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Entre a ciência e a política: Donald Pierson e a busca por uma sociologia científica no Brasil

Resumo

Este artigo analisa a dimensão política contida na obra do sociólogo americano Donald Pierson no Brasil. Ex-aluno de Robert Park na Universidade de Chicago, Pierson desempenhou um papel importante na institucionalização das ciências sociais no Brasil entre os anos 1930 e 1950. Embora as ambições intelectuais de Pierson estivessem centradas em uma agenda acadêmica e ele defendesse uma estrita separação entre ciência e política, argumentamos que uma compreensão histórica precisa de seus esforços só pode ser alcançada por meio da análise dos pressupostos subjacentes à sua visão sobre a natureza da ciência e da sociedade – pressupostos esses que tinham raízes em uma perspectiva reformista e liberal-democrática do mundo. Para trazer à luz esses valores, examinamos dois momentos-chave na carreira de Pierson: 1) sua pesquisa de doutorado sobre relações raciais na Bahia, realizada em meados da década de 1930; 2) seus esforços para promover o campo da sociologia no Brasil durante a Política da Boa Vizinhança e a Segunda Guerra Mundial, quando foi contratado para lecionar na Escola Livre de Sociologia e Política.

Palavras-chave
História das Ciências Sociais no Brasil; Donald Pierson; Escola de Sociologia de Chicago; desenvolvimento; relações raciais

Abstract

This paper analyzes the political dimension embedded in the work of the American sociologist Donald Pierson in Brazil. A former student of Robert Park at the University of Chicago, Pierson played a major role in the institutionalization of the social sciences in Brazil from the 1930s through the 1950s. While Pierson’s intellectual ambitions were centered on an academic agenda and he defended a strict division between science and politics, we argue that a proper historical understanding of his endeavor can only be achieved through an analysis of his underlying assumptions about the nature of both science and society – assumptions that were rooted in a reformist, liberal-democratic understanding of the world. To bring to light these values, we examine two key moments in Pierson’s career: 1) his doctoral research on race relations in Bahia, done in the mid-1930s; 2) his efforts to promote the field of sociology in Brazil during the Good Neighbor Policy and World War II, when he was hired to teach at the São Paulo School of Sociology and Politics.

Keywords
History of Social Sciences in Brazil; Donald Pierson; Chicago School of Sociology; development; race relations

Introdução

Donald Pierson, que recebeu seu doutorado na Universidade de Chicago sob a orientação de Robert E. Park, esteve entre os sociólogos estrangeiros que participaram ativamente do processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil entre os anos 1930 e 1950. No tempo em que foi professor da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP), onde se dedicou ao ensino, à pesquisa e à divulgação científica, Pierson desempenhou relevante papel na abertura de espaços para os cientistas sociais brasileiros no mundo acadêmico e na construção de sua identidade profissional.

A passagem de Pierson pelo Brasil tem sido analisada, com frequência, sob a ótica desse empreendimento. No entanto, as interpretações resultantes de sua participação na história local das ciências sociais tenderam a reproduzir a imagem que o próprio sociólogo elaborou acerca de si: a de um sociólogo-pesquisador, ou homem de ciência, livre de vínculos tanto com a política quanto com a sociedade, dedicado exclusivamente ao avanço do conhecimento científico por meio da profissionalização da atividade acadêmica do cientista social e da rotinização de práticas de produção intelectual pautadas pelo ideal da pesquisa empírica sistemática. 1 1 Avaliações acerca dos esforços de Pierson em torno do estabelecimento da sociologia como ciência no Brasil tenderam a acompanhar seu próprio relato (Pierson, 1987). Ver, por exemplo, Oliveira (1995), Villa Nova (1998) e Brochier (2011).

Embora as ambições intelectuais de Pierson estivessem centradas em uma agenda acadêmica e, em seu discurso, o sociólogo defendesse uma estrita separação entre ciência e política, reivindicando neutralidade axiológica para a sociologia, argumentamos que sua obra esteve marcada por valores sociais e invariavelmente imbricada com questões então candentes da agenda política, em especial no que dizia respeito a assuntos domésticos e externos dos EUA. Essa dimensão da trajetória de Pierson não tem sido devidamente explorada pela literatura, ainda que tenha o potencial para ampliar nossa compreensão sobre seu papel na história das trocas intelectuais e científicas entre Brasil e EUA em meados do século XX, quando as ciências sociais começaram a dar seus primeiros passos no mundo acadêmico brasileiro.

A preocupação normativa em distinguir as esferas da ciência e da política tem marcado a sociologia desde seus esforços iniciais, no século XIX, para se estabelecer como uma disciplina científica, constituindo, o ensaio de Max Weber (2004)74 WEBER, Max. Science as vocation. In: OWEN, D.; STRONG, T. (ed.). The vocation lectures. Illinois: Hacket Books, 2004[1917]. p. 1-31. a esse respeito, uma referência paradigmática. Quando o interesse do analista é, entretanto, compreender a historicidade das concepções e práticas que marcaram a trajetória do campo, essas fronteiras não devem ser assumidas como naturais ou dadas de uma vez por todas, mas vistas como constructos contingentes e constantemente negociados, elaborados com base em valores, visões de mundo e interesses de atores e grupos sociais determinados, inscritos em um tempo e lugar também específicos (Shapin, 199264 SHAPIN, Steven. Discipline and bounding: the History and Sociology of Science as seen through the externalism-internalism debate. History of Science, v. 30, n. 4, 1992.).

No caso em tela, buscamos examinar que ideais de sociedade informaram tanto o esforço de Pierson em demarcar as fronteiras do que denominou de sociologia científica quanto as abordagens e os enquadramentos teóricos que julgou pertinentes para o estudo da vida social. Nesse sentido, no lugar da tentativa de desvelar possíveis motivações ideológicas inconfessáveis na produção científica do sociólogo, propomo-nos a analisar, a partir de uma perspectiva informada pela história e pelos estudos sociais da ciência contemporâneos, de que maneira seu esforço para instaurar um regime epistêmico específico para a sociologia no Brasil constituiu, ao mesmo tempo, a defesa de determinadas formas de ordenamento do mundo social.2 2 Na tentativa de contornar as antigas querelas entre internalistas e externalistas e as análises mais tradicionais calcadas no exame dos fatores sociais e políticos que exerceriam pressão, desde fora, sobre a atividade científica e a produção do conhecimento, os estudos sociais da ciência têm, contemporaneamente, enfatizado a coprodução da ciência e da sociedade, insistindo na investigação atenta das práticas e dos processos que conformam ambas (Felt at al., 2017). Os trabalhos de cientistas sociais como Bruno Latour (1987) e Michel Callon (1987) contribuíram em grande medida para colocar o debate nesses termos, assim como estudos em história da ciência influenciados pelo denominado Programa Forte, como é o caso, em particular, da conhecida obra de Shapin e Schaffer (1985/2011).

