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Efeito da idade no equilíbrio corporal e nos resultados do vídeo teste do impulso cefálico em pacientes com insuficiência cardíaca

RESUMO

Objetivo

verificar se existe associação entre a avaliação clínica do equilíbrio e o ganho do reflexo vestíbulo-ocular com o avanço da idade em pacientes com insuficiência cardíaca.

Métodos

estudo transversal analítico-descritivo, de caráter observacional, que incluiu pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca, divididos em dois grupos, por idade (G1, menos de 60 anos e G2, 60 anos ou mais). Os pacientes foram avaliados por meio de anamnese, avaliação cardiológica, avaliação clínica do equilíbrio corporal (triagem da função cerebelar e avaliação do equilíbrio estático e dinâmico) e instrumental da função vestibular (Video Head Impulse Test-vHIT). Os achados obtidos foram descritos e comparados por meio de análise estatística inferencial.

Resultados

foram avaliados 34 pacientes com média de idade de 55 anos e 9 meses, a maioria homens (71,49%). Não houve associação do ganho do reflexo vestíbulo-ocular, simetria dos canais semicirculares e avaliações do equilíbrio corporal com o avanço da idade. Observaram-se associações entre os resultados da prova de Unterberger-Fukuda com o ganho do reflexo vestíbulo-ocular do canal semicircular lateral direito e posterior esquerdo e com os percentuais de simetria dos canais semicirculares anteriores para os pacientes do Grupo 2. Para os indivíduos do Grupo 1, foi observada associação entre os resultados da prova de Unterberger-Fukuda com os valores de simetria dos canais semicirculares anteriores e do ganho de reflexo vestíbulo-ocular dos canais semicirculares anterior esquerdo e posterior direito.

Conclusão

não houve associação entre os resultados da avaliação clínica do equilíbrio corporal e dos achados do vHIT com o avanço da idade, em pacientes com insuficiência cardíaca. Entretanto, observou-se diferença entre o ganho do reflexo vestíbulo-ocular específico para alguns canais semicirculares, com maiores índices de alteração na prova de equilíbrio dinâmico, em ambos os grupos. Os resultados dos testes aplicados permitiram caracterizar o predomínio da hipofunção vestibular crônica de origem periférica nos pacientes com insuficiência cardíaca, independentemente da faixa etária.

Palavras-chave:
Insuficiência cardíaca; Teste do impulso cefálico; Vertigem; Testes vestibulares; Doenças cardiovasculares

ABSTRACT

Purpose

to verify whether there is an association between the clinical assessment of balance and the gain in the vestibulo-ocular reflex with advancing age in patients with heart failure.

Methods

analytical-descriptive, observational cross-sectional study, which included patients diagnosed with heart failure, divided into two groups by age (G1, under 60 years old and G2, 60 years old or older). The patients were evaluated through anamnesis, cardiac assessment, clinical assessment of body balance (cerebellar function screening and assessment of static and dynamic balance) and instrumental assessment of vestibular function (Video Head Impulse Test-vHIT). The findings were described and compared through inferential statistical analysis.

Results

34 patients with a mean age of 55 years and 9 months, mostly men (71.49%). There was no association between vestibulo-ocular reflex gain, symmetry of the semicircular canals and body balance with advancing age. Associations were observed between the results of the Unterberger-Fukuda test with the gain in the vestibulo-ocular reflex of the right lateral and left posterior semicircular canals and with the percentages of symmetry of the anterior semicircular canals for patients in Group 2. In Group 1, an association was observed between the results of the Unterberger-Fukuda test and the symmetry values of the anterior semicircular canals and the gain in the vestibulo-ocular reflex of the left anterior and right posterior semicircular canals.

Conclusion

there was no association between the results of the clinical assessment of body balance and the vHIT findings with advancing age in patients with heart failure. However, there was a difference between the gain of the specific vestibulo-ocular reflex for some semicircular canals, with higher rates of alteration in the dynamic balance test, in both groups. The results of the applied tests allowed characterize the predominance of chronic vestibular hypofunction of peripheral origin in patients with heart failure, regardless of age group.

Keywords:
Heart failure; Head pulse test; Vertigo; Vestibular tests; Cardiovascular diseases

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica caracterizada por um conjunto de sintomas e sinais causados por uma anormalidade estrutural ou funcional do coração, resultando em um débito cardíaco diminuído ou pressões intracardíacas elevadas(11 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: the Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200. http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehw128. PMid:27206819.
http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehw1...
). É uma doença de alta prevalência, com implicações nos termos de morbimortalidade dos indivíduos acometidos e, também, nos gastos do sistema de saúde(22 Kurmani S, Squire I. Acute heart failure: definition, classification and epidemiology. Curr Heart Fail Rep. 2017;14(5):385-92. http://dx.doi.org/10.1007/s11897-017-0351-y. PMid:28785969.
http://dx.doi.org/10.1007/s11897-017-035...
). Na América do Sul, é considerada como a principal causa de internação hospitalar e, no Brasil, estima-se que aproximadamente 21% das internações relacionadas às afecções do aparelho circulatório são provenientes da IC(33 Albuquerque DC, Souza Neto JD, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42. http://dx.doi.org/10.5935/abc.20150031. PMid:26131698.
http://dx.doi.org/10.5935/abc.20150031...
).

