medical Services; Length of Stay; Statistics on Sequelae and Disability; Occupational Health; Injuries, Occupational; Injury severity; Severity scales


ARTIGOS ORIGINAIS

Gravidade dos acidentes de trabalho atendidos em serviços de emergência

Gravedad de los accidentes de trabajo atendidos en servicios de emergencia

Vilma Sousa SantanaI; Cibele XavierI; Maria Claudia Peres MouraII; Rosane OliveiraI; Jônatas Silva Espírito-SantoI; Gustavo AraújoIII

IPrograma Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador. Instituto de Saúde Coletiva (ISC). Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, BA, Brasil

IICurso de Especialização em Saúde do Trabalhador. ISC-UFBA. Salvador, BA, Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Saúde. ISC-UFBA. Salvador, BA, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Vilma Sousa Santana Instituto de Saúde Coletiva Campus Universitário do Canela R. Augusto Vianna s/n, 2º andar 40110-040 Salvador, BA, Brasil Email: vilma@ufba.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar o nível de gravidade de acidentes de trabalho e fatores associados.

MÉTODOS: Estudo longitudinal realizado em Salvador, BA, conduzido com todos os 406 casos de acidentes de trabalho atendidos em duas unidades de emergência de hospitais públicos, entre junho e agosto de 2005. Os participantes foram identificados durante a admissão no serviço de emergência e entrevistados mensalmente em suas residências, até o retorno ao trabalho ou finalização do tratamento. A gravidade foi definida com a Abbreviated Injury Scale utilizada para calcular escores do Injury Severity Score. Foram estimadas a letalidade e a mortalidade hospitalar, permanência e internação na unidade de terapia intensiva (UTI). Variáveis descritoras foram sexo, idade, ramo de atividade econômica e ocupação. Empregaram-se proporções, razões de proporções e intervalos de confiança para a inferência estatística e média e teste t de Student para variáveis normais contínuas.

RESULTADOS: A maior parte dos 406 casos foi de gravidade leve (39,4%) e moderada (38,7%), seguida pelos de nível sério (17,2%), severo (3,2%) e crítico (1,5%). A letalidade global foi 0,7% e 5,0% entre os que ficaram internados (14,8%), enquanto a média de hospitalização foi 3,2 dias (DP=2,8). Três casos (0,7%) necessitaram UTI (média= 8,4 dias, DP=1,2). A maior parte dos casos graves ocorreu entre os homens e os que tinham mais que 37 anos de idade. Acidentes com trabalhadores de transporte (RP=2,20; IC 90%: 1,06;4,58) e comércio (RP=1,85 IC 90%: 1,14;3,00) foram mais graves do que o do grupo referente. A proporção de acidentes graves foi 54% maior entre os de trajeto em comparação com os típicos. No total foram 325 dias de hospitalização e 34 dias de permanência em UTI.

CONCLUSÕES: Foi elevada a gravidade de acidentes de trabalho, especialmente os ocorridos com trabalhadores do ramo de transporte e comércio, repercutindo nos serviços de emergência e ocupação de leitos hospitalares e UTI.

Descritores: Serviços Médicos de Emergência. Tempo de Internação. Estatísticas de Seqüelas e Incapacidade. Saúde do Trabalhador. Acidentes de Trabalho, prevenção & controle. Gravidade de acidentes. Escalas de gravidade.

RESUMEN

OBJETIVO: Estimar el nivel de gravedad de accidentes de trabajo y factores asociados.

MÉTODOS: Estudio longitudinal realizado en la cuidad de Salvador, Nordeste de Brasil, conducido con todos los 406 casos de accidentes de trabajo atendidos en dos unidades de emergencia de hospitales públicos, entre junio y agosto de 2005. Los participantes fueron identificados durante la admisión en el servicio de emergencia y entrevistados mensualmente en sus residencias, hasta el retorno al trabajo o finalización del tratamiento. La gravedad fue definida con la Abbreviated Injury Scale utilizada para calcular escores del Injury Severity Score. Fueron estimadas la letalidad y la mortalidad hospitalaria, permanencia e internación en la unidad de terapia intensiva (UTI). Variables descriptoras fueron sexo, edad, área de actividad económica y ocupación. Se emplearon proporciones, razones de proporciones e intervalos de confianza para la inferencia estadística y promedio y prueba t de Student para variables normales continuas.

