Acessibilidade / Reportar erro

Influência do retalho faríngeo sobre a nasalidade e a nasalância na produção de sons nasais em indivíduos com fissura labiopalatina

RESUMO

Objetivo:

Verificar a influência da cirurgia de retalho faríngeo para a correção da insuficiência velofaríngea sobre a nasalidade e a nasalância da fala na produção de sons nasais de indivíduos com fissura labiopalatina.

Métodos

Estudo prospectivo realizado com 159 indivíduos com fissura de palato±lábio reparada, de ambos os gêneros, com idades entre 6 e 57 anos. Todos os participantes apresentavam insuficiência velofaríngea residual com indicação para cirurgia de retalho faríngeo e foram submetidos à avaliação perceptivo-auditiva e nasométrica da fala, antes e após (14 meses, em média) a cirurgia de retalho faríngeo. A hiponasalidade foi classificada perceptivamente em ausente ou presente e a nasalância foi determinada por meio do nasômetro, utilizando amostras de fala com sons predominantemente nasais, a fim de se estimar a hiponasalidade. O valor de 43% foi utilizado como limite inferior de normalidade. A nasalidade e a nasalância foram comparadas antes e após a cirurgia (p<0,05).

Resultados:

A hiponasalidade perceptiva foi observada em 14% dos indivíduos, enquanto que os valores de nasalância sugestivos de hiponasalidade (<43%) foram obtidos em 25% deles após a cirurgia, havendo correlação entre os métodos utilizados.

Conclusão

A cirurgia de retalho faríngeo influenciou na produção dos sons nasais, causando hiponasalidade em parcela significativa dos indivíduos. A presença deste sintoma de fala pode ser ainda um indicador de obstrução das vias aéreas superiores provocada pelo retalho faríngeo, que deve ser investigada de forma objetiva e criteriosa no pós-operatório.

Descritores:
Fissura Palatina; Fala; Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos

ABSTRACT

Objective

To verify the influence of pharyngeal flap surgery on the management of velopharyngeal insufficiency on nasality and speech nasalance on nasal sound production in individuals with cleft lip and palate.

Methods

Prospective study in 159 individuals with repaired cleft palate±lip, of both genders, aged 6 to 57 years old. All the participants presented residual velopharyngeal insufficiency and were submitted to pharyngeal flap surgery. Perceptual speech evaluation and nasometric assessment were performed before and after (14 months on average) the pharyngeal flap surgery. Hyponasality was rated as absent or present, and nasalance scores were determined by means of nasometer using nasal stimuli, with a cutoff score of 43% used as the lowest limit of normality. Nasality and nasalance were compared before and after surgery (p<0.05).

Results

On the basis of correlation between both the methods used, perceptual hyponasality was observed in 14% of the individuals, whereas nasalance scores indicating hyponasality (<43%) were obtained in 25% of the patients after surgery.

Conclusion

Pharyngeal flap surgery influenced the production of nasal sounds, causing hyponasality in a significant proportion of individuals. The presence of this speech symptom can also be an indicator of upper airway obstruction caused by pharyngeal flap, which should be investigated objectively and prudently postoperatively.

