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Agricultura urbana,inovação social e governança:um estudo em Florianópolis

Urban agriculture, social innovation, and governance: a study in Florianópolis

Resumo

O presente artigo tem como objetivo compreender os processos de inovação social engendrados pelas práticas de agricultura urbana na cidade de Florianópolis. Apresentamos os resultados de um estudo de caso qualitativo intrínseco, realizado tendo como referência uma perspectiva pragmatista e o quadro analítico-metodológico da etnografia de arenas públicas. A partir de uma cartografia do campo de práticas de agricultura urbana na cidade, identificamos três grandes dinâmicas de inovação social situadas em três diferentes arenas públicas: a dos resíduos sólidos orgânicos, a do direito humano à alimentação adequada e a dos ciclos de produção e consumo. Os resultados auxiliam a compreensão da complexidade dos processos de inovação social e suas implicações para a governança na cidade.

agricultura urbana; inovação social; governança; pragmatismo

Abstract

The present article aims to understand the social innovation processes produced by urban agriculture practices in the city of Florianópolis. We present the results of a qualitative intrinsic case study, conducted from a pragmatistic perspective and based on the analytical-methodological framework of the ethnography of public arenas. From a cartography of the field of practices of urban agriculture in the city, we identified three major social innovation dynamics situated in three different public arenas: organic solid waste, human right to adequate food, and production and consumption cycles. The results subsidize the understanding of the complexity of social innovation processes and their implications for the governance of the city.

urban agriculture; social innovation; governance; pragmatism

Introdução

O processo de urbanização que culmina com as cidades brasileiras que conhecemos é marcado pela multiplicação e pelo agravamento dos chamados problemas urbanos, que afetam indivíduos, grupos e ecossistemas (Souza, 2007SOUZA, M. L. (2007). ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.). As consequências desse processo, entretanto, não são sentidas de maneira equânime entre os diversos atores humanos e não humanos que compõem o ecossistema urbano, o que faz das nossas cidades palco de segregação (ibid.; Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conturbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora da UFSC.), vulnerabilidades, conflitos, mobilizações e ações coletivas (Kowarick, 2009KOWARICK, L. (2009). Escritos urbanos. São Paulo, Editora 34.). Essas ações coletivas têm contribuído com a reconfiguração das interações socioestatais ao longo do tempo e tornado cada vez mais complexa a governança das cidades (Koury e Oliveira, 2021KOURY, A.; OLIVEIRA, B. (2021). A democracia e a questão urbana na constituinte brasileira (1987-1988). Urbe – Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13.).

Florianópolis, município do Sul do Brasil, é expressão desse processo. A cidade ostenta o melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal entre as capitais brasileiras (PCS, 2020PCS – PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS (2020). Mapa da desigualdade entre as capitais brasileiras. [s.l.], Fundação Ford.) e é tratada como um “oásis de desenvolvimento humano” (Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conturbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora da UFSC.). Apesar disso, também é palco de vulnerabilidades (Icom, 2021ICOM – Instituto Comunitário Grande Florianópolis (2021). Pandemia na Grande Florianópolis: contexto atual – percepções das ações coletivas de interesse pública atendidas pela Linha de Apoio Emergencial Coronavírus. Florianópolis.) e segregação, o que se agrava pelas tentativas de invisibilizar essas situações (Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conturbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora da UFSC.). Outro fenômeno invisibilizado é a ruralidade presente no município: há uma tentativa clara de escondê-la e apagá-la, especialmente por meio do Plano Diretor (Ferreira, 2018FERREIRA, G. C. (2018). O rural e o urbano: ruralidades, meio ambiente e expansão urbana em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

Na intersecção entre essas duas invisibilidades, tem se constituído um conjunto amplo de iniciativas em torno da agricultura urbana (AU), que vão desde pequenas hortas comunitárias, até negócios e programas públicos. Essas práticas têm contribuído para transformar as relações entre as pessoas e destas com os ecossistemas, resultando em novas formas de governança da cidade e em processos de inovação social. Além desses elementos locais, há uma agenda internacional de pesquisa e ação pública que aponta a agricultura urbana como fenômeno privilegiado para a integração dos debates entre alimentação e planejamento urbano e para uma rediscussão das conexões entre o rural e urbano (Cabannes e Marocchino, 2018CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (2018). “Food and urban planning: the missing link”. In: CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (eds.). Integrating food into urban planning. Roma/Londres, Food and Agriculture Organization/UCL Press.). Em Florianópolis, isso se insere num quadro de entraves no estabelecimento de formas democráticas e participativas de governança da cidade (Siqueira, Chaves e Gonçalves, 2020). Nesse sentido, a questão-problema que nos orientou na construção deste artigo é a seguinte: como as práticas de agricultura urbana têm engendrado inovações sociais na cidade de Florianópolis?

Nosso objetivo é compreender os processos de inovação social engendrados pelas práticas de agricultura urbana na cidade de Florianópolis, analisando as suas consequências para a governança na cidade. Para isso, apresentamos os resultados de um estudo de caso qualitativo intrínseco (Stake, 2005STAKE, R. E. (2005). “Qualitative case studies”. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (eds.). The sage handbook of qualitative research. Thousand Oaks, Sage.) realizado entre 2019 e 2021. A pesquisa é constituída de uma cartografia do campo de práticas de agricultura urbana na cidade, um dos momentos do enfoque analítico-metodológico da etnografia de arenas públicas (Magalhães, Andion e Alperstedt, 2020; Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.), que se apoia no conjunto de trabalhos reunidos sob o rótulo de pragmatismo nas ciências sociais1 1 O termo pragmatismo refere-se a uma constelação de trabalhos, autores e perspectivas plurais no âmbito da filosofia e das ciências sociais. Essa constelação inclui, mas não se limita a: o Pragmatismo Americano Clássico, cujos nomes mais conhecidos são Charles Sanders Peirce, William James, John Dewey e George Herbert Mead; a Sociologia Pragmática Francesa, cujos fundamentos se encontram sobre o tripé Teoria Ator-Rede, de Bruno Latour e Michel Callon; Sociologia da Capacidade Crítica, de Luc Boltanski e Laurent Thévenot; e Teoria da Ação Situada, de Louis Queré; trabalhos mais recentes da sociologia francesa, como os de Francis Chateauraynaud, Daniel Cefaï e Cédric Terzi, que, assentados sobre a virada provocada pela Sociologia Pragmática, retomam os trabalhos dos clássicos americanos; e, por fim, trabalhos que têm feito um diálogo entre essa constelação e as áreas das ciências sociais aplicadas, como administração, administração pública e políticas públicas, em âmbito internacional e nacional. Para uma discussão a respeito das novas possibilidades para as ciências sociais abertas a partir dessa constelação de trabalhos, conferir o trabalho de Corrêa (2021). (Corrêa, 2021CORRÊA, D. S. (2021). Novos rumos da teoria social a partir de três gestos da sociologia pragmática. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36, n. 105, pp. 1-19.). Buscamos, assim, contribuir com o movimento recente de construção de alternativas para a polarização do campo de estudos das inovações sociais (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Cajaiba-Santana, 2014CAJAIBA-SANTANA, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, pp. 42-51.; Howaldt, Domanski e Kalekta, 2016), compreendendo-as como reconfigurações do social produzidas pelas interações entre a criatividade das ações e a regularidade do instituído (Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.).

Nosso artigo possui 5 seções. Após esta introdução, apresentamos o quadro teórico-analítico da pesquisa, enfatizando nossa compreensão tanto do fenômeno da agricultura urbana, quanto da inovação social e suas conexões com a governança. A seguir, apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa. O artigo continua com a apresentação e a discussão dos resultados, seguidas das considerações finais.

Agricultura urbana e inovações sociais na cidade: elementos para uma leitura pragmatista

Apesar de haver registros de práticas de produção de alimentos dentro das cidades desde a antiguidade, é em meados do século XX que elas aparecem como formas de ação coletiva no meio urbano e alternativas para a escassez de alimentos (Corrêa et al., 2020CORRÊA, C. J. P.; TONELLO, K. C.; NNADI, E.; ROSA, A. G. (2020). Semeando a cidade: histórico e atualidades da agricultura urbana. Ambiente & Sociedade. São Paulo, v. 23, pp. 1-22.). Na década de 1990, Mougeot (2000)MOUGEOT, L. J. A. (2000). Urban agriculture: definition, presence, potentials and risks, and policy challenges. Report 31 – Cities Feeding People Series. Ottawa, International Development Research Centre. apontou um interesse crescente pelo fenômeno da parte de pesquisadores, governos e organizações internacionais. Com a multiplicação de experiências e estudos, o autor identificou como grandes desafios dos pesquisadores a definição e delimitação do fenômeno, especialmente considerando o seu caráter eminentemente temporal e espacialmente localizado.

Segundo o autor, a definição da agricultura urbana girava em torno de elementos como o tipo de atividade econômica, os produtos, o destino da produção e a localização das iniciativas, com ênfase para este último. Esses elementos, entretanto, são insuficientes para compreender o fenômeno. A principal característica da agricultura urbana, da qual as demais são subsidiárias, é a sua integração ao ecossistema urbano (ibid.). A partir disso, Mougeot propõe uma definição revisada, em que a agricultura urbana

é uma atividade produtiva localizada dentro (intra-urbana) ou nas franjas (periurbana) de uma cidade (town), cidade (city) ou metrópole, que produz ou cultiva, processa e distribui uma diversidade de alimentos e produtos não alimentícios, (re)utilizando em grande parte recursos humanos e materiais, produtos e serviços encontrados dentro e ao redor daquela área urbana, e por sua vez fornecendo recursos humanos e materiais, produtos e serviços em grande parte para aquela área urbana (Ibid., p. 11, tradução nossa)

Cabannes (2012)CABANNES, Y. (2012). Pro-poor legal and institutional aspects of urban and peri-urban agriculture. Roma, Food and Agriculture Organization. aponta que a definição é importante por incorporar dois aspectos significativos: (1) a AU não está localizada somente “dentro” da cidade, mas também em suas franjas e (2) há uma importante dimensão espacial e do uso da terra, especialmente considerando as populações vulneráveis. Seguindo esses apontamentos, compreendemos a agricultura urbana como o conjunto de práticas de produção de alimentos que mantém relações ecossistêmicas com o meio urbano e com os atores que o habitam. Para isso, a compreensão da própria cidade como um ecossistema (Park, 1976PARK, R. E. (1976). “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano”. In: VELHO, O. G. (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar.) é fundamental.