RESULTADOS: La mayor parte de los 406 casos fue de gravedad leve (39,4%) y moderada (38,7%), seguida por los de nivel serio (17,2%), severo (3,2%) y crítico (1,5%). La letalidad global fue 0,7% y 5,0% entre los que permanecieron internados (14,8%), mientras que el promedio de hospitalización fue 3,2 días (DE=2,8). Tres casos (0,7%) necesitaron UTI (promedio= 8,4 días, DE=1,2). La mayor parte de los casos graves ocurrió entre los hombres y los que tenían más de 37 años de edad. No hubo diferencias socioeconómicas estadísticamente significativas. Accidentes con trabajadores de transporte (RP= 2,20; IC 90%: 1,06;4,58) y comercio (RP=1,85; IC 90%: 1,14;3,00)) fueron más graves que el grupo referido. La proporción de accidentes graves fue 54% mayor entre los de trayecto en comparación con los típicos. En total fueron 325 días de hospitalización y 34 días de permanencia en UTI.

CONCLUSIONES: Fue elevada la gravedad de accidentes de trabajo, especialmente los ocurridos con trabajadores del área de transporte y comercio, repercutiendo en los servicios de emergencia y ocupación de camas de hospital y UTI.

Descriptores: Servicios Médicos de Urgencia. Tiempo de Internación. Estadísticas de Secuelas y Discapacidad. Salud Laboral. Accidentes de Trabajo, prevención & control. Severidad del traumatismo. Puntajes de severidad.

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho provocam além de mortes, incapacidades permanentes e temporárias.1 No Brasil, dos 376.240 agravos ocupacionais registrados no ano 2000, 81% resultaram em incapacidade temporária, 4% em incapacidade permanente e 1% em óbitos.ª a Ministério d Previdênci Socil. Anuário Esttístico d Previdênci Socil -2004. Brsíli; 2004 [citdo 2005 mio 05]. Disponível em: http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=531 Na Bahia, em 2000, analisando-se todos os benefícios concedidos por problemas de saúde pela Previdência Social, observou-se que 9,6% dos acidentes de trabalho causaram incapacidade permanente total.12 Embora sejam conhecidas estatísticas de acidentes de trabalho11 e suas conseqüências sobre a capacidade funcional para os trabalhadores segurados no Brasil,ª a Ministério d Previdênci Socil. Anuário Esttístico d Previdênci Socil -2004. Brsíli; 2004 [citdo 2005 mio 05]. Disponível em: http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=531 não foram encontradas informações sobre a gravidade das lesões. A gravidade de lesões, intoxicações, envenenamentos e afogamentos, quando relacionadas a acidentes de trabalho, é semelhante à das chamadas causas externas em geral. O conhecimento sobre a gravidade dos acidentes é útil para a definição de prioridades na prevenção, delineamento dos custos médicos e previdenciários, necessidades de cuidados especializados de reabilitação, dentre outros.9 Níveis de gravidade de traumas são, usualmente, registrados com escalas padronizadas com base em três construtos: risco de falecimento, comprometimento da função e incapacidade.b b Expert Group on Injury Severity Measurement. Discussion document on injury severity measurement in administrative datasets. Atlanta: National Center for Health Statistics; 2004. As vantagens e desvantagens do uso de escalas dependem das necessidades em cada contexto.b b Expert Group on Injury Severity Measurement. Discussion document on injury severity measurement in administrative datasets. Atlanta: National Center for Health Statistics; 2004. Dentre as escalas de gravidade de traumas a Abbreviated Injury Scale (AIS) é a mais utilizada mundialmente, desde 1971.6 Para abranger a ocorrência comum de múltiplas lesões foi desenvolvida a escala Injury Severity Score (ISS), derivada da AIS, com base nas regiões anatômicas.13 Estas escalas vêm sendo revisadas,c c Massahusetts Department of Publi Health. Inpatient Hospitalizations for Work-Related Injuries and Illnesses in Massahusetts, 1996-2000. Boston: Oupational Health Surveillane, 86pp. 2005. Tehnial Report OHSP-0501. validadas e empregadas em diversas pesquisas,6,8,9,13 ou na clínica, especialmente em registros de traumas em serviços de emergência.4, 5,c c Massahusetts Department of Publi Health. Inpatient Hospitalizations for Work-Related Injuries and Illnesses in Massahusetts, 1996-2000. Boston: Oupational Health Surveillane, 86pp. 2005. Tehnial Report OHSP-0501. ,d d Massachusetts Department of Public Health. Emergency Department Visits for Work-Relate Injuries an Illnesses in Massachusetts, 2001-2002. Boston: Occupational Health Surveillance, 52pp. 2007. Technical Report OHSP-0701.

