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Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana: VIII - Domiciliação de Panstrongylus megistus e sua presença extradomiciliar

Ecological aspects of South American Trypanosomiasis: VIII - Local domiciled and wild pattern of Panstrongylus megistus

Resumos

São apresentados os resultados iniciais de observações destinadas a evidenciar a presença de Panstrongylus megistus domiciliado e silvestre em uma mesma localidade. Os resultados sugerem a domiciliacão desse triatomíneo ao lado de seus hábitos extradomiciliares. Estes estão localmente predominantes como ocos de árvores que servem de abrigos a animais silvestres. A presença desses focos naturais ocorre nas manchas de florestas residuais e a capacidade invasiva em relação aos ecótopos naturais evidenciou-se através da colonização de galinheiros experimentais instalados nesses locais.

Tripanossomíase americana; Panstrongylus megistus; Triatomíneos; Ecologia médica


Local pattern of domiciled and wild distribution of Panstrongylus megistus was observed through artificial and natural ecotopes investigation. The bug was found inhabiting periodomestic dwellings and hollow trees in the sylvatic environment serving as shelters for wild animals. This was mainly represented by spots of remaining forests. Colonization of experimental chicken houses was obtained suggesting that interchange occurs between natural and artificial ecotopes. So it seems suitable to atribute high ecological valence to this bug population.

Trypanosomiasis, South American; Pantrongylus megistus; Triatomids bugs; Medical ecology


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana. VIII – Domiciliação de Panstrongylus megistus e sua presença extradomiciliar

Ecological aspects of South American Trypanosomiasis. VIII – Local domiciled and wild pattern of Panstrongylus megistus

Oswaldo Paulo ForattiniI; Octávio Alves FerreiraII; Eduardo Olavo da Rocha e SilvaII; Ernesto Xavier RabelloI

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Diretoria de Combate a Vetores da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) do Estado de São Paulo – Rua Tamandaré, 649 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

São apresentados os resultados iniciais de observações destinadas a evidenciar a presença de Panstrongylus megistus domiciliado e silvestre em uma mesma localidade. Os resultados sugerem a domiciliacão desse triatomíneo ao lado de seus hábitos extradomiciliares. Estes estão localmente predominantes como ocos de árvores que servem de abrigos a animais silvestres. A presença desses focos naturais ocorre nas manchas de florestas residuais e a capacidade invasiva em relação aos ecótopos naturais evidenciou-se através da colonização de galinheiros experimentais instalados nesses locais.

Unitermos: Tripanossomíase americana. Panstrongylus megistus. Triatomíneos, domiciliacão. Ecologia médica.

ABSTRACTS

Local pattern of domiciled and wild distribution of Panstrongylus megistus was observed through artificial and natural ecotopes investigation. The bug was found inhabiting periodomestic dwellings and hollow trees in the sylvatic environment serving as shelters for wild animals. This was mainly represented by spots of remaining forests. Colonization of experimental chicken houses was obtained suggesting that interchange occurs between natural and artificial ecotopes. So it seems suitable to atribute high ecological valence to this bug population.

Uniterms: Trypanosomiasis, South American. Pantrongylus megistus. Triatomids bugs, domiciliarity. Medical ecology.

INTRODUÇÃO

A acentuada domiciliacão do Panstrongylus megistus, que se observa em várias regiões do Brasil, redundou em sua elevada importância epidemiológica como transmissor regional da tripanossomíase americana. Esse fato é conhecido desde longa data, embora o mesmo não se possa dizer quanto ao encontro desse triatomíneo em condições extradomiciliares. Com efeito, foi somente a partir dos anos sessenta que ocorreram, nesse particular, os achados mais significativos. Revelou-se, assim, apreciável variedade de ecótopos naturais, passíveis de serem habitados pelo hemíptero (Barretto 3, 1966). Em conseqüência surgiu a questão de se essa espécie seria ou não monotípica. Em outras palavras, tornou-se necessário esclarecer a existência de população com valência ecológica suficiente para invadir as habitações e, conseqüentemente, domiciliar-se ou se seriam duas ou mais populações com hábitos distintos, sinantrópicos e silvestres. O problema continua em aberto e, a maior ou menor freqüência com que foram registrados os encontros de P. megistus em biótopos naturais, tem sido explicada por meio de diversas hipóteses. Há as que admitem a politipia com barreiras naturais de ordem climática e as que aceitam a existência de população monotípica eurítopa, atribuindo a escassez dos encontros de ecótopos silvestres ao número limitado de pesquisas levadas a efeito nesse sentido (Aragão2, 1961; Pessoa13, 1962; Barretto3, 1966; Forattini e col. 6, 1970 e Miles11, 1976).