A fim de evidenciarmos como o pensamento sociológico e o trabalho acadêmico de Pierson estiveram inextricavelmente ligados a visões sobre a ordem social e ao mundo político, analisamos dois momentos-chave de sua trajetória intelectual: (i) sua pesquisa de doutorado sobre relações raciais na Bahia, realizada em meados da década de 1930, nos primórdios da Política de Boa Vizinhança; (ii) seus esforços para promover o campo da sociologia no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi contratado para lecionar na Escola Livre de Sociologia e Política.

Na abordagem desses dois momentos, consideramos não apenas os textos publicados por Pierson, entre artigos e livros, mas também sua correspondência com cientistas sociais e intelectuais brasileiros e norte-americanos sob a guarda de diferentes arquivos no Brasil e nos EUA. Essa documentação nos permite melhor articular suas concepções sobre a atividade científica e sua análise substantiva sobre a sociedade local às circunstâncias históricas específicas em que foram produzidas. Uma análise interna e sistemática da obra do sociólogo, somada à consideração dos nexos entre texto e contexto, é capaz de evidenciar de que modo valores, visões de mundo e preocupações práticas, ligadas especialmente aos sentidos assumidos pelas relações Brasil-EUA em momentos determinados, contribuíram para dar forma a seu trabalho.

As visões substantivas de Pierson sobre a sociedade brasileira assim como sua definição do campo da sociologia científica não permaneceram inalteradas no período em que esteve no país, sofrendo ajustes e modificações à luz tanto de variações na conjuntura internacional quanto de agendas e diálogos travados com intelectuais locais. A seleção dos dois distintos momentos acima mencionados torna possível assinalar precisamente as contingências a que suas concepções científicas e produção intelectual estiveram presas.

Em seu estudo na Bahia dos anos 1930, apesar do zelo quase missionário com que apresenta a sociologia como uma prática científica rigorosa, protegida de vieses ideológicos, Pierson acaba realizando um diagnóstico da situação racial local informado pelas posições acomodatícias de Robert Park e do líder negro Booker T. Washington no debate político a respeito da integração dos negros à sociedade estadunidense. Como indicaremos na primeira seção, a avaliação positiva de Pierson acerca das relações raciais em Salvador guarda afinidades com a defesa, característica de Washington, da ascensão social como via preferencial para a entrada dos negros no mundo da cidadania nos EUA de maneira não disruptiva. Em sintonia com essa perspectiva, Pierson identifica um processo de incorporação de negros e mulatos à comunidade baiana sem choques ou intervenções abruptas conduzidas pelo Estado mas de acordo com transformações gradativas gestadas organicamente pela própria sociedade. Sua leitura favorável da história social brasileira, pensada como uma progressiva desarticulação do antigo sistema de castas a partir da ascensão dos mulatos, nutria-se, ademais, da atmosfera intelectual da Era Roosevelt, tendente a ressaltar aqueles que seriam os aspectos socialmente construtivos das experiências civilizacionais latino-americanas em um momento em que, nos EUA, o capitalismo liberal se encontrava em crise.

Ao se fixar em São Paulo alguns anos mais tarde, em 1939, com a incumbência de lecionar na Escola de Sociologia e Política, Pierson deu início à sua ambiciosa agenda intelectual para transformar as “disciplinas sociais em ciência”. Embora sua defesa reiterada de um ethos científico para os cientistas sociais exibisse as fortes marcas do establishment acadêmico dos sociólogos estadunidenses, então preocupados em garantir para si um lugar no mundo das ciências, a insistência de Pierson no tratamento da sociologia como uma disciplina axiologicamente neutra, equidistante da ética e da política, atendia igualmente a imperativos diplomáticos salientes da Política de Boa Vizinhança, ligados ao momento delicado que as relações Brasil-EUA atravessavam nos primeiros anos da guerra e à necessidade de desarmar as suspeitas das elites políticas e intelectuais locais acerca das motivações da presença norte-americana no país. No contexto da guerra, muitas vezes lida, no plano ideológico, como um embate entre as forças do totalitarismo e da democracia, a reticência de Pierson em vincular a sociologia a compromissos políticos explícitos repercutia ainda a preocupação, que se tornou conhecida no período a partir dos textos de Robert Merton, com a autonomia da ciência em face dos arroubos das formas autoritárias de exercício do poder político.

A agenda de Robert Park e a perspectiva acomodacionista de Donald Pierson

A dimensão política da produção sociológica de Donald Pierson fica evidente em sua pesquisa de doutorado sobre relações raciais na Bahia, conduzida entre 1935 e 1937 sob a orientação de Robert Park. Sua tese, defendida na Universidade de Chicago em 1939, foi publicada na forma de livro sob o título Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia em 1942. O estudo fazia parte de um empreendimento coletivo de pesquisa sob a batuta de Park. No início da década de 1930, após realizar viagens a diversas regiões do globo, Park havia instituído o Seminário sobre Raça e Cultura na Universidade de Chicago. Um de seus objetivos era ampliar o escopo de investigações sobre as relações raciais para além do território norte-americano em uma tentativa de desenvolver uma sociologia comparada dos diferentes arranjos interétnicos que se haviam cristalizado ao redor do mundo por força da colonização europeia (Pierson, 1936c56 PIERSON, Donald. Por que eu vim à Bahia. Revista da Faculdade de Direito da Bahia, v. 11, n. 1, p. 89-93, 1936c., 1944b48 PIERSON, Donald. Robert E. Park: sociólogo pesquisador. Sociologia, v. 6, n. 4, p. 282-294, 1944b.; Valladares, 201069 VALLADARES, Lícia do P. A visita de Robert Park ao Brasil, o “homem marginal” e a Bahia como laboratório. Caderno CRH, v. 23, n. 58, p. 35-49, 2010.; Brochier, 20116 BROCHIER, Christophe. De Chicago à São Paulo : Donald Pierson et la sociologie des relations raciales au Brèsil. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, v. 25, n. 2, p. 293-324, 2011.; Silva, 201266 SILVA, Isabela O. P. da. De Chicago a São Paulo: Donald Pierson no mapa das Ciências Sociais. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-13112015-125454
https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-13...
).

