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Cuidar de idosos durante a pandemia da COVID-19: a experiência de cuidadores familiares

RESUMO

Objetivo

Construir um modelo teórico que representa a experiência de cuidadores familiares de idosos durante a pandemia da COVID-19.

Método

Estudo qualitativo que utilizou como metodologia a Teoria Fundamentada nos Dados, realizado em Minas Gerais em agosto de 2020. Foram entrevistadas 16 cuidadoras. Resultados: Emoções desconfortantes emergiram e impulsionaram as ações das cuidadoras em prol de: adotar medidas preventivas para proteger os idosos de contraírem o coronavírus; garantir a assistência à saúde do mesmo; e, conscientizá-lo sobre a pandemia. Todavia, quando essas emoções se manifestavam de formas exacerbadas, elas precisaram ser amenizadas para que elas conseguissem adotar tais iniciativas.

Conclusão

As emoções sentidas pelas cuidadoras podem comprometer sua saúde e qualidade de vida. Portanto, os profissionais de saúde precisam criar estratégias para garantir que elas estejam bem assistidas, viabilizando atendimentos por meio de telessaúde. A orientação sobre a pandemia aos cuidadores poderá refletir em um melhor cuidado aos idosos.

Palavras-chaves
Cuidadores; Idoso; Teoria fundamentada; COVID-19; SARS-CoV-2; Assistência domiciliar

ABSTRACT

Objective

To build a theoretical model that represents the experience of family caregivers of elderly people during the COVID-19 pandemic.

Method

Qualitative study that used the Grounded Theory as a methodology, carried out in Minas Gerais State in August 2020. 16 caregivers were interviewed.

Results

Uncomfortable emotions emerged and drove the caregivers’ actions to: adopt preventive measures to protect the elderly from contracting the coronavirus; guarantee their healthcare; and make them aware of the pandemic. However, when these emotions manifested in an exacerbated manner, they needed to be alleviated so that they could adopt such initiatives.

Conclusion

The emotions felt by caregivers can compromise their health and quality of life. Therefore, health professionals need to create strategies to ensure that they are well assisted, enabling care through telehealth. Guidance on the pandemic for caregivers could reflect better care for the elderly people.

Keywords
Caregivers; Aged; Grounded theory; COVID-19; SARS-CoV-2; Home nursing

RESUMEN

Objetivo

Construir un modelo teórico que represente la experiencia de los cuidadores familiares de ancianos durante la pandemia de COVID-19.

Método

Estudio cualitativo que utilizó como metodología la Teoría Fundamentada, realizado en el estado de Minas Gerais en agosto de 2020. Se entrevistó a 16 cuidadores.

Resultados

Surgieron emociones incómodas que impulsaron las acciones de los cuidadores para: adoptar medidas preventivas para proteger a las personas mayores de contraer el coronavirus; asegurar la asistencia sanitaria para los mismos; y hágale saber sobre la pandemia. Sin embargo, cuando estas emociones se manifestaban de manera exacerbada, era necesario aliviarlas para que pudieran adoptar tales iniciativas.

Conclusión

Las emociones que sienten los cuidadores pueden comprometer su salud y calidad de vida. Por lo tanto, los profesionales de la salud deben crear estrategias para garantizar que los cuidadores estén bien atendidos, posibilitando la atención a través de la telesalud. La orientación sobre la pandemia a los cuidadores puede reflejar una mejor atención a las personas mayores.

Palabras clave
Cuidadores; Anciano; Teoría fundamentada; COVID-19; SARS-CoV-2; Atención domiciliaria de salud

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento acelerado no Brasil apresenta um grande desafio para a sociedade e para os sistemas de saúde, uma vez que considerável parte dos idosos com idade mais avançada apresenta problemas de saúde crônicos e incapacitantes, levando à maior dependência e requerendo cuidados em longo prazo11. World Health Organization. Integrated care for older people: guidelines on community-level interventions to manage declines in intrinsic capacity (Internet). Geneva: WHO; 2017 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550109
https://www.who.int/publications/i/item/...
-33. Williams A, Sethi B, Duggleby W, Ploeg J, Markle-Reid M, Peacock S, et al. A Canadian qualitative study exploring the diversity of the experience of family caregivers of older adults with multiple chronic conditions using a social location perspective. Int J Equity Health. 2016;15:40. doi: https://doi.org/10.1186/s12939-016-0328-6
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. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS-2013) demonstraram que cerca de 30% dos brasileiros com 60 anos ou mais têm alguma dificuldade para realizar pelo menos uma das dez atividades elencadas como atividades de vida diária22. Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Care and functional disabilities in daily activities - ELSI-Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 (Suppl 2):9s. doi: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000650
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018...
. Em consonância com esses achados os resultados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) revelaram que aproximadamente um quarto dos brasileiros com 50 anos ou mais relatou apresentar algum tipo de dificuldade em realizar as atividades de vida diária, sendo que entre aqueles que recebiam ajuda de terceiros, 94,1% reportaram que os cuidados eram ofertados por familiares, sobretudo por mulheres (72,1%). O ELSI-Brasil é um estudo de coorte com amostra representativa da população brasileira com 50 anos ou mais de idade. A linha de base foi conduzida entre 2015 e 201622. Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Care and functional disabilities in daily activities - ELSI-Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 (Suppl 2):9s. doi: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000650
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.

Tradicionalmente, quando os idosos necessitam de assistência por longo prazo, ela é realizada por familiares, amigos, vizinhos ou, em menor proporção, por cuidadores remunerados. Em virtude disso, torna-se necessário considerar a saúde do cuidador e sua experiência no cuidar, uma vez que ele tem se tornado um elemento chave no provimento domiciliar de cuidados para os idosos, e seu estado de saúde influencia na qualidade dos cuidados prestados11. World Health Organization. Integrated care for older people: guidelines on community-level interventions to manage declines in intrinsic capacity (Internet). Geneva: WHO; 2017 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550109
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-33. Williams A, Sethi B, Duggleby W, Ploeg J, Markle-Reid M, Peacock S, et al. A Canadian qualitative study exploring the diversity of the experience of family caregivers of older adults with multiple chronic conditions using a social location perspective. Int J Equity Health. 2016;15:40. doi: https://doi.org/10.1186/s12939-016-0328-6
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.

Os cuidadores familiares são aqueles indivíduos que prestam cuidados aos idosos que apresentam algum grau de dependência, por períodos prolongados, geralmente até a sua morte. Esses indivíduos assumem a responsabilidade de oferecer o suporte que o idoso necessita, seja garantindo os cuidados básicos, como alimentação e higiene, seja auxiliando o idoso em outras atividades, como fazer compras e realizar tarefas financeiras44. Areosa SVC, Henz LF, Lawisch D, Areosa RCA. Cuidar de si e do outro: estudo sobre os cuidadores de idosos. Psicol Saúde Doenças. 2014;15(2):482-94. doi: http://doi.org/10.15309/14psd150212
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.