Keywords:
Cleft Palate; Speech; Reconstructive Surgical Procedures

INTRODUÇÃO

A cirurgia de retalho faríngeo tem sido um dos métodos mais utilizados na correção da insuficiência velofaríngea (IVF) residual ao fechamento cirúrgico primário da fissura palatina. A técnica envolve a construção de um retalho miomucoso entre a parede posterior da faringe e o palato mole, que permite, a partir da redução do espaço nasofaríngeo, a adequação do fechamento velofaríngeo. Consequentemente, a fala caracterizada pela hipernasalidade, emissão de ar nasal e fraca pressão intraoral pode ser beneficiada com a cirurgia11. Nabi S, Tan S, Husein M, Dworschak A, Bureau Y, Motic D. Superiorly based pharyngeal flap for velopharyngeal insufficiency: intermediate and longer-term perceptual speech and nasometric outcomes. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;40(2):157-66. 22. Haapanen ML. Nasalance scores in patients with a modified honig velopharyngeal flap before and after operation. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 1992;26(3):301-5. 33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42. 44. Sloan GM. Posterior pharyngeal flap and sphincter pharyngoplasty: the state of the art. Cleft Palate Cranifac J. 2000;37(2):112-22. 55. Seagle BM, Mazaheri MK, Dixon-Wood VL, Williams WN. Evaluation and treatment of velopharyngeal insufficiency: the University of Florida experience. Ann of Plast Surg. 2002;48(5):464-70. 66. Armour A, Fischbach S, Klaiman P, Fisher DM. Does velopharyngeal closure pattern affect the success of pharyngeal flap pharyngoplasty. Plast Reconstr Surg. 2005;115(1):45-52. 77. Dailey SA, Karnell MP, Karnell LH, Canady JW. Comparison of resonance outcomes after pharyngeal flap a Furlow Double-Opposing Z-Plasty for surgical management of velopharyngeal incompetency. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(1):38-43. 88. Fukushiro AP, Trindade IE. Nasometric and aerodynamic outcome analysis of pharyngeal flap surgery for the management of velopharyngeal insufficiency. J Craniofac Surg. 2011;22(5):1647-51..

No que se refere ao aspecto respiratório, o retalho faríngeo pode estar associado, em alguns casos, à ocorrência de obstrução das vias aéreas superiores, ocasionando sintomas deletérios, tais como a apneia obstrutiva do sono, a respiração oral e a hiponasalidade99. Cardia CC, Yamashita RP, Campos LD, Sampaio-Teixeira AC, Trindade-Suedam IK, Trindade IE. Obstrução respiratória após cirurgia de retalho faríngeo para correção de insuficiência velofaríngea: revisão de literatura. Rev Bras Cir Craniomaxilofac. 2011;14(4):207-13. 1010. Hirschberg J. Results and complications of 1104 surgeries for velopharyngeal insufficiency. ISRN Otolaryngol. 2012;11:181-202. 1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70., decorrentes de uma sobrecorreção da disfunção velofaríngea33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42.. Ao verificar os efeitos a longo prazo do retalho faríngeo, um estudo observou, por meio de medidas aerodinâmicas, uma diminuição das dimensões nasofaríngeas1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70.. Em estudo anterior do mesmo grupo de pesquisadores, a alta incidência de hiponasalidade na fala, associada às queixas respiratórias após a cirurgia de retalho faríngeo, já havia sido apontada33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42.. Pesquisas internacionais também verificaram sintomas de obstrução nasal e hiponasalidade após a cirurgia de retalho faríngeo77. Dailey SA, Karnell MP, Karnell LH, Canady JW. Comparison of resonance outcomes after pharyngeal flap a Furlow Double-Opposing Z-Plasty for surgical management of velopharyngeal incompetency. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(1):38-43. 1010. Hirschberg J. Results and complications of 1104 surgeries for velopharyngeal insufficiency. ISRN Otolaryngol. 2012;11:181-202.. Um estudo retrospectivo também comparou os resultados de fala após o retalho faríngeo e observou que a avaliação perceptivo-auditiva da fala detectou hiponasalidade em 22% da amostra estudada, após a cirurgia, além dos sintomas de apneia obstrutiva do sono1212. de Serres LM, Deleyiannis FW, Eblen LE, Gruss JS, Richardson MA, Sie KC. Results with sphincter pharyngeoplasty and pharyngeal flap. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1999;48:17-25..

