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Estresse ocupacional entre trabalhadores de saúde de um hospital universitário

Estrés ocupacional entre los trabajadores de la salud de un hospital universitario

Resumo

OBJETIVO

Avaliar o estresse ocupacional entre trabalhadores de saúde de um hospital universitário.

MÉTODOS

Estudo transversal com trabalhadores de saúde de enfermagem e medicina de um hospital universitário da Região Sul do Brasil. Os dados foram coletados entre agosto de 2011 e agosto de 2012 por um questionário para caracterização e a Job Stress Scale. Realizou-se análise descritiva e univariada (Kruskal-Wallis).

RESULTADOS

Os participantes apresentaram alta demanda e alto controle do trabalho e baixo apoio social, indicando um trabalho ativo. Os enfermeiros tiveram menor controle sobre o trabalho (p<0,001) e os médicos receberam maior apoio social (p=0,006). Apoio social reduzido esteve relacionado à maior exposição ao estresse entre os auxiliares e técnicos de enfermagem (p=0,012).

CONCLUSÃO

Os trabalhadores que perceberam o apoio social reduzido apresentaram maior exposição ao estresse. Torna-se necessário implementar estratégias de prevenção ao estresse entre os trabalhadores de saúde, como o fortalecimento do apoio social no trabalho.

Palavras-chave:
Saúde do trabalhador; Estresse psicológico; Apoio social; Hospitais universitários

Resumen

OBJETIVO

Evaluar el estrés ocupacional entre los trabajadores de la salud en un hospital universitario.

MÉTODOS

Estudio transversal con trabajadores de salud de enfermería y medicina de un hospital universitario del sur de Brasil. Los datos fueron recogidos entre agosto de 2011 y agosto de 2012 por un cuestionario para la caracterización y la Job Stress Scale. Se realizaron análisis descriptiva y univariada (Kruskal-Wallis).

RESULTADOS

Los participantes mostraron una alta demanda y alto control del trabajo, y bajo apoyo social, indicando un trabajo activo. Las enfermeras tenían un menor control sobre el trabajo (p<0,001) y los médicos recibieron más apoyo social (p=0,006). Reducción de apoyo social se relaciona con una mayor exposición al estrés entre los auxiliares de enfermería y técnicos (p=0,012).

CONCLUSIÓN

Los trabajadores que sentían el bajo apoyo social tenían una mayor exposición al estrés. Necesario implementar estrategias de prevención del estrés entre los trabajadores de la salud, como el fortalecimiento del apoyo social en el trabajo.

Palabras clave:
Salud laboral; Estrés psicológico; Apoyo social; Hospitales universitarios

Abstract

OBJECTIVE

To evaluate the occupational stress among health workers in a university hospital.

METHODS

Cross-sectional study conducted with health workers in the areas of nursing and medicine at a university hospital in southern Brazil. The data were collected between August of 2011 and August of 2012 by a questionnaire of characterization and Job Stress Scale. A descriptive and univariate analysis was performed (Kruskal-Wallis).

RESULTS

The participants presented high demand and high control of the work and low social support, indicating an active work. Nurses had less control over work (p<0.001) and physicians received more social support (p=0.006). Reduced social support was related to greater exposure to stress among nursing assistants and technicians (p=0.012).

CONCLUSION

Workers who felt the low social support had higher exposure to stress. It is necessary to implement stress prevention strategies among health workers, such as the strengthening of social support at work.

Keywords:
Occupational health; Stress psychological; Social support; Hospitals university

INTRODUÇÃO

O processo de trabalho em saúde é um fenômeno complexo e dinâmico, constantemente influenciado pelas mudanças socioeconômicas, políticas e tecnológicas. Tais transformações ocorridas nos últimos decênios modificaram as condições laborais, sobretudo as exigências, o que resultou em um incremento dos riscos ocupacionais psicossociais. Este cenário contemporâneo tem sido considerado por muitos pesquisadores uma grande ameaça, visto que interfere na segurança e saúde dos trabalhadores de saúde, e os torna vulneráveis ao estresse ocupacional e ao adoecimento11. Gil-Monte PR. Riesgos psicosociales en el trabajo y salud ocupacional. Rev Perú Med Exp Salud Pública. 2012;29(2):237-41.-22. Schmidt DRC. Demand-control model and occupational stress among nursing professionals: integrative review. Rev Bras Enferm. 2013 66(5):779-88..