Nesse contexto, é importante evidenciar que a vivência dos cuidadores, ao cuidarem de parentes idosos, sofre situações de conflitos, tensões, desgastes físicos e emocionais, isolamento social e sobrecarga de trabalho, que podem ocasionar o aparecimento de problemas de saúde e a necessidade do uso de medicamentos11. World Health Organization. Integrated care for older people: guidelines on community-level interventions to manage declines in intrinsic capacity (Internet). Geneva: WHO; 2017 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550109
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-44. Areosa SVC, Henz LF, Lawisch D, Areosa RCA. Cuidar de si e do outro: estudo sobre os cuidadores de idosos. Psicol Saúde Doenças. 2014;15(2):482-94. doi: http://doi.org/10.15309/14psd150212
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. Tal circunstância pode agravar-se frente ao surgimento do novo coronavírus, causador da Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) denominada como Corona Disease 2019 (COVID-19), uma vez que tanto os idosos quanto os cuidadores poderiam se contaminar pela doença.

O novo coronavírus foi identificado pela primeira vez na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, e, desde então, ele propagou-se mundialmente. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020 e a primeira onda de casos afetou principalmente idosos brasileiros com comorbidades55. Twenge JM, Joiner TE. U.S. Census Bureau-assessed prevalence of anxiety and depressive symptoms in 2019 and during the 2020 COVID-19 pandemic. Depress Anxiety. 2020;37(10):954-6. doi: https://doi.org/10.1002/da.23077
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-77. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial. Doença pelo Coronavírus COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2021 Mar 1];27:1-63. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2021/boletim-epidemiologico-covid-19-no-27.pdf/view
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. A COVID-19 foi caracterizada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e representa uma ameaça para a sociedade e aos sistemas de saúde mundiais66. World Health Organization. Clinical management of COVID-19: interim guidance, 27 May 2020 [Internet]. Geneva: WHO ; 2020 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/332196
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.

Tendo em vista esse panorama, emerge a seguinte questão: como os cuidadores familiares estão experienciando o cuidar de idosos durante a pandemia da COVID-19? Compreender a experiência dos cuidadores neste cenário pandêmico é importante para subsidiar ações que garantam apoio a estes indivíduos durante a pandemia do coronavírus ou em outros momentos de incertezas sanitárias, bem como nortear os profissionais de saúde durante a assistência à saúde tanto do idoso, quanto do cuidador. Portanto, o presente estudo teve como objetivo construir um modelo teórico que representa a experiência de cuidadores familiares de idosos durante a pandemia da COVID-19.

MÉTODO

O presente estudo qualitativo utilizou como metodologia a teoria fundamentada nos dados, conforme os pressupostos apresentados por Kathy Charmaz88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. . Seguindo a epistemologia do subjetivismo, Charmaz se posiciona no paradigma do construcionismo social e se baseia na perspectiva teórica interacionista simbólica, sinalizando que o processo de pesquisa emerge da interação entre o pesquisador e o pesquisado88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. . Além disso, os dados e a teoria não são descobertos por si sós, eles são influenciados pelo mundo no qual foram estudados e coletados88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. .

Sendo assim, esta pesquisa utilizou o interacionismo simbólico como referencial teórico. Tal teoria foi relevante para a compreensão do fenômeno estudado, uma vez que a vivência de cuidados é permeada pela interação social recíproca e dinâmica entre o cuidador e o receptor de cuidados, e tal interação também está sendo influenciada pela situação de pandemia.

Diante disso, a teoria fundamentada permitiu compreender como os cuidadores de idosos estão experienciando sua rotina de cuidados durante a pandemia. Adicionalmente, a partir da relação entre as categorias construídas, foi possível construir um modelo teórico que representa tal experiência.

Participaram deste estudo pessoas que se consideram cuidadoras familiares, que estavam cuidando de um idoso durante o período da pandemia do SARS-CoV-2, e que residiam no estado de Minas Gerais, Brasil, na época do primeiro contato e da entrevista.

O estado de Minas Gerais apresenta uma população de aproximadamente 21 milhões de habitantes, sendo que 5,17% estão acima de 65 anos. O índice de envelhecimento do estado aponta que a proporção de idosos de 2020 para 2060 passará de 56,47 para 217,14. Atualmente, além da rede de atenção primária e secundária à saúde, Minas Gerais conta com os Centros Mais Vida e os Centros Estaduais de Atenção Especializada (CEAE), que disponibilizam assistência multiprofissional a população geriátrica99. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano Estadual de Saúde 2020-2023 entra em vigor. Belo Horizonte: SESMG; 2021 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://www.saude.mg.gov.br/images/1_noticias/09_2021/01_jan-fev-marc/08-02-Plano-Estadual-de-Saude%20-de-Minas-Gerais%20%202020-2023.pdf
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.

Para o recrutamento dos participantes, tendo em vista a conjuntura pandêmica, elaborou-se um cartaz digital, que foi divulgado em mídias sociais (Facebook®, Instagram® e WhatsApp®) durante o período da coleta e análise de dados. O cartaz convidava os cuidadores familiares a participarem da pesquisa e a compartilharem suas experiências em cuidar de um parente idoso. O material também continha a identificação da pesquisa e pesquisador e formas de contato, para que os interessados pudessem participar. Pessoas que conheciam algum cuidador familiar de idosos também fizeram contato com ele passando informações sobre a pesquisa. Foram incluídos cuidadores que cuidavam de algum parente idoso no ambiente domiciliar e que se consideravam cuidadores principais.

Os cuidadores que fizeram contato por identificarem-se com a chamada da pesquisa foram convidados a participar. Em caso de aceite do convite, foram agendadas as entrevistas individuais no dia e horário de preferência dos participantes. O ordenamento dos participantes para a amostragem ocorreu conforme os interessados em responder apresentavam disponibilidade para participação.

Apesar de não haver critério de gênero para inclusão de participantes, a amostra foi composta inteiramente de cuidadoras mulheres. Os nomes das participantes foram substituídos por nomes fictícios definidos pelas autoras, para garantir o anonimato.

Todas as participantes consentiram sua participação formalmente por meio da assinatura física do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O TCLE assinado foi escaneado e encaminhado por e-mail. A coleta e análise dos dados ocorreram durante o mês de agosto de 2020. As pessoas interessadas a participar que vivenciavam o fenômeno de cuidar de um parente idoso foram entrevistadas por meio de videochamada em software de sua preferência.

De acordo com Charmaz, as entrevistas são conversas dirigidas e intensas, que permitem discorrer profundamente sobre um tema específico com pessoas que tenha experiências relevantes sobre o assunto88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. . As entrevistas foram conduzidas em duas etapas.

