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Pandemia do COVID-19 e implementação de telefonoaudiologia para pacientes em domicílio: relato de experiência

RESUMO

Apresentamos um relato de experiência de implementação de telefonoaudiologia em tempo real para pacientes que anteriormente eram atendidos em ambulatório em um serviço de atenção primária em saúde. No total, 25 usuários estavam sendo acompanhados pela equipe de fonoaudiologia quando da notificação dos primeiros casos de COVID-19 no sul do Brasil. Destes, julgou-se que 12 pacientes demandavam teleatendimento, pelo menos, quinzenalmente. A teleconsulta disponibilizada nesta primeira etapa, em caráter emergencial na implementação do projeto neste formato, a fim de garantir a manutenção dos atendimentos de pacientes que poderiam sofrer agravamento ou mesmo comorbidades associadas à suspensão da fonoterapia, foram realizadas por telefone, com vídeo, por estudantes de fonoaudiologia, extensionistas do projeto e supervisionadas por um fonoaudiólogo, de forma síncrona. Todas as conversas e orientações durante a teleconsulta são encaminhadas com a maior calma possível e, no caso de pacientes infantis, permeadas por algumas atividades lúdicas. A telessaúde tem se mostrado um recurso eficiente para atendimento de pacientes com demandas fonoaudiológicas, possibilitando o atendimento remoto com a mesma qualidade que o atendimento presencial. Além disso, tem potencial relevante, considerando que há um número significativo de pacientes que precisam de avaliação fonoaudiológica e residem em regiões nas quais há escassez de profissionais qualificados.

Descritores:
Fonoaudiologia; Infecções por Coronavírus; Consulta Remota; Reabilitação; Telemedicina

ABSTRACT

We present an experience report on the implementation of real-time telehealth in speech-language and hearing therapy for patients who were previously seen on an outpatient basis in a primary health care service. The Speech-Language Therapy (SLT) team was monitoring twenty-five users when the first cases of COVID-19 were notified in southern Brazil. Of these, it was judged that twelve patients required at least a monitoring call every two weeks. Teleconsultations were available in this first stage, on an emergency basis, during the implementation of the project in this format. The idea was to guarantee, due to the suspension of the SLT sessions, the maintenance of the care service for patients who could suffer worsening of their cases or even comorbidities. The appointments were carried out by video calls by SLT students, therapists of the extension project, and supervised by a speech-language therapist, synchronously. All conversations and orientations during the teleconsultation were conducted as calmly as possible and, in the case of infant patients, permeated by some playful activities. Telehealth has shown to be an efficient resource for the care of patients with SLT demands, enabling remote care with the same quality as face-to-face care. Besides, it has relevant potential, once there is a significant number of patients, who need SLT assessment and live in regions where there is a shortage of qualified professionals.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Coronavirus Infections; Remote Consultation; Rehabilitation; Telemedicine

INTRODUÇÃO

A pandemia do Coronavírus 2019 (COVID-19) trouxe desafios, anteriormente impensáveis para o século XXI, em termos de demanda por reorganização dos indivíduos em relação às suas rotinas familiares, de lazer, no trabalho e sua relação com o consumo, tanto de bens como de serviços. Especialmente neste período, o distanciamento social é recomendado internacionalmente e regionalmente em virtude da falta de tratamento ou vacina, até o momento, para prevenir ou tratar a infeção pelo COVID-19(11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 (Boletim Epidemiológico; 7) [citado em 2020 Abr 31]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020...
).

Durante o distanciamento social, a relação entre os prestadores e usuários de serviços de saúde considerados não essenciais também sofreu interrupção. São considerados serviços não essenciais ou eletivos todos os atendimentos que não se enquadram em urgência e emergência, os quais não necessitam de assistência em um curto período de tempo, como no caso da reabilitação fonoaudiológica ambulatorial(11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 (Boletim Epidemiológico; 7) [citado em 2020 Abr 31]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020...
,22 Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D, et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Inform Assoc. 2020;ocaa067. http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067. PMid:32311034.
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).

