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Uma Análise Histórica da Resolução n° 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia: 20 Anos de Resistência à Patologização da Homossexualidade

A Historical Analysis of the Resolution n° 01/1999 of the Federal Council of Psychology: 20 Years of Resistance to the Pathologization of Homosexuality

Un Análisis Histórico de la Resolución n° 01/1999 del Consejo Federal de Psicología: 20 Años de Resistencia a la Patologización de la Homosexualidad

Resumo

A Resolução no 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) – que proíbe a patologização da homossexualidade – completou, em 2019, 20 anos de existência em uma trajetória marcada por conflitos, ataques e resistências. Trata-se da Resolução mais atacada da história do CFP, assim como a Resolução que mais mobilizou grupos e movimentos em sua defesa. Os ataques foram realizados por grupos, contrários às políticas de diversidade sexual e de gênero, vinculados a um conservadorismo cristão que vêm se rearticulando em importantes espaços político-institucionais no Brasil. Desse modo, este artigo tem como objetivo analisar a história da Resolução no 01/99, desde sua proposição aos dias atuais, abarcando fundamentalmente o período de 1998 a 2019. A partir de um levantamento documental e de uma perspectiva analítico-discursiva, buscamos descrever os eventos, os conflitos e os sentidos produzidos em seu entorno, traçando também alguns pontos de análise sobre as suas reverberações sociais e político-institucionais. O artigo foi dividido em duas partes, a primeira trata sobre a história da presença da Resolução no 01/99 no âmbito das políticas de diversidade sexual e de gênero no Sistema de Conselhos de Psicologia; e a segunda trabalha sobre os conflitos que perpassaram a Resolução nos últimos 20 anos.

História da Psicologia; Sexualidade; Gênero; Homossexualidade; Política

Abstract

The Resolution n. 01/99 of the Federal Council of Psychology (CFP) – which prohibits the pathologization of homosexuality – completed twenty years of existence in 2019, through a trajectory marked by conflicts, attacks and resistances. It is the most attacked resolution in the history of the CFP, as well as the resolution that most mobilizes groups and movements in its defense. The attacks were carried out by groups that are contrary to the policies of sexual and gender diversity and linked to a Christian conservatism that re-articulates itself in important political-institutional spaces in Brazil. Thus, this article aims to analyze the history of Resolution n. 01/99 from its proposition to the present day, basically covering the period from 1998 to 2019. Based on a documentary survey and an analytical-discursive perspective, we seek to describe the events, conflicts and meanings produced in its surroundings, also drawing some points of analysis on its social and political-institutional reverberations. The article was divided in two parts; the first one deals with the history of the Resolution n. 01/99 in the scope of the policies of sexual and gender diversity in the System of Councils of Psychology; and the second works on the conflicts that have permeated the resolution in the last 20 years.

History of Psychology; Sexuality; Gender; Homosexuality; Politics

Resumen

La Resolución no 01/99 del Consejo Federal de Psicología – que prohíbe la patologización de la homosexualidad – completó en 2019 20 años de existencia en una trayectoria marcada por conflictos, ataques y resistencias. Se trata de la resolución más atacada de la historia del CFP, así como la resolución que más movilizó grupos y movimientos en su defensa. Los ataques fueron realizados por grupos, contrarios a las políticas de diversidad sexual y de género, vinculados a un conservadurismo cristiano que se rearticula en importantes espacios político-institucionales en Brasil. De este modo, este artículo tiene como objetivo analizar la historia de la Resolución no 01/99, desde su proposición hasta los días actuales, abarcando fundamentalmente el período de 1998 a 2019. A partir de un levantamiento documental y de una perspectiva analítico-discursiva, buscamos describir los eventos, los conflictos y los sentidos producidos en su entorno, trazando también algunos puntos de análisis sobre sus reverberaciones sociales y político-institucionales. El artículo se dividió en dos partes, la primera trata sobre la historia de la presencia de la Resolución no 01/99 en el ámbito de las políticas de diversidad sexual y de género en el Sistema de Consejos de Psicología; y la segunda trabaja sobre los conflictos que han transpuesto la resolución en los últimos 20 años.

Historia de la Psicología; Sexualidad; Género; Homosexualidad; Política

Introdução

A Resolução no 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) – que proíbe a patologização da homossexualidade – completou, em 2019, 20 anos de existência em uma trajetória histórica marcada por conflitos, ataques e resistências. Certamente, esta é a Resolução do CFP que mais foi atacada e questionada nas últimas duas décadas por uma diversidade de atores em distintas arenas políticas (Legislativo, Judiciário, Sistema de Conselhos etc.). Por outro lado, foi também a Resolução que mais mobilizou grupos, entidades e movimentos sociais em sua defesa, a partir de uma linguagem política de resistência contra a patologização e estigmatização da homossexualidade.

Como mostraremos ao longo do artigo, os ataques contra a Resolução no 01/99 foram realizados fundamentalmente por grupos e sujeitos vinculados a um conservadorismo cristão que vem se rearticulando nas disputas políticas no Brasil. De forma geral, consideramos que existe um conflito em torno da presença das sexualidades dissidentes na esfera pública, no qual os grupos conservadores se rearticulam no campo político-institucional visando reafirmar o lugar universal da heteronormatividade na sociedade brasileira. A história da Resolução no 01/99 nos traz importantes pontos de análise vinculados a este processo mais amplo, sobretudo para pensarmos nesta dinâmica de proposições, ataques e resistências que atravessa o campo das políticas sexuais.

Neste estudo, buscamos construir uma análise histórica da Resolução no 01/99 do momento de sua proposição até os dias atuais, ou seja, fundamentalmente do período de 1998 a 2019. Desse modo, a partir de uma perspectiva analítico-discursiva (Aragusuku, 2018Aragusuku, H. A. (2018). O discurso da “ideologia de gênero” na câmara dos deputados: Análise crítico-discursiva e psicopolítica (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Foucault, 1999Foucault, M. (1999). História da sexualidade I: A vontade de saber (M. T. C. Albuquerque, & J. A. G. Albuquerque, Trad., 13a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal.; Galindo, & Rodrigues, 2014Galindo, D., Rodrigues, R. V. (2014). Incidentes críticos, um fio de ariadne na análise documental. In M. J. P. Spink, J. I. M. Brigagão, V. L. V. Nascimento, M. P. Cordeiro (Orgs.), A produção da informação na pesquisa social: Compartilhando ferramentas (pp. 167-184). Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.), objetivamos descrever os eventos, os conflitos e os sentidos produzidos em seu entorno, traçando também alguns pontos de análise sobre as suas reverberações sociais e político-institucionais.

A produção deste artigo foi motivada principalmente pela inexistência de análises mais sistemáticas sobre a história e os efeitos da Resolução no 01/99 no Sistema de Conselhos de Psicologia e na sociedade brasileira como um todo – um tema marcado por polêmicas e acirradas disputas políticas. De certa forma, buscamos construir uma interpretação particular sobre esta história, tendo em vista a incitação do debate público e de novas investigações acadêmicas.

Cabe destacar que este artigo tem como ponto de partida uma pesquisa mais ampla que tratou sobre a história das políticas de diversidade sexual e de gênero no Conselho Federal de Psicologia (Aragusuku, & Lee, 2015Aragusuku, H. A., Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de psicologia. Revista Gestão e Políticas Públicas, 5(1), 131-154.). Assim, tendo como base os materiais e dados analisados no âmbito da pesquisa anterior, realizamos uma revisão e atualização do corpus documental direcionada para o estudo da Resolução no 01/99. Desse modo, produzimos um recorte de estudo mais específico, buscando aprofundar nossas análises em torno dos eventos que permearam a história desta Resolução.