O interesse em conhecer as implicações desse comportamento torna-se óbvio, face às campanhas que foram ou estão sendo encetadas para o controle e possível erradicação desse inseto. Compreende-se que a eficácia dessas medidas estaria forçosamente subordinada, entre outros fatores, à possível existência de comportamento invasivo com subseqüente domiciliação, a partir de focos extradomiciliares. No Estado de São Paulo, Brasil, o combate aos triatomíneos pela aplicação de inseticidas nas habitações, levado a efeito pela atual Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), resultou em acentuada queda ou mesmo desaparecimento, em grandes áreas, do Triatoma infestans. Contudo o mesmo não ocorreu com outras espécies, entre elas, o P. megistus cuja participação nos resultados das capturas vem acusando sensível aumento (Rocha e Silva et al.14, 1969). Em que pesem os múltiplos fatores outros que, com o passar do tempo, poderiam influir no melhor rendimento das coletas, o fato é que o comparecimento do triatomíneo tem sido de molde a despertar a atenção. Em termos gerais, o estado atual no território paulista sugere o interesse imediato na realização de pesquisas visando observar o comportamento da, ou das populações desse heróptero.

Por outro lado, é de se assinalar que, em regiões com P. megistus francamente domiciliado, já tinham sido registradas a sua persistência e capacidade de reinfestação das casas. Observações levadas a efeito no Estado de Minas Gerais, Brasil, evidenciaram a menor sensibilidade desse "barbeiro" às tentativas de sua erradicação por meio do expurgo domiciliar. Esses dados concordam com os obtidos no Estado de São Paulo em localidade onde, anteriormente à aplicação de inseticidas, o triatomíneo desempenhava papel secundário nos ecótopos artificiais. Tais aspectos vieram sugerir, fortemente, a presença de processo substitutivo das populações domiciliadas de T. infestans pelas de P. megistus, em decorrência da eliminação daquelas (Freitas10, 1963 e Dias4,5 1965, 1968).

No estado atual reconhecem-se dois tipos de comportamento do P. megistus correspondendo a distribuição geográfica mais ou menos estabelecida, ao se tomar como limite linha hipotética que percorra o norte-nordeste do Estado de São Paulo. Ao norte observa-se a ocupação dos biótopos artificiais, com conseqüente domiciliação, ao passo que ao sul, o triatomíneo parece restrito ao ambiente natural (Aragão2, 1961 e Forattini7, 1972). Como se mencionou, a explicação desse fato ainda não foi obtida de maneira satisfatória. Por sua vez, reveste-se de alta importância a resposta a perguntas sobre o que poderá ocorrer após o esvaziamento do correspondente nicho ecológico nas biocenoses artificiais existentes em ambientes domiciliares, e quais seriam as possibilidades de substituição das populações triatomínicas eliminadas (Forattini8, 1976).

Para a realização de pesquisas visando o esclarecimento dessas questões, o Estado de São Paulo e suas zonas limítrofes, oferecem campo extremamente favorável. E isso por várias razoes. Em primeiro lugar, como foi mencionado, a sua região norte-nordeste seria de possível transição entre duas hipotéticas populações. Além disso, possui ampla área de ecossistema natural na Serra do Mar, com a presença de população eminentemente silvestre. Acrescente-se a circunstância de ter sido objeto de campanha intensa e regular de combate aos triatomíneos domiciliados, e que levou à sua redução acentuada ou mesmo eliminação. Finalmente, o fato de grande parte do território paulista encontrar-se atualmente em fase de vigilância, enseja condições ótimas para as investigações. Face a isso foi programada e executada série de observações cujo relato inicia-se com o presente trabalho. Neste procura-se descrever quadro básico de distribuição local do P. megistus, bem como as primeiras tentativas de observação de seu comportamento.