Assim, usuários que vinham realizando acompanhamento ou reabilitação sistemática em ambulatórios de fonoaudiologia ficaram impossibilitados de receber atendimento neste período de distanciamento social. Nestes casos, estão inclusos pacientes em reabilitação e acompanhamento de desvios fonológicos, tanto para prevenir dificuldades de escrita, como para melhorar a inteligibilidade de fala, crianças com atraso de linguagem. E ainda, adultos e idosos com comorbidades, e, portanto, grupo de maior risco para infecção e mortalidade pelo vírus, que, após acidente vascular encefálico, ou mesmo pela idade, estão com queixas relacionadas à deglutição ou à comunicação(11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 (Boletim Epidemiológico; 7) [citado em 2020 Abr 31]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf
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,33 Boldrini P, Kiekens C, Bargellesi S, Brianti R, Galeri S, Lucca L, et al. First impact on services and their preparation. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020 PMid:32264667.).

Passados aproximadamente 50 dias desde que os primeiros casos foram notificados no Brasil e mais de 30 dias desde que algumas cidades iniciaram as recomendações de distanciamento social no país, é retomada a necessidade dos próprios pacientes para que sigam seus tratamentos, visto que as demandas envolvendo a comunicação e a deglutição seguem, mesmo neste período. Com isso, a adaptação do trabalho tradicionalmente realizado em consultório, frente a frente com o paciente e, em alguns casos, com os pais ou cuidadores, demandou adaptação e atualização diante dessa nova situação(22 Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D, et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Inform Assoc. 2020;ocaa067. http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067. PMid:32311034.
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3 Boldrini P, Kiekens C, Bargellesi S, Brianti R, Galeri S, Lucca L, et al. First impact on services and their preparation. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020 PMid:32264667.
-44 Negrini S, Kiekens C, Bernetti A, Capecci M, Ceravolo MG, Lavezzi S, et al. Telemedicine from research to practice during the pandemic. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020. PMid:32329593.).

A telessaúde ou a teleterapia definidas como a prestação de cuidados em saúde oferecida remotamente por meio de qualquer ferramenta de telecomunicação, como serviços seguros de telefonia, videoconferência, e-mail, mensagens e aplicativos para dispositivos móveis, com ou sem conexão de vídeo, são vistas como uma possibilidade para este momento(22 Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D, et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Inform Assoc. 2020;ocaa067. http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067. PMid:32311034.
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). O objetivo fundamental do uso destas tecnologias é ampliar o acesso aos cuidados em saúde. Normalmente são utilizadas com pacientes residentes em áreas de difícil acesso ou com dificuldades de coordenação motora, podendo também seu uso ser benéfico para situações adversas, como é o caso da pandemia do COVID-19. Além disso, auxiliam na ampliação das ações de profissionais e agentes de saúde, mantendo um mecanismo de atendimento contínuo para prevenção, diagnóstico e tratamento(44 Negrini S, Kiekens C, Bernetti A, Capecci M, Ceravolo MG, Lavezzi S, et al. Telemedicine from research to practice during the pandemic. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020. PMid:32329593.,55 Harzheim E, Chueiri PS, Umpierre RN, Gonçalves MR, Siqueira ACDS, D’Avila OP, et al. Telessaúde como eixo organizacional dos sistemas universais de saúde do século XXI. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019;14(41):1881. http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc14(41)1881.
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).

Em um projeto de extensão realizado em uma unidade básica de saúde que funciona como ambiente de ensino junto a um hospital universitário no sul do Brasil, desenvolvido pela equipe de alunos, professora e fonoaudiólogos do grupo de pesquisa epidemiologia da comunicação humana e seus distúrbios (EPI-DCH), iniciou-se, no dia 16 de março de 2020, uma proposta de teleatendimento de fonoaudiologia. A qual será descrita a seguir.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Ao todo, 25 usuários estavam em atendimento ou acompanhamento pela equipe de fonoaudiologia quando da notificação dos primeiros casos de COVID-19 no Estado do Rio Grande do Sul. Inicialmente, foram contatados todos os pacientes que estavam com consulta agendada, sendo que, destes, apenas um teria sua primeira consulta. Realizou-se o levantamento das queixas, idade e situação em relação ao tratamento fonoaudiológico em que se encontravam naquele período, sendo classificados em: “em tratamento” (atendimento de fonoterapia, pelo menos quinzenalmente), “para monitoramento” (revisão em até 3 meses) e “para discutir” (caso houvesse alguma dúvida sobre a situação do caso em relação a alguma das possibilidades anteriores).