Na primeira etapa foi utilizado o questionário semiestruturado contendo informações a respeito das características sociodemográficas individuais, bem como grau de parentesco com o idoso. Também foram questionados a idade e o grau de dependência do receptor de cuidados. Para isso, as pessoas entrevistadas responderam - segundo sua percepção - se os receptores de cuidados apresentavam algum déficit cognitivo e/ou se conseguiam realizar as seguintes atividades: gerenciar suas finanças, ir a locais distantes e usar transporte público ou dirigir, fazer compras, preparar suas refeições, realizar tarefas domésticas, gerenciar o uso de medicamentos, usar o telefone, tomar banho, vestir-se, cuidar de sua higiene pessoal, transferir-se, controlar a urina e fezes, alimentar-se. Tal questionamento foi realizado a fim de compreender o nível de demanda de cuidados que o idoso requeria sob a ótica das cuidadoras.

Na etapa seguinte aplicou-se a entrevista semiestruturada, buscando a compreensão do fenômeno de cuidar de um idoso durante a pandemia da COVID-19 sob a perspectiva da pessoa entrevistada. Para isso, foi elaborado um tópico-guia para nortear as entrevistas, o qual continha inicialmente as seguintes questões: Como estava sendo a rotina de cuidados durante a pandemia? Como as pessoas entrevistadas se sentiam mediante a oferta de cuidados ao seu parente idoso durante a pandemia? Quais eram as dificuldades na rotina de cuidados no cenário pandêmico? Quais eram as estratégias que as pessoas entrevistadas estavam adotando para conseguir lidar com essa nova realidade de cuidar de um idoso durante a pandemia do coronavírus?

A teoria fundamentada possibilita a extração de dados de várias fontes1010. Tie YC, Birks M, Francis K. Grounded theory research: A design framework for novice researchers. SAGE Open Med. 2019;7: 2050312118822927. doi: https://doi.org/10.1177/2050312118822927
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. Dessa forma, as respostas às questões abordadas no questionário semiestruturado mencionado acima foram utilizadas para melhor entendimento do fenômeno. Além disso, as questões presentes no tópico-guia foram sendo modificadas, descartadas ou substituídas ao longo das entrevistas para fornecer informações importantes que contribuiriam na análise dos dados e na construção das categorias e conceitos.

As entrevistas duraram aproximadamente 41 minutos, variando entre 23 e 60 minutos. Para análise dos dados, foram utilizadas não apenas as transcrições das entrevistas, como também as anotações feitas no diário de campo. Essas notas permitiram o registro de impressões, bem como de comportamentos não-verbais das participantes.

Na teoria fundamentada, o processo de amostragem tem como finalidade construir uma teoria. A coleta de dados teve início com a entrevista de uma neta que cuidava de sua avó. A partir da análise inicial dessa entrevista, efetuou-se a coleta de novos dados, para aprofundamento no problema de pesquisa e empenho na construção das categorias88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. ,1111. Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing grounded theory. Thousand Oaks: SAGE; 1998. .

Para compor a amostragem teórica, foram realizadas entrevistadas que poderiam fornecer novos insights para compreensão do fenômeno. A seleção dos demais participantes para a amostragem teórica foi realizada a partir do desenvolvimento da pesquisa, buscando incluir pessoas que prestavam cuidados a idosos com diferentes níveis de dependência segundo a ótica das mesmas.

Comparações constantes entre os dados foram realizadas até ser observada uma repetição nas respostas, caracterizando a saturação, ou seja, quando a coleta de novos dados não revelou novos conceitos, nem propriedades novas das categorias ou temas centrais88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. . Dessa forma, respeitando o processo de saturação dos dados, foram realizadas entrevistas com 16 cuidadoras. Os áudios das entrevistas foram gravados no software OBS Studio e transcritas na íntegra, para a análise dos dados. Para auxiliar nesse processo, foi utilizado o software NVivo 10.

A metodologia da teoria fundamentada não é linear, uma vez que os fenômenos são descobertos, desenvolvidos conceitualmente e verificados por um processo de coleta e análise dos dados simultaneamente conduzidos. Iniciou-se a análise logo após a primeira entrevista, como preconiza a teoria fundamentada, por meio da codificação linha a linha. Essa primeira análise direcionou a coleta dos próximos dados. Assim, a cada nova entrevista foi realizada nova codificação linha-a-linha, sempre comparando os dados dentro de uma mesma entrevista e com as entrevistas anteriores. Em seguida, por meio da codificação focalizada, foi possível selecionar os núcleos de sentido mais relevantes para serem testados com outros dados mais amplos e, assim, categorizá-los de forma incisiva e completa. Por fim, foi realizada a codificação seletiva, em que foi determinada a relação entre as categorias construídas até se chegar ao modelo teórico88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. ,1111. Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing grounded theory. Thousand Oaks: SAGE; 1998. .

Realizou-se uma pausa analítica para a elaboração de memorandos ao longo do processo, a fim de complementá-lo. A redação dos memorandos leva à reflexão sobre seus dados, compara, produz conexões, cristaliza questões e busca direções para completar as categorias emergentes desde o início do processo e ao longo de todo o andamento da pesquisa. Assim, a escrita dos memorandos foi fundamental para aumentar o nível de abstração dos códigos, para construir categorias, e para auxiliar na construção do modelo teórico88. Charmaz K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Penso; 2009. .

Consideraram-se os preceitos éticos referentes à pesquisa que envolve seres humanos, estabelecidos pela Resolução n° 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Este estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e aprovado por meio do Parecer n° 4.173.041.

RESULTADOS

Foram entrevistadas 16 cuidadoras familiares. A metade delas era solteira ou divorciada, a maioria delas eram filhas (n=13) e as demais eram: neta (n=1), nora (n=1) e irmã do receptor de cuidados (n=1). Dez cuidadoras tinham mais de 50 anos e todos os idosos possuíam mais de 75 anos. Dentre as participantes, apenas uma havia estudado por apenas quatro anos; as demais estudaram mais de 11 anos, sendo que nove delas cursaram ensino superior completo. Quatorze cuidadoras cuidavam de um parente idoso e duas prestavam cuidados à mãe e ao pai idosos simultaneamente.

Após análise sistemática dos dados, foi construído o modelo teórico “O cuidar de idosos durante a pandemia da COVID-19 por cuidadores familiares”, que compreende quatro categorias principais.

A primeira categoria, denominada “Tomando consciência do contexto pandêmico”, foi dividida em três subcategorias: “Reconhecendo o idoso como parte do grupo de vulnerabilidade”; “Sentindo emoções desconfortantes”; e “Amenizando as emoções: ´porque não adianta você desesperar´”. Essa categoria revela como as cuidadoras, ao tomarem conhecimento da pandemia da COVID-19, reagiram inicialmente a esse cenário, e perceberam que precisavam se mobilizar para prevenir que os idosos contraíssem o coronavírus.