Alguns estudos investigaram a correlação entre o sistema cardiovascular e os sintomas cocleovestibulares(44 Neri G, Marcelli V, Califano L, Glicover Investigators. Assessment of the effect of mesoglycan in the treatment of audiovestibular disorders of vascular origin. Int J Immunopathol Pharmacol. 2018;32:2058738418773833. http://dx.doi.org/10.1177/2058738418773833. PMid:29734824.
http://dx.doi.org/10.1177/20587384187738...

5 Lee H. Isolated vascular vertigo. J Stroke. 2014;16(3):124-30. http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3.124. PMid:25328871.
http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3....
-66 Marchiori LLM, Filho EAR. Vertigo complaint and blood hypertension. Rev CEFAC. 2007;9(1):116-21. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007000100015.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007...
). Além disso, alguns medicamentos comumente utilizados no tratamento clínico da IC, como antiarrítmicos e diuréticos, estão potencialmente relacionados com o surgimento de sintomas vestibulares. Desses sintomas, a vertigem pode ser considerada um biomarcador importante para as alterações da microcirculação labiríntica, sendo um indicativo relevante para as alterações circulatórias provocadas por doenças cardiovasculares (DCVs)(44 Neri G, Marcelli V, Califano L, Glicover Investigators. Assessment of the effect of mesoglycan in the treatment of audiovestibular disorders of vascular origin. Int J Immunopathol Pharmacol. 2018;32:2058738418773833. http://dx.doi.org/10.1177/2058738418773833. PMid:29734824.
http://dx.doi.org/10.1177/20587384187738...
). Os danos causados pelas mudanças de circulação na orelha interna podem causar comprometimentos periféricos e centrais no sistema cocleovestibular e gerar sintomas leves, moderados ou severos, mesmo em pacientes compensados no ponto de vista cardiovascular(55 Lee H. Isolated vascular vertigo. J Stroke. 2014;16(3):124-30. http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3.124. PMid:25328871.
http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3....
,66 Marchiori LLM, Filho EAR. Vertigo complaint and blood hypertension. Rev CEFAC. 2007;9(1):116-21. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007000100015.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007...
).

A avaliação vestibular é indicada a todos os indivíduos com queixa de tontura, independente de sua etiologia. Dentro da bateria de testes que avaliam a função vestibular, o Video Head Impulse Test (vHIT) destaca-se como um teste padrão ouro no domínio das altas frequências, por sua sensibilidade e especificidade, que permite avaliar os três pares de canais semicirculares (CSC) de modo sinérgico, fornece medidas objetivas de ganho, assimetria do reflexo vestíbulo-ocular (RVO) e sobre a presença de sacadas corretivas(77 Macdougall HG, Mcgarvie LA, Halmagyi GM, Curthoys IS, Werber KP. The Video Head Impulse Test (vHIT) Detects Vertical Semicircular Canal Dysfunction. PLoS One. 2013;8(4):e61488. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0061488. PMid:23630593.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
,88 Roh KJ, Kim JU, Son EJ. Comparison of suppression head impulse and conventional head impulse test protocols. Res Vestib Sci. 2019;18(4):91-7. http://dx.doi.org/10.21790/rvs.2019.18.4.91.
http://dx.doi.org/10.21790/rvs.2019.18.4...
).

A queixa de tontura se configura como um fator de risco que pode levar à queda e diversas complicações e, quando associada à morbidade causada pela IC, o impacto desses sintomas na qualidade de vida pode ser ainda mais debilitante, por gerar prejuízos no desempenho das atividades profissionais, sociais e domésticas(33 Albuquerque DC, Souza Neto JD, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42. http://dx.doi.org/10.5935/abc.20150031. PMid:26131698.
http://dx.doi.org/10.5935/abc.20150031...
,66 Marchiori LLM, Filho EAR. Vertigo complaint and blood hypertension. Rev CEFAC. 2007;9(1):116-21. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007000100015.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007...
).

Ao considerar a alta prevalência da IC na população brasileira e mundial, bem como as vantagens e inovações que o vHIT trouxe para a avaliação vestibular, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre os resultados da avaliação clínica do equilíbrio corporal, do vHIT e o avanço da idade em pacientes com IC.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - CEP/HUOL/UFRN, sob número de parecer 2.809.558/2019. Trata-se de um estudo transversal analítico-descritivo. A casuística foi obtida por meio de uma amostra de 34 pacientes, selecionados por conveniência, com diagnóstico médico cardiológico de IC, de classe funcional do tipo I (com base nos critérios estabelecidos pela New York Heart Association), acompanhados em um ambulatório multiprofissional e interprofissional, que apresentavam queixas vestibulares e/ou no equilíbrio corporal. A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2019 a janeiro de 2020.