Em Chicago, Park procurou assinalar o propósito exclusivamente acadêmico de suas investigações e circunscrever o campo da sociologia como ciência, distinguindo-a de outras esferas de atividade, como o serviço social e o ativismo político – preocupação que, como veremos adiante, imprimiu uma marca duradoura em Pierson. A determinação de ambos em consolidar a sociologia como um ramo autônomo na produção de conhecimento não nos deve impedir, entretanto, de examinar os aspectos políticos dos seus estudos sociológicos sobre as relações raciais. Com efeito, a agenda de pesquisas de Park, que se propunha a iluminar os mecanismos causais subjacentes a diferentes padrões de interação racial observados pelo mundo, somente ganha plena inteligibilidade quando consideramos o contexto político e intelectual mais amplo em que foi gestada. Referimo-nos à preocupação dos setores reformistas e liberais da sociedade norte-americana com a incorporação da população negra saída da escravidão e dos imigrantes à nação e ao mundo da cidadania. Essa dimensão axiológica dos interesses de pesquisa de Park deve ser levada em conta se quisermos situar as ideias de Pierson em seu contexto histórico e evitar o risco de reificar os conceitos e abordagens que propõe.3 3 Sobre as perspectivas sociológicas de Park, ver Chapoulie (2011).

A via pela qual Park passou a se interessar pelo tema das relações raciais, em particular pelo destino da população negra, ilumina pressupostos decisivos da sua forma de conceber sociologicamente o problema antes mesmo de ingressar como professor na Universidade de Chicago. Após a formação acadêmica em prestigiosas universidades nos EUA e na Alemanha, e uma carreira de jornalista em diferentes cidades norte-americanas, ele atuou como assessor de comunicação e relações públicas de Booker T. Washington, uma das principais lideranças negras estadunidenses na passagem do século XIX para o século XX.

Diante de um país racialmente cindido – marcado por conflitos, motins e linchamentos, especialmente nos antigos estados confederados –, em que a denominada Reconstrução que se seguiu à Guerra Civil, buscando estender os direitos civis e políticos aos ex-escravos, encontrou a obstinada oposição dos brancos, Washington optou por uma política de acomodação. Silenciando em relação às demandas por igualdade jurídico-política imediata, ele apostou na ascensão econômica da população negra por meio da ampliação da educação profissional para o exercício de atividades manuais e fabris em um momento em que a indústria se desenvolvia em ritmo acelerado nos EUA – programa consubstanciado na fundação de seu Tuskegee Institute, no Alabama, dedicado ao ensino técnico. A autodisciplina, o trabalho metódico e uma fonte de renda estável pavimentariam o caminho para o progresso material, o desarme das prevenções e dos estereótipos raciais sobre a inferioridade dos negros, a obtenção de reconhecimento por parte dos brancos e, eventualmente, o ingresso no mundo da cidadania. A integração dos negros à comunidade norte-americana seria um processo lento e gradual e a efetivação de sua participação política estaria condicionada ao aprimoramento de suas capacidades, aptidões e conduta como homens livres.4 4 A respeito dos debates que marcaram o ativismo negro no período, ver, por exemplo, Moore (2003).

O tom conciliatório da liderança de Washington, que se tornou célebre a partir de seu discurso na Exposição Internacional de Atlanta de 1895, angariou a simpatia de políticos e intelectuais brancos tanto no Norte quanto no Sul dos EUA, mas também foi objeto de crítica.5 5 Um dos objetivos da exposição era sinalizar para um público internacional as conquistas econômicas até então obtidas pelos estados sulistas nos EUA. Em seu discurso conhecido como “Compromisso de Atlanta”, dirigido a uma plateia majoritariamente branca, Washington argumentava que os negros poderiam contribuir para o desenvolvimento da região, caso lhes fossem dadas oportunidades de estudo e trabalho. Sua disposição em cooperar com os brancos deveria estar acima de qualquer suspeita: “Do mesmo modo como lhes demonstramos nossa lealdade no passado, no cuidado de seus filhos, na vigília ao leito de suas mães e pais enfermos, muitas vezes acompanhando-os ao túmulo com os olhos marejados, também no futuro, de nossa maneira humilde, estaremos ao seu lado com uma devoção que nenhum estrangeiro pode igualar, prontos a dar nossa vida, se necessário for, em defesa da sua, entrelaçando nossa vida industrial, comercial, civil e religiosa com a sua de modo a tornar um só os interesses de ambas as raças. Em tudo o que é puramente social, podemos ser tão distintos quanto os dedos, ainda assim, podemos agir como uma só mão em todas as coisas essenciais ao progresso mútuo”. Aos que demandavam imediata equiparação de direitos, Washington retorquia: “Os mais sábios de minha raça entendem que a agitação de questões de igualdade social é uma extrema estupidez, e que o avanço no gozo de todos os privilégios, que um dia teremos, deve ser o resultado de uma luta séria e constante, e não produto artificial de pressionamento. Nenhuma raça que tenha algo a contribuir para os mercados do mundo ficará excluída por muito tempo. É importante e correto que tenhamos todos os privilégios da lei, mas é imensamente mais importante que estejamos preparados para o exercício desses privilégios. A oportunidade de ganhar um dólar em uma fábrica neste momento vale infinitamente mais do que a oportunidade de gastar um dólar em um teatro.” (Washington, 1974, p. 586-587). A mais conhecida delas veio do sociólogo e ativista negro W. E. B. Du Bois que, em 1903, em seu conjunto de ensaios The Souls of Black Folk, censurou a postura condescendente de Washington em relação à segregação racial que então se institucionalizava no Sul dos EUA e aos retrocessos no esforço de equiparação do estatuto jurídico-político dos negros após a abolição. Du Bois argumentava que a efetiva inserção da população ex-escrava ao mundo da cidadania supunha a luta intransigente pela garantia de direitos, em particular o direito ao voto. Na controvérsia que se instalou nos anos subsequentes, o sociólogo, que foi um dos membros fundadores da National Association for the Advancement of Colored People (NAAPC), veio a ser identificado como um crítico contundente da proposta acomodacionista, disputando com Washington a liderança política da comunidade negra.

Esses debates deixaram uma forte impressão em Park, que passou a ter contato estreito com a vida da população negra sulista a partir de suas atividades no Tuskegee Institute sob supervisão de Washington, entre 1905 e 1914. A visão gradualista do líder negro influiu significativamente em sua imaginação sociológica, cuja abordagem para o estudo das relações raciais adotada posteriormente na Universidade de Chicago, e transmitida a seus alunos, tendeu a enfocar o que considerava processos sociais de longa duração (Morris, 201531 MORRIS, Aldon. The scholar denied: W.E.B. Du Bois and the birth of modern sociology. Oakland: The University of California Press, 2015.). A ênfase da sociologia de Park sobre transformações nos contatos raciais que ocorriam lentamente, em um nível profundo, para além dos acontecimentos mais salientes do dia e independentemente da agência humana, tinha como corolário político a suspeita em relação a intervenções abruptas e medidas legais buscando a alteração imediata do status quo, vistas como artificiais. De acordo com Park, tal era o enraizamento das instituições sociais nessas tendências estruturais, que os intentos de agitadores políticos, intelectuais e benfeitores em apressar as mudanças eram considerados inúteis, quando não contraproducentes. Tal perspectiva reverberava não apenas as reservas de Washington em relação ao ativismo negro mais radical, como também a avaliação, endossada por Park, de que o período da Reconstrução teria representado uma forte perturbação no desenvolvimento, em bases orgânicas, das relações raciais no Sul dos EUA. Segundo tal visão, apesar das hierarquias produzidas pela escravidão, negros e brancos vinham, até então, tecendo gradualmente vínculos morais a partir de relações de proximidade na plantation (Morris, 201531 MORRIS, Aldon. The scholar denied: W.E.B. Du Bois and the birth of modern sociology. Oakland: The University of California Press, 2015.).

