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Ritmicidade cardiovascular em crianças com sobrepeso e obesidade

Resumo

Introdução:

Acredita-se que a obesidade desempenhe um papel na desregulação da ritmicidade cardíaca em crianças obesas, mas esse é um campo de investigação ainda pouco explorado. O objetivo deste trabalho foi avaliar o impacto do sobrepeso e da obesidade na ritmicidade cardiovascular circadiana e ultradiana de crianças pré-púberes, em comparação com crianças com peso normal.

Métodos:

Realizamos um estudo transversal com 316 crianças, acompanhadas na coorte de nascimentos Geração XXI (Portugal). Foram medidos dados antropométricos e a pressão arterial ambulatorial de 24 horas, e os perfis foram examinados com uma análise de Fourier para ritmos circadianos e ultradianos de pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC).

Resultados:

Crianças com sobrepeso/obesidade apresentaram mais frequentemente um padrão de PA não-dipper em comparação com crianças com peso normal (31,5% vs. 21,6%; p = 0,047). A prevalência da pressão arterial média (PAM) de 24 horas e da ritmicidade da FC de 8 horas foi significativamente menor em crianças obesas (79,3% vs. 88,0%; p = 0,038 e 33,3% vs. 45,2%; p = 0,031, respectivamente). A prevalência das restantes ritmicidades da PAM e da FC foi semelhante em ambos os grupos. Não foram encontradas diferenças nos valores medianos das amplitudes e acrofases dos ritmos de PAM e FC. Discussão: As alterações encontradas na ritmicidade sugerem que a análise da ritmicidade circadiana e ultradiana pode ser sensível na detecção de desregulações cardiovasculares precoces, mas são necessários novos estudos para reforçar nossos achados e entender melhor suas implicações a longo prazo.

Descritores:
Obesidade Infantil; Ritmo Circadiano; Ritmo Ultradiano

Abstract

Introduction:

Obesity is thought to play a role in the disruption of cardiac rhythmicity in obese children, but this is mostly an unexplored field of investigation. We aimed to evaluate the impact of overweight and obesity on circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity of prepubertal children, in comparison with normal weight counterparts.

Methods:

We performed a cross sectional study of 316 children, followed in the birth cohort Generation XXI (Portugal). Anthropometrics and 24-hour ambulatory blood pressure were measured and profiles were examined with Fourier analysis for circadian and ultradian blood pressure (BP) and heart rate (HR) rhythms.

Results:

Overweight/obese children presented more frequently a non-dipping BP pattern than normal weight counterparts (31.5% vs. 21.6%, p = 0.047). The prevalence of 24-hour mean arterial pressure (MAP) and 8-hour HR rhythmicity was significantly lower in obese children (79.3% vs. 88.0%, p = 0.038 and 33.3% vs. 45.2%, p = 0.031, respectively). The prevalence of the remaining MAP and HR rhythmicity was similar in both groups. No differences were found in the median values of amplitudes and acrophases of MAP and HR rhythms.

Discussion:

The alterations found in rhythmicity suggest that circadian and ultradian rhythmicity analysis might be sensitive in detecting early cardiovascular dysregulations, but future studies are needed to reinforce our findings and to better understand their long-term implications.

Keywords:
Pediatric Obesity; Circadian Rhythm; Ultradian Rhythm

INTRODUҪÃO

A prevalência de sobrepeso e obesidade infantil aumentou substancialmente em menos de uma geração em todo o mundo11 Lobstein T, Jackson-Leach R, Moodie ML, Hall KD, Gortmaker SL, Swinburn BA, et al. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet. 2015;385(9986):2510–20. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61746-3. PubMed PMID: 25703114.
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, passando de 0,7 para 5,6% em meninas e de 0,9 para 7,8% em meninos com idade entre 5 e 19 anos, de 1975 a 201622 Abarca-Gómez L, Abdeen ZA, Hamid ZA, Abu-Rmeileh NM, Acosta-Cazares B, Acuin C, et al. Worldwide trends in body-mass index, underweight, overweight, and obesity from 1975 to 2016: a pooled analysis of 2416 population-based measurement studies in 128.9 million children, adolescents, and adults. Lancet. 2017;390(10113):2627–42. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32129-3. PubMed PMID: 29029897.
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. O excesso de peso está associado a diversas consequências deletérias, não apenas afetando o estado de saúde e o bem-estar na infância33 Lakshman R, Elks CE, Ong KK. Childhood obesity. Circulation. 2012;126(14):1770–9. doi: http://dx.doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.111.047738. PMid:23027812.
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, mas também aumentando o risco de doenças cardiovasculares na idade adulta44 Bridger T. Childhood obesity and cardiovascular disease. Paediatr Child Health. 2009;14(3):177–82. doi: http://dx.doi.org/10.1093/pch/14.3.177. PubMed PMID: 20190900.
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,55 Martini G, Riva P, Rabbia F, Molini V, Ferrero GB, Cerutti F, et al. Heart rate variability in childhood obesity. Clin Auton Res. 2001;11(2):87–91. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02322051. PubMed PMID: 11570608.
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.