Para critérios de seleção, a amostra foi dividida em dois grupos: Grupo 1 (G1), constituído por 21 adultos, com idade entre 30 e 59 anos e 11 meses e, Grupo 2 (G2), formado por 13 idosos com idade a partir de 60 anos. Com relação ao tipo de IC, 21 pacientes apresentavam diagnóstico de IC de fração de ejeção preservada (diastólica), enquanto 13 apresentavam IC de fração de ejeção reduzida (sistólica).

Após serem orientados a respeito das etapas do estudo, bem como seus procedimentos, os pacientes que concordaram em participar foram orientados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo os pacientes que apresentavam doenças crônicas degenerativas, tumores no sistema nervoso central ou algum tipo de limitação física ou cervical que impossibilitasse a execução dos procedimentos da pesquisa, principalmente relacionados ao teste do impulso cefálico.

Os pacientes responderam a um protocolo prévio, construído pelos autores, com o objetivo de colher informações sobre os sintomas cocleovestibulares, a história pregressa e a doença cardiovascular. As informações sobre a avaliação cardiológica foram obtidas por meio do prontuário médico eletrônico.

Realizou-se a avaliação clínica do equilíbrio corporal para relacionar os achados funcionais com os parâmetros do vHIT, por meio da seleção das seguintes provas: diadococinesia e index-naso, para excluir a possibilidade de alterações de origem centrais; provas de Romberg e Romberg Sensibilizado para avaliar o equilíbrio estático e a prova Passos de Unterberger-Fukuda (PUF) para avaliação do equilíbrio dinâmico(99 Zuma e Maia FC, Carmona S, Costa SS. Avaliação clínica do paciente vertiginoso. In: Zuma e Maia FC, Albernaz PLM, Carmona S. Otoneurologia atual. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p. 25-51.,1010 Fernandes ACG, Zamberlan-Amorim NE, Zanchetta S. Associação entre a prova de Unterberger-Fukuda e o exame de vectoeletronistagmografia. Rev CEFAC. 2018;20(2):145-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201820213917.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620182...
).

Na prova de Romberg, o paciente deve permanecer em posição ortostática, com os braços rentes ao corpo, calcanhares juntos e pontas dos pés separadas a 30º. A prova deve ser realizada com olhos abertos e fechados. Na prova de Romberg Sensibilizado, o paciente deve permanecer com um pé na frente do outro, com os olhos abertos e depois fechados. Em ambos os testes, o paciente permanece de 30 a 60 segundos na posição determinada pelo avaliador, sendo observada a diferença de oscilação entre as condições presença e ausência de visão. O resultado do teste é considerado positivo (+) quando o paciente apresenta oscilações do corpo, como, por exemplo, desequilíbrio e tendência a quedas. Já no resultado negativo (-), o indivíduo não apresenta desequilíbrio e/ou oscilações do corpo(99 Zuma e Maia FC, Carmona S, Costa SS. Avaliação clínica do paciente vertiginoso. In: Zuma e Maia FC, Albernaz PLM, Carmona S. Otoneurologia atual. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p. 25-51.).

Na prova Passos de Unterberger-Fukuda, o paciente deve marchar no mesmo lugar, elevando os joelhos em, aproximadamente, 45º, com os braços estendidos ao longo do corpo, olhos abertos e depois fechados, em torno de 60 segundos. Caso o paciente tenha um deslocamento maior que um metro e/ou rotação do corpo superior à 45º, o resultado deve ser considerado sugestivo de disfunção vestibular. Vale salientar que, em lesões assimétricas, o corpo produz rotação para o lado do labirinto menos funcionante(1010 Fernandes ACG, Zamberlan-Amorim NE, Zanchetta S. Associação entre a prova de Unterberger-Fukuda e o exame de vectoeletronistagmografia. Rev CEFAC. 2018;20(2):145-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201820213917.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620182...
).