A AIS13 corresponde a um valor ordinal: 1- gravidade leve, 2- moderada, 3- grave, sem ameaça à vida, 4- grave com perspectiva de morte, porém com sobrevivência provável, 5- gravidade crítica com sobrevivência incerta, e 6- gravidade máxima, sem possibilidade de sobrevivência. Essa escala é aplicada para classificar a gravidade com base na extensão e profundidade do ferimento, comprometimento de órgãos internos como a ruptura de vísceras, ou a amputação, em seis regiões anatômicas: cabeça, tórax, abdômen, membros superiores e inferiores, e superfícies externas. Com os dados da AIS, calcula-se o ISS com a soma dos quadrados dos três mais altos escores, que correspondem, portanto, às três regiões anatômicas mais gravemente lesionadas. A pontuação do ISS varia de 1 a 75, sendo o índice classificado como leve (1-3), moderado (4-8), sério (9-15), severo (16-24) e crítico (25-75).14

São poucos estudos sobre a gravidade dos acidentes de trabalho utilizando escalas padronizadas e, no Brasil, não foram encontrados estudos sobre gravidade de acidentes de trabalho utilizando critérios de severidade de lesões. Isso dificulta tanto a definição de prioridades no planejamento quanto a escolha de critérios para a notificação. Em 2004, o Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), passou a incluir os acidentes de trabalho na sua lista, definindo como critérios para a investigação e notificação epidemiológica os casos graves, definidos como os fatais, que "envolvem mutilações" e hospitalizações, além de qualquer tipo de acidente que ocorra com crianças e adolescentes com idade abaixo de 18 anos.e e Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Notificação de acidentes do trabalho fatais, graves, e com crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. Todavia, a operacionalização desses critérios vêm sendo difícil pela subjetividade implícita no conceito de mutilação empregado, por exemplo, que não se baseia em escala padronizada de gravidade de lesões.

O presente estudo teve por objetivo estimar a distribuição e os fatores associados à gravidade de acidentes de trabalho.

MÉTODOS

Estudo de coorte prospectivo, longitudinal, de duração variável, conduzido com todos os indivíduos acometidos por acidentes de trabalho que foram atendidos em serviços de emergência em dois hospitais públicos de grande porte em Salvador, BA, entre junho e agosto de 2005. A população do estudo é composta pelos casos da demanda atendida, com tamanho definido com base na viabilidade operacional. A coleta de dados ocorreu em duas etapas: 1) identificação e recrutamento nos serviços de emergência e 2) acompanhamento domiciliar.

Na primeira etapa, informava-se sobre a pesquisa à equipe de recepção, triagem, e demais profissionais envolvidos e realizava-se a identificação dos casos de acidentes ocupacionais na recepção/triagem do hospital. Devido ao sub-registro dos vínculos com a ocupação nos diagnósticos dos acidentes de trabalho, entrevistadores da pesquisa acompanhavam a entrevista realizada no hospital com os acompanhantes ou o acidentado. Na ocasião, o entrevistador empregava questões recomendadas pelo International Collaborative Effort on Injury Statistics (ICE)f f World Health Organization. Update on the international collaborative effort on injury statistics. Brisbane: Collaborating Center for the Family of International Classifications for North America, 2002. http://www.aihw.gov.au/international/who_hoc/hoc_02_papers /brisbane37.doc para caracterizar acidente de trabalho: "O que aconteceu?", "Como foi que aconteceu?" "Isto aconteceu enquanto você estava fazendo alguma atividade?" "Que atividade era essa?" "Era de trabalho?" "Onde aconteceu?" "Estava indo ou voltando do trabalho?" "Estava usando algum equipamento ou ferramenta?". Com base nas respostas eram definidos os casos suspeitos de acidentes de trabalho e, quando se encontravam em condições de alta ou podiam prestar informações, eram apresentados o objetivo e desenho da pesquisa e solicitava-se o consentimento de participação. Para os que não tinham condições de dar informações, um familiar da pessoa acidentada era inquirido.