Região estudada

A região onde foram levadas a efeito estas observações, compreende quatro localidades do município de Cássia dos Coqueiros, situado no nordeste do Estado de São Paulo e limítrofe com o vizinho Estado de Minas Gerais (Fig. 1). Encontram-se, aproximadamente, entre 21°05' e 21°20' de latitude sul e de 47°05' a 47°15' de longitude oeste. A sede municipal dista ao redor de 20 km da vizinha cidade paulista de Cajurú e a cerca da mesma distância em relação à congênere mineira de Monte Santo.


Esta região localiza-se no limite norte da Depressão Paleozóica constituindo-se no que se poderia chamar de prolongamento meridional do Planalto de Franca. Dessa maneira, apresenta-se com topografia semelhante a este, a julgar pelas descrições e estudos existentes (Ab'Sáber1. 1975). Assim, em altitude que varia de 700 a pouco mais de 1000 metros, observa-se terreno acentuadamente ondulado que termina a leste e sudeste por escarpas altas de arenito-basalto, filiadas ao mesmo sistema das cuestas do nordeste de São Paulo e oeste de Minas Gerais.

Na divisão ecológica do Estado de São Paulo, esta área inclui-se na sub-região quente da Serra Geral (SGq) de Setzer15 (1966), ou então no altiplano de França como subdivisão da sexta região, ou Centro-Norte, de Troppmair16 (1975). No primeiro caso, a classificação considera os elementos climáticos e pedológicos, enquanto que, no segundo, leva em conta critérios fenológicos.

Os aspectos do clima fazem com que, de acordo com Setzer 15 (1966), esta área se constitua em bolsão local classificado no tipo Cwb de Koeppen. Por sua vez, no sistema de Monteiro12 (1973), inclui-se na feição climática Vc do tipo A2. A primeira classificação baseia-se nos dados de pluviosidade e de temperaturas médias, ao passo que a segunda utiliza, como critério, a atuação das massas de ar envolvidas na circulação regional e que se refletem na produção de chuvas. De qualquer maneira, as características climáticas da região são do tipo temperado, com período seco nítido e contrastante com o chuvoso que o sucede pois este apresenta elevados índices de precipitação. Quanto à temperatura, é inferior a 18°C e a 22°C, como média, para o mês mais frio (julho) e mais quente (janeiro), respectivamente.

Tais feições climáticas, caracterizadas pela alternância de épocas nítidas do ano, propiciam os aspectos fenológicos com a predominância de plantas tropófilas. Tanto pela sua situação como pelas peculiaridades supradescritas, esta área pode ser considerada como uma parte da região de transição que caracteriza o altiplano de Franca. Esse aspecto tem sido reconhecido como zona de contato entre paisagens botânicas distintas como as florestas do planalto paulista e os cerrados do ocidente de Minas Gerais e sul de Goiás. De maneira geral, representa a passagem entre o centro e o sul do Brasil, com tendência para as formações vegetais do centro-oeste (Ab'Sáber1 1975, Troppmair16 1975). Por outro lado, no que concerne ao objeto destas pesquisas, a área estudada situa-se também em hipotética zona limítrofe entre os dois já mencionados tipos de comportamento do Panstrongylus megistus, ou seja, em concordância com a transição climática que separa aquelas duas regiões do país (Aragão2, 1961) (Fig. 1).

A vegetação local é representada por campos, cerrados e restos de matas resultantes da destruição da primitiva cobertura natural. O aproveitamento da terra inclui atualmente lavouras variadas com certo predomínio de milho, cana, algodão, arroz e café. Boa parte da área é utilizada para a pecuária de gado bovino leiteiro, contribuindo, para isso, a existência de pastagens naturais. Assim sendo, a paisagem predominante consiste em áreas de cultivo e de pasto pouco extensos, entremeadas por capões de mata de tamanho variável. Os indivíduos vegetais são representados, com predominância, por árvores de pequeno e médio porte, plantas arbustivas e palmeiras. Nas roças e pastagens observa-se, com freqüência, a presença de espécimens isolados, vivos ou seco, erectos ou derrubados. Em menor número e nas manchas de mata residual de maior extensão, pode-se observar a presença de árvores de elevado porte.