Tal reação configurou as demais categorias: “Adotando medidas preventivas para proteger os idosos de contraírem o coronavírus”; “Garantindo a assistência à saúde do idoso durante a pandemia”; e “Conscientizando o idoso sobre a pandemia”.

Tomando consciência do contexto pandêmico

A sociedade mundial foi surpreendida pela pandemia do SARS-CoV-2. Esse coronavírus surgiu na China e, em seguida, apareceram casos e mortes na Europa, que foram noticiados no Brasil, impressionando tanto as cuidadoras quanto os idosos, conforme descrito na fala:

[...] aquela cena lá na Itália... ela [a idosa] ficou impressionada com aquela cena dos caminhões carregando um monte de caixão. (Larimar).

Apesar de os noticiários informarem que o novo coronavírus estava se espalhando por todo o mundo, algumas cuidadoras informaram que, inicialmente, não notaram a dimensão da doença, e que só se deram conta disso quando acontecimentos drásticos ocorreram próximos a elas ou afetaram sua realidade diretamente, como exemplificado nos trechos:

Do nada, falaram que tinha um fulano que estava com o vírus. Quando pensa que não, mandaram ficar em casa; mandaram fechar tudo porque a doença estava tomando conta. Isso foi um pânico pra mim. (Rubelita).

Um amigo nosso morreu por causa do coronavírus. Foi horrível a gente saber que a pessoa morreu disso. Como as pessoas falam: “a gente só sente quando tem rosto”. (Jade).

A seguir, serão apresentadas as três subcategorias inseridas nesta categoria.

Reconhecendo o idoso como parte do grupo de vulnerabilidade

Com o surgimento de casos da COVID-19 no Brasil, a mídia e as autoridades governamentais salientaram que os idosos eram pessoas com maior vulnerabilidade para essa doença. Diante disso, Safira expôs sua preocupação com seus pais:

No caso deles serem idosos, temos uma preocupação muito maior, porque a idade deles é uma idade muito avançada: 87, 84 anos. (Safira).

As cuidadoras também sinalizaram receio, devido ao fato de os idosos estarem ainda mais vulneráveis à COVID-19 em decorrência da presença de doenças crônicas:

A preocupação é principalmente com eles, porque, além de idosos, eles têm problemas cardíacos, têm pressão alta... Então assim: eles estão incluídos em praticamente todos os grupos de risco... (Jade).

Diante disso, ao reconhecerem que o novo coronavírus estava infectando várias pessoas no mundo e muitas delas morrendo, sobretudo idosos com comorbidades, as cuidadoras sentiram preocupação entre outras emoções desconfortantes.

Sentindo emoções desconfortantes

As emoções desconfortantes traduzem a ciência das cuidadoras de serem responsáveis pelo cuidado de indivíduos que apresentam um risco maior de desenvolverem as formas mais graves da COVID-19. Safira apresentou uma reflexão que ilustra como tal percepção lhe trouxe desconforto:

[...] outras coisas podem acontecer. Tem tanta gente que morre todos os dias por tantas coisas. Mas, de repente, você vê alguma coisa ameaçando. É complicado! Acho que todo mundo está se sentindo ameaçado [...], é uma situação muito ruim; como se você estivesse com uma espada o tempo todo apontada para sua cabeça; você não sabe o que fazer. A gente não tem poder nenhum; ninguém tem. (Safira).

Ao encontro desse sentimento de ameaça e impotência, também foi verbalizado o medo de lidar com a morte:

Eu tenho muito medo disso: de lidar com a morte. [...] Eu sinceramente tenho muito medo disso acontecer na atualidade e eu não poder fazer nada. (Larimar).

Em contraponto, Pedra da Lua revelou outra perspectiva de medo:

[...] a gente tem medo da doença. Não tem medo da morte em si, mas do sofrimento. Disso eu tenho medo. (Pedra da Lua).

Também emergiu da fala das cuidadoras o medo da própria contaminação e da culpa por transmitir o coronavírus para o idoso:

Assim, um pouco de medo [...] de eu pegar e passar pra ele [idoso]. A gente fica com aquele sentimento de “nossa, se eu passar pra ele... se acontecer o pior, a culpa será minha”. (Turmalina).

Outras emoções negativas também surgiram, sendo representadas nas falas das participantes por substantivos como: angústia, impotência, insegurança, pavor, pânico, horror, preocupação e tristeza. Apesar de desconfortantes, todas essas emoções foram primordiais para gerar mudanças na rotina de cuidados, e instigar as cuidadoras a adotarem medidas de prevenção à COVID-19, para que, assim, elas se sentissem melhor, como pode ser observado a seguir:

Medo! Muito medo, muita preocupação. Por isso, que eu estou fazendo tudo que o Ministério da Saúde pede; Secretaria de Saúde pede: ficar em casa, cuidados com as mãos. (Larimar).

Por outro lado, se as emoções desconfortantes foram vivenciadas de forma exacerbada, serviram de força propulsora no sentido oposto ao da busca da prevenção para a COVID-19, paralisando a cuidadora e comprometendo sua capacidade de resposta frente à pandemia. Cuidadoras nessa posição relataram a necessidade de adotar estratégias para amenizar tais sentimentos.

Amenizando as emoções: “porque não adianta você desesperar”

Muitas das entrevistadas reportaram a necessidade de “desligar-se” da pandemia, considerando que, se elas se desesperassem, ficariam sem condições de reagir:

Na verdade, eu não posso é encanar. Se eu for nisso, eu vou ficar é doida. Então, tento ficar tranquila. Você me entende? Tento fazer minha parte em tudo. Eu sinto sim; mas não desespero porque não adianta você desesperar. Se eu desesperar, não darei conta nem de trabalhar. (Tanzanita).

Ao “se desesperar”, como nomeado por Tanzanita, as cuidadoras relataram que podem comprometer não só sua rotina de cuidados, mas também seu bem-estar. Dessa forma, a criação de estratégias para amenizar as emoções sentidas de maneira exagerada é apontada como fundamental pelas entrevistadas. Uma das estratégias constatada nos relatos foi a necessidade de conversar com um profissional de saúde que esclarecesse se, de fato, a entrevistada estava exposta ao risco de se contaminar tal como ela imaginava:

Eu comecei a ficar muito desesperada. Eu conversei com uma das médicas que estava lá [Centro de Saúde] e uma assistente social. A gente começou a conversar sobre as coisas que a gente estava sentindo e acho que foi bom falar sobre isso. (Turquesa).

Outro ponto importante para atenuar emoções desconfortantes foi a obtenção de mais conhecimento acerca da doença, bem como de quais ações eram necessárias para sua prevenção:

Já estou mais tranquila. Porque a gente já está entendendo mais sobre a doença; sobre o vírus. A gente está vendo muitas informações, a gente está vendo que tem que usar a máscara, que tem que usar o álcool em gel, o sabão, lavar a mão toda hora. Então, assim foi passando um pouco [medo], já está mais amenizado. (Turmalina).