O vHIT foi realizado (dispositivo ICS-Impulse, fabricante Natus-Otometrics), seguindo as orientações do fabricante e de um estudo anterior(1111 Otometrics. ICS Impulse USB- Reference Manual [Internet]. Otometrics; 2015. [citado em 2023 Fev 21]. Disponível em: http://madsen.hu/pdf/utmutato/Impulse_3.0_Reference_Manual_7-50-2040-EN_01.pdf
http://madsen.hu/pdf/utmutato/Impulse_3....
,1212 Hougaard DD, Abrahamsen ER. Functional testing of all six semicircular canals with video head impulse test systems. J Vis Exp. 2019;18(4):1-14. http://dx.doi.org/10.3791/59012. PMid:31058885.
http://dx.doi.org/10.3791/59012...
), em relação ao posicionamento do paciente, fixação e distanciamento do alvo na parede e critérios de calibração. Os testes de estimulação do canal lateral e vertical foram realizados por meio de impulsos de cabeça de baixa amplitude (10°‒20°) e uma faixa de velocidade de 150°‒200°/seg, de acordo com o manual do equipamento(77 Macdougall HG, Mcgarvie LA, Halmagyi GM, Curthoys IS, Werber KP. The Video Head Impulse Test (vHIT) Detects Vertical Semicircular Canal Dysfunction. PLoS One. 2013;8(4):e61488. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0061488. PMid:23630593.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
,1111 Otometrics. ICS Impulse USB- Reference Manual [Internet]. Otometrics; 2015. [citado em 2023 Fev 21]. Disponível em: http://madsen.hu/pdf/utmutato/Impulse_3.0_Reference_Manual_7-50-2040-EN_01.pdf
http://madsen.hu/pdf/utmutato/Impulse_3....
,1212 Hougaard DD, Abrahamsen ER. Functional testing of all six semicircular canals with video head impulse test systems. J Vis Exp. 2019;18(4):1-14. http://dx.doi.org/10.3791/59012. PMid:31058885.
http://dx.doi.org/10.3791/59012...
).

Os parâmetros analisados foram o ganho do RVO, a simetria entre os CSCs e a presença e caracterização dos parâmetros das sacadas compensatórias, percentual de ocorrência, amplitude, latência e o Perez and Rey Score (PR Score). A anormalidade foi indicada por um ganho do RVO reduzido e/ou presença de sacadas compensatórias(1313 Yang CJ, Lee J, Kang BC, Lee HS, Yoo MH, Park H. Quantitative analysis of gains and catch-up saccades of video head impulse testing by age in normal subjects. Clin Otolaryngol. 2016;41(5):532-8. http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558. PMid:26453356.
http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558...
). Em relação aos valores de referência usados na análise do vHIT, foram considerados os propostos pela literatura(77 Macdougall HG, Mcgarvie LA, Halmagyi GM, Curthoys IS, Werber KP. The Video Head Impulse Test (vHIT) Detects Vertical Semicircular Canal Dysfunction. PLoS One. 2013;8(4):e61488. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0061488. PMid:23630593.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
,1212 Hougaard DD, Abrahamsen ER. Functional testing of all six semicircular canals with video head impulse test systems. J Vis Exp. 2019;18(4):1-14. http://dx.doi.org/10.3791/59012. PMid:31058885.
http://dx.doi.org/10.3791/59012...
), nos quais o ganho do RVO está entre 0,8 e 1,20 para os canais laterais e 0,7 e 1,20 para os verticais.

A compensação do sistema vestibular foi mensurada a partir do PR Score, cujo objetivo é medir a taxa de agrupamento das sacadas compensatórias em função do tempo. O valor de PR Score é mensurado de 0 a 100 pontos e, quanto maior o valor de PR Score, maior é a dispersão das sacadas, indicativo de ’descompensação vestibular’. Menores pontuações indicam menor dispersão, ou seja, agrupamento das sacadas, característica de melhor compensação vestibular em relação às sacadas dispersas, o que contribui diretamente para o melhor ganho de RVO(1414 Rey-Martinez J, Atuecas-Caletrio A, Martiño E, Perez-Fernandez N. HITCal: a software tool for analysis of video head impulse test responses. Acta Otolaryngol. 2015;135(9):886-94. http://dx.doi.org/10.3109/00016489.2015.1035401. PMid:25857220.
http://dx.doi.org/10.3109/00016489.2015....
,1515 Guajardo-Vergara C, Perez-Fernandez N. A New and Faster Method to Assess Vestibular Compensation: A cross-sectional study. Laryngoscope. 2020;130(12):E911-7. http://dx.doi.org/10.1002/lary.28505. PMid:32031691.
http://dx.doi.org/10.1002/lary.28505...
).

A latência foi utilizada para caracterizar a presença de sacadas encobertas ou evidentes. As sacadas foram consideradas encobertas quando iniciaram antes da finalização do impulso cefálico (tempo entre 70 ms e 100 ms), e evidentes quando apresentaram tempo maior que 100 ms (iniciadas após a finalização do impulso)(1313 Yang CJ, Lee J, Kang BC, Lee HS, Yoo MH, Park H. Quantitative analysis of gains and catch-up saccades of video head impulse testing by age in normal subjects. Clin Otolaryngol. 2016;41(5):532-8. http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558. PMid:26453356.
http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558...
).

A amplitude das sacadas foi considerada alterada quando apresentou valor maior de 100º/s, independentemente do valor do ganho do RVO, ou uma diferença interaural maior ou igual a 40º/s para a amplitude do canal contralateral. Os parâmetros de amplitude e latência foram utilizados especificamente na análise dos canais laterais(1313 Yang CJ, Lee J, Kang BC, Lee HS, Yoo MH, Park H. Quantitative analysis of gains and catch-up saccades of video head impulse testing by age in normal subjects. Clin Otolaryngol. 2016;41(5):532-8. http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558. PMid:26453356.
http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558...
).