Na segunda etapa, após a alta realizavam-se visitas mensais até o retorno ao trabalho ou fim do tratamento. Questionários foram empregados para a obtenção de dados sociodemográficos, familiares, ocupacionais, e também sobre o acidente de trabalho: Foram elaborados três instrumentos de coleta de dados, específicos para o estudo: a planilha hospitalar, a ficha de identificação hospitalar e o questionário individual. Na planilha hospitalar registravam-se dados de todos os indivíduos acidentados durante a entrevista na recepção ou triagem do serviço de emergência, incluindo-se as perguntas que permitiam a identificação de casos de acidentes de trabalho. Após o atendimento, a ficha de identificação hospitalar era empregada para identificar o trabalhador, registrar o endereço e referências de localização, local do trabalho, situação clínica, diagnóstico codificado pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª Revisão (CID-10), e dados sobre o grau das lesões por região anatômica para aferição do escore de gravidade. Após a alta, visitas domiciliares mensais eram realizadas com a aplicação de questionário individual sobre dados sociodemográficos, ocupacionais, familiares, relativos à seguridade e saúde, às características do acidente de trabalho, dentre outras.

Acidente de trabalho foi definido como casos de lesões, traumas e envenenamentos ocorridos em locais de trabalho, no exercício de atividade de trabalho, ou durante o trajeto, que corresponde à definição legal. A gravidade do acidente ocupacional foi estimada com base na AIS e nos valores de ISS em cinco níveis: leve (1-3), moderado (4-8), sério (9-15), severo (16-24) e crítico (25-75).14 Esses níveis foram dicotomizados em leve (ISS 1-8) e grave (ISS 9-75).

As variáveis descritoras foram: sexo, idade (analisada em tercis, 14-27, 28-37 e 38-69 anos de idade), cor da pele (branco, pardo e negro), escolaridade em: baixa (ensino fundamental incompleto), média (ensino médio incompleto), e alta (ensino médio completo ou superior). A renda mensal familiar e do trabalhador foram ambas categorizadas em tercis: renda familiar até R$600,00, R$601,00-R$1.000,00 e R$1.001,00- R$8.500,00, e a renda do trabalhador até R$330,00, R$330,00-R$500,00 e >R$500,00. O nível socioeconômico foi definido com base no número de bens ou equipamentos da família: automóvel, computador, máquina de lavar, vídeo cassete, toca-disco a laser, microondas, máquina de lavar louça, telefone e casa de praia. O número total de itens foi categorizado em: baixo (menos de três itens); médio (de três a cinco itens) e alto (acima de cinco itens). As características ocupacionais foram: ramos de atividades econômicas, agrupados em indústria manufatureira, construção, comércio, serviços domésticos, transportes, e outros; e grupo de ocupações: pedreiros, carpinteiros, eletricistas, domésticos, auxiliares de cozinha/garçons, servente, motoboys, trabalhadores da saúde, vendedores, atividades de segurança, mecânicos, motoristas e atividades administrativas. Locais de trabalho foram categorizados como empresa/firma, repartição pública, logradouro público e residências. Tipos de vínculo de trabalho foram: biscateiros, autônomos, assalariados informais e assalariados formais com carteira de trabalho assinada. O recebimento de treinamento ocupacional foi analisado como variável ocupacional. As características do acidente foram o tipo, se trajeto ou típico, e a causa e trauma conseqüente ao acidente. As causas e os traumas dos acidentes foram baseados na CID-10, incluindo-se a incapacidade para o trabalho, emissão de atestado médico e Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).

Os dados foram digitados no Epi Info 6.0 e as análises realizadas com o SAS 9.1. Foram calculadas proporções e médias, comparadas com o teste do qui-quadrado de Pearson ou teste t de Student. Devido a não-normalidade da distribuição do ISS, foi realizada log transformação, e estimados os anti-logaritmos das médias geométricas resultantes para apresentação final. Razões de proporções foram estimadas com respectivos intervalos com 90% de confiança de Mantel Haenszel.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia. Foram garantidos o anonimato e a confidencialidade das informações nos registros dos dados e nas publicações.