Considerando a hipótese de uma sobrecorreção da IVF pelo retalho faríngeo, causando obstrução das vias aéreas superiores, o estudo propôs analisar o impacto desta cirurgia na produção dos sons nasais da fala de indivíduos com fissura labiopalatina, utilizando as avaliações perceptiva e nasométrica.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (Ofício nº 220/2005) e realizado após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Participaram do estudo 159 indivíduos com fissura de palato associada ou não à de lábio, já submetidos às cirurgias primárias, de ambos os sexos e com idades entre 6 e 57 anos. Todos os participantes apresentavam IVF residual e indicação cirúrgica para retalho faríngeo. Não foram incluídos indivíduos com incapacidade física e/ou mental, problemas neurológicos óbvios, congestão nasal ao exame, fístulas residuais extensas e que haviam sido submetidos a cirurgias nasais e ortognática entre o período dos exames. Os indivíduos foram submetidos à avaliação perceptiva e nasométrica da fala dois dias, em média, antes da cirurgia e 14 meses, aproximadamente, após a cirurgia.

A avaliação perceptivo-auditiva da hiponasalidade foi realizada por um avaliador experiente, utilizando amostras de fala espontânea e repetição de vocábulos e sentenças com predomínio de sons nasais, utilizados de rotina no serviço1313. Genaro KF, Yamashita RP, Trindade IE. Avaliação clínica e instrumental da fala na fissura labiopalatina. In: Fernandes FD, Mendes BC, Navas AL. Tratado de Fonoaudiologia. 2 ed. São Paulo: Rocca; 2010. p. 488-503.. A hiponasalidade foi classificada em ausente ou presente.

A nasalância (correlato acústico da nasalidade) foi determinada empregando-se um nasômetro, modelo 6200-3 IBM (versão 30-02-3.22)1414. Kay Elemetrics Corporation. Instruction manual: Nasometer Model 6200-3. Lincoln Park: Kay Elemetrics Corporation; 1994. 238 p., durante a leitura de um conjunto de cinco sentenças contendo predominantemente sons nasais para identificar hiponasalidade: "domingo tem neblina", "o passarinho comeu a minhoca", "Miriam lambeu o limão", "o menino era bonzinho" e "Flavinho chamou João"1515. Trindade IE, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord 1997;1:23-34.. Os indivíduos incapazes de ler foram solicitados a repetir as sentenças após o modelo do examinador. Para fins de análise, foi considerado como limite inferior de normalidade o escore de 43%, ou seja, valores abaixo deste foram considerados indicativos de hiponasalidade1616. Trindade IE, Yamashita RP, Bento-Gonçalves CG. Diagnóstico instrumental da disfunção velofaríngea. In: Trindade IE, Silva Filho OG. Fissuras labiopalatina: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Santos; 2007. p. 123-43..

A comparação da hiponasalidade entre os períodos pré e pós-cirúrgico foi verificada por meio do teste t pareado e a da nasalidade pelo teste de Wilcoxon1717. Altman DG. Practical statistics for medical research. New York: Chapman & Hall; 1991., adotando-se o nível de significância de 5%. Para a concordância entre os métodos de avaliação utilizou-se a correlação de Spearman1818. Rosner B. Fundamentals of biostatistics. 6 ed. Belmont: Thomson Brooks/Cole; 2006.. A comparação entre os valores de nasalância e ausência e presença de hiponasalidade perceptiva foi realizada segundo o critério de Tukey1919. Tukey JW. Exploratory data analysis. Reading: Addison-Wesley; 1977..

RESULTADOS

Previamente à cirurgia de retalho faríngeo, a avaliação perceptiva verificou que nenhum paciente apresentava hiponasalidade na fala. Confirmando os achados perceptivos, a nasometria observou que todos (100%) os indivíduos mostravam valores de nasalância normais, acima de 43%, na produção de sons nasais. Após a cirurgia de retalho faríngeo, a avaliação perceptiva detectou hiponasalidade na fala de 14% (22/159) dos indivíduos, enquanto que a nasométrica verificou escores de nasalância abaixo do normal, sugestivos de hiponasalidade, em 25% (40/159) dos indivíduos.

Os valores médios ± desvio padrão (DP) da nasalância antes e após a cirurgia foram de 59±8% e 50±10%, respectivamente, com diferença entre os mesmos (p<0,001).