Para atingir os objetivos propostos pelo estudo, além da análise estatística descritiva, foram utilizados os seguintes testes(1616 Pagano M, Gauvreau K. Princípios de bioestatística. São Paulo: Thomson; 2004.):

  • Teste Exato de Fisher, para verificar a associação estatística das variáveis categóricas em função do grupo;

  • t-Student, para amostras independentes, com o objetivo de comparar duas médias provenientes de amostras não pareadas;

  • Coeficiente de Correlação de Spearman (Rho), para quantificar a associação entre duas variáveis quantitativas. Este coeficiente varia entre os valores -1 e 1. Foram adotados valores de correlação propostos pela literatura, em que valores entre 0.2 e 0.4 são considerados uma correlação fraca; entre 0.41 e 0.7, moderada e, entre 0.71 e 0.9, forte.

  • Anova Two Way, com o objetivo de particionar a variância total de uma determinada resposta (variável dependente) em duas: a primeira devida ao modelo de regressão (no caso, entre grupos) e a segunda devida aos resíduos (erros) (dentro dos grupos). Quanto maior for a primeira em relação à segunda, maior é a evidência da diferença entre as médias dos grupos. Esse modelo tem como pressuposto que seus resíduos tenham distribuição normal com média 0 e variância constante

Em todas as análises, considerou-se o nível de significância de 5% e os ajustes foram obtidos no software SAS (versão 9.2).

RESULTADOS

A amostra foi composta por 27 homens (79,41%) e sete mulheres (20,59%), com média de idade de 55 anos e 9 meses. O G1 caracterizou 61,76% da amostra estudada, com média de idade de 46 anos e 6 meses, enquanto o G2 representou 38,32% da amostra, com média de idade de 68 anos e 8 meses. Todos os pacientes apresentavam classe funcional da IC do tipo I, demonstrando que estavam compensados sob o ponto de vista cardiovascular.

De acordo com os sintomas cocleovestibulares autorrelatados, a tontura foi o que teve maior representação (73,53%), seguida do zumbido em, pelo menos, uma das orelhas (55,89%), vertigem (52,94%), pré-síncope (44,12%) e desequilíbrio ou instabilidade (26,47%).

Não foram observadas alterações na totalidade da amostra na triagem da função cerebelar e na prova de Romberg. Nas provas de Romberg Sensibilizado e na PUF, foram encontrados resultados alterados (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição percentual do resultado das provas de Romberg Sensibilizado e Passos de Unterberger-Fukuda por grupos

A alteração nos parâmetros do vHIT, levando em consideração ganho do RVO diminuído e simetria dos CSCs foi mais frequente para os CSCs verticais na amostra total; o padrão foi mantido para o G1 e, quando avaliado o G2, observou-se redução do ganho também para o CSC lateral esquerdo (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das medidas descritivas do ganho do reflexo vestíbulo-ocular e assimetria de cada canal semicircular, na amostra por grupos, no teste do impulso cefálico (Video Head Impulse Test)

Identificou-se que 70,58% dos pacientes apresentaram ocorrência das sacadas compensatórias em um ou mais CSCs. Os CSCs laterais tiveram maior ocorrência de sacadas compensatórias, seguidos dos canais anteriores e posteriores. A caracterização dos parâmetros sacádicos está descrita no Quadro 1.

Quadro 1
Representação das medidas descritivas dos parâmetros das sacadas compensatórias para os canais semicirculares que as apresentaram

Foi utilizado o teste t-Student para comparar as variáveis ganho e simetria dos CSCs, entre os grupos G1 e G2, porém, não se observou diferença estatística. Quanto à correlação entre o ganho do vHIT e ocorrência de sacadas com a variável idade, observaram-se valores indicativos de fraca correlação (CSC lateral esquerdo r=0,088 e p=0,62; CSC lateral direito r=0,0509 e p=0,02; CSC anterior esquerdo r=-0,285 e p=0,10; CSC anterior direito r= -0,292 e p= 0,09; CSC posterior esquerdo r=0.066 e p=0,71 e CSC posterior direito r=0,060 e p=0,71).

Tendo em vista que não houve resultados alterados na avaliação da função cerebelar e na prova de Romberg, não foi realizada a análise inferencial dessas variáveis. Foi aplicado o teste Exato de Fisher para comparar os resultados das provas de Romberg Sensibilizado, mas não se observou diferença dos resultados entre os grupos G1 e G2 (p>0,05), embora o valor de p tenha se aproximado da diferença estatística (p = 0,051) na prova de Romberg Sensibilizado.

O teste ANOVA Two Way foi utilizado para comparar os resultados das provas de Romberg Sensibilizado e PUF com as demais variáveis estudadas (idade, ganho dos CSCs anteriores direito e esquerdo, laterais direito e esquerdo, posterior direito e esquerdo, assimetria dos CSCs anteriores, laterais e posteriores), entre o G1 e o G2.

Na prova de Romberg Sensibilizado não se observou associação na comparação das variáveis citadas, entre os grupos etários (p>0,05).