A crença religiosa e a espiritualidade também sobrevieram como estratégia:

Morro de medo de pegar esse coronavírus. Mas, assim, é aquilo que eu te falei: a minha religião, o espiritismo, me esclarece muito. (Pedra da Lua).

Minha preocupação foi mais com ela. Eu, na verdade, não desespero com nada, porque, além de eu acreditar muito em Deus, eu sou mais tranquila. (Tanzanita).

Distrair-se, realizar atividades prazerosas e se envolver com algum projeto interessante foram algumas formas que as entrevistadas adotaram para se desligarem do que estava acontecendo. Por outro lado, a maioria das cuidadoras revelou evitar assistir à televisão, por ser uma atividade estressora:

A gente tenta conversar, ver outras coisas. Mas, por exemplo, o dia inteirinho na televisão você só vê falando disso. Então, eu procuro distrair, ler um livro, ver besteira no WhatsApp, ver piada, pra afastar um pouquinho. (Alexandrita).

[...] se a gente sentar para ver televisão, a gente morre. Então, estou evitando, porque realmente a gente fica com medo. (Turmalina).

Uma vez conscientes das circunstâncias da pandemia, as entrevistadas reportaram a necessidade de adotar as seguintes iniciativas para evitar que os idosos contraíssem o SARS-CoV-2: colocar em prática medidas preventivas, garantir assistência à saúde do idoso durante a pandemia, e, quando possível, conscientizar os idosos. Tais iniciativas compreendem as categorias apresentadas a seguir.

Adotando medidas preventivas para proteger os idosos de contraírem o coronavírus

As cuidadoras revelaram que mudaram tanto sua rotina quanto a rotina dos idosos em decorrência da pandemia, como ilustrado a seguir:

[...] eu estou em casa exatamente por causa dela. (Larimar).

[...] minha avó não sai de casa. Qualquer pessoa pode sair de casa, menos ela. (Rubi).

Por outro lado, algumas das entrevistadas - que segundo sua percepção cuidava de idosos que apresentavam dificuldades para vestir-se, transferir-se, alimentar-se, tomar banho e controlar urina e fezes - informaram que a rotina não se modificou muito:

Não muda muita coisa na rotina da gente. Muda assim: a gente não pode sair; a gente não pode ter contato com as pessoas; essa higienização das mãos. Esses cuidados com a higiene aumentaram demais! [...] Esse isolamento que é o mais complicado. Mas no tratamento, no cuidado com ela, eu não percebo muita mudança, porque eu já fazia isso naturalmente. (Ametista).

Outras cuidadoras revelaram que os cuidados prestados diretamente aos idosos permaneceram os mesmos. No entanto, surgiu a necessidade de se adotarem algumas iniciativas, que foram consideradas cruciais para proteger os idosos do coronavírus, uma vez que, na época das entrevistas, não existiam vacina e medicamentos eficazes para prevenir e tratar, respectivamente, a doença. Por isso, as cuidadoras colocaram em prática medidas não farmacológicas, a fim de resguardar os idosos, como ilustrado pelos trechos:

Nós dobramos a higienização e a gente fica até meio paranóica [risos]. (Esmeralda).

Eu sempre com máscara, lavando a mão, passando álcool em gel, tomando esses cuidados com a limpeza. (Ametista).

Eu chego à casa dela, tem todo aquele procedimento para entrar em casa. Higienizo tudo e sempre ao ficar mais perto dela, eu fico com a máscara. (Turquesa).

Além dos cuidados pontuados, também se adotou como medida preventiva praticar o distanciamento físico. Tal iniciativa foi experienciada de forma peculiar, de acordo com o nível de dependência que o idoso apresentava segundo a ótica das cuidadoras, como pode ser observado a seguir:

Mudou bastante em relação ao meu pai. A gente não deixa meu pai ir para a rua. [...] manter meu pai dentro de casa, sem ele ficar cabisbaixo, assim naquela tristeza de não poder sair, é a parte mais complicada pra mim. Já em relação à minha mãe, não fez diferença, porque ela não anda sozinha. Então, já não saía de casa mesmo. (Jade, cuidadora do seu pai dependente para AIVDs e de sua mãe acamada).

Segundo as entrevistadas, a dificuldade de garantir o distanciamento físico decorre do fato de os idosos estarem acostumados a receber visitas de filhos e netos, sair - mesmo que acompanhados - para fazer compras no supermercado, ir ao banco, ir à missa. Tal rotina foi alterada abruptamente, afetando os receptores de cuidados, como se pode confirmar nos trechos abaixo:

É uma adaptação difícil para todo mundo, inclusive para eles [receptores de cuidados], porque ninguém está vindo aqui. Antes, toda hora tinha um neto, um filho; todo mundo vinha aqui. De repente, ninguém vem mais! Hoje, por exemplo, meus sobrinhos vieram aqui e ficaram do lado de fora. [...] Eles não saiam sozinhos, mas a gente ia ao supermercado toda semana, a gente ia à missa todo sábado. Então, eles saiam pouco, mas, de repente, eles não poderem sair é complicado. (Safira).

As cuidadoras também transmitiram o quanto o distanciamento físico impactou a vida delas:

Não é bom, porque é mais um tempo que eu fico sozinha, porque diminuíram as visitas aqui em casa. Então, está bem complicado ficar só nós três aqui dentro de casa. Não está sendo fácil! (Jade).

Ficou evidente o quanto é difícil evitar o contato físico com os receptores de cuidado. Para amenizar o desconforto de não receber visitas e isolar-se como medida preventiva, as entrevistadas passaram a realizar videochamadas para manter o contato com os parentes e amigos de forma segura. A fala a seguir ilustra essa nova forma de convívio social:

A gente está se agarrando no celular para entrar em contato com as pessoas, para saber o que está acontecendo com elas. Isso dá uma melhorada, porque, senão, a gente surta. (Jade).

As cuidadoras também informaram que dispensaram pessoas que auxiliavam no cuidado, por entenderem que estas, por morarem com outras pessoas e serem usuárias de transporte público, apresentavam risco de contrair o coronavírus e transmiti-lo para o receptor de cuidados. Elas relataram que isso lhes acarretou um aumento da carga de trabalho:

Não sobra tempo para nada. Enquanto ela dorme de manhã - das 10 às 12 horas -, eu posso limpar a louça do café da manhã, lavar, arrumar e higienizar o quarto dela, o banheiro que eu dei banho. [...] estou me desdobrando. Às 08:30 da noite, eu coloco ela para dormir, e, nesse momento, eu poderia sentar para ver televisão, mas eu olho para a cozinha: “nossa, tem tanta coisa pra fazer” [...]. Mas é isso: aquela rotina de dona de casa e cuidadora simultaneamente. (Pedra da Lua).