Em crianças, há evidências de que a obesidade é um dos fatores de risco modificáveis mais importantes para o desenvolvimento de hipertensão. A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) de 24 horas tem se mostrado mais precisamente relacionada com dano de órgãos-alvo e um melhor preditor de risco cardiovascular do que as medições de pressão arterial (PA) realizadas em consultório66 Stabouli S, Kotsis V, Zakopoulos N. Ambulatory blood pressure monitoring and target organ damage in pediatrics. J Hypertens. 2007;25(10):1979–86. doi: http://dx.doi.org/10.1097/HJH.0b013e3282775992. PubMed PMID: 17885534.
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,77 Sega R, Facchetti R, Bombelli M, Cesana G, Corrao G, Grassi G, et al. Prognostic value of ambulatory and home blood pressures compared with office blood pressure in the general population: follow-up results from the Pressioni Arteriose Monitorate e Loro Associazioni (PAMELA) study. Circulation. 2005;111(14):1777–83. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.0000160923.04524.5B. PubMed PMID: 15809377.
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.

No entanto, além de ser considerado o padrão de ouro para avaliação da PA e diagnóstico de hipertensão na população pediátrica88 Flynn JT, Daniels SR, Hayman LL, Maahs DM, McCrindle BW, Mitsnefes M, et al. Update: ambulatory blood pressure monitoring in children and adolescents: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2014;63(5):1116–35. doi: http://dx.doi.org/10.1161/HYP.0000000000000007. PubMed PMID: 24591341.
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1010 Hvidt KN, Olsen MH, Ibsen H, Holm J-C. Effect of changes in BMI and waist circumference on ambulatory blood pressure in obese children and adolescents. J Hypertens. 2014;32(7):1470–7, discussion 1477. doi: http://dx.doi.org/10.1097/HJH.0000000000000188. PubMed PMID: 24733029.
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, o conteúdo de informações fornecidos pela MAPA nem sempre é totalmente explorado88 Flynn JT, Daniels SR, Hayman LL, Maahs DM, McCrindle BW, Mitsnefes M, et al. Update: ambulatory blood pressure monitoring in children and adolescents: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2014;63(5):1116–35. doi: http://dx.doi.org/10.1161/HYP.0000000000000007. PubMed PMID: 24591341.
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. Diversas abordagens matemáticas foram aplicadas para estudar os dados gerados pela MAPA, tais como a análise cronobiológica pelo método de cosinor1111 Hadtstein C, Wühl E, Soergel M, Witte K, Schaefer F, German Study Group for Pediatric Hypertension. Normative values for circadian and ultradian cardiovascular rhythms in childhood. Hypertension. 2004;43(3):547–54. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.HYP.0000116754.15808.d8. PubMed PMID: 14744931.
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. A análise de Fourier pode ser usada para descrever perfis de PA complexos, assimétricos e multifásicos, aplicando simultaneamente várias funções de cosseno1212 Staessen JA, Fagard R, Thijs L, Amery A. Fourier analisys of blood pressure profiles. Am J Hypertens. 1993 Jun;6(6 Pt 2):184S–187S. doi: http://dx.doi.org/10.1093/ajh/6.6.184s. PubMed PMID: 8347315.
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, combinando diversos ritmos e permitindo uma descrição mais detalhada e flexível da PA e da frequência cardíaca (FC) no período de 24 horas1111 Hadtstein C, Wühl E, Soergel M, Witte K, Schaefer F, German Study Group for Pediatric Hypertension. Normative values for circadian and ultradian cardiovascular rhythms in childhood. Hypertension. 2004;43(3):547–54. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.HYP.0000116754.15808.d8. PubMed PMID: 14744931.
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.