Quanto às variáveis que obtiveram diferença estatística na PUF, foi possível identificar diferenças entre parâmetros específicos do vHIT, como ganho do RVO com a PUF no G1, e de outros parâmetros, no G2, como a simetria dos CSCs e o ganho do RVO (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos resultados na comparação das variáveis entre os grupos etários 1 e 2 na prova de Unterberger-Fukuda, por meio do Teste Anova Two Way

DISCUSSÃO

A IC é um problema de saúde pública mundial e, dentre as DCVs, apresenta maior número de diagnósticos entre a quinta e a sexta década de vida, com maior prevalência na população masculina, dados compatíveis com os deste estudo. A presença de maior número de fatores de risco para desenvolvimento de doenças crônicas nos homens, em comparação a mulheres, também é citada na literatura(1717 Dourado MB, Oliveira FS, Gama GGG. Perfis clínico e epidemiológico de idosos com insuficiência cardíaca. Rev Enferm UFPE. 2019;13(1):408-15. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v13i02a236661p408-415-2019.
http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v13i...
,1818 Tuppin P, Cuero A, Peretti C, Fagot-Campagna A, Danchin N, Juillière Y, et al. First hospitalization for heart failure in France in 2009: patient characteristics and 30-day follow-up. Arch Cardiovasc Dis. 2013;106(11):570-85. http://dx.doi.org/10.1016/j.acvd.2013.08.002. PMid:24140417.
http://dx.doi.org/10.1016/j.acvd.2013.08...
).

Os sintomas cocleovestibulares podem ser comuns na população com DCVs, principalmente a tontura clássica, a vertigem e o zumbido, sintomas citados como manifestações clínicas comuns em doenças que acometem o funcionamento vascular do organismo(44 Neri G, Marcelli V, Califano L, Glicover Investigators. Assessment of the effect of mesoglycan in the treatment of audiovestibular disorders of vascular origin. Int J Immunopathol Pharmacol. 2018;32:2058738418773833. http://dx.doi.org/10.1177/2058738418773833. PMid:29734824.
http://dx.doi.org/10.1177/20587384187738...
,1919 Koo M, Chen JC, Hwang JH. Risk of peripheral artery occlusive disease in patients with vertigo, tinnitus, or sudden deafness: a secondary case-control analysis of a nationwide, population-based health claims database. PLoS One. 2016;11(9):1-10. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0162629. PMid:27631630.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

Na triagem da função cerebelar, não foi observada nenhuma alteração em toda a amostra, o que é importante para descartar possíveis vestibulopatias de origem central(99 Zuma e Maia FC, Carmona S, Costa SS. Avaliação clínica do paciente vertiginoso. In: Zuma e Maia FC, Albernaz PLM, Carmona S. Otoneurologia atual. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p. 25-51.,2020 Mangussi-Gomes J, Nogueira JB No, Kosugi EM. Manejo do Paciente com vertigem. In: Mangussi-Gomes J, Nogueira JB No, Kosugi EM. Manual do Residente da UNIFESP - Manual de Otorrinolaringologia. 2. ed. São Paulo: ROCA, 2015: 24-40.). As alterações clínicas estiveram presentes na maior parte da amostra avaliada, nas provas de Romberg Sensibilizado e PUF, com achados característicos de disfunção vestibular periférica. Nos pacientes avaliados, observaram-se maiores índices de instabilidade para o lado esquerdo, mostrando que a PUF auxilia na identificação do lado da lesão em casos de uma disfunção vestibular assimétrica, sendo um teste clínico ainda mais sensível que a prova de Romberg, nestes casos(99 Zuma e Maia FC, Carmona S, Costa SS. Avaliação clínica do paciente vertiginoso. In: Zuma e Maia FC, Albernaz PLM, Carmona S. Otoneurologia atual. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p. 25-51.,1010 Fernandes ACG, Zamberlan-Amorim NE, Zanchetta S. Associação entre a prova de Unterberger-Fukuda e o exame de vectoeletronistagmografia. Rev CEFAC. 2018;20(2):145-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201820213917.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620182...
).

Com base nos resultados obtidos no vHIT, foi observada média de ganho reduzida para os CSC verticais em ambos os grupos, porém, para o G2 o CSC lateral esquerdo também se mostrou alterado. A média da simetria dos CSCs verticais também esteve alterada para ambos os grupos. Até o momento, não foram encontrados estudos que relacionassem esses parâmetros em pacientes com IC. No entanto, esses achados sugerem que as disfunções vestibulares periféricas, nessa população, podem ter ocorrido na fase inicial da descompensação cardíaca sem que tenham sido totalmente recuperadas, visto que não foram tratadas no período adequado. Além disso, com o avanço da idade, somadas as oscilações relacionadas ao quadro cardiovascular, outros sensores vestibulares periféricos podem ter sido comprometidos(2121 Agrawal Y, Van de Berg R, Wuyts F, Walther L, Magnusson M, Oh E, et al. Presbyvestibulopathy: Diagnostic Criteria Consensus Document of the Classification Committee of the Bárány Society’. J Vestib Res. 2019;29(4):161-70. http://dx.doi.org/10.3233/VES-190672. PMid:31306146.
http://dx.doi.org/10.3233/VES-190672...
,2222 Ribeiro MBN, Morganti LOG, Mancini PC. Evaluation of the influence of aging on vestibular function by the video Head Impulse Test (v-HIT). Audiol Commun Res. 2019;24:e2209. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019-2209.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019...
).