Outra cuidadora explicou que, para conseguir conciliar o serviço doméstico com os cuidados, adaptou tanto sua rotina quanto a rotina de sua mãe:

Antes eu tirava ela da cama nove e meia da manhã, agora, como eu estou sozinha, eu estou a deixando dormir até um pouco mais tarde, para eu fazer o almoço. (Jade).

Além disso, algumas entrevistadas mencionaram que a rotina de revezar o cuidado com outros familiares foi suspensa em virtude da pandemia, gerando não só sobrecarga de trabalho, mas também desconforto emocional:

Direto é exaustivo, mentalmente exaustivo, porque ela pergunta as mesmas coisas [devido à demência]. (Turquesa).

Ademais, as cuidadoras combinaram várias medidas para evitar a transmissão da COVID-19, o que também reforçou a necessidade de garantir a assistência à saúde dos receptores de cuidados enquanto perdurar a pandemia.

Garantindo a assistência à saúde do idoso durante a pandemia

As entrevistadas esclareceram que estavam evitando o atendimento médico presencial como uma medida para impedir a exposição do idoso ao coronavírus:

A médica me pediu para redobrar os cuidados, tentar manter ela [receptora de cuidados] o mais estável possível para não ter nenhuma complicação de outras coisas, porque não é o momento para ir ao hospital. (Esmeralda).

Outra cuidadora relatou como ela resolveu um acidente doméstico que aconteceu com a receptora de cuidados durante a pandemia:

Ela foi pegar um objeto no chão, caiu e machucou a costela. [...] O pneumologista dela me atendeu pelo telefone, falou que não era grave e que precisava colocar uma faixa e usar uma pomada anti-inflamatória. Isso está sendo feito! Isso aconteceu há alguns dias e agora ela já está melhor. (Ametista).

Adicionalmente, as entrevistadas informaram que realizam os procedimentos de fisioterapia por meio de atendimento on-line, para garantir a assistência à saúde do idoso enquanto perdurar a pandemia:

Ela ficou quase um mês sem fazer fisioterapia, por isso começou a sentir dor [...] ela quebrou o fêmur há dois anos [...]. Além da dor, ela não estava conseguindo levantar da cama sozinha. Aí eu tive essa ideia de fazer virtual [telefisioterapia] e está dando certo, porque a dor desapareceu e ela já está levantando sozinha de novo. (Turquesa).

Outra iniciativa para assegurar a assistência à saúde dos idosos foi garantir que eles tomassem a vacina contra a gripe em domicílio:

Eu não tive coragem de deixá-la ir ao posto de saúde para ela tomar a vacina, por isso eu paguei e a pessoa veio aqui em casa. (Ametista).

Além dessas iniciativas, as cuidadoras perceberam que precisavam conscientizar os receptores de cuidados a respeito da conjuntura pandêmica.

Conscientizando o idoso sobre a pandemia

Considerando que os idosos são pessoas mais vulnerabilizadas para a COVID-19, as cuidadoras, além de adotarem medidas preventivas, os conscientizaram sobre a pandemia. Tal iniciativa foi adotada até mesmo por aquelas que declararam que o receptor de cuidados apresentava algum déficit cognitivo, como exemplificado no relato de Pedra Sabão, que deixou de tomar o café da tarde com a mãe, quando chegava do trabalho:

No princípio, minha mãe não estava entendendo, mas agora até que ela entende. Antes, ela estava achando que as minhas irmãs me colocaram para fora de casa [risos]. Aí eu falei: “não mãe, é que tem um bichinho no ar que a senhora é do grupo de risco, então eu não posso entrar na sua casa, porque minha roupa está suja”. Eu fui explicando para ela... isso demandou quase 20 dias, eu falando todos os dias. Agora, ela arruma uma vasilha, coloca um biscoito, um pedaço de bolo, um pedaço de queijo e diz: “Então, leva pra você tomar café lá na sua casa”. (Pedra Sabão).

O ato de conscientizar os idosos sobre o surgimento da COVID-19 foi experienciado de forma peculiar pelas cuidadoras. Aquelas que declararam cuidar de idosos dependentes para realizar as atividades básicas da vida e/ou que estes, segundo sua percepção, apresentavam déficit cognitivo revelaram que a conscientização se tornou necessária para que eles compreendessem o motivo de não estarem recebendo visitas de parentes e amigos. Por outro lado, aquelas que declararam prestar cuidados a idosos dependentes para gerenciar suas finanças, sair de casa sozinhos, fazer compras e usar o telefone revelaram que a pandemia trouxe grandes desafios no que tange à adoção de medidas não farmacológicas pelos idosos, bem como conflitos familiares:

A questão do meu pai que ainda anda é mais complicada, porque, por exemplo, o meu pai gostava de pegar o dinheiro dele e pagar uma conta, isso a gente não deixa mais. Só que mandar em um idoso é mais difícil do que mandar numa criança. E a questão de ser pai, nós não estamos acostumados a mandar nos nossos pais. (Jade).

Adicionalmente, as entrevistadas cujos receptores de cuidados não apresentavam déficit cognitivo, segundo sua percepção, reportaram outra demanda no que concerne à necessidade de conscientizá-los: observarem o acesso dos idosos à internet e se certificarem de que as informações que eles recebiam por meio de mensagens ou vídeos no celular eram verdadeiras. Isso pode ser constatado na seguinte fala:

Agora, ela [idosa] aprendeu a mexer no WhatsApp e recebe Fake News. Aí eu falo: “olha isso aqui é mentira. Vem cá; deixa eu te mostrar.” (Rubi).

DISCUSSÃO

Os resultados demonstram que, apesar de terem sido entrevistadas cuidadoras que declararam cuidar de idosos com diferentes níveis de necessidades de cuidado, segundo a percepção das mesmas, elas compartilharam várias experiências semelhantes.

Isso possibilitou a construção do modelo teórico “O cuidar de idosos durante a pandemia da COVID-19 por cuidadores familiares”. Em particular, destacou-se o fato de que cuidadoras que declararam cuidar de idosos dependentes para sair de casa, gerenciar suas finanças, usar o telefone, preparar sua refeição, relataram que a demanda de cuidados requerida por eles se intensificou durante a pandemia. Além disso, surgiram conflitos familiares em virtude de os idosos serem resistentes à adoção de medidas preventivas. Por outro lado, aqueles que, segundo a percepção das cuidadoras, não apresentavam déficit cognitivo precisaram ser conscientizados de forma mais ativa em relação à pandemia.

Frente à conjuntura de pandemia, as cuidadoras sentiram emoções desconfortantes, que as impulsionaram a agir em prol de protegerem a si e aos idosos, a exemplo do que declarou o Dr. Jerry Rawicki, sobrevivente do Holocausto, em sua entrevista concedida à renomada pesquisadora norte-americana, Carollyn Ellis: “No meu caso, a preocupação me estimulou a me preparar”1212. Ellis C, Rawicki J. A researcher and survivor of the holocaust connect and make meaning during the COVID-19 pandemic*. J Loss Trauma. 2020;25(8):605-22. doi: https://doi.org/10.1080/15325024.2020.1765099
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.