A ritmicidade ultradiana, ou seja, variações significativas no ritmo cardiovascular em períodos menores que 24 horas, foi descrita em adultos1313 Staessen JA, Atkins N, Fagard R, O’Brien ET, Thijs L, Vyncke G, et al. Correlates of the diurnal blood pressure profile in a population study. High Blood Press. 1993 [cited 2016 Jun 3];2:271–82. doi: http//dx.doi.org/10.1093/ajh/5.6.386. PubMed PMID: 1524764.
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e, mais recentemente, também em crianças saudáveis, nas quais podem ser identificados ritmos cardiovasculares de 6, 8 e 12 horas1111 Hadtstein C, Wühl E, Soergel M, Witte K, Schaefer F, German Study Group for Pediatric Hypertension. Normative values for circadian and ultradian cardiovascular rhythms in childhood. Hypertension. 2004;43(3):547–54. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.HYP.0000116754.15808.d8. PubMed PMID: 14744931.
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. O mecanismo biológico subjacente à ritmicidade da PA ainda é bastante elusivo, mas em algumas condições de doença parece existir uma interrupção desta ritmicidade1414 Wühl E, Hadtstein C, Mehls O, Schaefer F, ESCAPE Trial Group. Ultradian but not circadian blood pressure rhythms correlate with renal dysfunction in children with chronic renal failure. J Am Soc Nephrol. 2005;16(3):746–54. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004070537. PubMed PMID: 15647341.
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1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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.

Em crianças com doença renal crônica, verificou-se que a ritmicidade cardiovascular circadiana e ultradiana estava atenuada e quantitativamente associada à função renal e à proteinúria1414 Wühl E, Hadtstein C, Mehls O, Schaefer F, ESCAPE Trial Group. Ultradian but not circadian blood pressure rhythms correlate with renal dysfunction in children with chronic renal failure. J Am Soc Nephrol. 2005;16(3):746–54. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004070537. PubMed PMID: 15647341.
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. Também foi encontrado um ritmo ultradiano da PA diminuído em crianças com hipertensão ambulatorial e hipertensão do avental branco1616 Litwin M, Simonetti GD, Niemirska A, Ruzicka M, Wühl E, Schaefer F, et al. Altered cardiovascular rhythmicity in children with white coat and ambulatory hypertension. Pediatr Res. 2010;67(4):419–23. doi: http://dx.doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d00b5b. PubMed PMID: 20032814.
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e em crianças pré-púberes nascidas pequenas para a idade gestacional, independentemente da presença de hipertensão1515 Wolfenstetter A, Simonetti GD, Pöschl J, Schaefer F, Wühl E. Altered cardiovascular rhythmicity in children born small for gestational age. Hypertension. 2012;60(3):865–70. doi: http://dx.doi.org/10.1161/HYPERTENSIONAHA.112.196949. PubMed PMID: 22733461.
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.

No cenário pediátrico, apenas alguns estudos avaliaram o impacto da obesidade na ritmicidade cardiovascular ultradiana com achados contraditórios1616 Litwin M, Simonetti GD, Niemirska A, Ruzicka M, Wühl E, Schaefer F, et al. Altered cardiovascular rhythmicity in children with white coat and ambulatory hypertension. Pediatr Res. 2010;67(4):419–23. doi: http://dx.doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d00b5b. PubMed PMID: 20032814.
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,1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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. Nossa hipótese é que a ritmicidade circadiana e ultradiana possam ser indicadores sensíveis de uma desregulação cardiovascular subjacente, já presente em crianças com sobrepeso. Assim, no presente estudo, nosso objetivo foi avaliar o impacto do sobrepeso e da obesidade na ritmicidade cardiovascular circadiana e ultradiana de crianças pré-púberes, em comparação com seus pares com peso normal.

MÉTODOS

Analisamos um grupo de crianças com 8 e 9 anos de idade que foram acompanhadas desde o nascimento num estudo de coorte previamente estabelecido (Geração XXI, Porto-Portugal)1818 Larsen PS, Kamper-Jørgensen M, Adamson A, Barros H, Bonde JP, Brescianini S, et al. Pregnancy and birth cohort resources in Europe: A large opportunity for aetiological child health research. Paediatr Perinat Epidemiol. 2013;27(4):393–414. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppe.12060. PubMed PMID: 23772942.
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. A seleção dos participantes dessa coorte está representada na Figura 1. Um total de 316 crianças (166 com peso normal, 150 obesas ou com sobrepeso) foram finalmente incluídas, o que proporciona um poder estatístico acima de 93% para detectar uma diferença na prevalência do ritmo da PAM de 24 horas de pelo menos 15% entre os grupos sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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.

Figura 1.
Fluxograma descrevendo a metodologia usada para a seleção de participantes.