As habitações são construídas, predominantemente, com paredes de tijolos ou de barro, rebocadas. Seu estado de conservação, em geral, é precário e assim oferecem bom abrigo potencial para triatomíneos. Os anexos são freqüentes e numerosos, representados não apenas pelos abrigos de animais domésticos, mas também pelos depósitos de gêneros e implementos agrícolas de toda a espécie, e conhecidos como "paióis", além de coberturas para as fossas ou latrinas.

A escolha desta região prendeu-se ao fato de ter sido sede de prolongada e sistemática campanha de controle de triatomíneos, através da aplicação domiciliar de inseticidas (Freitas10, 1963). Em conseqüência, deu-se o desaparecimento da população de T. injestans que anteriormente infestava as habitações. Restou a de P. megistus, cujo comportamento passou a ser objeto destes estudos. Para tanto, como já se mencionou, foram escolhidas três localidades. Com isso, pretendeu-se abranger, o mais possível, o aspecto paisagístico regional, com a inclusão de feições mais particularizadas. As características de cada uma são as apresentadas a seguir.

A primeira é a mais extensa e está situada nas vertentes do vale do rio Cubatão, que deságua no rio Pardo. É percorrida também por vários afluentes do primeiro, conhecidos por diversos nomes sendo, os mais conhecidos, aqueles correspondentes aos de rios da Prata, Jacaré e da Delícia. A área selecionada compreende as localidades denominadas de Bairro da Carqueja e Bairro Jacaré. Inclui-se nela os aspectos anteriormente descritos e, de maneira particular, representa zona de maior grau de atividade agrícola e de densidade habitacional. Assim sendo, ao lado de terrenos abertos para a agricultura e a pecuária, em número apreciável, observa-se a existência de limitado número de manchas de matas residuais. No seu limite ao norte, encontra-se saliente escarpa de arenito-basalto conhecida como Serra da Carqueja. Tal formação empresta feição acidentada à paisagem e, em seu sopé, pode-se notar o desenvolvimento de vegetação predominantemente de porte médio e arbustivo, embora se encontrem, de maneira esparsa, indivíduos arbóreos altos. Desse ponto descortina-se panorama que inclui as duas localidades supramencionadas e todo o vale do sistema do rio Cubatão, o que fornece boa idéia geral das características regionais (Figs. 2 e 3).



A segunda é representada pela localidade conhecida como Bairro da Boiada, atravessada por curso d'água que leva o mesmo nome. Caracteriza-se por menor número de casas e de lavouras, se comparada com a interior, mas com maior extensão de matas residuais. Nestas pode-se observar, com maior freqüência, a presença de árvores mais altas e aspecto mais fechado ao nível do solo (Fig. 4).


Finalmente, a terceira corresponde à localidade conhecida como Bairro Monte Alto, e caracteriza-se também por menor concentração de habitações. Ao lado disso, apresenta maior abundância de terreno utilizado para o pasto do gado. A vegetação residual concentra-se ao longo dos pequenos cursos d'água ou em conjuntos isolados cercados pelas pastagens (Fig. 5).


MATERIAL E MÉTODOS

O objetivo inicial destas pesquisas foi o de colher dados que pudessem definir o quadro local dos focos silvestres e domiciliados de P. megistus. Para tanto, nas localidades escolhidas foram delimitados terrenos circulares com 600 m de raio e cujo centro correspondeu a uma das casas locais para tanto selecionada arbitrariamente. Daí resultaram quatro áreas, assim distribuídas (Fig. 1).

Em cada uma delas, efetuou-se o levantamento das habitações e seus anexos, estes representados por locais de animais domésticos, depósitos cobertos ("paióis") ou não, abrigos de fossas, cercas e outros. Além disso, esse reconhecimento implicou procedimento análogo em relação ao ambiente extradomiciliar silvestre, incluindo todos os tipos de vegetação ali encontrados .