Após o levantamento inicial, a equipe composta por uma professora fonoaudióloga, uma aluna de iniciação científica e duas fonoaudiólogas discutiram todos os casos a fim de confirmar ou revisar as classificações descritas. Adotou-se como critério de exclusão para o teleatendimento os usuários que, apesar de ainda não estarem aptos para receber alta da fonoterapia, manifestavam baixo comprometimento com os exercícios domiciliares e baixo risco de agravo no quadro clínico e, devido a isso, já estavam em pausa terapêutica, como idosos com queixas vocais que não realizavam os exercícios aconselhados em casa, mas permaneciam com a queixa.

Neste primeiro momento, julgamos que 8 pacientes não eram elegíveis para o teleatendimento ou telemonitoramento. Os 17 pacientes restantes, elegíveis para telefonoaudiologia, foram distribuídos da seguinte forma: 12 para teleatendimento (necessitavam de atendimento, pelo menos quinzenais) e 5 para revisão (demanda por, pelo menos, um teleatendimento no período, para monitoramento da situação do caso).

Os pacientes foram contatados individualmente e comunicados que, por, pelo menos, dois meses, passível de ampliação do período, todos os atendimentos presenciais estavam suspensos em virtude da pandemia, para a segurança dos próprios pacientes. Ademais, também foram informados de que seria disponibilizado teleatendimento no período.

Nesta primeira etapa, o teleatendimento disponibilizado, de caráter emergencial, ocorreu por telefone, com vídeo, caso o paciente estivesse de acordo. Seu principal objetivo foi não interromper atendimentos de pacientes que poderiam sofrer agravamento ou apresentar comorbidades associadas à suspensão da fonoterapia.

Dois pacientes idosos, inicialmente, mencionaram que não gostavam de usar este tipo de tecnologia e que preferiam suspender o atendimento. Entretanto, por tratar-se de casos de distúrbio de deglutição (disfagia), ainda que leves, uma das fonoaudiólogas da equipe fez um segundo contato com estes e propôs um teste para o atendimento e monitoramento do caso neste período e, por fim, estes aderiram ao modelo proposto de teleconsulta, com suporte de um familiar para lidar com a tecnologia.

Os teleatendimentos foram realizados por estudantes de fonoaudiologia, extensionistas do projeto e supervisionados por um fonoaudiólogo de forma síncrona. Usou-se tecnologia de videochamada por telefone. Tal escolha foi devido à facilidade de acesso e de manuseio deste aplicativo já de uso e conhecimento dos pacientes como rotina. Durante o atendimento, o paciente via o estagiário, com quem já estava acostumado a realizar as consultas presenciais. O supervisor ficava em off (com vídeo e microfone desligados, acompanhando o atendimento por áudio, sem interferir diretamente com o paciente durante a consulta).

No atendimento presencial, as consultas de fonoterapia na unidade básica de saúde costumam durar, em média, pelo menos 30 minutos. No teleatendimento, o tempo da consulta dura entre 20 e 60 minutos, dependendo do tipo de caso atendido.

Especialmente com crianças, mantê-las muito tempo na frente da tela não nos parece apropriado, de forma que os exercícios são realizados diretamente com eles, e os pais/cuidadores recebem as orientações de forma prática, revisando o que deve ser feito no período entre as consultas. Todas as conversas e orientações são encaminhadas com a maior calma possível, permeadas por algumas atividades lúdicas e de interesse da criança, mas restringindo a exposição à tela ao mínimo necessário. Além disso, no caso de alguns pacientes infantis que vivem em abrigos ou casas de passagem, com diagnóstico de desvio fonológico, estamos implementando atendimento semanal neste período, buscando melhorar a efetividade da reabilitação fonoaudiológica.