As visitas do estudo foram realizadas no Departamento de Epidemiologia Clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. O exame físico geral e o antropométrico foram realizados de acordo com os procedimentos padrão, conforme relatado anteriormente1919 Durão C, Severo M, Oliveira A, Moreira P, Guerra A, Barros H, Lopes C. Evaluating the effect of energy-dense foods consumption on preschool children’s body mass index: a prospective analysis from 2 to 4 years of age. Eur J Nutr. 2015 Aug;54(5):835–43. http://dx.doi.org/10.1007/s00394-014-0762-4. PubMed PMID: 25185968.
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. Os valores de índice de massa corporal (IMC) e IMC para a idade foram usados para categorizar as crianças nos seguintes grupos: sem sobrepeso (IMC-EDP (escore do desvio padrão) ≤ +1) e sobrepeso/obesidade (IMC-EDP > +1, incluindo crianças com sobrepeso (IMC-EDP > +1 e obesidade (IMC-EDP > +2), de acordo com os dados de referência da Organização Mundial da Saúde2020 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007 Sep;85(9):660–7. http://dx.doi.org/10.2471/blt.07.043497. PubMed PMID: 18026621.
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.

A MAPA foi realizada em todas as crianças com um gravador oscilométrico portátil de PA não invasiva (Spacelabs Healthcare®, modelo 90207, Snoqualmie, Washington, EUA) no braço não dominante e com um tamanho de manguito adequado à circunferência do braço da criança. As medições de PA foram avaliadas automaticamente em intervalos de 20 minutos durante o dia e em intervalos de 30 minutos à noite. O período noturno foi definido das 00:00 às 06:00 horas e o diurno das 08:00 às 20:00 horas. Para garantir a qualidade, foi necessário um monitoramento mínimo de 24 horas com intervalos de menos de 2 horas. As leituras foram usadas para calcular a pressão arterial média (PAM), sistólica (PAS) e diastólica (PAD) de 24 horas, diurna e noturna, usando o software SpaceLabs®. Usando o método dos mínimos quadrados médios, foram calculados os escores de desvio padrão para os valores de PA e a hipertensão foi definida utilizando valores de referência publicados pelo Grupo de Trabalho Alemão sobre Hipertensão Pediátrica, derivados de crianças e adolescentes saudáveis provenientes da Europa Central (população de referência da MAPA)2121 Wühl E, Witte K, Soergel M, Mehls O, Schaefer F, German Working Group on Pediatric Hypertension. Distribution of 24-h ambulatory blood pressure in children: normalized reference values and role of body dimensions. J Hypertens. 2002;20(10):1995–2007. doi: http://dx.doi.org/10.1097/00004872-200210000-00019. PubMed PMID: 12359978.
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. A ausência de perfil dipper foi considerada quando a PAM diminuiu durante a noite menos de 10% em relação à PAM correspondente durante o dia.

Os perfis de MAPA foram examinados por análise de Fourier quanto à prevalência de ritmos circadianos (24 horas) e ultradianos (12, 8 e 6 horas) de PA e frequência cardíaca (FC). Para cada ritmo identificado com um valor de p < 0,05 pela análise de mínimos quadrados, calculou-se um MESOR (valor mediano entre o valor mais baixo e o mais alto da curva ajustada), uma amplitude (metade da distância entre os valores máximo e mínimo da curva de cosseno, em mmHg) e uma acrofase (momento do valor máximo, em horas após a meia-noite). A análise de Fourier foi realizada pelo pacote de software SAS 9.3 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA). A prevalência da ritmicidade circadiana e da ritmicidade ultradiana definida foi comparada com os dados de prevalência publicados da população de referência da MAPA2121 Wühl E, Witte K, Soergel M, Mehls O, Schaefer F, German Working Group on Pediatric Hypertension. Distribution of 24-h ambulatory blood pressure in children: normalized reference values and role of body dimensions. J Hypertens. 2002;20(10):1995–2007. doi: http://dx.doi.org/10.1097/00004872-200210000-00019. PubMed PMID: 12359978.
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.

O estudo ObiKid foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto - Portugal, e pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, além de contar com a aprovação da Autoridade Portuguesa de Proteção de Dados. O estudo está em conformidade com a Declaração de Helsínquia e com a legislação nacional vigente. Foi obtido o consentimento informado por escrito dos pais (ou seus substitutos legais) e o consentimento verbal das crianças, no que diz respeito à coleta de informações e amostras biológicas.

A análise estatística foi realizada com o IBM SPSS Statistics, versão 24.0 (Armonk, NY). Os dados são apresentados como média e desvio padrão (DP) ou, se assimétricos, como mediana com percentis (percentil 25 (P25)-percentil 75 (P75)). As diferenças entre os grupos foram avaliadas usando o teste qui-quadrado para variáveis dicotômicas e o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas. Modelos de regressão logística foram ajustados para estimar a influência dos níveis de PAM de 24 horas na prevalência de diferentes ritmicidades. A significância foi determinada em p < 0,05.