Essa compreensão implica reconhecer o fenômeno da agricultura urbana em sua teia de relações e transações e vai ao encontro do pressuposto pragmatista de compreender os fenômenos na totalidade das interações que os produzem, sem isolá-los ou purificá-los, mas “reagregando-os” (Corrêa, 2021CORRÊA, D. S. (2021). Novos rumos da teoria social a partir de três gestos da sociologia pragmática. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36, n. 105, pp. 1-19.). Na literatura a respeito, isso encontra expressão no reconhecimento da multifuncionalidade da agricultura urbana (Aubry et al., 2012AUBRY, C.; RAMAMONJISOA, J.; DABAT, M.-H.; RAKOTOARISOA, J.; RAKOTONDRAIBE, J.; RABEHARISOA, L. (2012). Urban agriculture and land use in cities: an approach with the multi-functionality and sustainability concepts in the case of Antananarivo (Madagascar). Land Use Policy, [s.l.], v. 29, n. 2, pp. 429-439.), do seu caráter político (Duchemin, 2012DUCHEMIN, E. (2012). Agriculture urbaine: quelle définition? Une actualisation nécessaire? Hypothesis. Disponível em: https://agriurbain.hypotheses.org/2705. Acesso em: 29 abr 2021.
https://agriurbain.hypotheses.org/2705...
) e da sua ligação com diversos dos problemas públicos das cidades.

Alguns desses problemas recebem mais atenção nas pesquisas. Um deles é a questão da insegurança alimentar e nutricional (Ávila-Sánchez, 2019ÁVILA-SÁNCHEZ, H. (2019). Agricultura urbana y periurbana: reconfiguraciones territoriales y potencialidades en torno a los sistemas alimentarios urbanos. Investigaciones Geográficas, [s.l.], n. 98, pp. 1-21.): os estudos apontam que a agricultura urbana contribui tanto na redução da escassez, quanto na facilitação do acesso a alimentos saudáveis e na melhora dos hábitos alimentares (Souza et al., 2019SOUZA, J. S. CARDOSO, R. C. V.; PARAGUASSÚ, L. A. A.; SANTOS, S. F. (2019). The experience of community urban gardens: social organization and food security. Revista de Nutrição, [s.l.], v. 32, pp. 1-11.). Além disso, a AU pode ser vista como um catalisador de um processo mais amplo de inserção da alimentação na agenda do planejamento urbano e de promoção da governança democrática das cidades a partir de experimentações de pequena escala (Cabannes e Marocchino, 2018CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (2018). “Food and urban planning: the missing link”. In: CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (eds.). Integrating food into urban planning. Roma/Londres, Food and Agriculture Organization/UCL Press.).

Para além da alimentação, as iniciativas de AU são tratadas também como forma de resistência ao avanço de uma urbanização injusta e acelerada e à perda de espaços públicos da cidade (Ávila-Sánchez, 2019ÁVILA-SÁNCHEZ, H. (2019). Agricultura urbana y periurbana: reconfiguraciones territoriales y potencialidades en torno a los sistemas alimentarios urbanos. Investigaciones Geográficas, [s.l.], n. 98, pp. 1-21.; Sovová e Krylová, 2019SOVOVÁ, L.; KRYLOVÁ, R. (2019). The countryside in the city? Rural-urban dynamics in allotment gardens in Brno, Czech Republic. Moravian Geographical Reports, v. 27, n. 2, pp. 108-121.). Além disso, ela é apontada como um fenômeno privilegiado para a rediscussão e compreensão mais aprofundada das relações entre rural e urbano (Cabannes e Marocchino, 2018CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (2018). “Food and urban planning: the missing link”. In: CABANNES, Y.; MAROCCHINO, C. (eds.). Integrating food into urban planning. Roma/Londres, Food and Agriculture Organization/UCL Press.; Lerner e Eakin, 2010LERNER, A. M.; EAKIN, H. (2010). An obsolete dichotomy? Rethinking the rural-urban interface in terms of food security and production in the global south. The Geographical Journal, v. 177, n. 4, pp. 311-320.; Sovová e Krylová, 2019SOVOVÁ, L.; KRYLOVÁ, R. (2019). The countryside in the city? Rural-urban dynamics in allotment gardens in Brno, Czech Republic. Moravian Geographical Reports, v. 27, n. 2, pp. 108-121.). Esse ponto merece destaque, uma vez que estudos vêm demonstrando a real dimensão rural do Brasil (Veiga, 2004VEIGA, J. E. (2004). A dimensão rural do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 12, n. 1, pp. 71-94.). Pesquisas realizadas em Florianópolis nesse sentido têm apontado as práticas de agricultura urbana como um dos elementos centrais dessa rediscussão urbano-rural na cidade (Ferreira, 2018FERREIRA, G. C. (2018). O rural e o urbano: ruralidades, meio ambiente e expansão urbana em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). Por fim, merece destaque o tratamento da AU como promotora de ciclos de produção e consumo mais curtos e responsáveis (Batitucci et al., 2019BATITUCCI, T. O.; CORTINES, E.; ALMEIDA, F. S.; ALMEIDA, A. A. (2019). A agricultura em ecossistemas urbanos: um passo para a sustentabilidade das cidades. Ambiente & Sociedade. São Paulo, v. 22, pp. 1-20.).

Alguns autores, entretanto, vêm problematizando a atribuição ingênua ou apriorística de transformação social às práticas de agricultura urbana, visto que, em algumas situações, ao invés de combater as injustiças sociais, essas práticas podem favorecê-las (Ávila-Sánchez, 2019ÁVILA-SÁNCHEZ, H. (2019). Agricultura urbana y periurbana: reconfiguraciones territoriales y potencialidades en torno a los sistemas alimentarios urbanos. Investigaciones Geográficas, [s.l.], n. 98, pp. 1-21.; Hennchen e Pregernig, 2020HENNCHEN, B.; PREGERNIG, M. (2020). organizing joint practices in urban food initiatives: a comparative analysis of gardening, cooking and eating together. Sustainability, [s.l.], v. 12, n. 11, pp. 1-18.). Como a promoção de mudanças sociais pela AU não está dada a priori, estudos empíricos, como este que apresentamos, que avaliam as consequências dessas práticas na cidade são fundamentais. Nesse sentido, parece-nos fértil a chave de leitura das inovações sociais para a compreensão do fenômeno da agricultura urbana, dado que ainda é recente (Nemoto e Biazoti, 2017NEMOTO, E. H.; BIAZOTI, A. R. (2017). Urban agriculture: How bottom-up initiatives are impacting space and policies in São Paulo. Future of Food: Journal on Food, Agriculture and Society, v. 5, n. 3, pp. 21-34.) e pouco explorada.

Como apontam vários autores, os estudos sobre as inovações sociais, embora distintos daqueles que abordam a inovação per se, ainda são dominados por uma perspectiva instrumental, carente de uma fundamentação mais robusta nas ciências sociais e voltada quase que exclusivamente à tecnologia, ao desenvolvimento econômico e ao ciclo de produção, numa perspectiva schumpeteriana (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.; Cajaiba-Santana, 2014CAJAIBA-SANTANA, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, pp. 42-51.; Howaldt, Domanski e Kalekta, 2016). Além disso, esses autores percebem no debate uma oposição entre duas grandes interpretações: de um lado, uma opção pelo individualismo metodológico, focalizando o empreendedor e/ou os empreendimentos sociais e sua inventividade; e, de outro, um olhar mais crítico e voltado para as estruturas e instituições sociais, que dá pouco espaço para olhar para a ação criativa dos atores (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Cajaiba-Santana, 2014CAJAIBA-SANTANA, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, pp. 42-51.; Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.).

Mais recentemente, diversos estudos vêm construindo críticas e olhares alternativos para essa polarização (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Cajaiba-Santana, 2014CAJAIBA-SANTANA, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, pp. 42-51.; Eizaguirre Anglada e Klein, 2020EIZAGUIRRE ANGLADA, S.; KLEIN, J. (2020). Co-construcción de saberes, innovación social y desarrollo territorial: una experiencia quebequense. Revesco – Revista de Estudios Cooperativos, v. 134, pp. 1-14.; Howaldt, Domanski e Kalekta, 2016). Apoiando-nos nesses trabalhos, adotamos uma compreensão das inovações sociais desenvolvida a partir dos estudos teóricos e empíricos baseados numa postura pragmatista (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.; Andion, Alperstedt e Graeff, 2020; Magalhães, Andion e Alperstedt, 2020; Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.).

Essa compreensão busca inspiração na obra fundadora do filósofo Dewey (2004)DEWEY, J. (2004). La opinión pública y sus problemas. Madrid, Morata.. Para o autor, o centro da compreensão da dinâmica social está nos processos de formação de públicos e emergência de problemas públicos, que se iniciam com distúrbios vividos, sentidos e percebidos no cotidiano. A percepção desse caráter problemático das situações impele os atores a iniciarem um processo investigativo e experimental para definir melhor a situação e redirecioná-la a regimes de ação mais ordinários (Cefaï, 2017CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.). Esse imperativo de resolução das situações definidas como problemáticas é criativo ou se baseia numa inteligência criativa,2 2 Para uma discussão aprofundada a respeito da criatividade da ação, a partir de um ponto de vista pragmatista, conferir o trabalho de Joas (1996). ou seja, na “capacidade de superar problemas oriundos da ação por meio da invenção de novas possibilidades de ação” (Joas, 1999JOAS, H. (1999). “Interacionismo simbólico”. In: GIDDENS, A.; TURNER, J. H. (orgs.). Teoria social hoje. São Paulo, Editora da Unesp., p. 137). Nesse processo, emergem problemas públicos, que são situações problemáticas que passam por um processo de experiência coletiva (Cefaï, 2017CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.). Essa compreensão experimental alcança também o Estado, que, para ser efetivamente democrático, precisa evitar o engessamento, submetendo-se à experimentação constante a partir da interação com os diversos públicos (Dewey, 2004DEWEY, J. (2004). La opinión pública y sus problemas. Madrid, Morata.).