Os princípios acomodacionistas da política de Washington encontraram abrigo no conhecido esquema sociológico de Park para a análise das situações raciais, com frequência referido como o “o ciclo das relações raciais”, inspirado em concepções hauridas da ecologia vegetal em circulação no período. Segundo esse esquema, quando diferentes populações dividiam um mesmo território, disputas por espaço e recursos inevitavelmente vinham à tona. Estas poderiam se processar de modo subconsciente, na forma de “competição”, ou assumir a forma de confrontos abertos, o denominado “conflito”. Na visão de Park, uma vez que os choques não podiam se prolongar indefinidamente, cedo eles davam lugar à formação de arranjos sociais mais ou menos estáveis, seja pela constituição e cristalização de nichos, ocupações e papéis específicos para cada grupo étnico (“acomodação”) seja pela fusão étnica e cultural dos grupos em disputa (“assimilação”), o que tendia a reduzir o conflito a níveis toleráveis (Park; Burgess, 192136 PARK, Robert; BURGESS, Ernest W. Introduction to the science of Sociology. Chicago: University of Chicago Press, 1921. Cap. 8-11.). A noção de assimilação, central na perspectiva de Park, só pode ser verdadeiramente compreendida no contexto do debate público da época sobre a possibilidade de integrar os negros à sociedade norte-americana – sociedade esta implicitamente imaginada pelos sociólogos de Chicago como uma unidade social e política organizada de acordo com os valores da cultura protestante anglo-saxônica (Chapoulie, 200110 CHAPOULIE, Jean-Michel. La tradition sociologique de Chicago, 1892-1961. Paris: Éditions du Seuil, 2001., p. 315-320). A abordagem parkiana teve implicações decisivas para o estudo desenvolvido por Pierson no Brasil, como veremos à frente.

Ao incluírem a Bahia em sua agenda de pesquisas global, os cientistas sociais de Chicago partiam do entendimento tácito de que havia diferenças significativas entre Brasil e EUA no terreno das relações raciais, particularmente no que dizia respeito ao processo de integração de suas populações, que estaria mais avançado no caso brasileiro. Podemos encontrar evidências desse interesse comparativo, que viria a informar o estudo de Pierson, em uma nota de pesquisa publicada em boletim informativo da Universidade de Chicago à época em que o sociólogo preparava sua viagem ao Brasil: “[o] fato de que a classe de ex-escravos [no Brasil] tenha alcançado uma situação econômica, social e política praticamente de completa igualdade em relação à antiga classe dos senhores oferece notável ponto de contraste com a situação de negros e brancos nos EUA.” (University of Chicago, 193568 UNIVERSITY OF CHICAGO. News about members. Bulletin of the Society for Social Research, 3. Fisk University Special Collections and Archives, Robert E. Park Collection (Supplement 1), 1923-1943, caixa 15, pasta 1, mar. 1935.). Nas palavras de Robert Redfield, que integrou o comitê encarregado de supervisionar o projeto de pesquisa, foi o “resultado surpreendentemente distinto” das interações entre negros e brancos no Brasil vis-à-vis os EUA que despertou a curiosidade intelectual sobre o primeiro (Redfield, 193559 REDFIELD, Robert. Carta para Charles Johnson. Fisk University Special Collections and Archives, Julius Rosenwald Fund Archives, (1-267), 1917-1948, caixa 183, pasta 8, 6 fev. 1935.). Na opinião de Park e de seus colegas de Chicago, o Brasil aparentemente havia encontrado uma solução politicamente mais satisfatória para os problemas decorrentes dos contatos entre raças e culturas. Em contraste com a experiência norte-americana, atravessada por conflitos exacerbados, o ciclo de relações raciais brasileiro parecia seguir, aos olhos de Park, o curso idealizado por lideranças como Washington, em que negros e brancos se ajustavam gradualmente entre si sem grandes atritos.

O prisma comparativo envolvendo Brasil e EUA não constituía propriamente uma novidade, tendo sido adotado, implícita ou explicitamente, em diferentes circunstâncias como parte do discurso de atores vinculados a ambos os contextos nacionais acerca de sua respectiva situação racial (Seigel, 200563 SEIGEL, Micol. Beyond compare: comparative method after the transnational turn. Radical History Review, n. 91, p. 62-90, 2005.). Se, por vezes, o atraso civilizacional identificado ao Brasil foi atribuído à sua miscigenação racial, servindo para corroborar, nos EUA, políticas segregacionistas, ao tempo do estudo de Pierson, parte do olhar norte-americano para o país, sobretudo entre acadêmicos e intelectuais reformadores, nutria-se de uma atmosfera intelectual favorável à América Latina, que marcou os anos 1920 e 1930 e que acabou servindo de fermento ideológico à nova postura dos EUA para com a região durante a Era Roosevelt (Pike, 198558 PIKE, Fredrick. Latin America and the Inversion of United States Stereotypes in the 1920s and 1930s: the case of culture and nature. The Americas, v. 42, n. 2, p. 131-162, 1985.). Em meio à crise do capitalismo liberal nos EUA, o imaginário sobre a América Latina assumiu colorações positivas, ainda que por vezes igualmente estereotipadas. Vista como uma região relativamente intocada pelas mazelas da civilização urbano-industrial que as metrópoles norte-americanas representavam, com seu individualismo, os países latino-americanos passaram a ser concebidos como experimentos societais originais que poderiam contribuir para o reexame, em âmbito doméstico, dos percalços da ordem moderna.