Em termos metodológicos, para além do levantamento da literatura acadêmica, foram investigados documentos de acesso público, como publicações oficiais do CFP, notícias de revistas, jornais e portais virtuais, projetos e atas de reuniões legislativas, relatórios, liminares e decisões do Poder Judiciário, entre outros. Ambos os levantamentos bibliográfico e documental ocorreram a partir da utilização do descritor “Resolução 01/99” e derivados em ferramentas de pesquisa virtual1 1 Por conta do caráter exploratório da pesquisa, foi difícil estipular de forma precisa um único descritor. Foram utilizadas variações simples (por exemplo, “Resolução n. 01/99”), combinadas a descritores suplementares (por exemplo, “decisão liminar”, “PDC 234 (2011)”,etc.) que facilitaram a busca por materiais específicos. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir da SciELO (http://www.scielo.br/), da PePSIC (http://pepsic.bvsalud.org/) e do Google Scholar (https://scholar.google.com.br/); e a pesquisa documental a partir do Google (https://www.google.com/). .

Como apontado por Peter Spink (2013)Spink, P. (2013). Análise de documentos de domínio público. In M. J. Spink (Ed.), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: Aproximações teóricas e metodológicas (pp. 100-126). Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais., os documentos de domínio público são produtos sociais resultantes de práticas discursivas, refletindo “as transformações lentas em posições e posturas institucionais assumidas pelos aparelhos simbólicos que permeiam o dia a dia ou, no âmbito das redes sociais, pelos agrupamentos coletivos que dão forma ao informal” (Spink, 2013Spink, P. (2013). Análise de documentos de domínio público. In M. J. Spink (Ed.), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: Aproximações teóricas e metodológicas (pp. 100-126). Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais., p. 91). Ou seja, evidenciam a formalização das posturas político-institucionais, possibilitando uma análise macrossocial; contudo, sem perder de vista seu aspecto micro e relacional, vinculado à informalidade das práticas discursivas.

Em nossa análise discursiva, buscamos evidenciar o uso das palavras, a produção e circulação dos sentidos, as formações retóricas e os direcionamentos em termos de poder que perpassaram as disputas sociais e político-institucionais em torno da Resolução no 01/99. Concomitantemente, trabalhamos dentro de uma relativa linearidade temporal, organizando uma narrativa histórica a partir da disposição sequencial de eventos anteriormente dispersos. Tais eventos foram escolhidos, em detrimento a outros, porque ilustram diferentes posições discursivas em um momento de emergência do debate público. Dessa forma, podemos considerá-los como “incidentes críticos” – eventos relevantes, pois evidenciam a complexidade de um tema marcado por conflitos, contradições e polissemias (Galindo, & Rodrigues, 2014Galindo, D., Rodrigues, R. V. (2014). Incidentes críticos, um fio de ariadne na análise documental. In M. J. P. Spink, J. I. M. Brigagão, V. L. V. Nascimento, M. P. Cordeiro (Orgs.), A produção da informação na pesquisa social: Compartilhando ferramentas (pp. 167-184). Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.).

O artigo foi dividido em duas partes, a primeira trata sobre a história da presença da Resolução no 01/99 no âmbito das políticas de diversidade sexual e de gênero no Sistema de Conselhos de Psicologia; e a segunda trabalha especialmente sobre os conflitos, os ataques e as resistências que perpassaram a Resolução nos últimos 20 anos. Estas duas partes possuem linearidades históricas distintas, porém que se complementam. Possibilitam assim uma melhor compreensão, por um lado, sobre o processo propositivo de afirmação de uma agenda de direitos sexuais e, por outro, sobre o processo reativo de ataques e resistências que marcou a história desta Resolução.

A Resolução no 01/99 como marco zero das políticas de diversidade sexual e de gênero do CFP

O Sistema de Conselhos de Psicologia foi instituído em 1971, por meio da promulgação da Lei nº 5.766/1971, que criou o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais, como uma autarquia pública destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão da Psicologia. Pouco depois, em dezembro de 1973, a partir da convocação do Ministro do Trabalho (Soares, 2010Soares, A. R. (2010). A Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(esp), 8-41. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500002
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) – em um dos períodos mais duros da ditadura civil-militar – tivemos a organização da primeira gestão do CFP, que inicialmente atuou em uma perspectiva corporativista através de um discurso de “não envolvimento político” (Hur, 2012Hur, D. U. (2012). Políticas da Psicologia: Histórias e práticas das associações profissionais (CRP e SPESP) de São Paulo entre a ditadura e a redemocratização do país. Psicologia USP, 23(1), 69-90. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100004
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).

Com o processo de redemocratização e abertura política do país, a partir de meados dos anos de 1980, as gestões do CFP se afastaram dos posicionamentos “corporativistas”, politicamente “neutros”, e de seu passado acrítico ao regime civil-militar. Gradualmente, o Sistema de Conselhos como um todo passou por um processo de alinhamento com as premissas dos direitos humanos e com a luta pela ampliação da cidadania e da democracia, protagonizada por movimentos e organizações da sociedade civil (Hur, 2012Hur, D. U. (2012). Políticas da Psicologia: Histórias e práticas das associações profissionais (CRP e SPESP) de São Paulo entre a ditadura e a redemocratização do país. Psicologia USP, 23(1), 69-90. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100004
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; Hur, & Lacerda Junior, 2017Hur, D. U., Lacerda Junior, F. (2017). Psicologia e democracia: Da ditadura civil-militar às lutas pela democratização do presente. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(esp), 3-10. https://doi.org/10.1590/1982-3703190002017
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; Scarparo, Torres, & Ecker, 2014Scarparo, H. B. K., Torres, S., Ecker, D. D. (2014). Psicologia e ditadura civil-militar: Reflexões sobre as práticas psicológicas frente às violências de estado. Revista EPOS, 5(1), 57-78.).

Apesar de o movimento homossexual brasileiro estar organizado desde fins dos anos de 1970 e início de 1980 (Figari, 2007Figari, C. (2007). @s “outr@s” cariocas: Interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais.; Green, 2000Green, J. N. (2000). Além do carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, SP: Universidade Estadual Paulista.), o alinhamento das gestões do CFP com a temática da diversidade sexual não ocorreu de forma imediata. Se recorrermos a uma análise dos cadernos de deliberações dos primeiros Congressos Nacionais de Psicologia (CNP), iniciados em 1994 – eventos que mobilizam o Sistema de Conselhos e delegações eleitas de psicólogas/os em todo o país para a construção de diretrizes nacionais – observamos uma falta de capilaridade da temática na categoria e nas gestões dos conselhos regionais. Do primeiro ao terceiro CNP (1994, 1996 e 1998), não tivemos uma única menção à temática da diversidade sexual nas resoluções e moções aprovadas2 2 Todos os cadernos de deliberações dos CNP estão disponíveis na aba “Publicações: Relatórios e Cartilhas” do site do CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacoes/relatorios-e-cartilhas/. Acesso em 8 de março de 2019. .

Lembrando que a partir de meados dos anos de 1990, as Paradas do Orgulho começavam a ser realizadas em diversas metrópoles brasileiras (1995, Rio de Janeiro e Curitiba; 1998, São Paulo etc.), os grupos e organizações LGBT se multiplicavam e se institucionalizavam em todo o país, e a luta pelo direito à diversidade sexual emergia em importantes espaços na sociedade civil e no poder público (Carrara, 2010Carrara, S. (2010). Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas: Estudos Gays: Gênero e Sexualidades, 4(5), 131-147.; Facchini, 2005Facchini, R. (2005). Sopa de Letrinhas? O movimento homossexual e a produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro, RJ: Garamond.; Ramos, & Carrara, 2006). A despeito do contínuo alinhamento do Sistema de Conselhos com a defesa dos direitos humanos, não existiam ainda ações efetivas promovidas pelo CFP no campo da diversidade sexual.