Para os adultos e idosos, a lógica seguida é a mesma. Em relação à frequência dos atendimentos, na rotina ambulatorial, os pacientes frequentam o ambulatório quinzenalmente ou até de forma mais espaçada, dependendo do caso e sempre (sistematicamente) são encaminhadas condutas compostas por exercícios ou manobras para realizar diariamente em domicílio.

Imediatamente após os atendimentos, é realizada, também por vídeo chamada, a supervisão dos estudantes por uma fonoaudióloga, na qual são discutidos os casos, bem como a literatura e métodos terapêuticos adequados para cada indivíduo. Como os estagiários não têm acesso ao sistema de prontuários da UBS, as evoluções são realizadas em um documento eletrônico compartilhado entre a equipe, no qual o estagiário redige a evolução e o fonoaudiólogo responsável pelo caso revisa. Posteriormente, são colocadas, pela professora fonoaudióloga responsável pelo projeto, no sistema de prontuários eletrônicos da unidade básica de saúde, por meio do acesso remoto disponibilizado neste período de pandemia.

DISCUSSÃO

Nesta experiência, o teleatendimento para fonoterapia se mostrou uma ferramenta satisfatória para superar as adversidades impostas pela pandemia do COVID-19, em termos de reorganização de serviço de saúde. Um estudo realizado nos EUA mostra que a tecnologia é uma forte aliada no atendimento em saúde, em todas as fases da pandemia do COVID-19(22 Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D, et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Inform Assoc. 2020;ocaa067. http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067. PMid:32311034.
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).

Inicialmente, os pacientes foram contatados pelas estagiárias do projeto, que também estavam em adaptação diante desta nova modalidade de atendimento. Isto pode ter colaborado para a não adesão inicial dos dois pacientes, que, após serem contatados por uma profissional com maior experiência, aderiram ao modelo de teleconsulta. É relevante ter um script de conversa para o contato, em todas as etapas. Há evidências de que a forma de abordar os pacientes tem repercussões na adesão à proposta de teleatendimento, bem como na adesão ao tratamento(44 Negrini S, Kiekens C, Bernetti A, Capecci M, Ceravolo MG, Lavezzi S, et al. Telemedicine from research to practice during the pandemic. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020. PMid:32329593.,66 Kruse CS, Karem P, Shifflett K, Vegi L, Ravi K, Brooks M. Evaluating barriers to adopting telemedicine worldwide: a systematic review. J Telemed Telecare. 2018;24(1):4-12. http://dx.doi.org/10.1177/1357633X16674087. PMid:29320966.
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).

Estudos mostram que, para que os pacientes se sintam seguros na adesão da nova modalidade de atendimento, a comunicação é uma componente fundamental deste. A comunicação precisa ser clara, dinâmica e de fácil compreensão, pois ela pode ocasionar um distanciamento terapeuta-paciente, gerando uma não adesão à teleconsulta, por insegurança, questionamentos e conflitos(44 Negrini S, Kiekens C, Bernetti A, Capecci M, Ceravolo MG, Lavezzi S, et al. Telemedicine from research to practice during the pandemic. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020. PMid:32329593.,77 Santos AF, Fonseca D So, Araujo LL, Procópio CSD, Lopes EA, Lima AMLD, et al. Incorporation of Information and Communication Technologies and quality of primary healthcare in Brazil. Cad Saude Publica. 2017;33(5):14. PMid:28640330.). O ideal é realizar um treinamento das competências comunicativas, para que se obtenha o retorno esperado(88 Grilo AM. Relevance of assertiveness in health care professional-patient communication. Psicol Saude Doencas. 2012;13(2):283-97.).