RESULTADOS

Um total de 316 crianças (52,8% do sexo masculino) com idade média (DP) de 8,8 (0,2) anos foram incluídas na presente análise. As características demográficas e antropométricas e os valores de MAPA de 24 horas são mostrados na Tabela 1 por classes de IMC. Os valores medianos (P25-P75) da MAPA, a PAM de 24 horas, diurna e noturna, e o EDP da PAS foram significativamente mais elevados nas crianças com sobrepeso/obesidade. Não foram encontradas diferenças entre os grupos com relação aos valores absolutos (em mmHg) da PAM de 24 horas, diurna ou noturna, PAS ou PAD. Entre as crianças com sobrepeso/obesidade, a hipertensão foi diagnosticada em um percentual maior, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa.

Tabela 1.
Características antropométricas e clínicas de participantes sem sobrepeso (n = 166) e com sobrepeso/obesidade (n = 150)

Em comparação com a população de referência da MAPA2121 Wühl E, Witte K, Soergel M, Mehls O, Schaefer F, German Working Group on Pediatric Hypertension. Distribution of 24-h ambulatory blood pressure in children: normalized reference values and role of body dimensions. J Hypertens. 2002;20(10):1995–2007. doi: http://dx.doi.org/10.1097/00004872-200210000-00019. PubMed PMID: 12359978.
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, o EDP da PAS de 24 horas, diurna e noturna, e o EDP da PAM de 24 horas e diurna foram significativamente mais elevados tanto na coorte com sobrepeso/obesidade quanto na coorte sem obesidade (exceto para o EDP da PAD de 24 horas e o EDP da PAM diurna em não obesos, que não diferiram), enquanto os valores de EDP da PAD foram mais baixos (diurna) ou não diferiram (24 horas e noturna). As maiores divergências entre as coortes do estudo e a população de referência foram encontradas para a PA noturna. Os níveis mais elevados de PA noturna também podem explicar a prevalência geral mais elevada de não-dippers noturnos nas coortes do estudo.

A prevalência da ritmicidade da PAM e da FC em crianças sem sobrepeso e em crianças com sobrepeso/obesidade é apresentada na Tabela 2. A prevalência da ritmicidade da PAM de 24 horas e da FC de 8 horas foi significativamente menor em crianças obesas (79,3% vs. 88,0%; p = 0,038 e 33,3% vs. 45,2%; p = 0,031, respectivamente), enquanto a prevalência da ritmicidade restante da PAM e da FC foi semelhante em ambos os grupos. Todas as ritmicidades ultradianas foram significativamente mais prevalentes nas coortes do estudo em comparação com o grupo de referência. Em modelos de regressão logística, verificou-se que a presença de cada ritmicidade da PA foi independente dos valores da PAM de 24 horas.

Tabela 2.
Prevalência de pressão arterial média e ritmicidade da frequência cardíaca em participantes sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade

Não foram encontradas diferenças nos valores medianos das amplitudes de 24 horas, 12 horas, 8 horas e 6 horas e acrofases da ritmicidade da PAM e FC entre os grupos sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade (Tabela 3 e Figura 2). Ao comparar as coortes do estudo com a população de referência da MAPA, as amplitudes da PAM foram reduzidas e as acrofases atrasadas (Tabela 3). Em média, as amplitudes da PAM foram de 1,7 a 2,4 mmHg mais achatadas e as acrofases foram atrasadas em 1,2 a 1,8 horas para as diferentes ritmicidades ultradianas. Efeitos semelhantes foram observados nas amplitudes e acrofases da FC.

Tabela 3.
Amplitudes medianas e acrofases da pressão arterial média e da frequência cardíaca em participantes sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade
Figura 2.
Distribuição das amplitudes e acrofases da pressão arterial média (PAM) e da frequência cardíaca (FC) por classes de índice de massa corporal (IMC: sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade). Amplitudes da PAM de ritmos circadiano e ultradiano (painel a); acrofases da PAM de ritmos circadiano e ultradiano (painel b); amplitudes da FC de ritmos circadiano e ultradiano (painel c); Acrofases da FC de ritmos circadianos e ultradianos (painel d.). Os dados de amplitude e acrofase são expressos como medianas e percentis 25 e 75. As classes de IMC estão de acordo com a classificação da OMS para valores de escore z de IMC [38]. bpm: batimentos por minuto.

DISCUSSÃO

No presente estudo, constatamos que crianças com sobrepeso/obesidade apresentaram com maior frequência um padrão de PA não dipper e menor prevalência de ritmicidade da PAM de 24 horas e da FC de 8 horas em comparação com crianças sem sobrepeso. Esses achados podem representar diferenças não negligenciáveis na ritmicidade circadiana e ultradiana associada ao estado de obesidade. A prevalência dos demais ritmos estudados foi semelhante entre os grupos, e não foi possível encontrar diferenças estatisticamente significativas em relação às amplitudes e acrofases dos ritmos entre crianças sem sobrepeso e com sobrepeso/obesidade. Curiosamente, ambos os grupos diferiram da população de referência, que consistia em crianças saudáveis da Europa Central, com relação à prevalência da ritmicidade ultradiana da PA e das amplitudes e acrofases da PAM e FC analisadas.