A partir disso, Cefaï (2017)CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214. propõe a noção de arena pública. Essa ferramenta analítica parte do pressuposto de que as dinâmicas em torno dos problemas públicos nunca acontecem no vazio. Elas vão aos poucos sedimentando uma experiência comum que se constitui numa cultura pública (ibid. 2009). As arenas são, assim, conjuntos de acomodamentos que se estabelecem em torno de problemas públicos, compostos de atores diversos, experiências coletivas, cenografias, investigações, problematizações, publicizações (ibid., 2017). Olhar para as arenas públicas permite compreender como, nesses campos de experiência, as práticas interagem com o instituído e estes se transformam mutuamente (ibid., 2021).

É a partir dessas inquietações que vem sendo desenvolvido o quadro analítico e metodológico da etnografia de arenas públicas para o estudo das inovações sociais (Magalhães, Andion e Alperstedt, 2020). Esse quadro é constituído de cinco momentos (Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.): (1) cartografia e análise da rede da arena pública; (2) reconstituição e análise da trajetória da arena pública; (3) identificação e observação das cenas de ajuste recíproco; (4) acompanhamento dos diferentes públicos e suas experiências de vida; e (5) colaboração, compartilhamento e validação dos resultados de pesquisa com os públicos afetados. Este artigo focaliza os resultados do primeiro momento de pesquisa, cartografando e analisando as redes das arenas públicas ligadas às práticas de agricultura urbana.

A inovação social é compreendida, então, como o resultado da interação entre a ação criativa e a regularidade do instituído que produzem reconfigurações no social (Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.). Vale ressaltar que a proposta dessa abordagem é, para além de definir o que é a inovação social, acompanhar a ação empreendida pelos diversos atores nas arenas públicas e, assim, analisar quais consequências isso produz no ecossistema urbano e em sua governança, ou seja, compreender como a inovação social, de fato, ocorre.

Essa perspectiva vai ao encontro da aproximação entre os debates da inovação social e da governança. Galego et al. (2021)GALEGO, D.; MOULAERT, F.; BRANS, M.; SANTINHA, G. (2021). Social Innovation & Governance: A scoping review. Innovation: The European Journal of Social Science Research, v. 35, n. 2, pp. 265-290., em revisão sistemática da literatura que compreende os dois temas, argumentam que, embora a sua relação seja abordada largamente em diversos estudos, análises mais detidas das conexões entre os dois são necessárias. Os autores destacam que a exploração das conexões entre inovação social e governança lança luz para os processos em que as ações coletivas se encontram com os modos de governança estabelecidos e podem ou não os transformar e fortalecer o seu caráter democrático. Além disso, os autores também destacam que pesquisadores preocupados com a justiça social, especialmente a inclusão de comunidades e populações marginalizadas, devem dar atenção para o modo como essas conexões ocorrem nos territórios (ibid.).

Esse diálogo possui o potencial de enriquecer o debate a respeito da governança, que carece de perspectivas que deem espaço ao conflito, às práticas contra-hegemônicas e, assim, à inovação social (Eizaguirre et al., 2012EIZAGUIRRE, S.; PRADEL, M.; TERRONES, A.; MARTINEZ-CELORRIO, X.; GARCÍA, M. (2012). Multilevel governance and social cohesion: bringing back conflict in citizenship practices. Urban Studies, v. 49, n. 9, pp. 1999-2016.). Para isso, partimos de dois pressupostos: (1) é preciso desnaturalizar a ideia de que existem sistemas unificados de política pública, passando a considerar as diversas arenas públicas e os atores que as conformam (Andion e Magalhães, 2021ANDION, C.; MAGALHÃES, T. (2021). (Re)aproximando os pragmatismos da análise das políticas públicas. Experimentação e investigação pública em um cenário de crise democrática. Sociedade e Estado, v. 36, n. 2, pp. 513-543.); e (2) as políticas públicas (Zittoun, 2021ZITTOUN, P. (2021). “A abordagem pragmática das políticas públicas”. In: OLIVEIRA, O. P.; HASSENTEUFEL, P. (orgs.). Sociologia política da ação pública: teorias, abordagens e conceitos. Brasília, Enap.), assim como a governança, são produzidos num processo eminentemente conflituoso e político, em que é necessário superar a dicotomização entre conflito-colaboração e abrir-se às situações empíricas, nas quais diversas lógicas de ação convivem e interagem em maior ou menor grau (Andion, 2020ANDION, C. (2020). Atuação da sociedade civil no enfrentamento dos efeitos da COVID-19 no Brasil. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 54, n. 4.). Nesse sentido, compreender as formas de engajamento mútuo e coordenação das ações coletivas é um elemento central.

Caminho metodológico

O artigo que apresentamos é um recorte de uma pesquisa mais ampla, um estudo de caso qualitativo intrínseco3 3 Para Stake (2005), um estudo de caso qualitativo intrínseco é construído quando a razão para a realização da pesquisa é o próprio caso. Trata-se de um delineamento de pesquisa em que o conhecimento experiencial produzido em campo tem um papel central na estruturação do caso e na própria análise dos dados produzidos. Busca-se não a generalização estatística, mas o aprendizado a partir das particularidades do fenômeno. (Stake, 2005STAKE, R. E. (2005). “Qualitative case studies”. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (eds.). The sage handbook of qualitative research. Thousand Oaks, Sage.), realizada no âmbito de uma dissertação de mestrado. Nessa dissertação, dois principais conjuntos de dados foram cotejados: cartografia do campo de práticas de agricultura urbana e observação participante realizada em uma organização de articulação, a Rede Semear. Dessa pesquisa, realizamos um recorte que tem como foco a cartografia, a fim de compreender as inovações sociais produzidas e suas consequências para a governança na cidade.

Para uma aproximação com o fenômeno, um dos autores passou a participar de eventos públicos promovidos na área de agricultura urbana na cidade, de novembro de 2019 a julho de 2020. A aproximação resultou em, aproximadamente, 12 horas de trabalho de campo devidamente registradas em diário no editor de textos word da Microsoft.

A produção dos dados propriamente dita iniciou-se com um processo de observação participante na Rede Semear, um espaço informal de articulação dos atores da agricultura urbana da cidade. A observação foi realizada de julho de 2020 a agosto de 2021, resultando em, aproximadamente, 62 horas de trabalho de campo, também registradas em diário. Complementando a observação, foram realizadas 12 entrevistas de história oral temática (Ichikawa e Santos, 2003ICHIKAWA, E. Y.; SANTOS, L. W. (2003). Vozes da história: contribuições da história oral à pesquisa organizacional. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 27. Anais. Atibaia, Anpad.) com membros da Rede Semear e pesquisa documental em um conjunto de 71 documentos, que vão desde os arquivos digitais da Rede, ainda que escassos, até outros documentos, notícias e publicações de origens diversas que se mostraram relevantes. Essas estratégias de produção de dados, entretanto, foram complementares no recorte de pesquisa aqui realizado.

O foco do artigo, como mencionado, está na cartografia do campo de práticas de agricultura urbana da cidade de Florianópolis. A cartografia é um dos momentos do quadro analítico-metodológico da etnografia de arenas públicas (Magalhães, Andion e Alperstedt, 2020; Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.) e foi realizada por meio da plataforma do Observatório de Inovação Social de Florianópolis (Obisf). O Observatório é uma plataforma on-line colaborativa que visa “mostrar, articular, apoiar e acompanhar os atores que compõem a rede do Ecossistema de Inovação Social (EIS) da cidade, sejam eles atores de suporte ou iniciativas de inovação social” (Obisf, 2020, [n.p.]). As iniciativas de inovação social são coletivas, formais ou informais, e atuam diretamente na resposta aos problemas públicos da cidade; já os atores de suporte são aqueles que dão apoio a essas iniciativas na forma de financiamento, capacitação técnica, articulação, dentre outras atividades.

Para a cartografia, partimos de iniciativas já cadastradas na plataforma em trabalhos anteriores, especialmente Dias (2019)DIAS, M. E. (2019). Arena pública de resíduos sólidos urbanos: um estudo no Ecossistema de Inovação Social de Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.. Somamos a esse conjunto inicial, as diversas iniciativas que participaram nas reuniões da Rede Semear. Por fim, como estratégia complementar para a identificação dessas iniciativas, foi utilizado o algoritmo que sugere novos perfis a seguir na rede social Instagram. Por conta do enfoque da plataforma de pesquisa, as iniciativas de inovação social têm mais de um status, de acordo com a profundidade dos dados, conforme Quadro 1. O processo de cartografia começa com as iniciativas de inovação social sendo mapeadas a partir de dados secundários. Posteriormente, é realizada entrevista estruturada com o roteiro-padrão do Obisf e ela passa ao status observada. Quando a entrevista é realizada, a iniciativa é estimulada a indicar outras iniciativas com as quais realiza transações, que são mapeadas, e o ciclo se reinicia. Com o acúmulo desse processo, a rede de iniciativas mobilizadas em torno da agricultura urbana foi sendo reconstituída.

Quadro 1
– Descrição dos status das iniciativas no Obisf

Dessa forma, foram mapeadas 29 iniciativas, observadas 24, acompanhada 1 e inativadas 5. Foram realizadas, para isso, 21 entrevistas estruturadas com o roteiro-padrão do Obisf, com 33 participantes. Considerando as iniciativas que já estavam cadastradas na plataforma, a cartografia, neste estudo, é composta por 34 iniciativas mapeadas, 36 observadas, 4 acompanhadas e 10 inativas, perfazendo um total de 84 iniciativas. Além disso, há 73 atores de suporte ligados a essas iniciativas, tendo sido adicionados 13 novos.4 4 Por conta do limite de espaço, não será possível apresentar e analisar cada uma dessas iniciativas de inovação social e os atores de suporte cartografados. Contudo, as informações da cartografia encontram-se disponíveis na plataforma aberta do projeto de pesquisa, o Observatório de Inovação Social de Florianópolis, acessível em: https://www.observafloripa.com.br/. Por fim, foram realizadas quatro entrevistas abertas com atores de destaque de cada uma das arenas públicas identificadas para validação e esclarecimentos. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas, organizadas e inseridas na plataforma do Observatório. Visto que a plataforma gera uma planilha com os dados de todas as iniciativas, organizados a partir das categorias do roteiro de entrevistas, a análise dos dados realizada foi uma codificação baseada em conceitos, nos termos de Gibbs (2009)GIBBS, G. (2009). Análise de dados qualitativos. Porto Alegre, Bookman; Artmed.. Os demais dados produzidos foram todos inseridos na versão para web do software Atlas.ti de suporte à análise qualitativa de dados. Visto que nesse caso não havia uma estruturação na análise dos dados, foi realizada uma codificação baseada nos próprios dados (ibid.).