RESULTADOS

Foram identificados 446 casos de acidentes ocupacionais dentre os indivíduos atendidos por causas externas nos hospitais selecionados. Dentre esses, quatro (1,0%) se recusaram a participar da pesquisa e para 35 (7,4%) os domicílios não foram localizados. Familiares de um dos três falecidos se recusaram a prestar informações, totalizando-se as perdas em 8,9% (n=40). Restaram 406 indivíduos para a realização do acompanhamento e análise. Dentre esses, o nível de gravidade mais comum foi leve, ISS 1-3, (n=160, 39,4%), moderado, ISS 4-8, (n=167, 38,7%), sério, ISS 9-15, (n=70, 17,2%), severo, ISS 16-24, (n=14, 3,5%) e crítico, ISS 25-75, (n=5, 1,2%), excluindo-se os óbitos. A letalidade hospitalar foi estimada em 0,7%. Os diagnósticos mais freqüentes entre os casos de gravidade leve foram "corpo estranho" na córnea (n=30, 7,4%) e, entre os de nível moderado, as lacerações, luxações, entorses, e queimaduras. Os casos classificados como sérios foram mutilações de parte de dedos, fraturas e, entre os severos, as fraturas e traumatismos mais extensos ou lesões múltiplas. Os cinco trabalhadores classificados em estado crítico foram quatro casos de politraumatismo e um de ferimento por arma de fogo. Permaneceram hospitalizados 60 trabalhadores (14,8%), sendo a média de 3,2 (DP=2,8) dias de permanência. Três necessitaram de tratamento intensivo (UTI) (média= 8,4 dias; DP=1,16), e seis ficaram em coma (média= 2,9 dias; DP=2,6). Aproximadamente 45% dos casos foram encaminhados para tratamento ambulatorial. A proporção estimada de casos em nível crítico (2,2%), os três casos de óbito (0,7%), e a incapacidade permanente de 13 trabalhadores (2,7%). A gravidade dos acidentes de trabalho teve impacto nos serviços hospitalares, representando, no conjunto, 325 dias de hospitalização e 34 dias de permanência em UTI.

Na Tabela 1 estão descritas as características sociodemográficas dos trabalhadores acidentados de trabalho de acordo com o nível de gravidade do acidente, categorizado em leve (ISS 1-8) e grave (ISS>8). A maioria dos casos era do sexo masculino (77,8%), tinha idade acima de 28 anos (69,7%), cor negra (67,7%) e escolaridade inferior ao ensino médio (72,0%). A renda familiar mensal abaixo de R$ 1.000,00 (67,7%) foi a mais comum. A gravidade dos acidentes não se distribuiu diferentemente em relação a características demográficas, exceto para a idade com a qual se associou positivamente a partir dos 37 anos de idade (RP=1,63; IC 90%:1,11;2,39). Acidentes com trabalhadores que tinham renda <R$330,00 eram mais graves do que no grupo referente (RP=1,52; IC 90%: 1,03;2,24).

Acidentes graves tiveram predominância de trabalhadores do ramo de transportes (RP=2,72; IC 90%: 1,06;4,58) e comércio (RP=1,94; IC 90%: 1,14;3,00) quando comparados aos casos do grupo de atividades administrativas (Tabela 2). Além disso, os acidentes que ocorreram em residências (RP=2,66; IC 90%: 1,16;6,10) ou logradouros públicos RP=2,40; IC 90%: 1,01;5,78) foram mais graves do que o grupo de referência, repartições públicas. Não houve diferenças de gravidade relativas à terceirização, informalidade, tipo de vínculo de trabalho e experiência de treinamento para a ocupação.

A Tabela 3 mostra que acidentes de trajeto representaram 18,4% dos casos, sendo mais graves do que os típicos (RP=1,54; IC 90%:1,10;2,16). A gravidade também foi mais comum entre os acidentes de trabalho causados por situações relacionadas ao transporte comparando-se com o grupo com lesões decorrentes de exposição a forças mecânicas. Houve uma tendência aos envenenamentos serem mais graves (RP=2,24; IC 90%: 0,88;5,70), mas a diferença não foi estatisticamente significante. Os traumatismos de tórax (RP=4,10; IC 90%:1,24;1,50), múltiplos traumas (RP=3,69; IC 90%:1,63;8,47) e traumatismos de quadril e membros inferiores (RP=2,39; IC 90%:1,01;5,71) foram mais graves em comparação com a referência. Observou-se também que a emissão de CAT para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) foi também mais comum entre os acidentes graves do que nos leves (RP=2,16; IC 90%: 1,27;2,59) (Tabela 3). Comparando-se o ISS com os critérios de gravidade considerados para a notificação do Sinan, observa-se que a maior parte dos casos classificados como severos ou críticos (ISS >15) não seria contemplada pela notificação do Sinan de acidente grave (Tabela 4). Dentre os 67 classificados como sérios pelo ISS, apenas oito seriam elegíveis para a notificação.