Alterações na variabilidade circadiana em crianças obesas foram descritas em estudos anteriores99 Ben-Dov IZ, Bursztyn M. Ambulatory blood pressure monitoring in childhood and adult obesity. Curr Hypertens Rep. 2009;11(2):133–42. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11906-009-0024-7. PubMed PMID: 19278603.
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,2222 Hvidt KN, Olsen MH, Holm J-C, Ibsen H. Obese children and adolescents have elevated nighttime blood pressure independent of insulin resistance and arterial stiffness. Am J Hypertens. 2014;27(11):1408–15. doi: http://dx.doi.org/10.1093/ajh/hpu055. PubMed PMID: 24717420.
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2424 Török K, Pálfi A, Szelényi Z, Molnár D. Circadian variability of blood pressure in obese children. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2008;18(6):429–35. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.numecd.2007.02.012. PubMed PMID: 18063354.
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2007.02...
e, principalmente em estudos com adultos, foram associadas a vários desfechos adversos, como o aumento do risco de eventos cardiovasculares2525 Hermida RC, Ayala DE, Mojón A, Fernández JR. Blunted Sleep-Time Relative Blood Pressure Decline Increases Cardiovascular Risk Independent of Blood Pressure Level: The “Normotensive Non-dipper”. Paradox. Chronobiol Int. 2013;30(1-2):87–98. http://dx.doi.org/10.3109/07420528.2012.701127. PubMed PMID: 23039824.
https://doi.org/10.3109/07420528.2012.70...
,2626 Izzedine H, Launay-Vacher V, Deray G. Abnormal blood pressure circadian rhythm: a target organ damage? Int J Cardiol. 2006;107(3):343–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijcard.2005.03.046. PubMed PMID: 16503256.
https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2005.03...
. Em consonância com estudos anteriores, no nosso estudo observamos uma frequência maior de padrão de não-dipper em crianças com sobrepeso/obesidade. No entanto, o nosso objetivo foi explorar em detalhe não apenas a variabilidade circadiana, mas também a ritmicidade ultradiana derivada de estudos de MAPA, pois esse ainda é um campo inexplorado, especialmente quando se consideram crianças com patologias ou comorbidades específicas.

Hadtstein et al. relataram a existência de ritmicidade cardiovascular de 6, 8, 12 horas e circadiana na maioria das crianças saudáveis, mas o significado e as causas dessa ritmicidade ainda não foram explorados em muitos estudos1111 Hadtstein C, Wühl E, Soergel M, Witte K, Schaefer F, German Study Group for Pediatric Hypertension. Normative values for circadian and ultradian cardiovascular rhythms in childhood. Hypertension. 2004;43(3):547–54. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.HYP.0000116754.15808.d8. PubMed PMID: 14744931.
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, e dados conflitantes foram relatados na literatura. Em nosso estudo, encontramos uma menor prevalência de ritmicidade circadiana entre as crianças com sobrepeso/obesidade e um aumento na ritmicidade ultradiana em ambos os grupos de estudo. Antes de nosso estudo, Saner et al. foram os primeiros a explorar as alterações na ritmicidade da PA em associação com a obesidade em crianças e seus achados são consistentes com os nossos, descrevendo uma menor prevalência de ritmicidade da PAM de 24 e 6 horas entre crianças obesas1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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. Outros estudos exploraram anteriormente a ritmicidade da PA em outros contextos específicos; Wuhl et al. descobriram que, em crianças pré-púberes com doença renal crônica, a ritmicidade circadiana da FC e da PA era menos prevalente do que em controles saudáveis, enquanto a prevalência da ritmicidade ultradiana da PAM de 12 horas e da FC era acentuadamente maior nessas crianças. Nesta pesquisa, foi encontrada uma tendência de maior prevalência de ritmicidade da FC e da PAM de 8 e 6 horas em crianças pré-púberes e púberes com doença renal crônica em comparação com indivíduos controle, mas isso foi significativo apenas para a ritmicidade da PAM de 8 horas no grupo de crianças púberes1414 Wühl E, Hadtstein C, Mehls O, Schaefer F, ESCAPE Trial Group. Ultradian but not circadian blood pressure rhythms correlate with renal dysfunction in children with chronic renal failure. J Am Soc Nephrol. 2005;16(3):746–54. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004070537. PubMed PMID: 15647341.
https://doi.org/10.1681/ASN.2004070537...
. Outro grupo relatou maior prevalência de ritmicidade de 12 horas em crianças com hipertensão do avental branco e hipertensão ambulatorial, mas não conseguiu identificar qualquer efeito forte e independente de obesidade na ritmicidade da PA1616 Litwin M, Simonetti GD, Niemirska A, Ruzicka M, Wühl E, Schaefer F, et al. Altered cardiovascular rhythmicity in children with white coat and ambulatory hypertension. Pediatr Res. 2010;67(4):419–23. doi: http://dx.doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d00b5b. PubMed PMID: 20032814.
https://doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d0...
.