O estresse ocupacional é entendido como aquele que provém do ambiente laboral e envolve aspectos da organização, da gestão, das condições e da qualidade das relações interpessoais no trabalho. Com base nessas características, o estresse laboral é considerado u termo polissêmico, contudo, neste estudo, adotou-se o proposto pela Organização Internacional do Trabalho que o define como um conjunto de manifestações no organismo do trabalhador que têm potencial nocivo à sua saúde33. Organización Internacional del Trabajo (CH). Factores psicosociales en el trabajo: naturaleza, incidencia y prevención. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo; 1986..

Os profissionais de enfermagem e medicina, sobretudo aqueles que desenvolvem suas atividades em instituições hospitalares, vivenciam situações que levam ao estresse, pois convivem rotineiramente com a dor, sofrimento e morte, e são submetidos a ritmos intensos de trabalho, jornadas prolongadas, trabalho em turnos, baixos salários, relações humanas complexas, falta de materiais e de recursos humanos, dentre outros fatores que podem desencadear e/ou potencializar o estresse no trabalho33. Organización Internacional del Trabajo (CH). Factores psicosociales en el trabajo: naturaleza, incidencia y prevención. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo; 1986.-44. European Agency for Health and Safety at Work (SP) Guia eletrónico para a gestão do stress e dos riscos psicossocias [Internet]. Luxemburgo; 2014 [citado 2016 abr 13]. Disponível em: Disponível em: https://eguides.osha.europa.eu/stress/PT-PT/.
https://eguides.osha.europa.eu/stress/PT...
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O estresse contínuo no trabalho pode trazer consequências prejudiciais à saúde mental e física do trabalhador, tais como: o desenvolvimento da síndrome metabólica, distúrbios do sono, diabetes, hipertensão, enfermidades psicossomáticas, síndrome de burnout, depressão, uso de substâncias psicoativas, além de queda na produtividade, absenteísmo, insatisfação laboral e baixa qualidade de vida no trabalho11. Gil-Monte PR. Riesgos psicosociales en el trabajo y salud ocupacional. Rev Perú Med Exp Salud Pública. 2012;29(2):237-41.,55. Ribeiro RP, Marziale MHP, Martins JT, Ribeiro PHV, Robazzi MLCC, Dalmas JC. Prevalence of metabolic syndrome among nursing personnel and its association with occupational stress, anxiety and depression. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(3):435-40..

Entre os modelos teóricos mais adotados na literatura internacional para avaliação de estresse no trabalho está o modelo Demanda - Controle - Apoio Social, proposto por Töres Theorell em 1988, por abranger aspectos específicos do processo laboral. Trata-se de um modelo tridimensional que correlaciona os níveis de controle do trabalhador sobre o próprio labor e de demandas psicológicas provenientes do ambiente laboral, o que inclui as consequências de ordem psíquica e orgânica dos trabalhadores. O modelo indica que o estresse no trabalho é resultante da interação entre muitas demandas psicológicas, menor controle no processo de trabalho e menor apoio social recebido de colaboradores e chefes no ambiente laboral66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990..

Desta forma, as demandas se referem às exigências psicológicas do trabalho, envolvendo tempo, velocidade e intensidade na realização de suas atividades laborais, bem como as demandas conflitantes; o controle se refere ao uso de suas habilidades intelectuais e a autonomia para a tomada de decisão sobre o seu próprio trabalho; já o apoio social se refere à interação e suporte oferecido pelas relações interpessoais no trabalho66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990..

Entre essas dimensões, estudo demonstrou que o apoio social e, principalmente, o organizacional exercem função de abrandar os eventos estressantes, pois colaboram para que o trabalhador supere as dificuldades laborais com mais facilidade, o que contribui na diminuição da vulnerabilidade dos indivíduos e promove bem-estar emocional e psicológico77. Gutierrez AP, Candela LL, Carver L. The structural relationships between organizational commitment, global job satisfaction, developmental experiences, work values, organizational support, and person-organization fit among nursing faculty. J Adv Nurs. 2012;68(7):1601-14..