Em prefácio à edição brasileira de seu livro, publicado sob o título de Brancos e Pretos na Bahia: estudo de contacto racial (1945b), Pierson, ainda que asseverasse que o papel do cientista era descrever e analisar mais do que “aplaudir” ou “condenar”, afirma ter ficado impressionado com a comunidade baiana, “povo cuja sociedade está embebida dos sentimentos que dão sabor e satisfação à vida a tal ponto que – usando a expressão de Sapir – poder-se-ia chamá-la ‘uma taça cheia’” (p. 28). A referência a Sapir, mais precisamente a seu artigo “Culture, Genuine and Spurius”, não é fortuita. Nesse texto, de 1924, o antropólogo contrastava fortemente a cultura autêntica, considerada harmoniosa, integrada e fonte de significados profundos para o indivíduo – de que seriam exemplos os chamados povos primitivos, como as tribos indígenas americanas –, com a “existência fragmentária” que seria a marca de sociedades orientadas pela ideia de progresso, como a norte-americana, utilitarista, tecnicamente eficaz mas espiritualmente pobre (Sapir, 192462 SAPIR, Edward. Culture, genuine and spurious. American Journal of Sociology, v. 29, n. 4, p. 413-414, 1924., p. 413-414). A partir dessa visão, bastante simpática à América Latina, Pierson empreende uma análise das relações raciais na Bahia que valoriza particularmente o papel do contato face a face e das relações pessoais e familiares na edificação de uma ordem social menos propensa a formas racializadas de conflito, quando comparada à norte-americana. A seu ver, a tradição patriarcal brasileira, em um ambiente ainda não completamente marcado pela impessoalidade e pela competição econômica características dos centros urbanos, havia pavimentado o caminho para uma forma de estratificação social mais aberta à mobilidade vertical da população negra.

Pierson chegou a Salvador no final de 1935, após uma breve estada na Universidade de Fisk, instituição historicamente negra do sul dos Estados Unidos, e uma breve estada no Rio de Janeiro, onde se reuniu com estudiosos das relações raciais no Brasil, incluindo Arthur Ramos, Gilberto Freyre e Oliveira Vianna.6 6 Sobre as circunstâncias que envolvem as viagens nacionais e internacionais de Pierson à época de sua pesquisa, ver Pierson (1987); Silva (2012); Maio e Lopes (2017). Sua pesquisa na Bahia foi conduzida, em sua maior parte, a partir da perspectiva sociológica de Park, que parece enxergar o conflito como intrínseco às relações inter-raciais e considerar a assimilação das minorias ao grupo racial dominante como um dos únicos resultados concebíveis – se não o mais desejável – dos um encontro das raças.

Para avaliar o grau de integração do negro à sociedade baiana, cuja cultura dominante é identificada à do colonizador português, Pierson adotou a díade conceitual “casta e classe”, sugerida por Park e então empregada em pesquisas como a de W. Lloyd Warner e seus alunos no sul dos EUA. Entre esses estudos estava um relatório de pesquisa do sociólogo Buford H. Junker, da Universidade de Chicago, sobre o impacto da segregação no sistema educacional em uma comunidade no condado de Houston, Geórgia. A pesquisa chamou a atenção de Park porque indicava “como é possível descobrir e definir relações raciais a partir de um estudo de materiais tangíveis” (Park, 193635 PARK, Robert. Carta para Donald Pierson. Fundo Donald Pierson, pasta 62, 5f., p. 3, fev. 11, 1936.).

Pierson utilizou os conceitos de classe e casta da mesma forma que foram usados ​​nesses estudos, ou seja, concebeu a classe como um estrato aberto, permeável à mobilidade vertical, em contraste com a casta, considerada um estrato fechado cujos membros eram identificados como tais desde o nascimento, estando sujeitos a sanções se casassem com indivíduos não pertencentes ao grupo (Pierson, 194245 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b./1945b51 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 3 jul. 1943b.; Warner, 193672 WARNER, W. Lloyd. American caste and class. American Journal of Sociology, v. 42, n. 2, p. 234-237, 1936.; Cox, 194214 COX, Oliver C. The modern caste school of race relations. Social Forces, v. 21, n. 2, p. 218-226, 1942.). Pierson, no entanto, tinha reservas quanto ao uso que Junker fazia da categoria “casta”, conceito que, segundo o sociólogo, não deveria ser aplicado indiscriminadamente às situações da Índia e dos EUA. Para Pierson, apesar da persistência do tabu contra o casamento inter-racial no sul dos EUA, era cada vez mais comum negros se deslocarem para posições anteriormente reservadas aos brancos, o que sinalizava o surgimento de uma ordem social a meio caminho entre o sistema de castas e uma sociedade de classes (Pierson, 1936a54 PIERSON, Donald. Carta para Robert Park. Fundo Donald Pierson, pasta 62, 2f., 9 set. 1936a.). Os comentários de Pierson sobre a obra de Junker se alinhavam com a posição de Park, que, ao invés de utilizar o conceito de “casta” para caracterizar as relações raciais no Sul como fez Warner, sustentava que os negros constituíam uma “minoria racial” que, embora não socialmente aceita pelos brancos, estava conquistando níveis cada vez mais elevados dentro das fileiras profissionais (Chapoulie, 200110 CHAPOULIE, Jean-Michel. La tradition sociologique de Chicago, 1892-1961. Paris: Éditions du Seuil, 2001., p. 320-321) – perspectiva que, de alguma forma, refletia a disposição acomodacionista de Park em ver o alcance dos objetivos políticos da comunidade negra nos EUA como um processo gradual, e não disruptivo, de mudança. Nas palavras de Park (1936, p. 3)35 PARK, Robert. Carta para Donald Pierson. Fundo Donald Pierson, pasta 62, 5f., p. 3, fev. 11, 1936.,

você parece ter na Bahia, como nós aqui nos Estados Unidos, uma combinação de um sistema de classes e castas ou uma situação em que a classe está substituindo as castas. Cada raça, incluindo os mestiços, desde que tenha um nome e algum grau de autoconsciência, provavelmente será representada em todas as classes ocupacionais. Mas o grupo racial que tem o status superior terá números proporcionalmente maiores nas faixas superiores, e os grupos raciais com status inferior terão o número maior nas faixas inferiores.

Ao final de sua pesquisa na Bahia, Pierson concluiu que a cor pouco tinha a ver com a determinação da posição social de uma pessoa em relação a outros marcadores, como riqueza, educação, capacidade intelectual e nível profissional, e que a raça, portanto, não era um fator decisivo de estratificação social em Salvador. Para ele, isso se devia ao fato de a colonização ter desencadeado um processo de miscigenação ininterrupta. Inicialmente estimulado pelos próprios colonizadores portugueses, devido à falta de mulheres de origem europeia na região, o encontro das raças continuou ao longo dos séculos, sem ser interrompido por nenhum outro fator, ao contrário das experiências norte-americana, sul-africana e indiana. O resultado foi uma cultura de miscigenação, em que relações pessoais dentro de famílias multirraciais poderiam mais facilmente forjar laços de solidariedade interétnica.