Por outro lado, em muitos casos, as pessoas aqui entrevistadas afirmaram que sentiram emoções exacerbadas, que precisaram ser amenizadas para conseguirem responder às demandas que se apresentavam. Considerando as estratégias pontuadas pelas cuidadoras para abrandar as emoções, pode-se depreender que elas estavam confusas e imersas no grande volume de informações disseminadas sobre a pandemia, e que, após conversarem com profissionais de saúde sobre esse assunto, e/ou se inteirarem a respeito da situação, ficaram mais tranquilas.

Neste sentido, é importante salientar que o presente estudo foi realizado durante o mês de agosto de 2020, e, apesar de decorridos cinco meses desde o início da pandemia, o período coincide com a primeira onda da COVID-19 no Brasil77. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial. Doença pelo Coronavírus COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2021 Mar 1];27:1-63. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2021/boletim-epidemiologico-covid-19-no-27.pdf/view
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. Tal fato pode justificar os sentimentos de medo e ameaça que emergiram das falas das pessoas entrevistadas, uma vez que à época das entrevistas ainda não tínhamos um conhecimento aprofundado sobre a doença e não tínhamos a vacina contra a COVID-19 como recurso disponível para conter o avanço da doença no país. Tais sentimentos também foram relatados por pais que estavam cuidando dos filhos com câncer durante a pandemia. Alguns deles informaram que limitaram o acesso a telejornais e redes sociais como estratégia para enfrentar essa situação estressante1313. Darlington ASE, Morgan JE, Wagland R, Sodergren SC, Culliford D, Gamble A, et al. COVID-19 and children with cancer: parents’ experiences, anxieties and support needs. Pediatr Blood Cancer. 2021;68(2):e28790. doi: https://doi.org/10.1002/pbc.28790
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.

O fenômeno da infodemia, caracterizado pelo excesso de informações disseminadas sobre a COVID-19, culminou no surgimento e divulgação de informações, muitas vezes, alarmantes e incorretas, que tornaram as pessoas ansiosas, deprimidas ou até mesmo exauridas e incapazes de reagirem frente à pandemia. Tal fenômeno, amplificado pelas mídias sociais, dificultou o acesso da população a orientações confiáveis e idôneas sobre a doença1414. Garcia LP, Duarte E. Infodemia: excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações sobre a COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4):e2020186. doi: https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400019
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-1616. Organização Pan-Americana de Saúde. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19 [Internet]. Washington: OPAS; 2020 [cited 2021 Jan 22]. Available from: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=14
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.

Diante disso, além de combater o coronavírus, também mostra-se necessário detectar e responder rapidamente às desinformações difundidas nas mídias sociais que geram um desserviço à saúde global1414. Garcia LP, Duarte E. Infodemia: excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações sobre a COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4):e2020186. doi: https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400019
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-1515. Zarocostas J. How to fight an infodemic. Lancet. 2020;395(10225):676. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30461-X
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,1717. Islam MS, Sarkar T, Khan SH, Kamal AHM, Hasan SM, Kabir A, et al. COVID-19 - related infodemic and its impact on public health: a global social media analysis. Am J Trop Med Hyg. 2020;103(4):1621-9. doi: https://doi.org/10.4269/ajtmh.20-0812
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. Uma iniciativa elaborada pela International Federation of Library Associations and Institution foi a criação de um passo a passo para a população analisar os fatos propagados e, assim, certificar se a notícia é falsa ou não1818. International Federation of Library Associations and Institution. Como identificar notícias falsas. [Internet]. Haia: IFLA; 2020 [cited 2021 Jan 22]. Available from: https://www.ifla.org/files/assets/hq/topics/info-society/images/portuguese_-_how_to_spot_fake_news.pdf
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. No entanto, detectar, avaliar e responder em tempo real a rumores e teorias da conspiração representam um grande desafio para a saúde pública, tanto no atual momento pandêmico quanto para novas epidemias e doenças pandêmicas1616. Organização Pan-Americana de Saúde. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19 [Internet]. Washington: OPAS; 2020 [cited 2021 Jan 22]. Available from: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=14
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.

Portanto, é aconselhável que os formuladores de políticas públicas e profissionais de saúde viabilizem uma comunicação adequada com os cuidadores no âmbito individual e coletivo. Nesse sentido, viabilizar os serviços de telessaúde e fomentar a criação de sites estruturados, que apresentam informações idôneas para população, são iniciativas importantes para melhorar o estado de saúde mental dos cuidadores de um grupo vulnerável como o dos idosos. Tais medidas também podem corroborar a conscientização dos idosos sobre a pandemia. Um estudo que abordou o impacto da telemedicina em pessoas com demência e em seus cuidadores identificou que o acesso a serviços de telessaúde por videoconferência pode ser um instrumento útil para reduzir o estresse do cuidador, bem como apoiá-lo no enfrentamento da pandemia1919. Lai FHY, Yan EWH, Yu KKY, Tsui WS, Chan DTH, Yee BK. The protective impact of telemedicine on persons with dementia and their caregivers during the COVID-19 pandemic. Am J Geriatr Psychiatry. 2020;28(11):1175-84. doi: https://doi.org/10.1016/j.jagp.2020.07.019
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.

Além de impactar emocionalmente, o cenário pandêmico também impacta no comportamento humano. Dessa forma, para proteger os idosos do SARS-CoV-2, as cuidadoras adotaram várias medidas de prevenção que condizem com as medidas recomendadas na literatura2020. Odusanya OO, Odugbemi BA, Odugbemi TO, Ajisegiri WS. COVID-19: a review of the effectiveness of non-pharmacological interventions. Niger Postgrad Med J. 2020;27(4):261-7 doi: https://doi.org/10.4103/npmj.npmj_208_20
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. Apesar de essas medidas serem importantes para reduzir o risco de contágio, tais atitudes configuraram sobrecarga de trabalho e desconforto emocional, sobretudo para as cuidadoras que não tinham ajuda de outras pessoas e se tornaram as únicas responsáveis pela prestação de cuidados aos idosos.