Diante do contexto e conteúdo do processo de trabalho em saúde, dos efeitos deletérios do estresse ocupacional à saúde física e mental dos indivíduos e da lacuna de conhecimento científico sobre essa temática entre os trabalhadores de saúde de hospitais universitários, torna-se relevante realizar esta investigação para fornecer subsídios para os programas de prevenção do estresse ocupacional, a fim de promover a satisfação, o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho.

Dessa maneira este estudo teve a seguinte pergunta de investigação: Os trabalhadores de saúde de um hospital universitário vivenciam o estresse em seu labor? Para responder a tal indagação, traçou-se como objetivo avaliar o estresse ocupacional entre trabalhadores de saúde de um hospital universitário.

MÉTODO

Esta pesquisa foi extraída da tese de doutorado intitulada “Prevalência da síndrome metabólica entre trabalhadores das equipes médica e de enfermagem de um hospital do Paraná e sua associação com estresse ocupacional, ansiedade e depressão”88. Ribeiro RP. Prevalência da síndrome metabólica entre trabalhadores das equipes médica e de enfermagem de um hospital do paraná e sua associação com estresse ocupacional, ansiedade e depressão [tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2012..

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e de corte transversal realizado em um hospital universitário da Região Sul do Brasil. Trata-se de uma instituição pública estadual com 313 leitos, que presta assistência à saúde de média e alta complexidade.

A população de estudo constituiu-se dos 810 trabalhadores de saúde das áreas de enfermagem e medicina da referida instituição. Com base nesse número calculou-se o tamanho amostral adotando-se proporção de 50%, nível de confiança de 95% e erro de estimativa de 5%, que resultou em um número mínimo de 260 participantes. Mediante a estratificação proporcional por sexo e classe profissional definiu-se a participação de 226 profissionais de enfermagem (183 do sexo feminino e 43 do masculino) e 34 médicos (14 do sexo feminino e 20 do masculino).

Os critérios de inclusão foram: possuir contrato definitivo de no mínimo dois anos com a instituição e atuar na assistência direta aos pacientes. Foram excluídos os trabalhadores que se encontravam em contrato temporário, licença e férias.

A coleta dos dados foi realizada no período de agosto de 2011 a agosto de 2012 no hospital em estudo. Os trabalhadores foram convidados a participar da pesquisa durante as trocas de plantão, sendo conduzidos à uma sala reservada, onde foram esclarecidos sobre o estudo e após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido o instrumento foi disponibilizado para preenchimento. Ao término, os participantes foram orientados a inserir os questionários em envelopes individuais.

O instrumento de coleta dos dados foi composto por duas partes: a primeira relacionada à caracterização dos trabalhadores, composta de dados sociodemográficos e profissionais (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade e categoria profissional). Para avaliação do estresse no trabalho, utilizou-se a versão resumida do instrumento de investigação do modelo Demanda-Controle-Apoio Social, a Job Stress Scale, traduzida e validada para a língua portuguesa em 20041010. Lima RAS, Souza AI, Galindo RH, Feliciano KVO. Vulnerability to burnout among physicians at a public hospital in Recife. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(4):1051-8.. Trata-se de um questionário autoaplicável, cujas respostas são fornecidas em escala do tipo Likert de 4 pontos, com 17 questões: cinco para avaliar demanda psicológica do trabalho (variação de 5 a 20 pontos), seis para mensurar o controle sobre o trabalho (variação de 6 a 24 pontos) e seis para analisar o apoio social (variação de 6 a 24 pontos).

Conforme preconizado no modelo Demanda-Controle-Apoio Social, essas dimensões foram dicotomizadas em “alto” e “baixo” e classificadas de acordo com uma das quatro categorias: trabalho de alta exigência (baixo controle e alta demanda - alto risco de adoecimento físico e mental do trabalhador); trabalho ativo (alto controle e alta demanda - trabalhador com autonomia em suas atividades e uso de todo seu potencial intelectual); trabalho passivo (baixo controle e baixa demanda - induz o trabalhador à apatia e declínio em suas atividades gerais) e trabalho com baixa exigência (alto controle e baixa demanda - classificação de referência)66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990.,99. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Short version of the “Job Stress Scale”: a Portuguese-language adaptation. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71..

Para análise dos dados utilizou-se o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Calculou-se frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e medidas de posição central e de dispersão para as variáveis contínuas. O teste de Kolmogorov-Smirnov indicou distribuição não-normal dos dados. Assim, na análise univariada utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, considerando estaticamente significativo p<0,05.