Em etapa seguinte, levada a efeito no período de setembro de 1971 a outubro de 1972, foram pesquisados todos os ecótopos artificiais constituídos pelas casas e seus anexos, nas quatro áreas. No mesmo espaço de tempo, procedeu-se ao exame dos possíveis ecótopos naturais em A, B e C, focalizando palmeiras, árvores vivas ou secas, troncos ocados, e ninhos de animais incluindo cercas e amontoados de material distantes das habitações. Estas pesquisas no ambiente extradomiciliar foram realizadas de maneira a resultar no desbastamento manual desses biótopos.

Concomitantemente às atividades supracitadas, foram construídos galinheiros experimentais (GE), obedecendo à mesma técnica já descrita em publicação anterior 1 Forattini e col. 9. 1973). Para localizá-los, levou-se em consideração a possível influência resultante da destruição dos ecótopos naturais por ocasião do supracitado levantamento. Além disso, pretendeu-se focalizar o papel das manchas de matas residuais e, assim, o referente aos dois tipos de ambientes, representados pelos terrenos, coberto e descoberto, em relação a esse revestimento vegetal. Face a tais fatores, decidiu-se colocar essas construções, em locais onde a pesquisa de ecótopos naturais não fora realizada, obviando assim o possível fator de negatividade que pudesse ser atribuído a essa destruição. Dessa maneira os GE foram dispostos nos Bairros da Carqueja, Boiada e Monte Alto, em número de dois para cada localidade. Na primeira escolheu-se situação fora das áreas trabalhadas A e B e correspondente ao sopé da escarpa, entre a vegetação local (Fig. 6). Outros dois foram colocados, também fora da área trabalhada C e o par restante foi instalado em região onde não se procedeu à pesquisa no ambiente silvestre, e incluída no Bairro Monte Alto. Nestes últimos quatro GE, para cada área, a situação obedeceu ao critério de situar um dentro da mata residual e outro no terreno aberto e exterior à vegetação (Fig. 7, 8). Dessa maneira, e de acordo com a orientação descrita, a disposição desses seis ecótopos artificiais foi a seguinte:




A situação geográfica desses GE poderá ser apreciada no mapa da Fig. 1.

RESULTADOS

Ambiente domiciliar – os resultados dos exames das casas e seus anexos, nas várias áreas, acham-se expostos nas Tabelas 1 e 3 . Pode-se verificar a negatividade das habitações e a baixa positividade limitada aos anexos. Todavia deve-se ressaltar o relativamente pequeno número de casas examinadas e o aspecto peculiar de um desses anexos ter sido representado por depósito que servia de pernoite a pessoa moradora da localidade (Fig. 9). Ali foi encontrado o maior foco domiciliado de P. megistus, representado pela coleta de 16 adultos e 221 ninfas (Tabela 3 ). De qualquer forma, nas quatro áreas, o triatomíneo apresentou aspecto relativamente uniforme, ou seja, o de se encontrar domiciliado embora confinado ao peridomicílio.


Ambiente silvestre ou extradomiciliar – para as três áreas onde foi levada a efeito a pesquisa no ambiente extradomiciliar (A, B e C) os resultados acham-se resumidos nas Tabelas 2 e 3 . Foram encontrados 7 focos de P. megistus em ecótopos naturais de aspecto constantemente representado por árvores ocadas, ou seja, que apresentam o tronco escavado (Fig. 10). Desses focos, seis situavam-se dentro das matas residuais e um em espaço aberto. Este foi representado por árvore seca localizada dentro dos limites de terreno cultivado. Todos esses biótopos, constituiam-se em abrigos de animais silvestres, albergando ninhos e locais de repouso identificados pelos vestígios encontrados ou pelos próprios animais ali surpreendidos por ocasião do exame. Dessa maneira, pôde-se evidenciar a presença nesses ecótopos de gambás (Didelphis), morcegos, roedores e aves.


Galinheiros experimentais (GE) – Decorrido tempo que variou de 13 a 16 meses de sua instalação, os seis GE foram objeto de exame em 26 e 27. III. 1973. Os resultados obtidos acham-se expostos na Tabela 4. Pôde-se evidenciar a colonização do triatomíneo em dois deles, a 1 e c1, tendo sido também surpreendida sua passagem em outro, d1. revelada pela presença de um ovo eclodido. Por tais resultados verifica-se que a instalação do P. megistus somente ocorreu nos ecótopos construídos dentro da vegetação, seja no sopé da escarpa, seja no conjunto de matas residuais. Acresce que um dos GE, o c2, teve seu exame prejudicado face à colonização local de grande colônia de carrapatos Argasidae.