O campo de práticas de agricultura urbana e a emergência de inovações sociais em Florianópolis

Como mencionado acima, a rede que resultou do processo de cartografia conta com 84 iniciativas de inovação social, georreferenciadas conforme Figura 1. Nesse conjunto de iniciativas, há um predomínio de componentes da sociedade civil, que somam 48. Destes, 26 são coletivos informais, 12 associações, 4 programas de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), 3 movimentos sociais e 3 redes. Os tipos de componentes da sociedade civil encontrados, majoritariamente informais, podem indicar o caráter emergente da ação pública. Um segundo grupo que tem uma expressão notória é o das iniciativas de mercado, que somam 20, com 11 empresas com missão socioambiental e 9 empreendedores. Esse grupo é composto por pequenos negócios na área de compostagem, fazendas urbanas e agricultores familiares, estes últimos com modos de ação mais tipicamente rurais. Em seguida, há 8 programas governamentais, incluindo hortas e programas públicos. Por fim, cabe destacar 7 programas universitários, todos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e a atuação de uma entidade paraestatal.

Figura 1
– Georreferenciamento das iniciativas pesquisadas

Ainda que as iniciativas estejam dispersas por todo o território da cidade, o mapa (Figura 1) evidencia uma concentração no distrito-sede, que inclui a região continental e a região central da Ilha. Outro detalhe que chama a atenção no mapa são as iniciativas que se encontram fora dos limites do município de Florianópolis, o que aponta para a agricultura periurbana e para as interações entre rural e urbano de caráter metropolitano, que vão além dos limites municipais.

Para além das iniciativas de inovação social, a cartografia conta com um conjunto de 73 atores de suporte. Nesse grupo, há uma concentração maior de iniciativas governamentais, que somam 31, com diversos níveis de governo – municipal, estadual, federal e internacional – e dois mandatos parlamentares de vereadores de Florianópolis. Em seguida, há 18 atores de suporte da sociedade civil, 16 de origem empresarial, 5 de origem universitária e somente 3 de origem religiosa. A presença maior do governo entre os atores de suporte pode indicar uma atuação mais indireta, mais pelo fomento do que pela realização de ações diretas, como ficará claro adiante na análise de cada uma das arenas públicas.

Uma análise mais detida das ações e dos problemas públicos que enquadram cada uma das iniciativas permitiu a identificação não de uma arena pública, como a intuição inicial de pesquisa apontava, mas de diversas arenas. Foram assim identificadas três problemáticas centrais em torno das quais se colocam três arenas públicas: a gestão de resíduos sólidos orgânicos, o direito humano à alimentação adequada e os ciclos de produção e consumo. As práticas empreendidas nessas arenas públicas engendram diferentes processos de inovação social e, assim, promovem (re)configurações do território de maior ou menor alcance. Apresentamos e discutimos a seguir cada uma dessas dinâmicas.

A arena pública dos resíduos sólidos orgânicos

A primeira das arenas públicas identificadas evidencia uma das formas de integração da agricultura ao ecossistema urbano levantadas por Mougeot (2000)MOUGEOT, L. J. A. (2000). Urban agriculture: definition, presence, potentials and risks, and policy challenges. Report 31 – Cities Feeding People Series. Ottawa, International Development Research Centre.: a reciclagem de resíduos orgânicos através da compostagem. Em Florianópolis, agricultura urbana e compostagem estão profundamente imbricadas. Algo interessante, nessa arena, é a possibilidade de rastrear a sua origem histórica a partir de duas experiências consideradas fundantes pelos próprios atores. A primeira delas é o Programa Beija-Flor, da Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap), empresa pública responsável pela limpeza pública na cidade. Implementado entre as décadas de 1980 e 1990 em alguns bairros da capital, o Programa é resultado da interação da Comcap com o Movimento Ecológico Livre e a UFSC. As ações combinavam a separação dos resíduos na própria residência pelos moradores, a compostagem dentro do próprio bairro, a venda dos recicláveis secos, a implantação de hortas comunitárias e a realização de ações de educação ambiental nas escolas.

A segunda experiência fundante diz respeito ao desenvolvimento do Método UFSC de Compostagem, resultado de longos anos de pesquisa e experimentação capitaneadas pelo professor Paul Richard Momsen Miller. Dentro da própria Universidade, professor e alunos adaptaram técnicas de compostagem à realidade brasileira, especialmente urbana. O resultado é uma técnica sem grandes exigências de equipamentos e tecnologia e intensiva em uso de mão de obra. A técnica foi testada inicialmente dentro da Universidade, com os resíduos do campus, e em maior escala por meio de parceria entre Comcap e Associação Orgânica, uma OSC criada pelo próprio professor e alunos para esse fim.

A partir daqui, as práticas de compostagem tomaram dois caminhos: o da difusão nas comunidades e o da criação de pequenos negócios, o que abriu caminho para a criação de um mercado na área, especialmente diante da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Do ponto de vista da difusão nas comunidades, a experiência da Revolução dos Baldinhos e o trabalho do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro) tornaram-se referências. A Revolução dos Baldinhos é fruto das mobilizações comunitárias para a resolução da problemática de um surto de ratos e leptospirose na comunidade do Monte Cristo. Pela interação de moradores, lideranças, OSCs, como o Cepagro, e servidores da área da educação e saúde, a gestão comunitária dos resíduos orgânicos foi a solução encontrada e desenvolvida paulatinamente. Em 2011, o projeto foi certificado como Tecnologia Social pela Fundação Banco do Brasil e passou a ganhar reconhecimento como uma experiência de sucesso.

Essa pujança de práticas levou a um processo, muitas vezes problemático, de institucionalização e ampliação do seu alcance. Expressão disso é a criação de pátios de compostagem dentro da própria Comcap, para a redução da pressão sobre o aterro da região metropolitana em Biguaçu. Em paralelo a isso, dois outros programas foram incorporados ao conjunto de ações da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF): o Minhoca na Cabeça, que distribui minhocários e realiza capacitações, a fim de que as famílias interessadas possam compostar em sua própria residência, e o Família Casca, que disponibiliza um ponto de entrega voluntária de resíduos separados pelas famílias.

Com o desenvolvimento desse conjunto amplo de experiências e a interação entre os atores, os acúmulos permitiram a criação de dispositivos legais de reconhecimento e regulamentação da gestão comunitária de resíduos através da compostagem (Quadro 2).

Quadro 2
– Dispositivos de reconhecimento e regulamentação criados

Nesse processo, Marcos José de Abreu, o Marquito, até então membro do corpo técnico do Cepagro, elegeu-se vereador, em 2016, e reelegeu-se em 2020, pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). A partir daí, o Mandato Agroecológico, como é chamado, tornou-se um ponto de apoio institucional para essas práticas. Dentre as suas ações, destacam-se a lei municipal n. 10.501/2019, a Lei da Compostagem, de iniciativa do Mandato, que cria obrigações à PMF na reciclagem de resíduos orgânicos, e a destinação de subvenção social para a articulação e fortalecimento das iniciativas em comunidades periféricas, executada pelo Instituto Çarakura, que resultou na criação da Rede de Compostagem. Vale destacar que o vereador Marquito fez parte da oposição ao então prefeito, Gean Loureiro, reeleito em primeiro turno em 2020, pelo Democratas (DEM). Por conta disso, as suas ações não eram bem-vistas pelo Executivo, com grandes entraves para implementação. Há relatos, inclusive, de represálias a organizações e servidores por qualquer associação à sua figura.

Para além disso, a entrada da temática na agenda governamental resultou na edição do decreto municipal n. 17.910/2017, que instituiu o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos; do decreto municipal n. 18.646/2018, que cria o Programa Florianópolis Capital Lixo Zero; e do projeto Ampliação e Fortalecimento da Valorização de Resíduos Orgânicos no município de Florianópolis. O conjunto de ações previstas no projeto visava ao fortalecimento da compostagem, tanto em nível individual e comunitário, quanto nas ações governamentais, e foi recebido com grande expectativa pelos integrantes de iniciativas comunitárias. A implementação, entretanto, foi problemática. Além dos atrasos na execução, houve uma redução dos recursos prometidos. Como agravante, os pedidos de informação eram ignorados ou respondidos insatisfatoriamente e a Revolução dos Baldinhos, utilizada como parceira quando da submissão do projeto como iniciativa-modelo, teve seu nome e imagem apagados dos materiais de divulgação. Por isso, as iniciativas comunitárias viram, nessas ações, uma ameaça: a multiplicação de negócios, o temor de privatização da Comcap e o fechamento da PMF ao diálogo foram vistos como sinais de que havia um processo intencional de criação de um mercado da compostagem, em que não haveria espaço nem para as ações comunitárias, nem para os pequenos negócios locais. Isso reforça o encontrado por Dias (2019)DIAS, M. E. (2019). Arena pública de resíduos sólidos urbanos: um estudo no Ecossistema de Inovação Social de Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina. de que a disputa por motivações econômicas é estruturante do campo dos resíduos sólidos urbanos em Florianópolis e de que há uma dificuldade no estabelecimento de diálogos com o poder público.

Especialmente a partir do momento em que essas práticas chegaram às instituições, começaram de forma mais intensa as disputas pela propriedade do problema público (Cefaï, 2017CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.). Um ponto focal dessa disputa é a fonte das obrigações legais que geraram o conjunto de ações da PMF: alguns afirmam que é o Decreto Floripa Lixo Zero, de autoria do prefeito, outros que é a Lei da Compostagem, de iniciativa do mandato agroecológico. Isso fica claro também nas justificações utilizadas pelos atores (Boltanski e Thévenot, 2020BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (2020). A justificação. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ.): enquanto alguns recorrem aos impactos socioambientais positivos, num registro mais ligado ao interesse coletivo, para outros a questão é fazer a cidade e a gestão municipal conhecidas e reconhecidas, num registro mais ligado à fama e ao renome. Nesse sentido, fica claro que os processos de inovação social incluem não só a cooperação, mas a disputa, e não estão isolados do sistema político da cidade.