O estudo seguiu as exigências das normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, conforme Parecer n°. 267 de 01 de março de 2010 e CAAE 0218.0.268.153-09.

RESULTADOS

Dos 260 participantes deste estudo, a maioria pertencia ao sexo feminino (75,8%), com relacionamento conjugal estável (69,3%) e nível superior de escolaridade (66,5%). A idade mediana foi de 45 anos, com extremos em 23 e 66 anos.

Quanto ao cargo vinculado à instituição em estudo, 13,1% eram médicos e 86,9% trabalhadores de enfermagem, destes: 10,4% eram enfermeiros, 40,4% técnicos e 36,2% auxiliares. 84,6% desenvolviam suas atividades ocupacionais no período diurno e 15,4% no noturno. O tempo de trabalho na instituição pesquisada variou entre 1 e 39 anos, com mediana de 19 anos. Em relação ao total de horas trabalhadas constatou-se que 54,2% dos participantes trabalhavam até 42 horas semanais, 23,5% até 60 horas e 22,0% mais de 60 horas por semana. 21,9% dos investigados possuíam mais de um vínculo laboral.

No que concerne aos hábitos de vida, 33,5% dos trabalhadores referiram a prática de atividade física regular, 20% são tabagistas ( X¯ = 15 cigarros por dia) e 40,8% indicaram consumo de bebidas alcoólicas.

Na Tabela 1 estão apresentadas as medidas de posição central e de dispersão dos escores das dimensões da Job Stress Scale obtidos pelos participantes.

Tabela 1
Mediana e Intervalo Interquartílico dos escores das dimensões da Job Stress Scale, de acordo com as classes ocupacionais (n=260). Londrina, PR, Brasil, 2012

Verificou-se diferença significativa entre as classes ocupacionais e as dimensões controle (p<0,001) e apoio social (p=0,006), e indicou que os enfermeiros apresentaram menor controle sobre o trabalho e médicos receberam maior apoio social.

Os trabalhadores de enfermagem e de medicina apresentaram alta demanda de trabalho ( X¯ =8,3), também referiram um alto controle no trabalho realizado ( X¯ =9,9) e, ainda, baixo apoio social ( X¯ =11,1). Segundo o modelo teórico utilizado neste estudo, essa relação representa um trabalho ativo com baixo desgaste, mas deve se atentar para o baixo apoio social demandado pela instituição ao trabalhador da saúde.

Em relação à classificação de estresse verificou-se que a maioria dos trabalhadores (72,7%) se encontrava na categoria de baixa exposição ao estresse, 16,2% em alta exposição e 11,2% com exposição intermediária ao estresse. Identificou-se, ainda, que os fatores de estresse no trabalho foram os relacionamentos com colegas (23,2%), as atividades requeridas no trabalho (62,8%) e o relacionamento com as chefias (62,8%).

Na Tabela 2, apresentam-se as medidas descritivas da dimensão apoio social, de acordo com a classificação da Job Stress Scale.

Tabela 2
Estatística descritiva da dimensão apoio social conforme a classificação da Job Stress Scale, de acordo com a classe ocupacional (n=260). Londrina, PR, Brasil, 2012

Não houve significância estatística entre as categorias de classificação do estresse e o apoio social recebido entre os médicos (p=0,871) e enfermeiros (p=0,253). Contudo, entre os auxiliares e técnicos de enfermagem identificou-se quanto maior a exposição ao estresse menor foi o apoio social recebido (p=0,012).

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas dos trabalhadores participantes deste estudo são semelhantes ao perfil da força de trabalho das equipes de enfermagem e médica atuantes nos hospitais brasileiros1010. Lima RAS, Souza AI, Galindo RH, Feliciano KVO. Vulnerability to burnout among physicians at a public hospital in Recife. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(4):1051-8.-1111. Griep RH, Fonseca MJM, Melo ECP, Portela LF, Rotenberg L. Nurses of large public hospitals in Rio de Janeiro: socio demographic and work related characteristics. Rev Bras Enferm . 2013;66(spe):151-7..