O processo de abolição havia sido favorecido por essa tendência. No Brasil, argumentava Pierson, o fim da escravidão teria sido o resultado de uma mudança gradual, e não de uma mudança violenta na ordem social, reforçando a tendência de negros e mulatos serem incorporados pela sociedade como um todo. Embora a cor e outros marcadores raciais continuassem a carregar o estigma da escravidão no presente, o sociólogo considerava que suas conotações negativas gradualmente desapareceriam à medida que a mistura racial (no sentido de “branqueamento”) avançasse e um número crescente de mulatos e negros demonstrassem suas habilidades e méritos pessoais e ascendessem na escala socioeconômica – processo que era evidenciado no fato de negros, mulatos e brancos estarem representados em todas as ocupações, ainda que de forma desigual. As descobertas de Pierson levaram à conclusão de que a Bahia, como o Havaí, constituía uma “sociedade multirracial de classes”, que se distanciava tanto da sociedade norte-americana, em que uma classe média negra ainda não era totalmente aceita em pé de igualdade pelos brancos e só poderia ascender dentro de sua própria comunidade, como do caso extremo do sistema de castas indiano.

A pesquisa de Pierson foi, por vezes, acusada de obscurecer os conflitos raciais ou reduzi-los a uma questão de classe, ou seja, as atitudes negativas em relação aos negros refletiriam preconceito e desprezo por sua condição social e econômica e não necessariamente por sua cor de pele ou outros traços raciais. É verdade que o conteúdo etnográfico de seu trabalho revela uma série de tensões. Pierson escreveu que atritos diários, demonstrações de insatisfação negra e resistência de brancos e mulatos ao casamento com negros foram observados na Bahia. Às vezes, seu relato apontava situações de confronto entre negros, brancos e mulatos que assumiam expressão bastante racializada.7 7 Pierson (1945b, p. 222-228) retratou situações de conflito ao longo de sua obra, particularmente em suas análises de como negros, brancos e mulatos se relacionavam em seu cotidiano. No entanto, seria mais acertado afirmar que a compreensão de Pierson acerca do caráter racial desses conflitos é marcada por ambivalências.

Como se pode observar nos relatos de pesquisa de Pierson aos seus professores, à época em que realizava trabalho de campo na Bahia, o sociólogo nutriu dúvidas e reservas sobre a natureza do preconceito sofrido pela população negra, hesitando em interpretá-lo como uma forma de preconceito de classe (Pierson, 1936b55 PIERSON, Donald. Carta para Robert Park, Robert Redfield, and Louis Wirth. Relatório n. 6. Fundo Donald Pierson, pasta 62, 19 dez. 1936b., 1936d).8 8 Alguns autores apontaram hesitações de Pierson durante seu trabalho de campo. Ver Romo (2010) e Brochier (2011). Diante de um contexto etnográfico complexo e contraditório, Pierson enfatizou as evidências empíricas mais consistentes com suas próprias projeções implícitas sobre o desenvolvimento futuro das relações raciais na Bahia ao escrever as conclusões finais de seu livro. Tais projeções, por sua vez, só podem ser compreendidas à luz dos valores políticos subjacentes ao seu enquadramento teórico.

Em sua dissertação, ao abordar a natureza das atitudes desfavoráveis em relação à população negra predominantes na Bahia, Pierson trabalhou com uma definição estrita de preconceito racial: “uma atitude social que emerge em situações de conflito para ajudar a manter um status ameaçado”, atitude que não deveria ser confundida com “aversão”, “hostilidade” ou “tratamento desigual” (Pierson, 1945b45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b., p. 419-455).9 9 Pierson (1945b) se apegaria a essa definição nos anos seguintes, quando seu trabalho começou a enfrentar críticas crescentes. Formulado nesses termos, o conceito não parecia se aplicar à Bahia, pois, segundo a interpretação do sociólogo sobre o passado brasileiro, os grupos brancos dominantes não teriam sido confrontados durante a abolição por uma população negra hostil que representasse “qualquer ameaça séria a [seu] próprio status” e, portanto, jamais teriam experimentado sentimentos de desconfiança, apreensão ou ressentimento (Pierson, 1945b45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b., p. 347).

Nos EUA, por outro lado, a abolição teria sido precedida por “uma onda de medo [...] que varreu nosso Sul após a revolta dos negros no Haiti e os distúrbios decorrentes da subsequente aniquilação dos brancos haitianos”, constituindo “um incidente de conflito civil” agravado por “um programa de 'reconstrução' imposto pela conquista armada de fora” (Pierson, 1945b45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b., p. 346-347). No sul dos EUA, os negros teriam experimentado uma mudança de status que não nasceu dentro das comunidades e não se processou organicamente a partir delas, mas que se deu de forma abrupta e pela força, fomentando o ressentimento entre os brancos e dando origem a um imaginário social repleto de representações a respeito da população negra.

Pierson destacou o caráter gradual, cumulativo e não disruptivo da transformação da sociedade de castas da Bahia em uma “ordem social competitiva” a fim de explicar por que o preconceito contra os negros em Salvador não se manifestava como no sul dos EUA. Ainda que a compreensão do caso da Bahia se dê mediante contraste com a experiência norte-americana, tal comparação só adquire sentido porque ambos os casos são examinados através das lentes fornecidas pelos princípios políticos subjacentes ao marco interpretativo de Park. Segundo essa perspectiva, os processos de mudança envolvendo relações raciais e programas de integração deveriam ser conduzidos de forma gradual e à distância do aparato coercitivo do Estado. A controvérsia entre Booker T. Washington e W. E. B. Du Bois no início do século 20 a respeito da forma como a comunidade negra estadunidense deveria conduzir suas lutas acabou repercutindo na análise de Pierson. Seguindo o caminho acomodacionista, Pierson rejeitou o radicalismo político representado pela intervenção do governo federal dos EUA nos estados confederados ao final da Guerra Civil. Por seu turno, a abolição da escravidão no Brasil ia ao encontro, na sua avaliação, dos pressupostos normativos da sociologia de Park, ou seja, tratava-se da culminação de um processo gradual de mudança nas relações entre negros e brancos, caracterizado pela aceitação da emancipação pela sociedade como um todo e desprovido de qualquer ruptura drástica com a ordem social vigente.

Na visão de Pierson, a ascensão social na Bahia implicava o amplo reconhecimento da comunidade em relação às pessoas de cor bem como o estabelecimento de relações estreitas com as elites brancas. O fenômeno da ascensão recebeu atenção especial do sociólogo em seu estudo dado o contraste com a situação racial tanto nos EUA, onde uma classe média negra vinha se constituindo por meio de um processo de mobilidade social dentro dos estreitos limites da comunidade negra, quanto na Índia, onde estratos sociais intermediários e biologicamente mistos existiam encerrados em si mesmos, impossibilitados de ascender. O fato de a hipótese acerca da ascensão social no caso baiano parecer plausível aos olhos de Pierson se deveu, em grande medida, aos quadros interpretativos desenvolvidos por intelectuais de prestígio como Oliveira Vianna e Gilberto Freyre sobre a história social brasileira.10 10 Embora Pierson (1945b) pareça ter encontrado em Vianna o respaldo para sua tese de que a população baiana vinha se embranquecendo gradativamente à medida que os mulatos incorporavam os negros e os brancos incorporavam os mulatos, o sociólogo norte-americano buscou apoio em Freyre ao examinar como o processo de ascensão social gradual dos mulatos contribuía para moldar o padrão de relações raciais característico do Brasil.