Para os indivíduos com presença de hiponasalidade perceptiva após a cirurgia, o escore de nasalância médio±DP foi de 44±9%. Já para aqueles com ausência de hiponasalidade, a média±DP da nasalância aumentou para 51±10%, havendo diferença (p=0,002) entre os dois valores referentes à presença e ausência do sintoma perceptivo (Figura 1).

Figura 1:
Comparação entre os valores de nasalância (%) após a cirurgia de retalho faríngeo (NP PÓS) observada nos indivíduos com ausência e presença de hiponasalidade (HIPO PÓS) de acordo com a avaliação perceptivo-auditiva.

Pode-se observar ainda uma importante correlação (p=0,001) entre a avaliação perceptivo-auditiva e a nasométrica da fala, ao se comparar os resultados das duas modalidades de avaliação.

DISCUSSÃO

O retalho faríngeo é uma técnica cirúrgica consagrada na literatura para correção da IVF em indivíduos com fissura palatina, em função de sua efetividade11. Nabi S, Tan S, Husein M, Dworschak A, Bureau Y, Motic D. Superiorly based pharyngeal flap for velopharyngeal insufficiency: intermediate and longer-term perceptual speech and nasometric outcomes. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;40(2):157-66. 22. Haapanen ML. Nasalance scores in patients with a modified honig velopharyngeal flap before and after operation. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 1992;26(3):301-5. 33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42. 44. Sloan GM. Posterior pharyngeal flap and sphincter pharyngoplasty: the state of the art. Cleft Palate Cranifac J. 2000;37(2):112-22. 55. Seagle BM, Mazaheri MK, Dixon-Wood VL, Williams WN. Evaluation and treatment of velopharyngeal insufficiency: the University of Florida experience. Ann of Plast Surg. 2002;48(5):464-70. 66. Armour A, Fischbach S, Klaiman P, Fisher DM. Does velopharyngeal closure pattern affect the success of pharyngeal flap pharyngoplasty. Plast Reconstr Surg. 2005;115(1):45-52. 77. Dailey SA, Karnell MP, Karnell LH, Canady JW. Comparison of resonance outcomes after pharyngeal flap a Furlow Double-Opposing Z-Plasty for surgical management of velopharyngeal incompetency. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(1):38-43. 88. Fukushiro AP, Trindade IE. Nasometric and aerodynamic outcome analysis of pharyngeal flap surgery for the management of velopharyngeal insufficiency. J Craniofac Surg. 2011;22(5):1647-51. 2020. Barbosa DA, Scarmagnani RH, Fukushiro AP, Trindade IE, Yamashita RP. Resultado cirúrgico do retalho faríngeo e da veloplastia intravelar sobre a função velofaríngea. CoDAS. 2013;25(5):451-5.. Entretanto, estudos também demonstraram que o retalho faríngeo pode oferecer riscos às vias aéreas superiores pela própria natureza do procedimento, que cria uma obstrução mecânica à passagem do fluxo aéreo, reduzindo, assim, o espaço aéreo. A exemplo disto, um estudo realizado no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo comprovou que o retalho faríngeo diminui as dimensões da nasofaringe, agravando as queixas respiratórias como respiração oral, ronco e sensação de obstrução respiratória no sono em 36% dos indivíduos submetidos ao procedimento cirúrgico1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70..

Considerando que a avaliação perceptivo-auditiva da nasalidade constitui um importante método de julgamento da fala, pelo fato de fornecer características da produção dos fones e informações sobre a função velofaríngea2121. Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82., mas que está sujeita a erros devido a sua subjetividade, optou-se, no presente estudo, pela sua utilização combinada à avaliação instrumental.