Na Figura apresenta-se a distribuição dos escores de gravidade dos acidentes de acordo com o grupo de atividades econômicas. Observa-se que o padrão mais grave ocorreu para o ramo de transportes, que teve o maior percentual de casos críticos, ISS=25-75, (7,0%), seguido pelo comércio com 1,4%. Os casos severos ou críticos (ISS=16-75) foram mais freqüentes no comércio (6,9%), seguido pelo setor de construção civil (4,7%).


DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostram que trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho, atendidos nos dois maiores serviços de emergência da cidade de Salvador, eram em sua maioria de nível de gravidade leve ou moderada (77,1%). Os acidentes com nível de gravidade sério, severo ou crítico, considerados como graves na análise (ISS >9), representaram uma parte considerável (21,9%) são casos que significam pelo menos incapacidade temporária, com afastamento do trabalho.

Maiores níveis de gravidade ocorreram nos acidentes de trajeto, envolvendo atropelamentos ou colisões. Lesões mais graves foram traumatismos de tórax, politraumatismos e da região do quadril ou membros inferiores. A gravidade dos acidentes de trabalho se associou também com o trabalho em residências ou logradouros públicos e atividades de transporte ou comércio, independentemente da ocupação. Casos acima de 37 anos foram mais graves, mas não foram observadas diferenças relativas à cor da pele, escolaridade ou para variáveis socioeconômicas, exceto para a renda abaixo de R$330,00. CAT foram emitidas mais comumente para os acidentes mais graves, mas isso não ocorreu para atestados médicos. A emissão de CAT atingiu apenas 50% dos casos que poderiam se beneficiar do sistema de compensação da Previdência Social.

Esses achados revelam a importância dos acidentes de trabalho para a saúde pública, ao representar componente expressivo das mortes por causas externas e incapacidade decorrente de situações evitáveis. As mortes e incapacidades permanentes são responsáveis por efeitos sociais e econômicos e, em especial, grande impacto na vida dos familiares.5 Além disso, a alta freqüência de acidentes de trabalho graves revela o impacto sobre os serviços de saúde, por contribuírem para a demanda dos serviços especializados, ocupação hospitalar, incluindo leitos de UTI, além do tratamento clínico ambulatorial, serviços de reabilitação fisioterápica ou de atendimento psicoterápico por tempo prolongado.

O impacto das lesões por causas externas no País tem sido objeto de outras pesquisas.11 Em estudo conduzido com Autorizações de Internações Hospitalares (AIH), foram estimadas em 6% as hospitalizações por causas externas no País, em unidades do SUS e conveniadas,10 mas não foram mostradas as proporções para acidentes de trabalho. Utilizando-se dados de AIH, observou-se que 0,3% das hospitalizações foram causadas por acidentes de trabalho entre 1998 e 1999.10 No estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, as hospitalizações para doenças e acidentes de trabalho, conjuntamente, representaram apenas 0,6% do total,c c Massahusetts Department of Publi Health. Inpatient Hospitalizations for Work-Related Injuries and Illnesses in Massahusetts, 1996-2000. Boston: Oupational Health Surveillane, 86pp. 2005. Tehnial Report OHSP-0501. mas esta proporção limita-se aos casos cobertos por planos de saúde dos trabalhadores. Com dados deste mesmo programa de vigilância que tem como base serviços de emergência, foi estimada em 4,3% a proporção de atendimentos devido a problemas de saúde ocupacional em Massachusetts,d d Massachusetts Department of Public Health. Emergency Department Visits for Work-Relate Injuries an Illnesses in Massachusetts, 2001-2002. Boston: Occupational Health Surveillance, 52pp. 2007. Technical Report OHSP-0701. e 7% em Illinois.5 Entretanto, a comparação com os nossos achados torna-se limitada, pois foram consideradas como base de referência não apenas as causas externas, mas toda a demanda a esses serviços. Estudos feitos no País mostram que a proporção de acidentes de trabalho dentre os casos de causas externas atendidos em serviços de emergência varia entre 15 e 18,7% no Rio de Janeiro3 e 30% em Salvador.2 Além dos custos hospitalares, tais agravos contribuem para o excesso de pacientes nos serviços de saúde especializados em traumas, com filas extensas, queda da qualidade da atenção e insatisfação do usuário.