Foi apenas no caderno de deliberações do IV CNP, realizado em 2001, que o termo “homossexuais” apareceu pela primeira vez, de forma tímida, em meio a uma diversidade de grupos sociais que sofriam “processos de exclusão segmentada”; como um debate vinculado ao “compromisso social” assumido pela Psicologia (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2001Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2001). Caderno síntese das deliberações do IV CNP. Brasília, DF: o autor. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2014/06/Caderno-de-delibera%C3%A7%C3%B5es-do-IV-CNP.pdf
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, p. 18). Isto é, foi somente dois anos após da publicação da Resolução no 01/99 – que proíbe a patologização da homossexualidade por profissionais da Psicologia – que a questão da diversidade sexual ganhou uma relevância mínima em um documento oficial do CFP. Neste sentido, podemos considerar a Resolução no 01/99 como um marco inicial, ou um marco zero, das ações e políticas implementadas no âmbito do Sistema de Conselhos no campo da diversidade sexual e de gênero (Aragusuku, & Lee, 2015Aragusuku, H. A., Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de psicologia. Revista Gestão e Políticas Públicas, 5(1), 131-154.).

Cabe destacar que tais ações e políticas estavam referendadas em um amplo processo histórico vinculado às demandas das sexualidades dissidentes e aos avanços científicos em torno da compreensão da natureza diversa da sexualidade humana (Bayer, 1987Bayer, R. (1987). Homosexuality and American psychiatry: The politics of diagnosis. Princeton, NJ: Princeton University.; Parker, & Aggleton, 2007Parker, R., & Aggleton, P. (Ed.). (2007). Culture, society and sexuality: A reader (2a ed.). New York, NY: Routledge.). Como importantes eventos, tivemos a despatologização da homossexualidade pela American Psychiatric Association, em 1973, e pela American Psychological Association (APA), em 1974 – referendada pela Organização Mundial de Saúde em 1990, com a publicação da décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10). No Brasil, a partir dos anos de 19803 3 Em 1985, o Conselho Federal de Medicina instruiu, por meio de parecer, a não patologização da homossexualidade – que ainda permanecia na lista de desvios sexuais do CID-9, publicado em 1976 – referendando as pesquisas que afirmavam a despatologização desde a década de 1970 e as demandas dos movimentos de homossexuais no Brasil. , tivemos o início dos estudos da Psicologia sobre diversidade sexual (Belmonte, 2009)Belmonte, P. R. (2009). História da homossexualidade: Ciência e Contra-ciência no Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., tendo como ponto de partida uma perspectiva socioconstrucionista de análise política e sociocultural da sexualidade.

Logicamente, quando chamamos tal Resolução de “marco zero” das políticas de diversidade sexual do CFP, não estamos dizendo que não existiam iniciativas isoladas, debates ou sinalizações de grupos e gestões anteriores em defesa da luta por direitos sexuais. No entanto, podemos afirmar que a Resolução no 01/99 foi a primeira ação efetiva do CFP em torno desta temática, legitimando a ampliação da cidadania para homossexuais e o combate à discriminação. Tal medida, certamente, provocou profundas modificações nas relações do Sistema de Conselhos com as demandas levantadas por grupos de afirmação de direitos sexuais.

Como relatado em diversas fontes (Kahhale, 2011Kahhale, E. M. (2011). Histórico do Ssistema de Conselhos de Psicologia e a interface com as questões LGBT. In Conselho Regional de Psicologia 6a Região - CRP6 (Ed.), Psicologia e diversidade sexual (pp. 20-24). São Paulo, SP: o autor.; Sposito, 2012Sposito, S. E. (2012). Psicologia, sexualidade e religião: Ligações perigosas. Revista de Psicologia da UNESP, 11(1), 100-104.; CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2019, 21 março). Diálogo digital 20 anos da resolução 01/99 [Arquivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=9-NJ1Amarfg
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), a Resolução no 01, de 22 de março de 1999, foi criada como uma forma de impedir a contínua patologização da homossexualidade por profissionais da Psicologia, que utilizavam de crenças religiosas para promover o tratamento e a “cura” de homossexuais. Como um pontapé inicial para a criação desta Resolução, destacamos o protagonismo do Grupo Gay da Bahia (GGB) que denunciou, por meio de Luiz Mott, as discussões e proposições presentes no III Encontro Cristão sobre Homossexualidade – realizado em 1998, com a colaboração do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. A partir de tais denúncias, foi cobrada uma ação do CFP contra a estigmatização e patologização da homossexualidade, frequentemente legitimadas por psicólogas/os filiadas/os ao Sistema de Conselhos.

As denúncias do GGB ocorreram logo após a instituição da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP (Resolução no 11/98) e, pouco tempo depois, um grupo de trabalho4 4 De acordo com Edna Maria Kahhale (2011), que participou do grupo, para além de si mesma, o grupo era composto por Ana Mercês Bock (coordenação), Paulo Roberto Ceccarelli, Maria Rita Kehl, Ricardo Goldenberg e Yara Sayão. foi criado com a finalidade de elaborar medidas e ações referentes à questão. A partir das discussões realizadas por este grupo, foi apresentada uma proposta de resolução que visava regulamentar o exercício da profissão. Desse modo, após aprovação inicial na Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) – reunião deliberativa do Sistema de Conselhos de Psicologia – o texto foi apreciado no plenário do CFP e aprovado como Resolução no 01/99.

Assim como relatado por Ana Mercês Bock, naquele momento presidenta da entidade (1998–2001), a aprovação da Resolução foi precedida por debates locais convocados pelos conselhos regionais, contando com o amplo consenso da categoria profissional e das gestões do Sistema de Conselhos (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2019, 21 março). Diálogo digital 20 anos da resolução 01/99 [Arquivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=9-NJ1Amarfg
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). A Resolução no 01/99 afirmou o caráter histórico e socialmente construído das práticas sexuais e proibiu a patologização da homossexualidade; seja por meio da atividade clínica, ou pela participação em serviços e eventos que promovessem as “terapias de conversão”. Em sua redação, tal proibição ficou explicitada nos artigos 3º e 4º, que se tornaram posteriormente alvos de insistentes ataques de grupos conservadores que rejeitam a “normalidade” das práticas desviantes da heteronormatividade.

Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica (Resolução CFP n. 1/99).

Compreendemos que, para além de seu caráter prático de coibição da patologização das práticas homoeróticas, a Resolução no 01/99 também teve um forte impacto simbólico sobre a Psicologia – inaugurando uma trajetória de políticas de afirmação da diversidade sexual no âmbito das gestões do CFP – e sobre a sociedade brasileira como um todo, atuando enquanto um dispositivo de mobilização do debate público. Já em 2001, a Resolução seria reconhecida internacionalmente no International Meeting on Lesbian, Gay and Bisexual Concerns in Psychology, organizado pela APA, nos Estados Unidos. Como um dos resultados desse evento, em 2005, tivemos a criação da International Network for LGBTI Issues (IPsyNet), rede a qual o CFP se associou como representação oficial brasileira.