Dentre os métodos objetivos para se avaliar os resultados dos procedimentos empregados para a correção da IVF está a nasometria, aplicada para quantificar os julgamentos perceptivos de hipernasalidade e hiponasalidade2222. Hardin MA, Van Demark DR, Morris HL, Payne MM. Correspondence between nasalance scores and listener judgments of hypernasality and hyponasality. Cleft Palate Craniofac J 1992;29(4):346-51. 2323. Koos MC, Andreoli ML, Oliveira DN, Ramos FS, Rodrigues E, Eggert J, et al. Speech ressonance values for children and adults in Tennessee, Iowa and Brazil. In: ASHA Convention. Chicago. The magic of teamwork: Science and Service Delivery - ASHA Convention; 2013. 2424. de Boer G, Bressmann T. Application of Linear Discriminant Analysis to the Nasometric Assessment of Resonance Disorders: A Pilot Study. Cleft Palate Craniofac J 2014. e complementar o diagnóstico obtido pela avaliação da fala2525. Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. San Diego: Singular; 2001. 2626. Dalston RM, Neiman GS, Gonzalez-Landa G. Nasometric sensitivity and specificity: a cross-dialect and cross-culture study. Cleft Palate Craniofac J 1993;30(3):285-91.. Esta técnica permite estimar a função velofaríngea indiretamente pela medida da nasalância, que corresponde à quantidade de energia acústica na cavidade nasal durante a fala. A aferição da nasalância deve ser realizada durante a produção das amostras de fala padronizadas com fones essencialmente orais ao diagnóstico da hipernasalidade, ou predominantemente nasais ao diagnóstico da hiponasalidade2727. Bressmann T. Comparison of nasalance scores obtained with the Nasometer, the NasalView and the OroNasal System. Cleft Palate Craniofac J 2005;42(4):423-33., sendo este último o procedimento utilizado no presente estudo.

Desse modo, observou-se ressonância hiponasal após a cirurgia de retalho faríngeo em 14% dos indivíduos avaliados no presente estudo. Proporção um pouco maior foi notada em outro trabalho, que avaliou o efeito da cirurgia de retalho faríngeo na fala e a incidência de hiponasalidade de 20 indivíduos, utilizando a mesma metodologia, encontrando seis (30%) participantes com hiponasalidade após a cirurgia, associada a queixas respiratórias. Os autores apontaram como causa uma possível sobrecorreção da insuficiência velofaríngea33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42..

Há que se considerar que no período pós-operatório imediato ocorre o edema cirúrgico, que pode provocar obstrução respiratória momentânea e sintomas como a ressonância hiponasal, os quais, de modo geral, desaparecem nas primeiras duas a seis semanas depois da cirurgia2828. Billmire DA. Surgical management of cleft and velopharyngeal dysfunction. In: Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance; San Diego: Singular 2001.. No presente estudo, os indivíduos foram avaliados, em média, 14 meses após a realização da cirurgia e ainda apresentavam hiponasalidade, permitindo concluir que se tratava de um sintoma permanente após a cirurgia, dado o longo prazo.

Vários estudos avaliaram os efeitos, a longo prazo, do retalho faríngeo no que se refere às queixas respiratórias e à obstrução nasal. Um deles mostrou que a obstrução nasal resultante do retalho faríngeo pode causar mudanças no modo respiratório e na fala, como o aparecimento da hiponasalidade1010. Hirschberg J. Results and complications of 1104 surgeries for velopharyngeal insufficiency. ISRN Otolaryngol. 2012;11:181-202.. Em outro estudo, as autoras verificaram o aparecimento de queixas respiratórias após a cirurgia de retalho faríngeo em 36% dos casos estudados, aproximadamente um ano após a cirurgia1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70..

De acordo com a experiência clínica, observa-se que uma alteração da ressonância da fala com a presença de hiponasalidade pode ser um fator indicativo de obstrução respiratória, devendo ser investigada. A literatura mostra que o aparecimento de queixas respiratórias como consequência da obstrução das vias aéreas é a principal causa para a indicação de revisão cirúrgica do retalho faríngeo, sendo muitas vezes necessária a ressecção do retalho faríngeo33. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42. 1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70..