Em relação às formas de engajamento e coordenação da ação, é possível afirmar que que elas se dão de forma mais intensa nos territórios, pela criação de laços entre vizinhos. Nesse sentido, há uma grande dispersão em termos de articulações mais amplas na cidade. É possível também inferir que a Prefeitura não assume um papel de liderança, de construção de espaços de engajamento e tem suas parcerias baseadas numa lógica bastante dirigista e pouco dialógica. Além disso, a gestão municipal tem travado iniciativas de articulação que não estejam sob sua tutela, especialmente aquelas que tecem alguma crítica.

Uma das exceções a essa dispersão é a atuação da Rede de Compostagem e da Rede Semear, como espaços de articulação: ainda que seu alcance em relação ao conjunto mais amplo da arena não seja grande e encontrem dificuldades de articulação com o poder público, elas reúnem atores protagonistas e têm construído ações em conjunto. Outras exceções são a Frente Parlamentar Ambientalista, proposta e coordenada por Marquito, que busca transformar a integração em programas e políticas governamentais, e a atuação do Cepagro. Ou seja, há uma intencionalidade de produção de articulações mais amplas, mas isso ainda não foi alcançado.

Mesmo com as controvérsias, é possível notar uma série de efeitos desse processo, inclusive com implicações socioambientais positivas para a cidade e a região. Dentre esses efeitos, encontram-se: o alcance de um número crescente de pessoas em relação às preocupações socioambientais, a criação de um conjunto de atores mobilizados e mutuamente engajados nas comunidades, a geração de autonomia e oportunidades nas comunidades periféricas, a redução paulatina do impacto sobre o aterro sanitário, a criação de dispositivos técnicos e legais e a ampliação das ações da PMF.

A arena pública do direito humano à alimentação adequada

A arena pública constituída em torno da questão da alimentação, da segurança alimentar ou mesmo do direito humano à alimentação adequada reúne as formas, talvez, mais conhecidas ou típicas da agricultura urbana que são as hortas comunitárias. A PMF, em mais de uma ocasião, já declarou que há mais de cem hortas na cidade, apesar de a quantidade precisa ser algo incerto, especialmente pela volatilidade de algumas dessas iniciativas.5 5 Essas afirmações podem ser encontradas em notícias da mídia local como Estúdio NSC (2019) e ND+ (2019). Trata-se, especialmente, de hortas comunitárias, ou seja, espaços de produção de alimentos em terrenos públicos ou privados, partilhados por um grupo de pessoas, geralmente moradores da vizinhança.

Os modos de ação e organização adotados pelos participantes são os mais diversos. Algumas, como a Horta do Pacuca e o Quintal Comunitário do Córrego Grande, ocupam terrenos públicos da cidade que, antes, encontravam-se abandonados e desenvolvem em paralelo as práticas de compostagem. Aqueles que criaram e participam das hortas veem nas práticas de agricultura urbana uma forma de ocupar de maneira mais saudável e sustentável os espaços da cidade, resistir à perda de espaços públicos e de convívio, ter acesso a alimentos saudáveis e gerar momentos de interação e criação de laços entre vizinhos.

Evidentemente, diante da grande pressão exercida pela especulação imobiliária na cidade, esse processo de ocupação do espaço urbano não se dá sem controvérsias. No caso da Horta do Pacuca, a disputa deu-se com a União, a quem o terreno pertencia e que passou a ser ocupado, mantido e utilizado pela própria comunidade de forma autônoma, fruto da falta de áreas públicas de lazer e do abandono do local. Houve tentativas de venda do terreno a particulares pela União, o que foi impedido pela ação da comunidade. Outro caso emblemático é a AgroRua, iniciativa que busca, através dos princípios e práticas da agroecologia, reinserir as pessoas em situação de rua na cidade, promovendo o seu protagonismo e autonomia. O coletivo surgiu por iniciativa das próprias pessoas que estavam sendo atendidas na Passarela da Cidadania, espaço arranjado pela Prefeitura para atendimento socioassistencial, que procuraram militantes reconhecidos da área, como o vereador Marquito. Os canteiros, entretanto, dias depois de serem construídos, foram destruídos por agentes da Prefeitura, e os materiais foram tomados. Após a destruição traumática da horta, a iniciativa buscou outras formas de atuação, em parceria com outras iniciativas de agricultura urbana do município.

Esses casos ressaltam que as ações de agricultura urbana e os processos de inovação social que engendram acontecem em meio aos conflitos e controvérsias próprios da produção da cidade. Enquanto em alguns lugares, sobretudo as regiões mais valorizadas, os moradores têm a liberdade de ocupar espaços públicos e são incentivados pela PMF, em outros, sobretudo quando se trata de iniciativas das populações marginalizadas, são invisibilizados e têm suas ações deslegitimadas. Mesmo com essas questões do acesso à terra, a existência desses espaços de cultivo permite começar a compreender como, na verdade, a cidade de Florianópolis constitui-se como um mosaico rural-urbano. Isso ficará ainda mais claro na arena pública dos ciclos de produção e consumo abaixo.

Da mesma forma que na arena dos resíduos orgânicos, aqui essas práticas passaram a integrar a agenda pública e inspiraram a criação de iniciativas como o Programa Educando com a Horta Escolar e a Gastronomia. Coordenado pela Secretaria Municipal de Educação, o Programa realizava, com os alunos, ações que iam desde o plantio, passando pela colheita, preparo, consumo, até o reaproveitamento dos resíduos por meio da compostagem. Durante vários anos, o Cepagro prestou assessoria ao Programa por meio de convênio. Quando as ações tiveram início, em 2010, eram 19 unidades escolares atendidas. Já, em 2013, o Programa atendia 83 unidades. Nesse mesmo período, pela ação de diversos servidores de nível de rua, multiplicaram-se hortas também em centros de saúde e Centros de Referência de Assistência Social.

A multiplicação dessas iniciativas e a construção progressiva da necessidade de articulação e reconhecimento político-institucional levaram à criação, em 2015, da Rede Semear, por meio da integração de ativistas, membros de OSCs, com destaque novamente ao Cepagro, e servidores municipais de nível de rua, comprometidos com a temática. Por meio da Rede Semear e de sua interlocução com o alto escalão da Prefeitura, foi criado, por meio do decreto municipal n. 17.688/2017, o Programa Municipal de Agricultura Urbana (Pmau). Com o passar dos anos, a grande preocupação da Rede Semear foi a criação e a incidência sobre políticas municiais voltadas para a agricultura urbana, tendo participado, ainda, de discussões do orçamento municipal, do Plano Diretor e de iniciativas legislativas do mandato agroecológico. A trajetória da Rede Semear, como relata Manoel (2022)MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina., revela mais uma nuance do autoritarismo da gestão municipal. Por perceber as possiblidades de capitalização eleitoral da agenda da agricultura urbana, o alto escalão desenhou, de 2019 a 2020, um processo de afastamento, deslegitimação e, enfim, ruptura com a Rede Semear. Apesar disso, a Rede promoveu 7 Encontros Municipais de Agricultura Urbana (Emau), espaços de construção conjunta de visibilidade, reconhecimento mútuo, demandas e posicionamentos, tendo incidido, inclusive, nos processos eleitorais da cidade, buscando comprometer os candidatos com essa agenda. Desde 2021, vem construindo um processo de reinvenção de suas ações, apesar da ruptura.

Com o advento da pandemia de Covid-19, no ano de 2020, e o consequente agravamento da situação de insegurança alimentar da população na cidade de Florianópolis, diversas iniciativas foram criadas e ligaram as práticas de agricultura urbana a dinâmicas sociais mais amplas e antigas da segurança alimentar. As hortas passaram a se associar a iniciativas solidárias, como as diversas cozinhas comunitárias que nasceram. Somaram-se, a esses esforços, iniciativas da UFSC, tanto de plantio e doação de alimentos, como também de captação de doações, compra da agricultura familiar e doação a famílias vulneráveis. Cabe destacar, também, o projeto do Cepagro, que, com recursos da cooperação internacional, passou a comprar produtos agroecológicos de diversos produtores da região, muitos em comunidades periféricas, e a doá-los às cozinhas comunitárias. O Instituto Comunitário Grande Florianópolis (Icom), por sua vez, criou a Linha de Apoio Emergencial Coronavírus, com ações de apoio direto às famílias, e o primeiro Banco Comunitário da região, visando, além de garantir a segurança alimentar e nutricional, fortalecer o comércio local e os territórios.

A Prefeitura Municipal de Florianópolis também implementou medidas assistenciais emergenciais: a criação do Cartão-Merenda, ainda em março de 2020, voltado às crianças da rede municipal de ensino cadastradas no CadÚnico; a distribuição de cestas básicas, ampla e constantemente divulgada na mídia, capitaneada pela esposa do prefeito, presidente da Fundação Somar Floripa, entidade voltada à promoção do voluntariado; e a implementação do Auxílio Municipal Emergencial, aprovado pela Câmara Municipal, já em maio de 2021.

Com o tempo e a exaustão diante da demanda crescente de pessoas em situação de vulnerabilidade, aos poucos, os membros das iniciativas comunitárias foram percebendo a necessidade de ações de maior alcance e a longo prazo. É a partir daqui que as dinâmicas solidárias passaram a encontrar as mobilizações, já antigas e que se encontravam arrefecidas, pela instalação de um restaurante popular público e pela implementação efetiva de uma política municipal de segurança alimentar e nutricional, que não foi plenamente implementada desde a sua aprovação em 2013. Uma expressão desse encontro é a criação do Movimento Restaurante Popular Público em Floripa, Já!, no fim de 2021, e da Frente Parlamentar de Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, pelo vereador Marquito, para dar espaço institucional a essas discussões. Esse conjunto de atores chegou a levar por diversas vezes essas demandas, inclusive elaborando propostas e documentos técnicos, ao poder público municipal, que se fechou às propostas. O prefeito municipal, quando em campanha à reeleição em 2020, comprometeu-se a implementar o Restaurante em 2021. Após pressão do Movimento, a PMF anunciou a implementação do Restaurante, cuja inauguração se deu, às pressas, em março de 2022.