Nos anos seguintes, a temática da diversidade sexual ganhou destaque nas políticas do CFP, sendo logo acrescentada a questão das identidades de gênero e as demandas dos movimentos de travestis e transexuais, em confluência com a emergente política LGBT dos anos 2000 que passou a influir sobre as agendas governamentais e o campo das políticas públicas. Em certa medida, a agenda de afirmação da diversidade sexual e de gênero do CFP se desenvolveu em confluência com a agenda LGBT promovida no âmbito do Governo Federal que, após o Programa Brasil Sem Homofobia (2004), iniciou uma série de ações e programas de ampliação das políticas públicas de cidadania LGBT (Aragusuku, & Lopes, 2016Aragusuku, H. A., Lopes, M. A. S. (2016). Preconceito, discriminação e cidadania LGBT: Políticas públicas em Mato Grosso e no Brasil. ACENO: Revista de Antropologia do Centro-Oeste, 3(5), 242-258.; 2018Aragusuku, H. A., Lopes, M. A. S. (2018). Políticas públicas e cidadania LGBT em Mato Grosso: Uma década de avanços e retrocessos (2007-2017). Sexualidad, Salud y Sociedad, (29), 147-171. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.07.a
https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2...
; Irineu, 2014Irineu, B. A. (2014). 10 anos do Programa Brasil sem Homofobia: Notas críticas. Temporalis, 12(28), 193-220. https://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
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; Mello, Brito, & Maroja, 2012Mello, L., Brito, W., Maroja, D. (2012). Políticas públicas para a população LGBT no Brasil: Notas sobre alcances e possibilidades. Cadernos Pagu, (39), 403-429. https://doi.org/10.1590/S0104-83332012000200014
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).

Neste sentido, desde a publicação da Resolução no 01/99 aos dias atuais, tivemos uma série de ações e políticas promovidas pelo CFP a partir do amplo respaldo do Sistema de Conselhos – ações como campanhas, publicações, novas resoluções, organizações de eventos, entre outras. Dentre as mais importantes, podemos destacar:

  • a realização da campanha “Adoção, um direito de todos e todas” em defesa do direito à adoção homoparental, em 2008 (CFP, 2008Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2008). Adoção: Um direito de todos e todas. Brasília, DF: o autor. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/cartilha_adocao.pdf
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    );

  • a organização do Seminário Nacional Psicologia e Diversidade Sexual, em 2010, realizado em Brasília, tendo como resultado a publicação de um livro com o mesmo nome (CFP, 2011Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2011). Psicologia e diversidade sexual: Desafios para uma sociedade de direitos. Brasília, DF: o autor.);

  • a publicação da Resolução no 14/2011, que dispõe sobre a inclusão do nome social na “Carteira de Identidade Profissional do Psicólogo” – atualizada pela Resolução no 10/2018 (Resolução n. 10, 2018);

  • a publicação da “Nota técnica sobre processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas trans” em 2013 (CFP, 2013Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2013). Nota técnica sobre processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas trans. Brasília, DF: o autor. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Nota-técnica-processo-Trans.pdf
    https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
    );

  • a realização da campanha “Despatologização das Identidades Travestis e Transexuais” – iniciada em 2014, com a posterior abertura de um portal virtual em 20155 5 A página da campanha está disponível no link: https://despatologizacao.cfp.org.br. Acesso em 10 de março de 2019. ;a organização da 2ª Conferência Internacional de Psicologia LGBT e Campos Relacionados, realizada no Rio de Janeiro, em 2016;

  • e, por fim, a publicação da Resolução no 01/2018, que estabeleceu normas de atuação profissional em relação às pessoas transexuais e travestis (Resolução n. 1, 2018).

Neste período, o CFP e os Conselhos Regionais atuaram em um intenso diálogo com as demandas dos movimentos LGBT, se inserindo em uma ampla rede de grupos da sociedade civil e atores vinculados ao poder público na afirmação da diversidade sexual e de gênero. No entanto, esta trajetória foi perpassada por constantes ataques de grupos conservadores cristãos, direcionados fundamentalmente à Resolução no 01/99. A derrubada desta Resolução se tornou um objetivo central para tais grupos conservadores dentro da Psicologia brasileira, tanto por seus efeitos práticos (repatologização da homossexualidade), quanto por sua resultante simbólica perante o conjunto da categoria (a derrota da perspectiva da diversidade sexual e de gênero no âmbito do Sistema de Conselhos).

Assim, uma análise mais atenta sobre este processo conflituoso em torno da Resolução no 01/99 pode nos propiciar importantes reflexões que, em determinada medida, nos auxiliam a compreender a própria historicidade das políticas de afirmação da diversidade sexual e de gênero no Sistema de Conselhos de Psicologia. Dessa forma, nos deparamos com a seguinte pergunta: como esta complexa relação de avanços, ataques e resistências pode ter conformado as políticas e ações da entidade?

Os ataques do conservadorismo e as resistências pela manutenção da Resolução nº 01/99

Desde a sua publicação, a Resolução no 01/99 vem sendo alvo de constantes questionamentos, pois os seus efeitos jurídicos inviabilizaram o tratamento clínico das práticas homoeróticas enquanto “desvios de conduta” ou “comportamentos patológicos”. Ao longo do tempo, tais questionamentos se converteram em ataques cada vez mais elaborados e articulados, mobilizando diversos grupos e sujeitos tanto no Legislativo (sobretudo na Câmara dos Deputados) quanto no Judiciário – vinculados fundamentalmente a um conservadorismo cristão (católico e evangélico), que vem se rearticulando na esfera pública e nas disputas políticas em todo o Brasil (Almeida, 2017Almeida, R. (2017). A onda quebrada: Evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, (50). https://doi.org/10.1590/18094449201700500001
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; Aragusuku, 2018Aragusuku, H. A. (2018). O discurso da “ideologia de gênero” na câmara dos deputados: Análise crítico-discursiva e psicopolítica (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Machado, 2018Machado, M. D. C. (2018). O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Revista Estudos Feministas, 26(2), 1-18. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2018v26n247463
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; Miguel, 2016Miguel, F. L. (2016). Da “doutrinação ideológica” à “ideologia de gênero”: Escola sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Direito & Práxis, 7(3), 590-621. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
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).

Neste sentido, compreendemos que a história da Resolução no 01/99 acaba por se constituir também como a história dos conflitos, presentes na sociedade brasileira, que atravessam o campo das políticas sexuais (Carrara, 2010Carrara, S. (2010). Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas: Estudos Gays: Gênero e Sexualidades, 4(5), 131-147.; Natividade, & Oliveira, 2009Natividade, M., Oliveira, L. (2009). Sexualidades ameaçadas: Religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores. Sexualidad, Salud y Sociedad, (2), 121-161.; Weeks, 2002)Weeks, J. (2002). Sexuality and its discontents: Meanings, myths and modern sexualities. New York, NY: Routledge and Kegan Paul.; mais especificamente, das disputadas sobre a legitimidade e a “normalidade” das expressões sexuais que desviam da heteronormatividade.

Logo nos primeiros anos após a publicação da Resolução, tivemos em 2003 a proposição do Projeto de Lei (PL) no 2.177 (2003), de autoria do deputado Neucimar Fraga (PL/ES), que buscava instituir um “Programa de Reorientação Sexual” no âmbito do Sistema Único de Saúde. Como justificado na redação do projeto, “a homossexualidade não se reveste por uma opção sem volta” (Projeto de Lei nº 2.177, 2003), cabendo ao Estado brasileiro a promoção da heterossexualidade enquanto uma política pública de saúde. Este PL permaneceu em tramitação até 2007, quando a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara deu parecer negativo, encaminhando-o para arquivamento.