Ao comparar os resultados do vHIT com os obtidos na PUF, foi observada associação, o que confirma que a redução do ganho do RVO influencia as tarefas que necessitam de controle do equilíbrio corporal(2323 Kammerlind AS, Ledin TE, Odkvist LM, Skargren EI. Influence of asymmetry of vestibular caloric response and age on balance and perceived symptoms after acute unilateral vestibular loss. Clin Rehabil. 2006 Fev;20(2):142-8. http://dx.doi.org/10.1191/0269215506cr886oa. PMid:16541934.
http://dx.doi.org/10.1191/0269215506cr88...
). O G2 obteve piores resultados na PUF, quando comparado ao G1, com diferença estatística para algumas variáveis comparadas, achado que reforça que o envelhecimento exerceu influência nos receptores sensoriais das estruturas que originam respostas do RVO e do reflexo vestíbulo-espinhal (RVE)(2424 Chang TP, Schubert MC. Association of the Video Head Impulse Test With Improvement of Dynamic Balance and Fall Risk in Patients With Dizziness. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2018;144(8):696-703. http://dx.doi.org/10.1001/jamaoto.2018.0650. PMid:29955786.
http://dx.doi.org/10.1001/jamaoto.2018.0...
). Contudo, pacientes mais jovens (G1) também apresentaram diferença estatística entre o ganho do RVO e os resultados da PUF, indicativo de que, mesmo em indivíduos mais jovens diagnosticados com IC, pode ocorrer o comprometimento das estruturas sensoriais envolvidas no RVO e RVE.

Maior percentual de ocorrência e maiores valores de amplitude foram observados para as sacadas dos CSCs laterais. Estudos(2525 Pogson JM, Taylor RL, Bradshaw AP, McGarvie LD, Souza M, Halmagyi GM, et al. The human vestibulo-ocular reflex and saccades: normal subjects and the effect of age. J Neurophysiol. 2019;122(1):336-49. http://dx.doi.org/10.1152/jn.00847.2018. PMid:31042447.
http://dx.doi.org/10.1152/jn.00847.2018...
,2626 Anson ER, Bigelow RT, Carey JP, Xue QL, Studenski S, Schubert MC, et al. Aging increases compensatory saccade amplitude in the video head impulse test. Front Neurol. 2016;7:113. http://dx.doi.org/10.3389/fneur.2016.00113. PMid:27486430.
http://dx.doi.org/10.3389/fneur.2016.001...
) mostram uma possível tendência de maior surgimento de sacadas compensatórias nos CSCs laterais devido à maior velocidade do impulso de cabeça nesses canais, gerando maiores valores de amplitude quando comparados com as sacadas nos canais verticais, o que confirma os achados do presente estudo.

Ainda sobre as médias de amplitude das sacadas para os canais laterais, pôde-se observar pequena diferença interaural, característica de predomínio da hipofunção vestibular bilateral e simétrica(1313 Yang CJ, Lee J, Kang BC, Lee HS, Yoo MH, Park H. Quantitative analysis of gains and catch-up saccades of video head impulse testing by age in normal subjects. Clin Otolaryngol. 2016;41(5):532-8. http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558. PMid:26453356.
http://dx.doi.org/10.1111/coa.12558...
). Ressalta-se, além disso, a maior média do PR Score para os CSCs laterais, bilateralmente, nos indivíduos do G2, em comparação ao G1, ou seja, maior índice de dispersão de sacadas, achado sugestivo de descompensação vestibular(1414 Rey-Martinez J, Atuecas-Caletrio A, Martiño E, Perez-Fernandez N. HITCal: a software tool for analysis of video head impulse test responses. Acta Otolaryngol. 2015;135(9):886-94. http://dx.doi.org/10.3109/00016489.2015.1035401. PMid:25857220.
http://dx.doi.org/10.3109/00016489.2015....
,1515 Guajardo-Vergara C, Perez-Fernandez N. A New and Faster Method to Assess Vestibular Compensation: A cross-sectional study. Laryngoscope. 2020;130(12):E911-7. http://dx.doi.org/10.1002/lary.28505. PMid:32031691.
http://dx.doi.org/10.1002/lary.28505...
).

Devido à escassez de pesquisas relacionadas à avaliação vestibular de alta frequência em pacientes com IC ou outro diagnóstico cardiovascular, algumas hipóteses foram levantadas para justificar os achados encontrados.