Nesse sentido, a falta de suporte informal na prestação de cuidados por parte de outros membros da família já representava, antes da pandemia, um desafio na rotina de cuidadores familiares11. World Health Organization. Integrated care for older people: guidelines on community-level interventions to manage declines in intrinsic capacity (Internet). Geneva: WHO; 2017 [cited 2021 Mar 1]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550109
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,33. Williams A, Sethi B, Duggleby W, Ploeg J, Markle-Reid M, Peacock S, et al. A Canadian qualitative study exploring the diversity of the experience of family caregivers of older adults with multiple chronic conditions using a social location perspective. Int J Equity Health. 2016;15:40. doi: https://doi.org/10.1186/s12939-016-0328-6
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,44. Areosa SVC, Henz LF, Lawisch D, Areosa RCA. Cuidar de si e do outro: estudo sobre os cuidadores de idosos. Psicol Saúde Doenças. 2014;15(2):482-94. doi: http://doi.org/10.15309/14psd150212
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, apesar de estar documentado que cuidadores com suporte social efetivo apresentam bom estado de saúde mental e baixo nível de estresse2121. Muñoz-Bermejo L, Adsuar JC, Postigo-Mota S, Casado-Verdejo I, de Melo-Tavares CM, Garcia-Gordillo MA, et al. Relationship of perceived social support with mental health in older caregivers. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):3886. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17113886
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.

Diante disso, considerando os achados de um estudo que comparou a prevalência de transtorno depressivo e de ansiedade na população adulta dos Estados Unidos da América (EUA), antes e durante a pandemia, supõe-se que os cuidadores poderiam estar mais propensos a desenvolverem transtornos de ansiedade e/ou depressão em 2020 do que em 201955. Twenge JM, Joiner TE. U.S. Census Bureau-assessed prevalence of anxiety and depressive symptoms in 2019 and during the 2020 COVID-19 pandemic. Depress Anxiety. 2020;37(10):954-6. doi: https://doi.org/10.1002/da.23077
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. Como não foram encontrados estudos que observaram os efeitos da pandemia na saúde mental dos cuidadores de idosos, pesquisas futuras abordando esse tema são de suma importância, além da ampliação e criação de redes de suporte a cuidadores que possam se adaptar a essa nova realidade.

Paralelo a isso, a pandemia também comprometeu a garantia de apoio formal aos cuidadores, uma vez que, para proteger os idosos, eles estão evitando levá-los aos serviços de saúde, bem como receber assistência domiciliar. Para preencher essa lacuna no acesso à saúde, os serviços de teleconsulta foram autorizados no Brasil, enquanto durar a crise sanitária ocasionada pelo SARS-CoV-2, por meio da Lei nº 13.989/20202222. Presidência da República (BR). Lei n° 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Diário Oficial União. 2020 abr 16 [cited 2021 Jan 22];158(73 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=16/04/2020&jornal=515&pagina=1
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. Apesar de a telessaúde ser considerada uma solução temporária de enfrentamento para o cenário pandêmico, estudos apontam que é provável que esse tipo de atendimento perdure após o fim da pandemia nos serviços de prestação de cuidados à saúde, em todo o mundo e, também, no Brasil2323. Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, Paiva CCN, Ribeiro GR, Santos DL, et al. Challenges and opportunities for telehealth during the COVID-19 pandemic: ideas on spaces and initiatives in the Brazilian context. Cad Saúde Pública. 2020;36(5):e00088920. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00088920
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.

Em suma, os achados deste estudo mostram cuidadoras enquanto protagonistas e trazem à luz suas necessidades, que são, historicamente, negligenciadas em relação às necessidades dos idosos de que cuidam, e mostram-se ainda mais intensificadas no período pandêmico.

Dessa forma, identifica-se a necessidade de os profissionais de saúde garantirem que os cuidadores estejam bem assistidos durante a pandemia, viabilizando atendimentos por meio de telessaúde, bem como os orientando sobre a pandemia, o que há de refletir num melhor cuidado aos idosos.

Além disso, no âmbito coletivo, é imprescindível fomentar a divulgação de informações idôneas sobre a pandemia, para sanar as dúvidas dos indivíduos, e assim preencher as lacunas de comunicação que possibilitam a disseminação de desinformação e acabam aumentando o estresse da população e dos cuidadores de indivíduos vulneráveis frente ao contexto pandêmico.

Em relação às limitações deste estudo, toda a amostra de cuidadores foi composta por mulheres, apesar de ter sido ampla a divulgação desta pesquisa nas mídias sociais. Assim, verifica-se que o cuidado domiciliar ainda é realizado prioritariamente por mulheres, fazendo com que os resultados do presente estudo sejam um retrato dessa realidade e possam contribuir para a compreensão do fenômeno. Uma segunda limitação foi questionar às pessoas entrevistadas quais as atividades da vida diária os receptores de cuidados conseguiam realizar e se eles apresentavam déficit cognitivo. Essas informações podem ser influenciadas pelo olhar subjetivo das cuidadoras, porém tal fato não prejudica os achados da presente pesquisa, uma vez que tal questionamento foi justamente realizado com o intuito de compreender o nível de demanda de cuidados que o idoso requeria sob a percepção da cuidadora, que é o foco do presente estudo.

Outra limitação é a de que os resultados podem indicar que algumas cuidadoras estavam mais engajadas e dispostas a compartilhar suas experiências do que aquelas mais gravemente indispostas. Apesar disso, é importante salientar que o presente estudo respeitou a saturação dos dados por meio da amostragem teórica, e, consequentemente, reflete as experiências de cuidadoras que declararam cuidar de idosos com diferentes graus de dependência.

CONCLUSÃO

A compreensão da experiência das cuidadoras em cuidar de idosos durante a pandemia permitiu a construção de uma proposta de modelo teórico que explicasse esse fenômeno. Destaca-se como achado do presente estudo, a emergência de emoções desconfortantes, quando as cuidadoras tomaram conhecimento do surgimento do coronavírus. Tais emoções impulsionaram as ações das cuidadoras em prol de proteger os idosos de contraírem o vírus. Todavia, quando essas emoções se manifestavam de forma exacerbada, elas precisavam ser amenizadas para que as entrevistadas conseguissem adotar as medidas preventivas. Também emergiu a demanda dos cuidadores por orientações sobre a pandemia, bem como a necessidade de continuar os cuidados prestados ao idoso por meio de atendimentos por telessaúde.

Dessa forma, os resultados sugerem que as emoções sentidas pelas cuidadoras impactam no seu comportamento e rotina, desencadeando, inclusive, um aumento da carga de trabalho, em um período vivenciado por intensas medidas protetivas de distanciamento social e de incertezas diante da pandemia. Isso pode comprometer sua saúde e qualidade de vida, bem como o cuidado prestado ao idoso.

Espera-se que os resultados deste estudo contribuam para o preparo dos profissionais e sistemas de saúde, com o objetivo de melhor prestar o cuidado integral ao idoso e aos seus familiares durante a pandemia da COVID-19. Sendo assim, os profissionais de saúde, ao assistirem os idosos, também devem atentar na saúde do cuidador, além de sanar suas dúvidas a respeito da COVID-19.

Agradecimentos:

Nossos agradecimentos às cuidadoras participantes desta pesquisa. Também, agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2021
  • Aceito
    16 Dez 2021
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