Um segundo projeto vinculado à questão foi apresentado em 2005 pelo deputado Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP), o PL no 5.816 (2005) que buscava modificar a Lei n.º 4119/62, que regulamenta os cursos de formação e a profissão da Psicologia. Este PL buscava dar às/aos psicólogas(os) a competência para a oferta de “auxílio e suporte psicológico às pessoas que voluntariamente deixarem a homossexualidade” (Projeto de Lei nº 5.816, 2005). Assim como o anterior, este projeto recebeu parecer negativo na CSSF, sendo arquivado ao final da legislatura em 2007.

Ao longo das discussões legislativas, a Resolução no 01/99 foi utilizada como um dos principais argumentos jurídicos para a rejeição dos projetos, e o próprio CFP teve um papel ativo no processo, se posicionando contra a sua aprovação (Aragusuku, & Lee, 2015Aragusuku, H. A., Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de psicologia. Revista Gestão e Políticas Públicas, 5(1), 131-154.). No entanto, vimos nestes projetos o primeiro movimento mais significativo de deslegitimação desta resolução, com a amplificação na esfera pública do discurso da “liberdade do exercício profissional”. Neste discurso, a Resolução é descrita como uma restrição indevida à atuação de psicólogas/os, um impedimento ao auxílio psicoterapêutico de homossexuais que se encontram em “sofrimento” devido a sua orientação sexual.

No ano da rejeição destes dois projetos, em 2007, tivemos paralelamente a abertura de um processo de ética contra a psicóloga Rozângela Justino, devido a denúncias de violação da Resolução no 01/99, no âmbito do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-5ª Região). O processo foi aberto após denúncias realizadas por um grupo de direitos LGBT contra a psicóloga, que ofertava tratamento clínico da homossexualidade e sua “reversão” à heterossexualidade. Depois de um longo julgamento do caso, em 2009, a Comissão de Ética do CFP referendou a punição da “Censura Pública” proposta inicialmente pelo CRP-5. Em concomitância ao final do julgamento, o caso ganhou uma grande repercussão midiática, na qual diversos jornais e revistas publicaram matérias e inclusive entrevistaram a psicóloga, que continuou a afirmar o caráter desviante da homossexualidade e a possibilidade de sua reversão.

A partir da ameaça de perda da carteira profissional, percebemos que o discurso de Rozângela Justino foi se aprimorando em sua construção retórica. Por exemplo, de sua entrevista à Folha de São Paulo em julho de 2009, onde afirmou que a homossexualidade seria “uma doença [...] uma doença que estão querendo implantar em toda sociedade”6 6 Folha de São Paulo (14/07/2009), “‘É a Inquisição para héteros’, diz terapeuta”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1407200915.htm. Acesso em 10 de março de 2019. , a sua entrevista nas páginas amarelas da Revista Veja em agosto daquele mesmo ano, em que qualificou que “existe a orientação sexual egodistônica, que é aquela em que a preferência sexual da pessoa não está em sintonia com o eu dela. [...] ela pode procurar tratamento para alterar sua preferência. A OMS[Organização Mundial da Saude] diz que a homossexualidade pode ser um transtorno, e eu acredito nisso”7 7 Veja (12/08/2009), “Entrevista: Rozângela Justino Alves”. Disponível em: https://acervo.veja.abril.com.br/#/edition/32353?page=18&section=1. Acesso: 10 de janeiro de 2019. . Cabe destacar que, posteriormente, esta linha argumentativa da “egodistonia” se consolidou como uma estratégia retórica seguida por outras/os ativistas conservadores/as, de forma a evitar problemas de ordem jurídica e proporcionar um discurso mais moderado, pretensamente científico, visando a disputa da opinião pública.

Convém ser mencionado que Rozângela Justino possui uma atuação antiga contra os direitos LGBT, sendo fundadora da ABRACEH em 2004, uma associação destinada ao auxílio de pessoas que “querem deixar voluntariamente a homossexualidade” (Natividade & Oliveira, 2009Natividade, M., Oliveira, L. (2009). Sexualidades ameaçadas: Religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores. Sexualidad, Salud y Sociedad, (2), 121-161.) – criada aos moldes da National Association for Research and Therapy of Homosexuality (NARTH), que oferta, desde 1992, terapias de “conversão sexual” nos Estados Unidos, mesmo após a reprovação explícita da APA a estas terapias (Fox, 1988)Fox, R. E. (1988). Proceedings of the American Psychological Association, incorporated, for the year 1987: Minutes of the annual meeting of the council of representatives august 27 and 30, 1987, New York, and february 5–7, 1988, Washington, D.C. American Psychologist, 43(7), 508-531. https://doi.org/10.1037/h0091999
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.

O caso Rozângela Justino, midiatizado em 2009, pode ser compreendido enquanto um marco de visibilidade discursiva, ou um incidente crítico (Galindo, & Rodrigues, 2014Galindo, D., Rodrigues, R. V. (2014). Incidentes críticos, um fio de ariadne na análise documental. In M. J. P. Spink, J. I. M. Brigagão, V. L. V. Nascimento, M. P. Cordeiro (Orgs.), A produção da informação na pesquisa social: Compartilhando ferramentas (pp. 167-184). Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.), pois reorganizou na esfera pública o campo semântico que circunda a Resolução no 01/99, assim como impulsionou a articulação dos discursos de grupos conservadores que buscam a sua deslegitimação. Ou seja, impulsionou na esfera pública um contradiscurso. Como mostraremos a seguir, outros eventos produziram efeitos similares, construindo um processo de reorganização discursiva.

Em meio ao andamento deste caso, o deputado Paes de Lira (PTC-SP) apresentou o PDC no 1.640 (2009), que visava sustar o parágrafo único do artigo 3º e o artigo 4º da Resolução no 01/99, acusando-os de violar o direito constitucional à “liberdade de expressão”, sem fazer qualquer menção à questão da homossexualidade . O projeto teve parecer negativo de sua relatora e foi arquivado após o fim da legislatura em 2011. No entanto, em poucos meses, este projeto legislativo foi retomado pelo deputado João Campos (PSDB/GO) a partir do PDC 234 (2011), agora impulsionado por parlamentares conservadores vinculados, sobretudo, à bancada evangélica. Enquanto o primeiro projeto tramitou sem nenhuma visibilidade política, o segundo foi perpassado por intensos conflitos e por uma ampla cobertura midiática – iniciando um novo momento para as discussões sobre a Resolução no 01/99.

Antes de adentrarmos neste próximo momento, cabe destacar que tivemos também um processo de “diálogo/conflito” no âmbito do Poder Judiciário, pois em sua multiplicidade de atores presenciamos concomitantemente processos de legitimação da Resolução (quando, por exemplo, ela era julgada legítima) e tentativas de anulação de seus efeitos (nas ações movidas questionando a sua validade jurídica). Dentre os casos mais divulgados, tivemos as ações movidas no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e no Ministério Público Federal (MPF/RJ), que demandaram a produção de um extenso documento do CFP tendo em vista o fortalecimento da justificação científica e jurídica desta Resolução (Aragusuku, & Lee, 2015Aragusuku, H. A., Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de psicologia. Revista Gestão e Políticas Públicas, 5(1), 131-154.). Nestes casos, assim como em outros posteriores, o judiciário deu parecer favorável à Resolução no 01/99, legitimando sua importância social e sua concordância com os princípios constitucionais.

Neste segundo momento, a partir de 2011, os grupos conservadores ampliaram a sua mobilização para a derrubada da resolução, realizando diversas investidas na Câmara dos Deputados para a aprovação do PDC no 234 (2011). Com o avanço deste projeto legislativo – sobretudo em 2013, impulsionado pela atuação do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), então presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) – a Resolução no 01/99 se tornou um lócus de conflitos sociais, mobilizando ativistas conservadores, movimentos LGBT e grupos midiáticos no acompanhamento à tramitação do projeto. Posteriormente, em julho de 2013, o projeto foi retirado pelo próprio autor e arquivado, após manifestações contrárias em todo o país, junto às pressões internas em seu partido devido à repercussão negativa gerada.