Outro fator que contribui para que os pacientes não sejam receptivos com a tecnologia é a suposição de que esse tipo de serviço não vai desempenhar o mesmo papel que a consulta presencial, o que impulsiona negativamente o distanciamento, ou até mesmo uma experiência ruim dessa modalidade, dificultando a desmistificação do teleatendimento e dos benefícios existentes(44 Negrini S, Kiekens C, Bernetti A, Capecci M, Ceravolo MG, Lavezzi S, et al. Telemedicine from research to practice during the pandemic. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020. PMid:32329593.). Buscando oferecer maior confiança no atendimento para o paciente na adesão desta modalidade, os pacientes foram atendidos pelas estagiárias, as quais já tinham o contato presencial, supervisionadas pela fonoaudióloga, que já o fazia na prática, explicando que os atendimentos ocorreriam da mesma forma que os presenciais, em busca do mesmo prognóstico.

Eikelboom et al.(99 Eikelboom RH, Atlas MD. Attitude to telemedicine, and willingness to use it, in audiology patients. J Telemed Telecare. 2005;11(2, Suppl):22-5. http://dx.doi.org/10.1258/135763305775124920. PMid:16375788.
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) estudaram o comprometimento dos pacientes para o uso de recursos a distância e quais eram os fatores que influenciam a tomada de decisão. Foram observados que 75% dos indivíduos apresentavam desconhecimento sobre o tema e a motivação para uso se referia à redução de custos e tempo. Em contrapartida, a preferência pelo atendimento convencional (face a face) se faz muito presente, principalmente em mulheres acima de 55 anos.

Apesar de considerado eletivo, o atendimento fonoaudiológico ambulatorial, em alguns casos, pode ser primordial na prevenção de acometimentos que levariam usuários à atenção terciária. Como nos casos de disfagia, que podem ocasionar quadros respiratórios devido à aspiração e/ou penetração laringotraqueal, o que além de sobrecarregar os hospitais e sujeitar os pacientes, já debilitados, a um maior risco de contaminação(11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 (Boletim Epidemiológico; 7) [citado em 2020 Abr 31]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf
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,1010 Catalani B, Luccas GR, Berretin-Felix G. Tele-education and teleconsultation in oropharyngeal dysphagia: literature review. Distúrb Comun. 2016;28(4):638-48.,1111 Takizawa C, Gemmell E, Kenworthy J, Speyer R. A systematic review of the prevalence of oropharyngeal dysphagia in stroke, parkinson’s disease, alzheimer’s disease, head injury, and pneumonia. Dysphagia. 2016;31(3):434-41. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9695-9. PMid:26970760.
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). Além disso, vale ressaltar que a possibilidade da segunda opinião formativa em casos com distúrbios da deglutição pode ser considerada de grande importância em um país de grandes dimensões territoriais como o Brasil, em que o número de especialistas em disfagia orofaríngea por região é escasso e heterogêneo.

Julgamos que a ampla variedade de tempo entre as consultas se dá pela heterogeneidade, tanto de faixas etárias, como de demandas atendidas. No caso das crianças, normalmente são realizadas consultas mais curtas, pois manter a atenção delas durante o teleatendimento é uma adversidade desta forma de serviço, visto que no ambiente domiciliar há mais distratores do que no consultório. Com os idosos, consideramos que há uma adaptação maior quanto ao uso de tecnologias, além de demandarem mais tempo para compreensão das orientações e consequentemente um tempo de consulta mais elevado.

A orientação de pais e cuidadores tem repercussão positiva no teleatendimento, tanto para auxiliar no uso das tecnologias, como no manejo dos exercícios domiciliares(33 Boldrini P, Kiekens C, Bargellesi S, Brianti R, Galeri S, Lucca L, et al. First impact on services and their preparation. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the Covid-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020 PMid:32264667.,1212 Lancaster G, Keusch S, Levin A, Pring T, Martin S. Treating children with phonological problems: does an eclectic approach to therapy work? int J Lang Commun Disord. 2010;45(2):174-81. http://dx.doi.org/10.3109/13682820902818888. PMid:22748030.
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). Além disso, percebe-se que o distanciamento social tem proporcionado mais tempo em família e, em alguns casos, melhor organização para realização dos exercícios diários aconselhados, repercutindo positivamente no prognóstico do usuário.