Os achados perceptivos do presente estudo identificaram 14% dos indivíduos com resultados de hiponasalidade após a cirurgia de retalho faríngeo, enquanto que o método instrumental identificou 20%. Esta diferença pode ser explicada pela subjetividade do método perceptivo que se contrapõe à maior precisão do objetivo. A interferência de outras variáveis relativas ao padrão de fala como entonação, velocidade, pitch , loudness , tipo articulatório e até mesmo a possibilidade de uma ressonância mista (hipernasalidade e hiponasalidade na mesma emissão) podem confundir o avaliador na determinação de uma característica específica como a hiponasalidade. Portanto, o uso combinado dos métodos torna-se fundamental, mesmo quando a avaliação perceptiva é realizada por profissionais experientes.

Esta proporção de indivíduos com hiponasalidade deve ser acompanhada por meio de avaliações periódicas quanto às queixas e sintomas respiratórios, visto que as queixas respiratórias podem refletir uma condição de apneia obstrutiva do sono, devendo ser investigada, inclusive utilizando medidas objetivas como a polissonografia1111. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70..

Ao se comparar os valores de nasalância obtidos no presente estudo àqueles de normalidade, observa-se que, mesmo após a cirurgia, o valor médio dos 159 indivíduos manteve-se acima de 43%, considerado como limite inferior de normalidade. Já para os indivíduos detectados perceptivamente com hiponasalidade pós-operatória, este valor médio foi reduzido para 44% (variação de 50 e 44%), muito próximo ao limite de normalidade. Tal resultado fala a favor, mais uma vez, do uso do método instrumental como uma confirmação da percepção do ouvinte.

Apesar da existência de alta correlação entre os métodos de avaliação para identificação da hiponasalidade, a nasometria mostrou-se mais sensível na identificação deste sintoma, reforçando a importância de sua utilização como um instrumento na detecção de uma possível obstrução respiratória por meio da fala, especialmente após a cirurgia de retalho faríngeo, antes da indicação de exames mais invasivos. Os fonoaudiólogos devem estar atentos a este sintoma de fala, mesmo que não seja perceptível ao paciente, e os indivíduos devem ser acompanhados de forma criteriosa, já que a alteração de ressonância pode sugerir obstruções respiratórias mais graves.

CONCLUSÃO

A cirurgia de retalho faríngeo influenciou na produção dos sons nasais, causando hiponasalidade na fala de uma ampla parcela dos indivíduos. A presença deste sintoma de fala pode ser ainda um indicador de obstrução das vias aéreas superiores, provocada pelo retalho faríngeo, que deve ser investigada de forma objetiva e criteriosa no pós-operatório.