Tais conflitos mobilizaram as gestões do CFP e dos Conselhos Regionais nas articulações em defesa da Resolução no 01/99, amplificando também o debate sobre diversidade sexual e de gênero nos espaços de formação e de prática profissional da Psicologia brasileira. Ou seja, se por um lado os conflitos em torno da Resolução demonstraram uma maior articulação política dos grupos conservadores que lutam contra os direitos LGBT; por outro lado, tais conflitos ampliaram o debate para toda a sociedade brasileira, impulsionando a visibilidade (para dentro e fora da Psicologia) das políticas do CFP em torno desta temática – que se tornou, na última década, uma das principais pautas na agenda do Sistema de Conselhos.

Vemos assim um processo ambivalente de ataques e resistências, com a constante mobilização do debate na esfera pública. Desse modo, a temática se manteve permanentemente “viva” ao longo dos últimos anos, se fortalecendo na agenda política do Sistema de Conselhos. Certamente, não se trata aqui de estabelecermos uma relação causal simples entre a implementação da Resolução, os ataques e as resistências, mas sim de demonstrarmos a polivalência das estratégias de poder e dos processos sociopolíticos que perpassam o campo discursivo (Foucault, 1999Foucault, M. (1999). História da sexualidade I: A vontade de saber (M. T. C. Albuquerque, & J. A. G. Albuquerque, Trad., 13a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal.).

Em meio à tramitação do PDC no 234 (2011), tivemos um novo caso de violação da Resolução no 01/99, tomado a público em 2012 com a abertura de um processo de ética contra Marisa Lobo no âmbito do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-8ª Região). Destacamos que inicialmente o processo foi aberto devido à violação do Código de Ética Profissional, após denúncias de vinculação de sua prática clínica com preceitos religiosos. Em sua própria página profissional, Marisa Lobo se dizia adepta da “Psicologia Cristã” e reproduzia diversas mensagens de cunho religioso.

Assim como Rozângela Justino, Marisa Lobo já possuía, antes da abertura do processo de ética, uma trajetória de ativismo político conservador de oposição à ampliação de direitos sexuais. Logo após a convocação da presença da psicóloga no CRP-8, o processo de ética, que deveria correr em sigilo, foi amplamente divulgado por grupos conservadores como um caso de “perseguição religiosa”, culminando em novos ataques à Resolução no 01/99 e à agenda de diversidade sexual e de gênero do Sistema de Conselhos.

Por exemplo, podemos destacar o seguinte trecho da entrevista realizada por um site evangélico, em março de 2012, logo após a abertura do processo: “GP - Qual a sua opinião em relação ao projeto da Bancada Evangélica que propõem tratamento a gays? Marisa - Apoio totalmente, não como religiosa, mas como psicóloga. E creio ser este o momento de ouro, pois nos dá a oportunidade de discutir o assunto em nível nacional”8 8 Gospel Prime (07/03/2012), “Marisa Lobo fala sobre o processo do Conselho de Psicologia que ameaça seu registro”. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/marisa-lobo-fala-sobre-o-processo-do-conselho-de-psicologia-que-ameaca-seu-registro/. Acesso em 23 de fevereiro de 2019. . Tendo em vista o destaque que recebeu nas redes sociais, Marisa Lobo foi inclusive convidada para participar de audiências públicas na Câmara dos Deputados, em meio às discussões do PDC no 234 (2011), enquanto uma psicóloga “cerceada” pela Resolução no 01/99 (Aragusuku, & Lee, 2015Aragusuku, H. A., Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de psicologia. Revista Gestão e Políticas Públicas, 5(1), 131-154.).

Após dois anos, em maio de 2014, o caso foi julgado pela Comissão de Ética do CRP-8, que determinou a cassação de sua carteira profissional. Ressaltamos que naquele momento este processo já havia sido judicializado por Marisa Lobo, que recorria também ao Poder Judiciário para anular qualquer tipo de punição. Após o pedido de recurso, o caso foi levado para a Comissão de Ética do CFP que deu, em 2015, o parecer final do processo, revertendo a punição para a “Censura Pública” – mesma punição dada à Rozângela Justino. Em meio à judicialização, a última instância do Judiciário, o Superior Tribunal Federal (STF), se posicionou de forma favorável ao CFP e ao CRP-8, dando legitimidade aos efeitos do processo disciplinar.

Enquanto que o caso Rozângela Justino foi divulgado fundamentalmente pelos meios tradicionais de comunicação (jornais, revistas e televisão), que definiram as posições da psicóloga como “polêmicas” e “exóticas”; o caso Marisa Lobo teve sua propagação potencializada por páginas da internet vinculadas a grupos conservadores, que legitimavam as suas posições e reproduziam o discurso da “perseguição” por motivos ideológicos.

Em certa medida, este último caso evidenciou o processo de reorganização dos grupos conservadores e da extrema-direita no Brasil ocorrido nos últimos dez anos (Almeida, 2017Almeida, R. (2017). A onda quebrada: Evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, (50). https://doi.org/10.1590/18094449201700500001
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; Aragusuku, 2018Aragusuku, H. A. (2018). O discurso da “ideologia de gênero” na câmara dos deputados: Análise crítico-discursiva e psicopolítica (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Miguel, 2016Miguel, F. L. (2016). Da “doutrinação ideológica” à “ideologia de gênero”: Escola sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Direito & Práxis, 7(3), 590-621. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
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; Velasco, Cruz, Kaysel, & Codas, 2015Velasco e Cruz, S., Kaysel, A., & Codas, G. (Orgs.). (2015). Direita, volver!: O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo.), que passaram a atuar mais fortemente mais fortemente nas redes sociais e em outros canais alternativos de comunicação virtual, sobretudo por meio da propagação de pânicos morais9 9 O conceito de pânico moral vem sendo utilizado para descrever a atuação de grupos conservadores no campo das políticas sexuais. De forma simplificada, diz respeito a uma intensa reação social produzida pela construção discursiva de uma ameaça moral. Em diversos momentos, vemos a instrumentalização dos pânicos morais nas disputas políticas, como vem ocorrendo no caso do combate à “ideologia de gênero” no Brasil (Aragusuku, 2018). . A própria Marisa Lobo atualmente centra seu ativismo político nas redes sociais, sendo uma das maiores divulgadoras do discurso de combate à “ideologia de gênero” na sociedade brasileira.

Retornando aos conflitos no Legislativo, em 2014, o deputado Pastor Eurico (PSB/PE) apresentou o PDC no 1.457 (2014), que visava sustar a Resolução no 01/99 na íntegra. Entretanto, naquele mesmo ano, a pedido de seu partido, o deputado optou por retirar o projeto da pauta, encaminhando-o para arquivamento. Apesar disso, após mudar para um “partido de aluguel”, já sem constrangimentos, Pastor Eurico (PHS/PE) reapresentou o projeto em 2016, que passou a ser registrado como PDC no 539 (2016). Este novo projeto permaneceu intocado até o seu arquivamento ao término da legislatura em início de 2019 (Brasil, 2016). Desse modo, vimos um processo de “esfriamento” desta pauta no Poder Legislativo, onde as bancadas conservadoras deixaram de construir articulações mais significativas contra a Resolução no 01/99 – apesar de ser muito provável a reapresentação deste projeto na atual legislatura (2019–2023).