Identificou-se que 27,4% dos trabalhadores da amostra estudada estavam expostos à níveis intermediários e altos de estresse laboral. Autores referem que o estresse ocupacional está relacionado à rotina do ambiente hospitalar, marcada pela alta tensão, altas cargas laborais, condições de trabalho insalubres, lidar com pacientes graves e a gerência das atividades assistenciais. Assim, melhorias na estrutura, na organização e nas condições de trabalho podem minimizar os efeitos do estresse1212. Versa GLGS, Murassaki ACY, Inoue KC, Melo WA, Faller JW, Matsuda LM. Occupational stress: evaluation of intensive care nurses who work at nighttime. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):78-85..

Nesta pesquisa constatou-se que os trabalhadores apresentaram alta demanda psicológica para execução do seu labor e também consideraram que possuem autonomia nas tomadas de decisão, precisam usar da criatividade e do desenvolvimento individual para o cumprimento do processo de trabalho em saúde, aspectos característicos da dimensão alto controle sobre o labor. Essa relação encontrada representa um trabalhador ativo, com desafios presentes, motivados e com autonomia sobre o seu processo de trabalho, que pode repensar o seu processo de trabalho, diminuindo o risco de estresse psicológico e, por consequência, o risco de desenvolver doenças físicas.

Entretanto, a situação de trabalho considerada “ideal” seria aquela em que o trabalhador convivesse com baixas demandas psicológicas de trabalho, com alto controle do processo do trabalho realizado e alto apoio social no ambiente laboral99. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Short version of the “Job Stress Scale”: a Portuguese-language adaptation. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71..

Contudo, na área de saúde, principalmente em instituições hospitalares, a baixa demanda psicológica é quase que impossível de ser encontrada, pois as situações presentes no processo de trabalho fazem com que haja um desgaste psicológico do trabalhador, tais como: as cargas de trabalho, a sobrecarga laboral, os ritmos acelerados de trabalho impostos pela quantidade insuficiente de profissionais, além disso deve ser considerado o grau de complexidade das atividades a serem executadas e o nível de conhecimento técnico-científico exigido1010. Lima RAS, Souza AI, Galindo RH, Feliciano KVO. Vulnerability to burnout among physicians at a public hospital in Recife. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(4):1051-8.,1313. Prochnow A, Magnago TSBS, Urbanetto JS, Beck CLC, Lima SBS, Greco PBT. Work ability in nursing: relationship with psychological demands and control over the work. Rev Latino-Am Enfermagem . 2013;21(6):1298-1305..

O baixo apoio social verificado neste estudo também pode ser uma fonte de desgaste mental, que favorece o aparecimento de agravos à saúde dos trabalhadores, conforme indica o modelo Demanda-Controle66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990.. O apoio social reflete o clima no local de trabalho e o relacionamento entre os colegas de trabalho e seus superiores, embasado em dois componentes principais: a relação emocional e o apoio instrumental, os quais são fortemente influenciados pelas mudanças nos processos organizativos de trabalho. Estudo demonstrou que uma rede de apoio social efetiva produz efeitos atenuantes sobre o estresse, por ajudar o trabalhador a enfrentar momentos difíceis e a lidar com situações estressantes, o que melhora as habilidades adaptativas do indivíduo diante de novas situações, inclusive o seu estado de saúde1414. Alves MGM, Hökerberg YHM, Faerstein E. Trends and diversity in the empirical use of Karasek’s demand-control model (job strain): a systematic review. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):125-36.. Além disso, o baixo apoio social foi associado à níveis mais elevados de estresse entre enfermeiros hospitalares da China, Japão, Argentina e Caribe1515. Baba VV, Tourigny L, Wang X, Lituchy T, Monserrat IS. Stress among nurses: a multi-nation test of the demand-control-support model. Cross Cultural Manag. 2013;20(3):301-20..

Em investigações realizadas com trabalhadores de enfermagem em hospitais públicos brasileiros verificou-se que alta demanda psicológica e baixo apoio social no trabalho estiveram associados à diminuição da capacidade laboral e à uma menor percepção de saúde, com aumento da prevalência dos distúrbios psíquicos menores (insônia, fadiga, irritabilidade, distúrbios somáticos e dificuldade de memória e concentração), condições que impactam negativamente o indivíduo e a organização1313. Prochnow A, Magnago TSBS, Urbanetto JS, Beck CLC, Lima SBS, Greco PBT. Work ability in nursing: relationship with psychological demands and control over the work. Rev Latino-Am Enfermagem . 2013;21(6):1298-1305.,1616. Urbanetto JS, Magalhaes MCC, Maciel VO, Sant’Anna VM, Gustavo AS, Poli-de-Figueiredo CE, et al. Work-related stress according to the demand-control model and minor psychic disorders in nursing workers. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(5):1180-6..