REFERÊNCIAS

  • 1. Nabi S, Tan S, Husein M, Dworschak A, Bureau Y, Motic D. Superiorly based pharyngeal flap for velopharyngeal insufficiency: intermediate and longer-term perceptual speech and nasometric outcomes. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;40(2):157-66.
  • 2. Haapanen ML. Nasalance scores in patients with a modified honig velopharyngeal flap before and after operation. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 1992;26(3):301-5.
  • 3. Zuiani TB, Trindade IE, Yamashita RP, Trindade Junior AS. The pharyngeal flap in patients with velopharyngeal insufficiency: perceptual and nasometric speech assessment. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1998;2:31-42.
  • 4. Sloan GM. Posterior pharyngeal flap and sphincter pharyngoplasty: the state of the art. Cleft Palate Cranifac J. 2000;37(2):112-22.
  • 5. Seagle BM, Mazaheri MK, Dixon-Wood VL, Williams WN. Evaluation and treatment of velopharyngeal insufficiency: the University of Florida experience. Ann of Plast Surg. 2002;48(5):464-70.
  • 6. Armour A, Fischbach S, Klaiman P, Fisher DM. Does velopharyngeal closure pattern affect the success of pharyngeal flap pharyngoplasty. Plast Reconstr Surg. 2005;115(1):45-52.
  • 7. Dailey SA, Karnell MP, Karnell LH, Canady JW. Comparison of resonance outcomes after pharyngeal flap a Furlow Double-Opposing Z-Plasty for surgical management of velopharyngeal incompetency. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(1):38-43.
  • 8. Fukushiro AP, Trindade IE. Nasometric and aerodynamic outcome analysis of pharyngeal flap surgery for the management of velopharyngeal insufficiency. J Craniofac Surg. 2011;22(5):1647-51.
  • 9. Cardia CC, Yamashita RP, Campos LD, Sampaio-Teixeira AC, Trindade-Suedam IK, Trindade IE. Obstrução respiratória após cirurgia de retalho faríngeo para correção de insuficiência velofaríngea: revisão de literatura. Rev Bras Cir Craniomaxilofac. 2011;14(4):207-13.
  • 10. Hirschberg J. Results and complications of 1104 surgeries for velopharyngeal insufficiency. ISRN Otolaryngol. 2012;11:181-202.
  • 11. Yamashita RP, Trindade IEK. Long-term effects of pharyngeal flaps on the upper airways of subjects with velopharyngeal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2008;45(4):364-70.
  • 12. de Serres LM, Deleyiannis FW, Eblen LE, Gruss JS, Richardson MA, Sie KC. Results with sphincter pharyngeoplasty and pharyngeal flap. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1999;48:17-25.
  • 13. Genaro KF, Yamashita RP, Trindade IE. Avaliação clínica e instrumental da fala na fissura labiopalatina. In: Fernandes FD, Mendes BC, Navas AL. Tratado de Fonoaudiologia. 2 ed. São Paulo: Rocca; 2010. p. 488-503.
  • 14. Kay Elemetrics Corporation. Instruction manual: Nasometer Model 6200-3. Lincoln Park: Kay Elemetrics Corporation; 1994. 238 p.
  • 15. Trindade IE, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord 1997;1:23-34.
  • 16. Trindade IE, Yamashita RP, Bento-Gonçalves CG. Diagnóstico instrumental da disfunção velofaríngea. In: Trindade IE, Silva Filho OG. Fissuras labiopalatina: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Santos; 2007. p. 123-43.
  • 17. Altman DG. Practical statistics for medical research. New York: Chapman & Hall; 1991.
  • 18. Rosner B. Fundamentals of biostatistics. 6 ed. Belmont: Thomson Brooks/Cole; 2006.
  • 19. Tukey JW. Exploratory data analysis. Reading: Addison-Wesley; 1977.
  • 20. Barbosa DA, Scarmagnani RH, Fukushiro AP, Trindade IE, Yamashita RP. Resultado cirúrgico do retalho faríngeo e da veloplastia intravelar sobre a função velofaríngea. CoDAS. 2013;25(5):451-5.
  • 21. Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82.
  • 22. Hardin MA, Van Demark DR, Morris HL, Payne MM. Correspondence between nasalance scores and listener judgments of hypernasality and hyponasality. Cleft Palate Craniofac J 1992;29(4):346-51.
  • 23. Koos MC, Andreoli ML, Oliveira DN, Ramos FS, Rodrigues E, Eggert J, et al. Speech ressonance values for children and adults in Tennessee, Iowa and Brazil. In: ASHA Convention. Chicago. The magic of teamwork: Science and Service Delivery - ASHA Convention; 2013.
  • 24. de Boer G, Bressmann T. Application of Linear Discriminant Analysis to the Nasometric Assessment of Resonance Disorders: A Pilot Study. Cleft Palate Craniofac J 2014.
  • 25. Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. San Diego: Singular; 2001.
  • 26. Dalston RM, Neiman GS, Gonzalez-Landa G. Nasometric sensitivity and specificity: a cross-dialect and cross-culture study. Cleft Palate Craniofac J 1993;30(3):285-91.
  • 27. Bressmann T. Comparison of nasalance scores obtained with the Nasometer, the NasalView and the OroNasal System. Cleft Palate Craniofac J 2005;42(4):423-33.
  • 28. Billmire DA. Surgical management of cleft and velopharyngeal dysfunction. In: Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance; San Diego: Singular 2001.
  • 1
    Trabalho realizado no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2014
  • Aceito
    03 Dez 2014
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br