Nos aspectos éticos, há necessidade, assim como no atendimento presencial, de que todos os direitos do paciente sejam mantidos(22 Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D, et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Inform Assoc. 2020;ocaa067. http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067. PMid:32311034.
http://dx.doi.org/10.1093/jamia/ocaa067...
,1313 Chaet D, Clearfield R, Sabin JE, Skimming K. Ethical practice in telehealth and telemedicine. J Gen Intern Med. 2017;32(10):1136-40. http://dx.doi.org/10.1007/s11606-017-4082-2. PMid:28653233.
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). Oferecer um atendimento eficiente, sigiloso e sempre armazenar a evolução dos atendimentos, é dever do fonoaudiólogo.

Com isso, visando oferecer um atendimento justo e competente, assim como na rotina na unidade básica de saúde, optamos por realizar os atendimentos com técnicas respaldadas por evidência científica(55 Harzheim E, Chueiri PS, Umpierre RN, Gonçalves MR, Siqueira ACDS, D’Avila OP, et al. Telessaúde como eixo organizacional dos sistemas universais de saúde do século XXI. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019;14(41):1881. http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc14(41)1881.
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,1010 Catalani B, Luccas GR, Berretin-Felix G. Tele-education and teleconsultation in oropharyngeal dysphagia: literature review. Distúrb Comun. 2016;28(4):638-48.). Uma pesquisa realizada na Austrália avaliou a motricidade orofacial em pacientes disártricos por meio dos seguintes parâmetros: videoconferência e tradicional. Ambos os métodos tiveram altos níveis de concordância para a maior parte dos aspectos avaliados(1414 Theodoros D, Russell TG, Hill A, Cahill L, Clark K. Assessment of motor speech disorders online: a pilot study. J Telemed Telecare. 2003;9(2 Suppl):66-8. http://dx.doi.org/10.1258/135763303322596318. PMid:14728766.
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).

O teleatendimento possibilitou uma frequência maior de consultas do que a rotina presencial em virtude de não envolver recursos como transporte, necessidade de espaço físico do serviço de saúde (que é compartilhado com diversas equipes) e a oferta de horários mais flexíveis, o que também contribui para a melhor relação terapeuta-paciente, principalmente, no caso de usuários com demandas psicossociais. No entanto, apresentou algumas limitações, como dificuldades na qualidade de som e vídeo durante os teleatendimentos, além da adaptação do usuário e do terapeuta para esta modalidade de atendimento(1515 Almathami HKY, Win KT, Vlahu-Gjorgievska E. Barriers and facilitators that influence telemedicine-based, real-time, online consultation at patients’ homes: systematic literature review. J Med Internet Res. 2020;22(2):e16407. http://dx.doi.org/10.2196/16407. PMid:32130131.
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). Para minimizar esses desafios, optou-se por utilizar plataformas já conhecidas e de fácil acesso para o paciente, além de garantir melhor sinal de internet, buscando realizar os atendimentos em horários com menos uso da rede e melhor estabilidade de internet além de, quando possível, realizar o atendimento sem vídeo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesses primeiros 30 dias de experiência de telessaúde para pacientes previamente atendidos em serviço de atenção primária, esta tem se mostrado um recurso eficiente para atendimento de pacientes com demandas fonoaudiológicas, possibilitando o atendimento remoto com a mesma qualidade que o presencial. Vale ressaltar que todos os casos devem ser avaliados quanto à viabilidade do atendimento nesta modalidade, mas, ainda assim, em caso de distanciamento social, pode ser uma ferramenta apropriada para prestar a assistência necessária aos usuários. Além disso, destaca-se a importância da telessaúde para a área da fonoaudiologia, tendo em vista que há a possibilidade de ampliar o acesso à fonoaudiologia para pacientes que residem em regiões nas quais há escassez de profissionais especializados.

AGRADECIMENTOS

À UFRGS e ao CNPq pelas bolsas de iniciação científica.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2020
  • Aceito
    15 Maio 2020
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