Como na arena anterior, é notória aqui a falta de uma presença sólida da Prefeitura Municipal, ainda que tenha implementado ações emergenciais. O protagonismo fica a cargo das OSCs, das iniciativas da UFSC, de espaços de articulação, como Comseas e, novamente, do mandato agroecológico do vereador Marquito. A presença de espaços mais institucionalizados de interface socioestatal, como Comseas e Consea-SC, indica que esses atores inscrevem suas ações num processo mais antigo e amplo de construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), com todo o arcabouço legal, conjunto de conferências, documentos e repertório que dele fazem parte. Apesar desse histórico, esse conjunto de ações nunca se consolidou em Florianópolis. O que se percebe é o prevalecimento da lógica do “primeiro damismo”, expressa na captura das ações da política de assistência social pela Fundação Somar Floripa e na recusa em implementar uma política consistente de segurança alimentar e nutricional, mesmo diante da crise social imposta pela pandemia.

Em relação aos dispositivos produzidos, destaca-se que há menos dispositivos legais e mais relatórios e documentos de atores da sociedade civil e das universidades. Isso revela uma dinâmica de publicização bastante intensa, em que se busca medir, analisar, avaliar as situações problemáticas, a fim de enquadrar as situações vividas e alcançar uma definição pública. Isso tem encontrado reverberações nas mídias de maior circulação local com notícias e reportagens, mas ainda não conseguiu alcançar a institucionalidade, mesmo com a existência de lei aprovada nesse sentido desde 2013. Assim, os efeitos institucionais dessa arena são mais limitados e dizem respeito à ampliação dos espaços públicos disponíveis com as hortas, a contribuição na composição do mosaico rural-urbano e a mobilização da opinião pública para a questão da fome e da ausência de ações efetivas do poder público municipal.

Em relação às formas de engajamento e coordenação, é importante destacar que há uma dinâmica local bastante intensa, como na arena anterior, de criação e laços entre vizinhos e nas redes de solidariedade que se formaram com a pandemia. É notória, também, a presença de espaços tradicionais de interação socioestatal, como os conselhos de política pública. Novamente aqui se destaca a atuação tanto do Cepagro, em promover a articulação de redes agroecológicas, como do mandato agroecológico do vereador Marquito, em articular e criar apoios institucionais para ação, destacando-se, aqui, a Frente Parlamentar de Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Como na arena pública anterior, o Executivo municipal não se propõe a exercer um papel de liderança e articulação.

Para além desses processos de engajamento e articulação, é interessante a dinâmica de encontro de mobilizações distintas, como a das hortas comunitárias, das cozinhas comunitárias, com lutas mais amplas pela implementação do restaurante popular. Isso permitiu a construção de um processo coletivo de reflexão sobre a necessidade de políticas públicas de segurança alimentar e agricultura urbana e sobre a necessidade de transformação de nosso modo de produção, em favor de ciclos mais curtos e responsáveis, o que será analisado de forma mais detida na próxima seção. É nesse encontro de dinâmicas que se fortalece um processo genuinamente político (Cefaï, 2017CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.; Dewey, 2004DEWEY, J. (2004). La opinión pública y sus problemas. Madrid, Morata.) e se constroem passarelas fundamentais para a construção de governança democrática na cidade.

A arena pública dos ciclos de produção e consumo

A arena pública ligada aos ciclos de produção e consumo diz respeito às práticas de agricultura urbana que têm uma relação mais direta com a economia. Em primeiro lugar, destacam-se as inúmeras propriedades tipicamente rurais, que produzem alimentos com fins de comercialização, espalhadas pelo município e além de suas fronteiras. São produzidos alimentos desde os mais tradicionais, como hortaliças, legumes, temperos e raízes, até plantas alimentícias não convencionais, microverdes, mel de abelha nativa e derivados, ovos caipira, alimentos já beneficiados e sementes crioulas, visando à preservação da biodiversidade.

Uma característica que essas iniciativas têm em comum é algum tipo de vinculação à agroecologia. Em contraposição às ideias da Revolução Verde, hoje ainda dominantes, o movimento agroecológico busca uma forma alternativa de relação entre produtores, consumidores e os ecossistemas. Nesse sentido, essas unidades produtivas não utilizam agrotóxicos, mas defensivos naturais e controle biológico; promovem a regeneração dos ecossistemas ao mesmo tempo que produzem, por meio de técnicas como a permacultura, a agricultura sintrópica e biodinâmica, os sistemas integrados em aquaponia e os sistemas agroflorestais; buscam a edificação de formas mais cooperativas de relação com outros produtores e corresponsabilizadoras em relação aos consumidores; valorizam os saberes locais, especialmente dos povos e comunidades tradicionais; e realizam ações de preservação do patrimônio cultural alimentar e biológico. Além disso, diversas iniciativas oferecem serviços ligados ao agroturismo.

O advento da pandemia colocou foco sobre essas iniciativas, sobretudo para suas dificuldades. Em primeiro lugar, a despeito da configuração real do território, o macrozoneamento rural foi excluído do novo Plano Diretor em 2014 (Ferreira, 2018FERREIRA, G. C. (2018). O rural e o urbano: ruralidades, meio ambiente e expansão urbana em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). Além de expressão de uma tentativa de apagamento institucional, isso gera ônus aos produtores, como o pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a dificuldade de acesso às políticas de fomento. Embora essas políticas ainda não tragam mecanismos que incluam os agricultores familiares inseridos em meio urbano, elas estão sendo sistematicamente desmontadas. Em âmbito municipal, não é diferente: programas públicos de compras institucionais de Florianópolis impõem critérios que excluem os pequenos produtores.

Uma expressão das formas alternativas de relação referidas acima são as articulações de produtores ou entre produtores e consumidores como a Rede Ecovida, a Rede Acolhida na Colônia, as Células de Consumidores Responsáveis, de iniciativa da UFSC, e o modelo Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). Ainda, no campo da comercialização, há formas típicas que merecem ser citadas, como as feiras, que proporcionam trocas e aproximação entre consumidores e produtores, além de momentos de manifestações culturais e artísticas e de vivência dos espaços públicos da cidade. Também cabe mencionar os diversos estabelecimentos comerciais voltados exclusivamente para a comercialização de produtos orgânicos ou provenientes da agricultura familiar.

A recente multiplicação de iniciativas e espaços como estes evidencia a redescoberta de uma Florianópolis rural, que não foi apagada pelo processo de urbanização ou por sua exclusão de dispositivos legais. Isso reforça o encontrado por Ferreira (ibid.), em análise do processo histórico de constituição das relações rural-urbano em Florianópolis. A autora identificou um projeto de “modernização” em curso na cidade, especialmente a partir da década de 1970, com nova fase na década de 1990, associado ao mercado de tecnologia e ao slogan da “Ilha do Silício”. Esse projeto valorizava o “progresso”, associando-o com o urbano, ficando o rural ligado a ideias de atraso e de um provincianismo a ser superado. Isso causou profundas modificações no território. Apesar disso, o rural persiste e não como mera reminiscência, mas como uma reelaboração, com fronteiras borradas em relação ao urbano (ibid.), ou seja, como uma nova ruralidade, para usar os termos de Veiga (2004)VEIGA, J. E. (2004). A dimensão rural do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 12, n. 1, pp. 71-94..

Para além disso, a ligação das práticas de agricultura urbana com a transformação das relações de produção e consumo encontra eco também em outro movimento, o da Economia Popular e Solidária. Essas iniciativas se encontram, sobretudo, em meio às comunidades periféricas, junto aos povos indígenas presentes na cidade e nas ocupações urbanas.

Nessa arena pública, novamente, destaca-se a atuação do mandato agroecológico do vereador Marquito, em criar pontos de apoio institucional para esse conjunto de práticas: desde o primeiro mandato, alcançou a aprovação de diversas leis que atendem a essas demandas (Quadro 3). Apesar das diversas leis aprovadas e sancionadas, todas elas encontram dificuldades em sua implementação, boa parte sem nenhuma perspectiva nesse sentido. Os integrantes e apoiadores do mandato percebem nisso uma represália do Executivo pelo caráter de oposição da atuação parlamentar de Marquito. Mais uma vez aqui as disputas pela propriedade dos problemas públicos e as dificuldades ligadas a retrocessos autoritários ficam evidentes.

Quadro 3
– Leis de iniciativa do mandato agroecológico do vereador Marquito aprovadas e sancionadas na área de produção e consumo

A UFSC também desempenha um papel fundamental nessa arena, através de diversos núcleos e laboratórios, sobretudo do Centro de Ciências Agrárias. Destaca-se, aqui, também a atuação da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). Apesar de a atuação do escritório municipal da Epagri em Florianópolis ser mais intensa junto à pesca e à maricultura, ao longo dos anos ele tem ampliado suas ações de extensão rural e apoio técnico junto aos agricultores familiares inseridos em Florianópolis e às iniciativas de agricultura urbana. Conforme relata Manoel (2022)MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina., a interação com a Rede Semear teve um papel fundamental nessa ampliação.

Apesar da dispersão e mesmo com as dificuldades de inserção na agenda governamental, é possível notar uma série de efeitos da ação pública performada nessa arena. Em primeiro lugar, uma grande contribuição para o mosaico rural-urbano que compõe a cidade de Florianópolis, especialmente pela presença de agricultores com características tipicamente rurais. Isso representa uma forma de resistência à urbanização que se impõe e demonstra que há outras formas possíveis de se viver e fazer a cidade. Além disso, destaca-se o esforço de buscar formas alternativas da produção dos alimentos, com as práticas do movimento agroecológico, e também de consumo, tornando os consumidores corresponsáveis do processo produtivo, passando da segurança à soberania alimentar. Cabe destacar que a construção desses ciclos alternativos é carregada também da preocupação com as vulnerabilidades sociais dos diversos povos e comunidades espalhados pela cidade, tanto pelo acesso à comida de verdade como pelo acesso a oportunidades de emprego e renda.

Por fim, é importante ressaltar que a ausência da produção de documentos e relatórios que deem conta de compreender a realidade, especialmente dos agricultores familiares, com exceção de algumas tentativas de mapeamento realizadas, é sintomática da dificuldade dessa arena em alcançar transformações institucionais mais amplas. Apesar disso, pela atuação do mandato agroecológico do vereador Marquito, um conjunto de leis de suporte à produção agroecológica e à economia popular e solidária foi aprovado na Câmara Municipal, conforme acima. As disputas da PMF com o Mandato, entretanto, têm impedido a implementação desses instrumentos legais, o que dificulta o fortalecimento das ações comunitárias.