Além de representarem componente importante da demanda atendida em hospitais, a permanência hospitalar dos acidentados de trabalho é relevante. No presente estudo, a permanência média de 3,2 dias foi menor do que a estimada para o Brasil, em 1994, com dados da AIH, de 5,07 e 5,8 dias.10 Todavia, foi menor que a encontrada no estudo norte-americano de 4,3 dias.c c Massahusetts Department of Publi Health. Inpatient Hospitalizations for Work-Related Injuries and Illnesses in Massahusetts, 1996-2000. Boston: Oupational Health Surveillane, 86pp. 2005. Tehnial Report OHSP-0501. Essa diferença pode ser devida ao tipo de população estudada, apenas as hospitalizações seguidas a atendimento de emergência, em comparação com o total de internações para as causas externas, ou o pequeno número da população. A duração da permanência na UTI, que no estudo de Iunes7 (1997) foi 8,3 dias para causas externas em geral, próxima ao estimado em nosso estudo em 8,4 dias.

A letalidade dos acidentes de trabalho na emergência foi de 0,7%, menor que a estimada em Massachusetts (EUA) por Forst et al4 (1999) de 1,0%. Todavia, a letalidade hospitalar foi 5%, considerando-se os 60 pacientes que permaneceram internados. Com isso pode-se comparar com a razão óbitos/internações estimada para o País, com os dados das AIH, de 1,2:100 em 1998, 1,4:100 em 1999 e 1,7:100 em 2000g g Serafim JA. Dados sobre a Saúde do Trabalhador segundo o DATASUS/MS. In: Anais do Seminário Nacional de Estatísticas sobre Doenças e Acidentes de Trabalho no Brasil: situação atual e perspectivas. São Paulo: Fundacentro, 2000. pp35-42.[citado 2009 ago 18]. Disponível em: http://www.ibram.org.br/sites/700/784/00001034.pdf são menores do que a estimativa de 2,2:100 internações para o ano de 1994.10 Esses dados são próximos ao encontrado em Massachusetts (EUA), onde se estimou a razão óbitos/internações por causas externas em 1,40:100.c a Ministério d Previdênci Socil. Anuário Esttístico d Previdênci Socil -2004. Brsíli; 2004 [citdo 2005 mio 05]. Disponível em: http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=531 Essas diferenças podem ser causadas pela natureza distinta dos serviços de emergência em relação aos hospitalares. No presente estudo, a gravidade média do ISS, de 4,9 (DP=5,9) foi menor do que a encontrada em Illinois, de 6,1 (DP=7,4),5 mas essas comparações ficam dificultadas pela informação dada por médias em distribuições não-normais. Considerando-se as freqüências de casos com ISS>16, conforme analisado na pesquisa norte-americana, nossa estimativa é menor (4,6%) do que a encontrada naquele estudo (7,2%),5 mas a letalidade nos serviços de emergência é comparável. Isto revela que a demanda de acidentes de trabalho em serviços de emergência do presente estudo é relativamente mais grave e a letalidade hospitalar é elevada considerando os achados com base em AIH no Brasil. Como os dados do Datasus são reconhecidamente sub-estimados no que se refere a doenças e agravos ocupacionais, é possível que a letalidade de acidentes ocupacionais estimada com dados da AIH se concentre em casos mais graves. O critério de acidentes de gravidade empregado pelo Sinan não cobriria grande parte dos casos identificados utilizando-se o ISS, sendo necessárias avaliações posteriores sobre a viabilidade desses critérios para fins de planejamento e programas de prevenção, e não apenas de investigações de casos individuais.

Na literatura sobre gravidade de acidentes de trabalho em serviços de emergência, a maior concentração de casos é no sexo masculino ou idade mais elevada.1,2,4,10 Os dados do presente estudo revelaram que a gravidade aumenta com a idade, mas não houve diferenças de gravidade das lesões entre os sexos. Também consistentemente com os achados de outros estudos, os casos mais graves se relacionavam a acidentes de veículos e tinham maior permanência hospitalar e em UTI.5,c c Massahusetts Department of Publi Health. Inpatient Hospitalizations for Work-Related Injuries and Illnesses in Massahusetts, 1996-2000. Boston: Oupational Health Surveillane, 86pp. 2005. Tehnial Report OHSP-0501. Todavia, não foram encontrados estudos sobre gravidade relacionada a ramos de atividade econômica, embora seja comum o relato da maior mortalidade na indústria da construção. Em contraste, os resultados de nosso estudo revelaram que os ramos de transporte e comércio tinham maior proporção de casos graves dentre as vítimas atendidas nos serviços públicos de emergência envolvidos.