O último evento de maior visibilidade, relacionado aos ataques direcionados à Resolução no 01/99, foi a polêmica decisão de um juiz do Distrito Federal, que acatou a ação popular perpetrada por um grupo de psicólogas(os) que pediam a anulação dos seus efeitos. Assim, em setembro de 2017 o juiz deferiu uma decisão liminar, na qual determinou que o CFP não deve interpretar esta Resolução “de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura”10 10 Íntegra da Decisão Liminar disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Decis%C3%A3o-Liminar-RES.-011.99-CFP.pdf. Acesso em 25 de abril de 2019. . Dentre as diversas pessoas que constam como autoras da ação popular, Rozângela Justino foi incluída como primeira autora, obtendo destaque público após quase dez anos de atuação política discreta – período em que atuou como assessora parlamentar de deputados da bancada evangélica.

No entanto, poucos dias após a publicação da decisão preliminar, junto a sua ampla divulgação nos meios de comunicação, tivemos a emergência de protestos e manifestações contrárias em diversas regiões do país. Em algumas cidades, principalmente nas capitais, grandes marchas foram organizadas pelos movimentos LGBT. Assim como ocorrido na cidade de São Paulo, onde milhares de pessoas caminharam da Avenida Paulista até o Largo do Arouche (local histórico de sociabilidade LGBT), entoando palavras de ordem contra a “cura gay” e reivindicando a ampliação de direitos sexuais. Dessa forma, a Resolução no 01 (1999) ganhou novamente o centro do debate público, mobilizando uma parte significativa da sociedade brasileira em torno da discussão sobre a legitimidade das vivências sexuais dissidentes e opostas à heteronormatividade (Figari, 2007Figari, C. (2007). @s “outr@s” cariocas: Interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais.; Parker, & Aggleton, 2007Parker, R., & Aggleton, P. (Ed.). (2007). Culture, society and sexuality: A reader (2a ed.). New York, NY: Routledge.; Weeks, 2002)Weeks, J. (2002). Sexuality and its discontents: Meanings, myths and modern sexualities. New York, NY: Routledge and Kegan Paul..

Tendo em vista esta repercussão negativa, na decisão final proferida em dezembro, o juiz realizou algumas modificações em sua decisão preliminar, porém manteve o argumento base de defesa da “liberdade de exercício profissional e científico”. Na redação final da decisão, não existiam mais referências à liberação da “(re)orientação sexual”; agora era defendida a liberdade de pesquisa e tratamento da “orientação sexual egodistônica”, especificada pela décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10).

Cabe destacar que esta classificação diagnóstica – incluída, em 1990, como F66.1 no CID-10 – já vinha passando por fortes questionamentos pela comunidade científica. Como apontado pelo grupo técnico especializado em sexualidade instituído pela Organização Mundial de Saúde (Cochran et al., 2014Cochran, S. D., Drescher, J., Kismödi, E, Giami, A, García-Moreno, C., Atalla, E. et al. (2014). Proposed declassification of disease categories related to sexual orientation in the International Statistical Classification of Disease and Related Health Problems (ICD-11). Bulletin of the WHO, 92(9), 672-679. https://doi.org/10.2471/BLT.14.135541
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), o F66.1 reafirmava a patologização da homossexualidade e se apresentava como uma classificação imprecisa. Assim, em confluência com as sugestões deste grupo, tivemos a sua supressão do CID-11 publicado em 2018.

Por último, em abril de 2019, o STF aceitou a reclamação constitucional solicitada pelo CFP no ano anterior, suspendendo a ação popular por meio de medida cautelar deferida pela ministra Cármen Lúcia. Portanto, vimos um processo de legitimação da Resolução no 01/99 a partir das posições majoritárias do Poder Judiciário, em uma discussão que alcançou as últimas instâncias de apelação jurídica, limitando as ações dos grupos que buscam derrubá-la. Certamente, tal posicionamento apenas foi possível após anos de mobilização social protagonizada pelos movimentos LGBT, provocando significativas transformações nas esferas sociocultural e política do país.

Em linhas gerais, ao longo destes últimos 20 anos, presenciamos um processo ambivalente: (1) por um lado, o fortalecimento das políticas de diversidade sexual e de gênero do Sistema de Conselhos, com a legitimação da Resolução no 01/99 nos espaços institucionais de disputa jurídica; e (2), por outro, o fortalecimento de uma agenda antagônica, avessa aos avanços em direitos sexuais, pautada em um conservadorismo cristão que vem se rearticulando em toda a sociedade brasileira. Logicamente, não se trata de um processo histórico linear com um fim dado, mas sim um processo contínuo, conflituoso e relacional, aberto a contradições e lógicas polivalentes.

Considerações finais

Ao longo do artigo, buscamos evidenciar como a Resolução no 01/99 se tornou um dos principais eixos mobilizadores das ações promovidas pelo CFP na consolidação de uma agenda de diversidade sexual e de gênero no âmbito do Sistema de Conselhos de Psicologia. Assim, analisamos a historicidade de seus efeitos no plano discursivo, sobretudo vinculados à dinâmica conflituosa de ataques e resistências que perpassou o campo político e sociocultural. Em nossa análise, tal Resolução pode ser compreendida enquanto um “marco zero” de uma agenda de políticas do CFP, caracterizando um momento no qual a temática da diversidade sexual passou a ganhar visibilidade e relevância nas pautas do Sistema de Conselhos como um todo.

Como já mencionado, esta aproximação (entre as demandas dos movimentos LGBT e a agenda de ações promovidas pelo CFP) não ocorreu de forma imediata à absorção da perspectiva dos direitos humanos pelo Sistema de Conselhos em fins dos anos de 1980 e início da década de 1990. Foi apenas após a pressão dos movimentos LGBT, a partir das denúncias realizadas pelo Grupo Gay da Bahia em 1998, que a temática da diversidade sexual passou a ser discutida com mais atenção, culminando na criação da Resolução no 01/99. Por outro lado, a partir dos efeitos desta Resolução – que provocaram diversos ataques públicos de grupos conservadores ao CFP – a temática da diversidade sexual passou a ganhar cada vez mais destaque na agenda do Sistema de Conselhos, se tornando uma de suas principais pautas e eixos de ação.

Evidentemente, tal processo acompanhou a consolidação de uma ampla agenda de direitos sexuais na esfera pública brasileira ao longo dos anos 2000, em meio ao surgimento de uma série de políticas públicas de afirmação da cidadania LGBT (Aragusuku, & Lopes, 2018Aragusuku, H. A., Lopes, M. A. S. (2018). Políticas públicas e cidadania LGBT em Mato Grosso: Uma década de avanços e retrocessos (2007-2017). Sexualidad, Salud y Sociedad, (29), 147-171. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.07.a
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; Carrara, 2010Carrara, S. (2010). Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas: Estudos Gays: Gênero e Sexualidades, 4(5), 131-147.; Irineu, 2014)Irineu, B. A. (2014). 10 anos do Programa Brasil sem Homofobia: Notas críticas. Temporalis, 12(28), 193-220. https://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
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. Neste sentido, compreendemos que as gestões do CFP atuaram, nos últimos anos, em uma relação dialógica com as demandas dos movimentos LGBT, fortalecendo a agenda de políticas públicas e as diversas ações pioneiras implementadas pelo Estado brasileiro no campo dos direitos sexuais.