Uma alteração na ritmicidade da PA tem sido geralmente interpretada como um sinal precoce de comprometimento da saúde cardiovascular em grupos específicos de pacientes. Encontramos uma frequência mais alta de alguns ritmos ultradianos em crianças com sobrepeso e obesas, mas a prevalência de ritmicidade foi considerada independente dos níveis de PA, como afirmado anteriormente por outros autores no mesmo cenário1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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. Em pacientes com doença renal crônica, a maior ritmicidade ultradiana foi interpretada como uma possível consequência da pressão arterial mais elevada1414 Wühl E, Hadtstein C, Mehls O, Schaefer F, ESCAPE Trial Group. Ultradian but not circadian blood pressure rhythms correlate with renal dysfunction in children with chronic renal failure. J Am Soc Nephrol. 2005;16(3):746–54. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004070537. PubMed PMID: 15647341.
https://doi.org/10.1681/ASN.2004070537...
. No entanto, nesse grupo de pacientes, não foi encontrada uma relação consistente entre as amplitudes ultradianas da PA e os níveis de PAM, indicando que as alterações da amplitude ultradiana podem estar mais diretamente relacionadas à doença renal do que à hipertensão.

Considerando os resultados de estudos anteriores, poderíamos esperar uma certa atenuação das amplitudes de PA e FC e um atraso nas acrofases em crianças com sobrepeso e obesas. De fato, em comparação com a população de referência da MAPA, as crianças com sobrepeso apresentaram amplitudes e acrofases da PAM e da FC reduzidas. No entanto, não encontramos nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos com sobrepeso/obesidade e sem sobrepeso com relação a esses valores. Isso pode indicar que pode existir outros fatores de risco para alterações cardiovasculares precoces além do sobrepeso e da hipertensão no grupo de controle português sem obesidade.

Saner et al. relataram que indivíduos obesos apresentaram amplitudes mais baixas de FC de 24 horas e acrofases mais elevadas de FC e PAM de 24 horas1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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. Nesse estudo, as crianças obesas eram um pouco mais velhas do que em nosso estudo, com uma idade mediana de 11,6 anos no grupo de obesos. Estudos anteriores relataram que algumas alterações na ritmicidade cardiovascular devem ocorrer por volta da puberdade1111 Hadtstein C, Wühl E, Soergel M, Witte K, Schaefer F, German Study Group for Pediatric Hypertension. Normative values for circadian and ultradian cardiovascular rhythms in childhood. Hypertension. 2004;43(3):547–54. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.HYP.0000116754.15808.d8. PubMed PMID: 14744931.
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, o que pode explicar em parte porque não encontramos diferenças mais pronunciadas em nosso estudo, que incluiu apenas crianças pré-púberes com 8 e 9 anos de idade. Além disso, incluímos não apenas crianças obesas, mas também com sobrepeso, enquanto Saner et al. incluíram apenas crianças obesas, o que pode ter aumentado a chance de diferenças significativas. No entanto, em nosso estudo, não encontramos diferenças ao comparar crianças obesas e com sobrepeso ou crianças obesas e sem sobrepeso.