Múltiplas arenas, (des)conexões e implicações para a governança da cidade

Para além das problemáticas particulares de cada arena, há algumas em comum. Destacam-se, aqui, a questão das vulnerabilidades nas comunidades periféricas e da segregação socioespacial, a dificuldade de consolidação e/ou ausência de políticas públicas sólidas em cada área, além das ingerências e/ou fechamento da Prefeitura Municipal. Isso reforça a necessidade de uma discussão ampla sobre uma Florianópolis invisível – ou invisibilizada. Além disso, coloca-se uma reflexão sobre o processo de legitimação de um projeto autoritário e excludente de cidade ao longo do tempo, considerando a reeleição do prefeito em primeiro turno com ampla diferença, ao contrário da eleição anterior. Reforça-se, assim, a necessidade de incluir, nas discussões a respeito da inovação social, além do seu caráter político, uma preocupação com a democracia e a justiça social, algo que nem sempre é levado em conta. A análise comparada das arenas permite inferir, também, que a agroecologia parece ser uma cosmovisão cada vez mais difundida e partilhada por esses atores e que se destaca pela conjugação entre ecologia e justiça social, por um lado, e entre rural e urbano, por outro.

As arenas possuem semelhanças, mas também particularidades que vale a pena analisar comparativamente. Pelo caráter emergente das políticas públicas ligadas aos resíduos orgânicos, não há uma presença intensa dessa temática nos espaços tradicionais de interação socioestatal como os conselhos. Já, na dinâmica ligada ao direito à alimentação adequada, há a inscrição das ações no processo mais antigo e amplo de construção do Sisan, com todo um arcabouço legal e técnico, e espaços institucionalizados como o Comseas, que, por isso, alcançam articulações mais amplas, regionais e estaduais. Em relação aos ciclos de produção e consumo, há políticas públicas de fomento estabelecidas, mas encontram-se em desmonte e, mesmo que não estivessem, há o desafio de enquadramento dos agricultores familiares urbanos nesses critérios.

Essa ligação com políticas instituídas anteriormente, entretanto, não é determinante das consequências das ações coletivas. Talvez, pela trajetória da Comcap ou pela possibilidade de mercantilização e capitalização eleitoral, é a arena dos resíduos sólidos que tem mais efeitos institucionais efetivos na cidade, como uma ampliação do arcabouço legal e das ações governamentais propriamente ditas. Já a arena do direito à alimentação possui uma série de acúmulos nacionais em termos de políticas públicas, mas não consegue fazer avança a pauta; encontra-se muito mais num processo de produção de avaliação a respeito dos problemas como os relatórios, de mobilização da opinião pública e de experimentação, como nas cozinhas comunitárias. Por fim, a arena dos ciclos de produção e consumo possui uma série de políticas públicas aprovadas em lei, mas que não efetivamente implementadas. Nesse sentido, em termos de inovações sociais, a arena pública dos resíduos orgânicos possui mais longo alcance, tanto nos territórios, quanto na mudança na visão de mundo dos atores e no instituído na cidade. As outras dinâmicas, entretanto, possuem alcances mais locais e têm dificuldade de alcançar mudanças de maior escala.

A emergência de uma nova ruralidade a que se refere Veiga (2004)VEIGA, J. E. (2004). A dimensão rural do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 12, n. 1, pp. 71-94. é nítida em Florianópolis, especialmente pelo mosaico entre rural e urbano produzido. Essa emergência, entretanto, não se dá sem controvérsias: é visível, também, um projeto de cidade em curso que busca apagar a ruralidade e sobrepor a ela uma urbanização acelerada e excludente. Nesse sentido, a ruralidade presente em Florianópolis é também uma forma de resistência a esse projeto de cidade. Assim, fica evidente que a discussão a respeito das relações entre rural e urbano é um elemento fundamental para se pensar a governança da cidade, especialmente a partir de preocupações com a democracia e a justiça social.

Para além das relações entre rural e urbano, a cartografia permitiu depreender que as práticas de agricultura urbana estão na gênese de um processo de investigação e experimentação que faz emergir diversos problemas públicos da cidade. Isso fica claro pelo conjunto de arenas públicas que foi identificado: resíduos sólidos orgânicos, direito à alimentação adequada e ciclos de produção e consumo. Os resultados apontam, assim, que os processos de implementação de políticas públicas nas temáticas encontradas são permeados por múltiplas arenas, conforme propõem Andion e Magalhães (2021)ANDION, C.; MAGALHÃES, T. (2021). (Re)aproximando os pragmatismos da análise das políticas públicas. Experimentação e investigação pública em um cenário de crise democrática. Sociedade e Estado, v. 36, n. 2, pp. 513-543. e Zittoun (2021)ZITTOUN, P. (2021). “A abordagem pragmática das políticas públicas”. In: OLIVEIRA, O. P.; HASSENTEUFEL, P. (orgs.). Sociologia política da ação pública: teorias, abordagens e conceitos. Brasília, Enap.. Essa percepção a respeito das múltiplas arenas ainda não encontra respaldo na literatura tradicional a respeito das políticas públicas nem mesmo da governança pública.

Nesse sentido, as decisões e as políticas públicas não são atos isolados de um tomador de decisão racional, mas são produzidas em processos políticos que ocorrem em meio a múltiplas arenas e não em sistemas delimitados de política pública (Andion e Magalhães, 2021ANDION, C.; MAGALHÃES, T. (2021). (Re)aproximando os pragmatismos da análise das políticas públicas. Experimentação e investigação pública em um cenário de crise democrática. Sociedade e Estado, v. 36, n. 2, pp. 513-543.; Zittoun, 2021ZITTOUN, P. (2021). “A abordagem pragmática das políticas públicas”. In: OLIVEIRA, O. P.; HASSENTEUFEL, P. (orgs.). Sociologia política da ação pública: teorias, abordagens e conceitos. Brasília, Enap.). Isso se reforça quando se percebem as fronteiras borradas e indefinidas entre as arenas públicas e entre as próprias políticas públicas. Com isso e considerando as diversas formas de ação e engajamento mútuo encontradas, faz mais sentido falar em governanças da cidade, no plural, em que diversas lógicas convivem.

Com isso, é possível compreender a constituição de uma política pública como um processo de enquadramento, de estabilização provisória das dinâmicas das arenas públicas. A análise do papel de cada ator e da forma como esse enquadramento é estabelecido e transformado tem muito a dizer a respeito da qualidade da democracia na cidade. Frequentemente, e nas arenas que analisamos, isso é uma constante; esse processo é marcado pela apropriação dos aprendizados das iniciativas comunitárias sem o seu devido reconhecimento como atores políticos legítimos. Além disso, quando essas soluções alcançam certo grau de institucionalização, alguns atores governamentais agem como se fossem seus proprietários, desconsiderando a necessidade de revisão constante de sua conduta e submissão à avaliação dos públicos, um dos elementos fundamentais da democracia num sentido deweyano (Dewey, 2004DEWEY, J. (2004). La opinión pública y sus problemas. Madrid, Morata.).

Por meio da análise da cartografia, foi possível notar, também, a processualidade da constituição dos problemas públicos, da formulação de respostas e, assim, das políticas e da governança públicas. Apesar de muitas vezes os autores reclamarem um caráter altamente disruptivo para suas ações, estas estão sempre assentadas em processos longos de codefinição e codomínio de situações problemáticas, como ressalta Cefaï (2017)CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.. Esse processo não é linear nem cumulativo, mas repleto de idas e vindas, avanços e retrocessos, descontinuidades e retomadas. Além disso, essas dinâmicas não ocorrem de forma isolada do sistema político, da disputa entre os partidos políticos pela condução dos governos, do debate na casa legislativa, do trabalho dos conselhos de política pública e do processo de política pública de forma geral. No conjunto das arenas, essa interface com o sistema político fica evidente, sobretudo, nas disputas levadas a cabo entre Prefeitura Municipal e o mandato agroecológico. Nesse sentido, a compreensão das dinâmicas das diversas arenas públicas reforça, também, a afirmação constante na literatura de que as práticas de agricultura urbana possuem uma ligação profunda com o processo de produção de respostas aos problemas públicos da cidade (Ávila-Sánchez, 2019ÁVILA-SÁNCHEZ, H. (2019). Agricultura urbana y periurbana: reconfiguraciones territoriales y potencialidades en torno a los sistemas alimentarios urbanos. Investigaciones Geográficas, [s.l.], n. 98, pp. 1-21.), com toda a complexidade que isso pode representar.

Nesse sentido, um outro elemento comum às dinâmicas das várias arenas encontradas é a busca pela institucionalização dessas práticas por meio de ações governamentais, como uma forma de ampliar o seu alcance. Essas práticas encontram uma barreira bastante significativa no modo de ação do alto escalão da Prefeitura, como já mencionado. Muitas vezes, o espaço que encontram aberto é junto aos servidores de nível de rua sensibilizados com a causa, como no caso da Rede Semear. Ainda que carente de democracia, é inegável que esse conjunto de ações tem reconfigurado constantemente o território e a sua governança.

Dessa forma, pode-se inferir que, para compreender a governança da cidade, não basta olhar simplesmente para um governo que se abre, é preciso reconhecer que os problemas públicos, e assim as próprias políticas públicas, estão imersos em complexos campos de experiência coletiva. Esses campos de experiência se estabelecem por conta de processos de investigação e experimentação, fundamentados na percepção e no esforço de controle de situações problemáticas, nos quais os agentes governamentais são apenas um componente possível do conjunto heterogêneo de atores. Além disso, a legitimidade das ações governamentais não é conferida simplesmente pelo poder da norma, mas pela forma como se relacionam com esses campos de experiência.