As estruturas cocleovestibulares são mais sensíveis às alterações sistêmicas, visto que seu suprimento sanguíneo é fornecido por uma única artéria, o que faz com que o sistema vestibular seja mais suscetível às lesões de origem vascular, principalmente isquêmicas(2727 Kim JS, Lee H. Inner ear dysfunction due to vertebrobasilar ischemic stroke. Semin Neurol. 2009;29(5):534-40. http://dx.doi.org/10.1055/s-0029-1241037. PMid:19834865.
http://dx.doi.org/10.1055/s-0029-1241037...
), o que poderia justificar episódios de vertigem e sintomas relacionados, devido ao reflexo da insuficiência microvascular para o suporte sanguíneo nas estruturas labirínticas(1919 Koo M, Chen JC, Hwang JH. Risk of peripheral artery occlusive disease in patients with vertigo, tinnitus, or sudden deafness: a secondary case-control analysis of a nationwide, population-based health claims database. PLoS One. 2016;11(9):1-10. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0162629. PMid:27631630.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

O ramo superior do nervo vestibular inerva as estruturas do utrículo, os CSCs laterais e anteriores, enquanto o ramo inferior é responsável pela inervação do CSC posterior e do sáculo. Desse modo, pode-se supor que, além das alterações no suprimento vascular das estruturas da orelha interna, o comprometimento causado pela IC poderia acometer o nervo vestibular, o que influenciaria o ganho do RVO deficitário. Na amostra estudada, pôde-se observar o acometimento de todos os pares sinérgicos dos CSCs, porém, com média dos valores de ganho do RVO reduzidos para os canais verticais, em ambos os grupos.

Vale ressaltar que os resultados dos procedimentos aplicados nesta pesquisa permitem levantar a hipótese diagnóstica de disfunção vestibular periférica na maior parte dos casos e, em menor incidência, observaram-se queixas de alterações auditivas, o que concorda com os dados da literatura citada(44 Neri G, Marcelli V, Califano L, Glicover Investigators. Assessment of the effect of mesoglycan in the treatment of audiovestibular disorders of vascular origin. Int J Immunopathol Pharmacol. 2018;32:2058738418773833. http://dx.doi.org/10.1177/2058738418773833. PMid:29734824.
http://dx.doi.org/10.1177/20587384187738...
,55 Lee H. Isolated vascular vertigo. J Stroke. 2014;16(3):124-30. http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3.124. PMid:25328871.
http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3....
), a qual sugere que a queixa de vertigem nos pacientes com DCVs poderia ser utilizada como um fator determinante para a solicitação de uma avaliação vestibular especializada.

Os resultados dos testes aplicados associados a evidências encontradas na literatura(44 Neri G, Marcelli V, Califano L, Glicover Investigators. Assessment of the effect of mesoglycan in the treatment of audiovestibular disorders of vascular origin. Int J Immunopathol Pharmacol. 2018;32:2058738418773833. http://dx.doi.org/10.1177/2058738418773833. PMid:29734824.
http://dx.doi.org/10.1177/20587384187738...
,55 Lee H. Isolated vascular vertigo. J Stroke. 2014;16(3):124-30. http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3.124. PMid:25328871.
http://dx.doi.org/10.5853/jos.2014.16.3....
) mostraram uma possível associação entre a IC com a hipofunção vestibular, neste estudo. Embora os pacientes avaliados estivessem compensados do ponto de vista cardiovascular, apresentaram queixas vestibulares e alterações em algumas provas clínicas do equilíbrio corporal, que foram confirmadas pelo vHIT. Além disso, as diversas comorbidades associadas à IC, junto dos diversos medicamentos para o controle da doença, poderiam contribuir para a manutenção do quadro de disfunção vestibular periférica.

Evidencia-se a importância de estudos com maior número amostral, que utilizem outros tipos de procedimentos, para uma avaliação das diversas estruturas do sistema vestibular, além de exames de imagem, como ultrassom de carótida, angioressonância ou angiotomografia, que colaborariam para um diagnóstico diferencial de casos associados a outras doenças, como na IC.

CONCLUSÃO

Não houve associação entre os resultados da avaliação clínica do equilíbrio corporal e dos achados do vHIT (ganho, assimetria e ocorrência de sacadas) com o avanço da idade, em pacientes com IC. Entretanto, observou-se diferença entre o ganho do RVO, específico para alguns CSCs, com maiores índices de alteração na prova de equilíbrio dinâmico, em ambos os grupos.

Os resultados do ganho do RVO, simetria e parâmetros das sacadas compensatórias, no vHIT, analisados em conjunto com os demais testes clínicos de equilíbrio, permitiram caracterizar o predomínio da hipofunção vestibular crônica de origem periférica nos pacientes com IC, independentemente da faixa etária.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de financiamento 001.

  • Trabalho realizado no Programa Associado de Pós-graduação em Fonoaudiologia - PPgFon, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2023
  • Aceito
    08 Jun 2023
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