A Resolução no 01/99, além possuir efeitos de ordem jurídica, como a coibição da patologização da homossexualidade, também possui um forte peso simbólico sobre a Psicologia brasileira, reverberando mais amplamente na sociedade a partir da dinâmica conflituosa de ataques e resistências. Desse modo, percebemos que tal Resolução se constituiu nos últimos anos enquanto um dispositivo mobilizador do debate público, provocando transformações na sociedade para além do campo da prática profissional em Psicologia. Como destacado por Pedro Paulo Bicalho, conselheiro do CFP na gestão 2016–2019:

Nenhuma resolução do Conselho Federal de Psicologia foi tão questionada como a Resolução 01/99. [...] estes questionamentos, tanto por parte do judiciário brasileiro, como por parte do parlamento brasileiro, também são para nós motivo de orgulho. [...] uma resolução só possui tantos ataques ao longo de sua história, porque é uma resolução que possui efetiva contribuição na mudança de uma série de questões na sociedade brasileira (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2019, 21 março). Diálogo digital 20 anos da resolução 01/99 [Arquivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=9-NJ1Amarfg
https://www.youtube.com/watch?v=9-NJ1Ama...
).

Neste sentido, como destacado anteriormente, consideramos que a história da Resolução no 01/99 foi perpassada por um processo ambivalente; pois, se por um lado, os constantes ataques demonstraram uma maior articulação de grupos conservadores dentro e fora da Psicologia; por outro, a temática da diversidade sexual e de gênero se manteve permanentemente em evidência, se consolidando como uma das principais pautas na agenda política do Sistema de Conselhos. Assim, podemos afirmar que, em certa medida, os constantes ataques acabaram por reafirmar o seu contrário: fortaleceram a relevância social e a validade político-jurídica desta Resolução.

No entanto, apesar desta ambiguidade, compreendemos que tais ataques produzem ameaças reais a esta Resolução, agora amplificadas pelo avanço de grupos conservadores em importantes espaços político-institucionais no Brasil. No âmbito das disputas que perpassam o CFP e os Conselhos Regionais, um novo léxico conservador vem sendo articulado por grupos que buscam afirmar uma “Psicologia Cristã”, propagando discursos como o combate à “perseguição religiosa”, à “doutrinação ideológica” e à “ideologia de gênero”.

Para tais grupos, as políticas de diversidade sexual e de gênero na Psicologia são ideológicas e falsas, e contribuem com a desfiguração da família, da moral e dos valores cristãos que fundam a sociedade brasileira. Desse modo, vemos a transposição de disputas presentes na sociedade brasileira para os espaços político-institucionais da Psicologia, em meio ao acirramento das polarizações políticas a partir de propagação de pânicos morais. Neste cenário, a derrubada da Resolução no 01/99 e a possibilidade do tratamento da “homossexualidade egodistônica” são declaradas como bandeiras e reivindicações políticas, impulsionadas por grupos que difundem discursos conservadores e traçam novas estratégias de disputa dos espaços decisórios do Sistema de Conselhos de Psicologia.

Cabe destacar que esta rearticulação do conservadorismo político no Brasil se constitui ainda como um fenômeno recente, um processo em andamento, que demanda um olhar atento e análises mais sistemáticas – algo que vem se conformando como uma agenda de estudos que abrange o campo de produção de conhecimento psicológico (Aragusuku, 2018Aragusuku, H. A. (2018). O discurso da “ideologia de gênero” na câmara dos deputados: Análise crítico-discursiva e psicopolítica (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Por outro lado, vemos também a necessidade de um esforço conjunto de distintos atores da sociedade civil (entidades científicas e profissionais, grupos de pesquisa, movimentos sociais etc.) na defesa de princípios ético-políticos basilares ameaçados pela chegada de determinados grupos conservadores em importantes espaços institucionais e governamentais. Dentre estes princípios, podemos apontar a defesa da democracia, da perspectiva dos direitos humanos e da livre expressão da diversidade sexual.

Por fim, ressaltamos que este artigo não teve a pretensão de apresentar uma análise acabada sobre a temática, mas sim de trazer novos elementos que possibilitem a ampliação do debate sobre a Resolução no 01/99. Acreditamos, portanto, ser imprescindível a produção de novas pesquisas que aprofundem as questões que foram tratadas, neste artigo, de forma ainda superficial. Em meio aos constantes ataques, o estudo das políticas de diversidade sexual e de gênero na Psicologia se torna uma tarefa cada vez mais necessária, tendo em vista a garantia de direitos e a ampliação da cidadania à comunidade LGBT.

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  • Weeks, J. (2002). Sexuality and its discontents: Meanings, myths and modern sexualities. New York, NY: Routledge and Kegan Paul.
  • 1
    Por conta do caráter exploratório da pesquisa, foi difícil estipular de forma precisa um único descritor. Foram utilizadas variações simples (por exemplo, “Resolução n. 01/99”), combinadas a descritores suplementares (por exemplo, “decisão liminar”, “PDC 234 (2011)”,etc.) que facilitaram a busca por materiais específicos. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir da SciELO (http://www.scielo.br/), da PePSIC (http://pepsic.bvsalud.org/) e do Google Scholar (https://scholar.google.com.br/); e a pesquisa documental a partir do Google (https://www.google.com/).
  • 2
    Todos os cadernos de deliberações dos CNP estão disponíveis na aba “Publicações: Relatórios e Cartilhas” do site do CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacoes/relatorios-e-cartilhas/. Acesso em 8 de março de 2019.
  • 3
    Em 1985, o Conselho Federal de Medicina instruiu, por meio de parecer, a não patologização da homossexualidade – que ainda permanecia na lista de desvios sexuais do CID-9, publicado em 1976 – referendando as pesquisas que afirmavam a despatologização desde a década de 1970 e as demandas dos movimentos de homossexuais no Brasil.
  • 4
    De acordo com Edna Maria Kahhale (2011)Kahhale, E. M. (2011). Histórico do Ssistema de Conselhos de Psicologia e a interface com as questões LGBT. In Conselho Regional de Psicologia 6a Região - CRP6 (Ed.), Psicologia e diversidade sexual (pp. 20-24). São Paulo, SP: o autor., que participou do grupo, para além de si mesma, o grupo era composto por Ana Mercês Bock (coordenação), Paulo Roberto Ceccarelli, Maria Rita Kehl, Ricardo Goldenberg e Yara Sayão.
  • 5
    A página da campanha está disponível no link: https://despatologizacao.cfp.org.br. Acesso em 10 de março de 2019.
  • 6
    Folha de São Paulo (14/07/2009), “‘É a Inquisição para héteros’, diz terapeuta”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1407200915.htm. Acesso em 10 de março de 2019.
  • 7
    Veja (12/08/2009), “Entrevista: Rozângela Justino Alves”. Disponível em: https://acervo.veja.abril.com.br/#/edition/32353?page=18&section=1. Acesso: 10 de janeiro de 2019.
  • 8
    Gospel Prime (07/03/2012), “Marisa Lobo fala sobre o processo do Conselho de Psicologia que ameaça seu registro”. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/marisa-lobo-fala-sobre-o-processo-do-conselho-de-psicologia-que-ameaca-seu-registro/. Acesso em 23 de fevereiro de 2019.
  • 9
    O conceito de pânico moral vem sendo utilizado para descrever a atuação de grupos conservadores no campo das políticas sexuais. De forma simplificada, diz respeito a uma intensa reação social produzida pela construção discursiva de uma ameaça moral. Em diversos momentos, vemos a instrumentalização dos pânicos morais nas disputas políticas, como vem ocorrendo no caso do combate à “ideologia de gênero” no Brasil (Aragusuku, 2018)Aragusuku, H. A. (2018). O discurso da “ideologia de gênero” na câmara dos deputados: Análise crítico-discursiva e psicopolítica (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil..
  • 10
    Íntegra da Decisão Liminar disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Decis%C3%A3o-Liminar-RES.-011.99-CFP.pdf. Acesso em 25 de abril de 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    8 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2019
  • Aceito
    04 Out 2019
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