COMENTÁRIOS

Como se referiu a persistência de Panstrongylus megistus no ambiente domiciliar constitui fato observado há certo tempo. No caso particular da região objeto do presente estudo, tal aspecto foi assinalado desde as primeiras pesquisas de Freitas 10 (1963), que atribuiu esse fenômeno, pelo menos em parte, à presença de focos extradomiciliares. Os resultados aqui relatados concordam com os desse autor, em suas linhas gerais.

Parece fora de dúvida que a população local do triatomíneo encontra-se como que assediando a casa do homem, tentando invadi-la para ali estabelecer suas colônias. Sua presença nos anexos peridomiciliares evidencia esse fato e, o relativo pequeno número de achados pode ser levado em conta como resultado do constante serviço de vigilância e controle, que não permite ao inseto maior desenvolvimento populacional nesses ambientes.

Por sua vez, os resultados das pesquisas de focos silvestres, também foram escassos. No entanto, revelaram aspecto constante no tipo local de ecótopos naturais, representado por ocos de árvores situadas nas matas residuais, e que serviam de abrigo a mamíferos silvestres, principalmente marsupiais (Didelphis). Nas observações anteriormente já citadas, evidenciou-se a possibilidade de locas de pedra virem a desempenhar esse papel (Freitas10, 1963). A colonização obtida no GE a 1, instalado na proximidade desses biótopos, ou seja, no sopé da escarpa da Carqueja, sugere fortemente a presença desses focos.

A despeito do número um tanto reduzido de encontros do P. megistus no ambiente natural, à instalação de galinheiros experimentais (GE) seguiu-se apreciável colonização pelo menos em dois desses ecótopos. Embora esse fato tenha sido observado por Freitas10 (1963) não o foi com a intensidade aqui obtida. Pode-se argumentar que os GE que resultaram positivos, foram aqueles localizados dentro da vegetação residual e, desta forma, em proximidade dos focos naturais. Na realidade esse aspecto somente poderá ser esclarecido através de futuras investigações, mas parece bastante claro que a população local possui capacidade não desprezível de habitar ecótopos artificiais. Tudo indica que existe a possibilidade de intercâmbio entre o ambiente domiciliar e o silvestre e, de acordo com observações levadas a efeito em outras regiões, esse triatomíneo apresenta a capacidade de movimentar-se a consideráveis distâncias em direção ao ambiente artificial (Miles11, 1975).

Os resultados obtidos permitem evidenciar a presença de domiciliação e de hábitos silvestres concomitantes, por parte do P. megistus. Esse quadro permite atribuir-lhe valência ecológica suficiente para o desenvolvimento de poder invasivo em relação ao ambiente humano.

CONCLUSÕES

Pelo que foi exposto, conclui-se o que segue:

1 – Na região do município de Cássia dos Coqueiros, Estado de São Paulo, Brasil, ocorre população de Panstrongylus megistus domiciliada.

2 – Nesse particular situa-se, pois, na área de distribuição geográfica onde esse triatomíneo desempenha papel de transmissor da tripanossomíase americana.

3 – Ao lado da domiciliação, a população local do inseto encontra-se habitando o ambiente extradomiciliar, representado principalmente pelos aglomerados de matas residuais.

4 – A população silvestre apresenta capacidade evidente de ocupar ecótopos artificiais, demonstrada pela franca colonização de galinheiros experimentais (GE).

5 – Na dependência de sua capacidade de dispersão e mobilidade, o ambiente domiciliar estará sujeito à invasão por parte do triatomíneo, a partir desses focos situados nas matas residuais.

Recebido para publicação em 08/09/1976

Aprovado para publicação em 10/09/1976

Realizado com o auxílio financeiro parcial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Proc. C. Médicas 72/770)

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 1977

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 1976
    • Aceito
      10 Set 1976
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