Algo bastante evidente nas três arenas públicas é que o encontro entre a dinâmica criativa dos diversos atores e a regularidade do instituído, especialmente as instituições governamentais, são bastante problemáticos, como afirma constantemente a literatura (Frega, 2019FREGA, R. (2019). Pragmatism and the wide view of democracy. Gewerbestrasse, Palgrave Macmillan.). Muitas vezes é avaliado de forma negativa, porque os resultados esperados pelos atores não são alcançados em sua totalidade, especialmente diante do autoritarismo. Esse encontro, entretanto, é fundamental para a compreensão da governança e a manutenção da própria democracia, mesmo que os resultados não satisfaçam completamente a expectativa de alguns dos atores. É preciso considerar a processualidade dessas ações e o conjunto amplo de consequências não previstas, que foge aos objetivos racionalmente estabelecidos. É nesse choque, frequentemente problemático, que enxergamos as dinâmicas de inovação social (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.; Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.).

As arenas analisadas até aqui, por um lado, reforçam a dimensão política dos processos de inovação social, muitas vezes negligenciada pela literatura da área (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.). Por outro, apontam que os momentos de resistência ao autoritarismo nas longas trajetórias de (re)definição dos problemas públicos também são parte dos processos de inovação social. Ou seja, mesmo que as ações não alcancem os resultados esperados, elas estão inscritas nas dinâmicas de inovação social e precisam ser consideradas.

Para além disso, esse encontro e choque de dinâmicas reforçam a percepção de que a democracia não é pura e simplesmente um regime político que se constrói a partir de um processo de produção racional de consensos e decisões baseado na troca de argumentos. Trata-se de um modo de vida (Dewey, 2004DEWEY, J. (2004). La opinión pública y sus problemas. Madrid, Morata.) e de um projeto inacabado (Frega, 2019FREGA, R. (2019). Pragmatism and the wide view of democracy. Gewerbestrasse, Palgrave Macmillan.), que, além da discussão, inclui a investigação e a experimentação, ou seja, está profundamente ancorado nas práticas cotidianas dos atores.

Considerações finais

Com este artigo, buscamos compreender os processos de inovação social engendrados pelas práticas de agricultura urbana na cidade de Florianópolis. A partir dessas práticas, identificamos três grandes dinâmicas de inovação social presentes em três arenas públicas: a dos resíduos sólidos orgânicos, a do direito humano à alimentação adequada e a dos ciclos de produção e consumo. Cada uma dessas arenas carrega particularidades, mas também muitas semelhanças, o que nos ajudou a caracterizar e compreender a governança da cidade, especialmente das interações entre as práticas cotidianas e o instituído e as suas consequências no território.

Nesse sentido, ressalta-se o caráter eminentemente político e conflituoso das dinâmicas de inovação social identificadas, algo que nem sempre é considerado pela literatura da área (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.). O caráter controverso desses processos se dá, sobretudo, por questões de desigualdades sociais e segregação socioespacial, por um lado, e pelo caráter autoritário das relações entre Estado e sociedade, por outro, especialmente da parte da Prefeitura Municipal. Outro resultado importante do estudo é a compreensão da relevância do olhar para as relações entre rural e urbano para a compreensão da governança da cidade, como já apontaram outros autores (Ferreira, 2018FERREIRA, G. C. (2018). O rural e o urbano: ruralidades, meio ambiente e expansão urbana em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

Os resultados revelam, ainda, o caráter processual da governança e das políticas públicas, repleto de idas e vindas, avanços e retrocessos, descontinuidades e retomadas. Uma compreensão aprofundada dessa processualidade só é possível pela imersão do pesquisador nos diversos campos de experiência (Cefaï, 2017CEFAÏ, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte 1). Novos Estudos – Cebrap, [s.l.], v. 36, n. 1, pp. 187-214.), o que realizamos a partir do quadro analítico-metodológico da etnografia de arenas públicas (Magalhães, Andion e Alperstedt, 2020; Magalhães, Andion e Manoel, 2022MANOEL, A. A. (2022). Semeadura da agricultura urbana em Florianópolis: arenas públicas, experimentações e desafios da governança para a sustentabilidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina.). Essa imersão, entretanto, não nos parece necessária somente aos pesquisadores, mas uma prática fértil aos servidores públicos, gestores e planejadores urbanos, sem desconsiderar a importância dos espaços institucionalizados de discussão pública.

Com isso, o estudo buscou somar-se aos esforços de compreensão do ecossistema de inovação social de Florianópolis (Andion, Alperstedt, Graeff, 2020; Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.), materializados na plataforma de pesquisa do Obisf. Diversos outros pesquisadores têm mergulhado nas arenas públicas para compreender cada uma das dinâmicas e unirem-se num esforço coletivo de compreensão da cidade como um grande laboratório de produção da democracia e da governança (Andion et al., 2017ANDION, C.; RONCONI, L.; MORAES, R. L.; GONSALVES, A. K.; SERAFIM, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 3, pp. 369-387.). Nesse sentido, o trabalho também contribui com as pesquisas de autores diversos (Cajaiba-Santana, 2014CAJAIBA-SANTANA, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, pp. 42-51.; Eizaguirre Anglada e Klein, 2020EIZAGUIRRE ANGLADA, S.; KLEIN, J. (2020). Co-construcción de saberes, innovación social y desarrollo territorial: una experiencia quebequense. Revesco – Revista de Estudios Cooperativos, v. 134, pp. 1-14.; Howaldt, Domanski e Kalekta, 2016) que, nos últimos anos, têm buscado construir alternativas à polarização do campo de estudos referida anteriormente. Fazemos isso a partir do pragmatismo e da etnografia de arenas públicas.

O estudo que propomos, entretanto, buscou dar um olhar panorâmico para o campo de práticas de agricultura urbana. Por mais que o seu foco seja nas práticas e em sua interação com o instituído, a cartografia realizada não dá conta de acompanhar e compreender de maneira aprofundada os dilemas do cotidiano dos atores em suas ações coletivas. Nesse sentido, incentivamos a realização de trabalhos etnográficos que mudem a escala e, assim, consigam compreender outras nuances das dinâmicas de inovação social. Além disso, parece-nos importante a compreensão, nesse mesmo ponto de análise, da atuação de servidores públicos de nível de rua que estejam agindo nas franjas entre Estado e sociedade e da sua relação com as dinâmicas de inovação social. Por fim, ressaltamos a importância de levar adiante a agenda de pesquisa sobre os ecossistemas de inovação social (Andion, Alperstedt, Graeff, 2020; Andion et al., 2021ANDION, C.; ALPERSTEDT, G.; GRAEFF, J.; RONCONI, L. (2021). Social innovation ecosystems and sustainability in cities: a study in Florianópolis, Brazil. Environment, Development and Sustainability, v. 24, n. 1, pp. 1259-1281.), realizando-se estudos comparados entre dinâmicas dentro de uma mesma cidade, bem como entre cidades diferentes.

Nota de agradecimento

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à Universidade do Estado de Santa Catarina pelo financiamento do projeto de pesquisa. Ao Programa de Bolsas de Monitoria de Pós-Graduação da UDESC, somos gratos pela concessão de bolsa que permitiu a realização do mestrado de um dos autores com dedicação integral. Agradecemos, ainda, a Bárbara Ferrari pela leitura atenta e sugestões em mais de uma versão deste artigo.

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Notas

  • 1
    O termo pragmatismo refere-se a uma constelação de trabalhos, autores e perspectivas plurais no âmbito da filosofia e das ciências sociais. Essa constelação inclui, mas não se limita a: o Pragmatismo Americano Clássico, cujos nomes mais conhecidos são Charles Sanders Peirce, William James, John Dewey e George Herbert Mead; a Sociologia Pragmática Francesa, cujos fundamentos se encontram sobre o tripé Teoria Ator-Rede, de Bruno Latour e Michel Callon; Sociologia da Capacidade Crítica, de Luc Boltanski e Laurent Thévenot; e Teoria da Ação Situada, de Louis Queré; trabalhos mais recentes da sociologia francesa, como os de Francis Chateauraynaud, Daniel Cefaï e Cédric Terzi, que, assentados sobre a virada provocada pela Sociologia Pragmática, retomam os trabalhos dos clássicos americanos; e, por fim, trabalhos que têm feito um diálogo entre essa constelação e as áreas das ciências sociais aplicadas, como administração, administração pública e políticas públicas, em âmbito internacional e nacional. Para uma discussão a respeito das novas possibilidades para as ciências sociais abertas a partir dessa constelação de trabalhos, conferir o trabalho de Corrêa (2021)CORRÊA, D. S. (2021). Novos rumos da teoria social a partir de três gestos da sociologia pragmática. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36, n. 105, pp. 1-19..
  • 2
    Para uma discussão aprofundada a respeito da criatividade da ação, a partir de um ponto de vista pragmatista, conferir o trabalho de Joas (1996)JOAS, H. (1996). The creativity of action. Cambridge, Polity Press..
  • 3
    Para Stake (2005)STAKE, R. E. (2005). “Qualitative case studies”. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (eds.). The sage handbook of qualitative research. Thousand Oaks, Sage., um estudo de caso qualitativo intrínseco é construído quando a razão para a realização da pesquisa é o próprio caso. Trata-se de um delineamento de pesquisa em que o conhecimento experiencial produzido em campo tem um papel central na estruturação do caso e na própria análise dos dados produzidos. Busca-se não a generalização estatística, mas o aprendizado a partir das particularidades do fenômeno.
  • 4
    Por conta do limite de espaço, não será possível apresentar e analisar cada uma dessas iniciativas de inovação social e os atores de suporte cartografados. Contudo, as informações da cartografia encontram-se disponíveis na plataforma aberta do projeto de pesquisa, o Observatório de Inovação Social de Florianópolis, acessível em: https://www.observafloripa.com.br/.
  • 5
    Essas afirmações podem ser encontradas em notícias da mídia local como Estúdio NSC (2019)ESTÚDIO NSC (2019). Florianópolis cultiva mais de 100 hortas orgânicas e contribui para o bem-estar na cidade. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/florianopolis-cultiva-mais-de-100-hortas-organicas-e-contribui-para-o-bem-estar-na-cidade. Acesso em: 7 ago 2020.
    https://www.nsctotal.com.br/noticias/flo...
    e ND+ (2019)ND+ (2019). Florianópolis tem mais de cem hortas comunitárias, que produzem alimentos sem agrotóxico. Disponível em: https://ndmais.com.br/noticias/florianopolis-tem-mais-de-cem-hortas-comunitarias-que-produzem-alimentos-sem-agrotoxico/. Acesso em: 7 ago 2020.
    https://ndmais.com.br/noticias/florianop...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    5 Maio 2022
  • Aceito
    7 Nov 2022
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