A ênfase de Pierson na mobilidade social em Salvador ligava-se, em última análise, às suas expectativas em relação ao futuro da sociedade local. Tais expectativas, por sua vez, prendiam-se aos pressupostos axiológicos do modelo de Park para a classificação dos diferentes tipos de situação racial, referidos acima. Embora Pierson reconhecesse que a cor ainda representava um estigma social e, portanto, uma desvantagem para a população negra baiana, ele se mostrava otimista, acreditando que se tratava de resquícios da antiga sociedade escravista fadados a desaparecer, e isso, à medida que um contingente maior de pessoas de cor gozasse de mobilidade ascendente. O sociólogo acreditava ser apenas uma questão de tempo até que as classes sociais da Bahia se tornassem menos desiguais na composição racial, acabando por produzir uma estratificação social baseada apenas no “mérito individual” e nas “circunstâncias favoráveis” e não mais na cor ou em qualquer outro traço fora do controle individual (Pierson, 1945b45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b., p. 399-422). Essa perspectiva refletia as aspirações acomodacionistas em torno da integração dos negros à sociedade por meio de um processo gradualista de mobilidade social.

Nesse sentido, a Bahia de Pierson parecia prestes a concretizar os ideais políticos de um regime meritocrático, o que não implicava a inexistência de conflitos ou de desigualdades na distribuição de status, vistas pelo sociólogo como inerentes a qualquer forma de sociedade. O que parecia estar em jogo, entretanto, era que a sociedade local, à diferença dos EUA, estava mais próxima de alcançar a democracia enquanto igualdade de oportunidades e livre concorrência entre indivíduos de diferentes grupos raciais (Pierson, 1945b45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b., p. 422). Essa perspectiva política é flagrante em um relatório de pesquisa em que Pierson arrisca uma análise da situação racial da Bahia a partir da díade conceitual “casta e classe”:

o conjunto das relações sociais [...] peculiar à Índia, aos Estados Unidos e ao Brasil, respectivamente, não constitui diferentes tipos de castas, mas diferentes formas de organização social que, para propósitos de uma análise esquemática, podem ser vistas como ocupando posições variadas ao longo de um gradiente cultural, no qual um polo pode ser denominado “casta” e o outro (por falta, talvez, de um termo melhor) “democracia pura”

(Pierson, 1936b55 PIERSON, Donald. Carta para Robert Park, Robert Redfield, and Louis Wirth. Relatório n. 6. Fundo Donald Pierson, pasta 62, 19 dez. 1936b.).

A Bahia que emerge da obra de Pierson é produto de um jogo de contrastes entre imagens de diferentes regiões do globo, como o Sul profundo dos EUA, a Índia e o Havaí; é também um quadro que reflete as apreensões existentes quanto à situação racial nos EUA e a como essa era vista como ameaça aos valores democráticos.

Donald Pierson, a ciência e a esfera pública

A pesquisa de Pierson contribuiu para inserir a Bahia no circuito internacional das ciências sociais. Nos anos seguintes, pesquisadores norte-americanos que viajaram para a região, como Ruth Landes e Franklin Frazier, contaram com as redes intelectuais tecidas por Pierson e Park (Valladares, 201069 VALLADARES, Lícia do P. A visita de Robert Park ao Brasil, o “homem marginal” e a Bahia como laboratório. Caderno CRH, v. 23, n. 58, p. 35-49, 2010.; Sansone, 201261 SANSONE, Livio. Estados Unidos e Brasil no Gantois: o poder e a origem transnacional dos estudos Afro-brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 79, p. 9-29, 2012.). A experiência de pesquisa de Pierson na Bahia resultou também em um convite para atuar como professor de sociologia da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) em fins da década de 1930, momento em que o governo Roosevelt reforçava suas políticas de aproximação cultural com a América Latina e intensificava o intercâmbio diplomático no campo da ciência.11 11 Samuel Lowrie havia sugerido que Pierson o substituísse nas atividades de ensino e pesquisa em São Paulo. Segundo Lowrie, embora Pierson, à diferença de outros candidatos, não dispusesse ainda de uma reputação acadêmica bem estabelecida, ele vinha estudando o Brasil, era conhecido pelos intelectuais do país e estava prestes a publicar sua tese sob a orientação de Park, uma das maiores autoridades em matéria de relações raciais nos EUA (Lowrie, 1939). No Brasil, onde permaneceu até o início dos anos 1950, Pierson contribuiu para a construção do campo das ciências sociais (Limongi, 198921 LIMONGI, Fernando. A Escola Livre de Sociologia e Política. In: MICELI, S. (ed.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré; FAPESP, 1989. Vol. 1, p. 217-233.; Vila Nova, 199871 VILA NOVA, Sebastião. Donald Pierson e a Escola de Chicago na Sociologia brasileira: entre humanistas e messiânicos. Lisboa: Coleção Vega Universidade, 1998.). Nesse período, o sociólogo desempenhou importante papel como mediador nas relações de troca acadêmica entre Brasil e EUA, obtendo bolsas de estudo para brasileiros em universidades norte-americanas.

Após se fixar em São Paulo em 1939, Pierson organizou e dirigiu o Departamento de Sociologia e Antropologia Social da ELSP, onde instituiu um seminário sobre Métodos e Técnicas de Pesquisa. Em 1941, junto com os antropólogos Herbert Baldus e Emílio Willems, fundou o primeiro programa de pós-graduação em ciências sociais do Brasil (Seção de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais). No início da década de 1940, conduziu pesquisa sobre alimentação e habitação na cidade de São Paulo e se valeu da ocasião para treinar seus alunos em técnicas e métodos de pesquisa. Em 1945, tornou-se responsável pela seção brasileira do Institute of Social Anthropology da Smithsonian Institution e, nessa função, obteve financiamento para pesquisas no país. Primeiramente, ele realizou levantamentos em regiões rurais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, mais tarde, de 1947 a 1948, liderou um estudo de comunidade em Araçariguama, interior de São Paulo, cujos resultados foram publicados em Cruz das Almas: uma aldeia brasileira (Pierson, 195141 PIERSON, Donald. Cruz das Almas: a Brazilian village. Smithsonian Institution, Institute of Social Anthropology. Washington: U. S. Government Printing Office, 1951.). No início da década de 1950, liderou uma série de pesquisas em diversas localidades do Vale do São Francisco (Pierson, 194942 PIERSON, Donald. A preliminary survey of the Valley of São Francisco. Fundo Donald Pierson, pasta 72, 1949., 1972a38 PIERSON, Donald. O homem no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Ministério do Interior/SUVALE, 1972a. Vol. I., b39 PIERSON, Donald. O homem no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Ministério do Interior/SUVALE, 1972b. Vol. II., c40 PIERSON, Donald. O homem no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Ministério do Interior/SUVALE, 1972c. Vol. III., 198737 PIERSON, Donald. Algumas atividades no Brasil em prol da Antropologia e outras ciências sociais. In: CORRÊA, M. (ed.). História da Antropologia no Brasil (1930 - 1960). Testemunhos: Emílio Willems e Donald Pierson. Campinas: Unicamp, 1987. p. 30-116.).