Quanto aos limites do estudo, é difícil a comparação de dados de casuística com dados de morbi-mortalidade e de base populacional, utilizando-se apenas dois serviços de emergência. Em uma ampla área urbana como Salvador, embora tenham sido escolhidos os maiores serviços, a demanda atendida pode refletir fluxos especiais com a concentração de certas ocupações ou ramos de atividades, não representando o conjunto de trabalhadores desta área urbana. Somente dados censitários ou com amostras de desenho complexo, de todas as unidades de emergência, poderiam traduzir, epidemiologicamente e com maior precisão, a severidade dos acidentes de trabalho e das atividades econômicas de maior risco e gravidade para serem propostas prioridades para a prevenção. Casuísticas identificadas em serviços como as do presente estudo revelam apenas uma parte do fenômeno que se quer estudar e as conclusões devem ser feitas com precaução. Embora o tamanho da população do estudo tenha sido pequeno, os pontos fortes do estudo são o seu delineamento longitudinal e o detalhe das informações coletadas.

Níveis de gravidade são importantes para a referência a outros serviços complexos, servindo para maior racionalidade da organização de serviços, permitindo agilidade, presteza e redução dos custos.5 Registros de gravidade dos traumas em serviços de emergência permitem estimativas da incidência cumulativa e seu monitoramento, com erros muito pequenos em relação a oferta e acesso aos serviços por representarem os casos mais graves.d d Massachusetts Department of Public Health. Emergency Department Visits for Work-Relate Injuries an Illnesses in Massachusetts, 2001-2002. Boston: Occupational Health Surveillance, 52pp. 2007. Technical Report OHSP-0701. A gravidade dos traumas é informação importante para a vigilância, planejamento e a gestão em saúde. Além de preditora da incapacidade, se associa ao tipo, complexidade e duração do tratamento e, portanto, dos custos diretos e indiretos. Todavia, estudos sobre acidentes de trabalho comumente definem gravidade apenas pelos dias perdidos de trabalho,b b Expert Group on Injury Severity Measurement. Discussion document on injury severity measurement in administrative datasets. Atlanta: National Center for Health Statistics; 2004. ou a incapacidade por seqüelas, para fins de seguridade social.12 Assim, a definição da gravidade requer o final da recuperação, uma limitação para a adoção de medidas de prevenção imediatas. O presente estudo apresentou dados originais sobre a gravidade dos acidentes de trabalho e o seu impacto nos serviços de emergência de uma grande área urbana do País, revelando a importância dos acidentes de tráfego entre os mais graves. Espera-se que, ao se discutir os desafios do financiamento dos hospitais públicos, informações sobre o alto custo imposto aos trabalhadores com os acidentes se constituam em fator relevante para a prioridade dos programas de prevenção.

Os acidentes de trabalho podem ser prevenidos, pois já se conhecem grande parte dos seus determinantes e medidas - políticas, administrativas e legais. Além disso, tecnologias eficientes e não necessariamente de alto custo já estão disponíveis e são adotadas em países que apresentam medidas muito menores do que as estimadas para o Brasil. Um dos primeiros passos para que acidentes de trabalho se tornem prioridades é conhecer sua extensão e gravidade, não apenas para trabalhadores segurados pela previdência. A melhoria das informações de acidentes de trabalho no SUS, especialmente na rede de serviços de emergência, com parâmetros de gravidade, poderá se constituir em uma etapa fundamental para prevenção deste importante problema de saúde pública.

Recebido: 3/10/2008

Revisado: 16/3/2009

Aprovado: 31/3/2009

Pesquisa financiada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia/Ministério da Saúde (Proc. Nº 25.000.093.947/2004-19).

Santana VS foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq -Proc. No. 522621/96-1; bolsa de Produtividade em Pesquisa).

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  • Correspondência | Correspondence:

    Vilma Sousa Santana
    Instituto de Saúde Coletiva
    Campus Universitário do Canela
    R. Augusto Vianna s/n, 2º andar
    40110-040 Salvador, BA, Brasil
    Email:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Aceito
      31 Mar 2009
    • Revisado
      31 Mar 2009
    • Recebido
      03 Out 2008
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