Destaca-se que na dimensão apoio social, os trabalhadores investigados podem apresentar dificuldades de relacionamento com chefias e demais colegas de trabalho, visto que 23,2% indicaram que os relacionamentos no ambiente de trabalho são fatores de estresse. Autores acrescentam que o relacionamento interpessoal entre os membros de uma equipe é fator decisivo nas vivências de satisfação, insatisfação e êxito no trabalho. Dessa forma, o bom relacionamento entre a equipe e a chefia colabora na transformação do sofrimento em prazer e satisfação no trabalho1717. Rocha APF, Souza KR, Teixeira LR. Health and medical work of neonatal ICU physicians: a study in a public hospital in Rio de Janeiro. Physis. 2015;25(3):843-62..

Entre os auxiliares e técnicos de enfermagem o menor apoio social esteve associado significativamente à maior exposição ao estresse. Pressupõe-se que a sua posição de trabalho de subordinação em relação aos demais profissionais de saúde, pode favorecer as interações interpessoais difíceis e conflituosas1818. Urbanetto JS, Silva PC, Hoffmeister E, Negri BS, Costa BEP, Figueiredo CEP. Workplace stress in nursing workers from an emergency hospital: Job Stress Scale analysis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(5):1122-31., bem como o baixo apoio social destinado à esta classe ocupacional.

Essa afirmação é ratificada quando se analisa que os médicos indicaram maior apoio social, o que remete a hierarquia sócio-histórica que os posiciona como classe superior aos demais profissionais da saúde. Assim, o médico é visto como principal responsável pelas decisões nos cuidados de saúde e, por esta razão, recebe maior suporte social no trabalho1919. Price S, Doucet S, Hall LM. The historical social positioning of nursing and medicine: implications for career choice, early socialization and interprofessional collaboration. J Interprof Care, 2014;28(2):103-9.

Os profissionais da área da saúde e os gestores devem reconhecer a importância do apoio social em seu processo laboral, estimulando a formação dessa rede de apoio não limitada à equipe de trabalho, mas que envolva familiares e amigos, a fim de diminuir a vulnerabilidade destes indivíduos frente ao estresse laboral e, por consequência, repercutir beneficamente na qualidade da assistência prestada aos pacientes e familiares sob seus cuidados, bem como maximizar a qualidade de vida destes profissionais de saúde2020. Chen MF, Ho CH, Lin CF, Chung MH, Chao WC, Chou HL, et al. Organisation-based self-esteem mediates the effects of social support and job satisfaction on intention to stay in nurses. J Nurs Manag. 2016;24(1):88-96..

CONCLUSÃO

Torna-se premente implementar estratégias de prevenção ao estresse entre os profissionais de saúde, como o fortalecimento do apoio social no trabalho, visto que os trabalhadores das equipes de enfermagem e medicina que apresentaram uma alta demanda de trabalho e um alto controle do trabalho realizado, relação que representou um trabalho ativo com baixo desgaste. Identificou-se que os médicos receberam maior apoio social, os enfermeiros apresentaram menor controle sobre o trabalho e os auxiliares e técnicos de enfermagem com maior a exposição ao estresse perceberam menor apoio social.

O estudo teve limitações devido à utilização do delineamento transversal, o qual não permite a realização de inferências sobre a causalidade das associações. Além disso, foi realizado com profissionais da saúde de uma instituição hospitalar, o que impede a generalização dos resultados.

Os resultados desta pesquisa colaboram para avanços do conhecimento científico nas áreas de Saúde do Trabalhador e Enfermagem, visto que possibilita sua utilização prática nos programas de prevenção do adoecimento no trabalho em instituições hospitalares e subsidia a elaboração de futuras pesquisas. Os achados também propiciam aos gestores e aos próprios trabalhadores de enfermagem e medicina a identificação das pressões vivenciadas no labor, sejam elas relacionadas aos conflitos, a autonomia, as exigências, ao conteúdo e ao contexto do trabalho, a fim de prevenir doenças e agravos decorrentes do estresse ocupacional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2016
  • Aceito
    19 Maio 2017
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