Enquanto a ritmicidade circadiana parece ser gerada no hipotálamo, a ritmicidade ultradiana parece depender mais do impulso simpático1414 Wühl E, Hadtstein C, Mehls O, Schaefer F, ESCAPE Trial Group. Ultradian but not circadian blood pressure rhythms correlate with renal dysfunction in children with chronic renal failure. J Am Soc Nephrol. 2005;16(3):746–54. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004070537. PubMed PMID: 15647341.
https://doi.org/10.1681/ASN.2004070537...
,1616 Litwin M, Simonetti GD, Niemirska A, Ruzicka M, Wühl E, Schaefer F, et al. Altered cardiovascular rhythmicity in children with white coat and ambulatory hypertension. Pediatr Res. 2010;67(4):419–23. doi: http://dx.doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d00b5b. PubMed PMID: 20032814.
https://doi.org/10.1203/PDR.0b013e3181d0...
,1717 Saner C, Simonetti GD, Wühl E, Mullis PE, Janner M. Circadian and ultradian cardiovascular rhythmicity in obese children. Eur J Pediatr. 2016;175(8):1031–8. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-016-2736-4. PubMed PMID: 27240757.
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. Embora a hipertensão seja considerada uma característica multifatorial e poligênica2727 Naber CK, Siffert W. Genetics of human arterial hypertension. Minerva Med. 2004;95(5):347–56. PubMed PMID: 15467511., há evidências de que o sistema nervoso simpático é superativado2828 Grassi G, Seravalle G, Cattaneo BM, Bolla GB, Lanfranchi A, Colombo M, et al. Sympathetic activation in obese normotensive subjects. Hypertension. 1995 Apr;25(4 Pt 1):560–3. doi: http://dx.doi.org/10.1161/01.hyp.25.4.560. PubMed PMID: 7721398.
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na obesidade e isso é reconhecido como um dos principais fatores no desenvolvimento e manutenção da hipertensão no contexto da obesidade. A adiposidade é conhecida por estimular a ativação do SNS, particularmente por meio do tecido adiposo visceral2929 Grassi G, Dell’Oro R, Facchini A, Quarti Trevano F, Bolla GB, Mancia G. Effect of central and peripheral body fat distribution on sympathetic and baroreflex function in obese normotensives. J Hypertens. 2004;22(12):2363–9. doi: http://dx.doi.org/10.1097/00004872-200412000-00019. PubMed PMID: 15614031.
https://doi.org/10.1097/00004872-2004120...
. Considerando isso, as interrupções na ritmicidade ultradiana podem ser usadas como marcadores não invasivos de alterações subclínicas precoces na função cardíaca em crianças obesas. Estudos futuros precisam confirmar que essas alterações podem levar a um aumento do risco cardiovascular e da mortalidade em uma fase posterior da vida, como já foi hipotetizado3030 Crowley DI, Khoury PR, Urbina EM, Ippisch HM, Kimball TR. Cardiovascular impact of the pediatric obesity epidemic: higher left ventricular mass is related to higher body mass index. J Pediatr. 2011;158(5):709–714.e1. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2010.10.016. PubMed PMID: 21147488.
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2010.10....
,3131 McCrindle BW. Cardiovascular consequences of paediatric obesity: will there be a future epidemic of premature cardiovascular disease? Paediatr Child Health. 2007;12(3):175–7. PubMed PMID: 19030355..

A principal limitação do nosso estudo está relacionada com o seu desenho transversal. Claramente, um acompanhamento de longo prazo dessas crianças seria de extrema importância para garantir uma melhor compreensão da direção e do valor prognóstico das variáveis estudadas. Um dos principais pontos fortes de nosso trabalho é que o estudo da ritmicidade cardiovascular ultradiana em associação com a obesidade é uma área inovadora de pesquisa. A análise de uma grande amostra de crianças pré-púberes homogêneas em termos de idade nos permitiu estudar a ritmicidade cardiovascular em indivíduos jovens, evitando a questão da patologia secundária relacionada a lesões em órgãos-alvo e comorbidades frequentemente encontradas em populações em processo de envelhecimento.

Em conclusão, nosso estudo abrange uma área amplamente inexplorada. Embora nossos achados sugiram que as ritmicidades circadiana e ultradiana possam ser indicadores sensíveis de desregulações cardiovasculares precoces, é necessária uma observação prospectiva para confirmar as implicações de longo prazo dessas alterações precoces em órgãos-alvo e na morbilidade. Por fim, consideramos que o estudo da ritmicidade cardiovascular circadiana e ultradiana é valioso e que estudos futuros podem ajudar a estabelecer essa análise detalhada da MAPA na avaliação da morbilidade cardiovascular precoce.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às famílias da coorte de nascimentos Geração XXI por sua gentileza e participação, a todos os membros da equipe de pesquisa por seu entusiasmo e perseverança, e aos hospitais participantes e seus funcionários pela ajuda e apoio. Agradecemos a Marietta Kirchner pela realização das análises de Fourier dos dados de MAPA.

Este projeto foi apoiado por fundos FEDER do Programa Operacional Fatores de Competitividade - COMPETE (FCOMP-01-0124-FEDER-028751) da Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia, Lisboa, Portugal (PTDC/DTP-PIC/0239/2012) e pela Unidade de Investigação em Epidemiologia - Instituto de Saúde Pública, Universidade do Porto (UID/DTP/04750/2013). Liane Correia-Costa foi apoiada pela Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia (subsídio SFRH/SINTD/95898/2013). Os resultados preliminares foram apresentados como tese acadêmica em 2017, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2022
  • Aceito
    17 Maio 2023
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