Pierson também atuou como tradutor e editor de revistas científicas como Sociologia, além de organizar coleções de livros na área de ciências sociais. Em sintonia com a tradição de pesquisa promovida por Park na Universidade de Chicago, Pierson procurou fomentar no Brasil um tipo de sociologia alicerçada na investigação empírica. Ele também se esforçou para forjar uma identidade profissional para o sociólogo como cientista e pesquisador, desvinculando-o do mundo dos interesses e valores políticos. O impulso de Pierson para delinear o campo da sociologia científica encontra expressão no lema que por vezes utilizou para resumir a essência de suas atividades no Brasil – lema que conferia às suas atividades no país certo ar de missão: “pelo estabelecimento das disciplinas sociais como ciências”.12 12 Essa expressão, que sintetiza o desejo de Pierson de forjar uma identidade profissional para o cientista social, aparece reiteradamente em sua correspondência (Pierson, 1944a). Darcy Ribeiro utilizava os mesmos termos para afirmar seu compromisso com o projeto de Pierson. Ribeiro era parte do “círculo de correspondência” montado por Pierson em 1943, juntamente com Oracy Nogueira, Luiz de Aguiar Costa Pinto e outros (Ribeiro, 1943).

Pierson estava decidido a formar uma ampla rede de atores interessados nas ciências sociais de modo a garantir a circulação de suas ideias sobre o trabalho sociológico e as condições necessárias para que a disciplina obtivesse o status epistemológico de ciência. Sua visão sobre o papel da sociologia e do sociólogo não esteve restrita a seus alunos em São Paulo, como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Virgínia Leone Bicudo e Hiroshi Saito, mas também alcançou outras cidades e regiões do país, como é possível notar pela correspondência que manteve com nomes como os de Luiz de Aguiar Costa Pinto e Alberto Guerreiro Ramos, egressos das primeiras turmas de cientistas sociais da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (Maio; Lopes, 201526 MAIO, Marcos C.; LOPES, Thiago da C. “For the establishment of the social disciplines as sciences”: Donald Pierson e as ciências sociais no Rio de Janeiro (1942–1949). Sociologia e Antropologia, v. 5, n. 2, p. 343-380, 2015.).13 13 O papel de Pierson nos anos formativos de cientistas sociais como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Virgínia Leone Bicudo foi notado por diversos autores. Ver Cavalcanti (1996), Arruda (1995), Bomeny (2001), Maio (2010) e Cotrim e Maio (2021).

Nesta seção, analisamos as ideias de Pierson sobre a conceituação do próprio campo da sociologia, a identidade profissional que ele idealizava para seus praticantes e como suas perspectivas estiveram entrelaçadas com os debates sobre a natureza da ciência e da sociedade no final dos anos 1930 e início dos 1940. Não apenas a análise sociológica propriamente dita de Pierson sobre a sociedade brasileira estava enraizada em preocupações políticas historicamente circunscritas. Ao tentar demarcar as fronteiras disciplinares, ele invariavelmente teve que abordar as questões em pauta na época, particularmente as estratégias relativas à diplomacia cultural dos EUA na América Latina e o valor das democracias liberais ocidentais para a ciência em meio à ascensão das denominadas forças totalitárias. A defesa de Pierson da neutralidade axiológica para a sociologia, embora parte de seu discurso normativo sobre a nova ciência que desejava instituir, não nos deve impedir de examinar em que medida seus esforços fundacionais se nutriram de contingências sociais e políticas relacionadas tanto às relações EUA-Brasil quanto ao contexto internacional mais amplo.

Ao tempo em que Pierson estudou na Universidade de Chicago, seus pesquisadores se empenhavam em definir os limites disciplinares da sociologia, diferenciando-a sobretudo do campo do serviço social. Essa preocupação é evidente em Park, que tinha sérias reservas em relação ao tipo de intervenção típico dos “benfeitores” e reformadores em geral, como indicamos anteriormente.

Em seus primórdios, a sociologia praticada em Chicago se confundiu com o próprio movimento por reforma das condições de vida na cidade, um movimento fomentado por setores médios protestantes da sociedade norte-americana em resposta aos problemas sociais aguçados pela explosão populacional e pelo acelerado crescimento urbano-industrial (Coulon, 199513 COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas: Editora Papirus, 1995.; Valladares, 200570 VALLADARES, Lícia do P. (ed.). A Escola de Chicago: impacto de uma tradição no Brasil e na França. Belo Horizonte: UFMG; IUPERJ, 2005.).14 14 Sobre as estreitas conexões entre a sociologia e o serviço social nos primórdios das ciências sociais nos EUA, ver Lengermann e Niebrugge (2007). Entretanto, como indicou Bannister (1987)2 BANNISTER, Robert C. Sociology and scientism: the American quest for objectivity, 1880-1940. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1987. em seu conhecido estudo, a partir dos anos 1920, uma forte onda de objetivismo tomou conta da disciplina, e parte considerável de seus praticantes passaram a se pautar cada vez mais pelo paradigma das ciências naturais. Entre as ferramentas analíticas, aquelas mais favoráveis à quantificação, como a estatística, tornaram-se valorizadas.15 15 Mesmo Park, que possuía reservas quanto à quantificação nas ciências sociais, cunhou termos para designar novos campos de investigação que punham em evidência a valorização do modelo das ciências naturais, como a Ecologia Humana. Ele também exortou seus alunos a se distanciarem dos juízos de valor (Camic, 2007). De acordo com Steinmetz (2007), os modelos naturalistas e positivistas nas ciências sociais norte-americanas somente se tornaram hegemônicos no pós-Segunda Guerra. A retórica humanitária e reformadora foi sendo eclipsada por uma linguagem que apresentava a sociologia como uma ciência descritiva e analítica e identificava a tendência a prescrições e avaliações normativas como uma extrapolação do seu âmbito próprio.16 16 Alguns autores têm procurado compreender o impulso objetificante da sociologia tendo como referência transformações mais gerais no pensamento e na sociedade norte-americanas, como a preocupação crescente com questões de “eficiência” e “controle social” em meio à sensação de erosão dos valores e das normas compartilhadas (Bannister, 1987), ou o impacto do fordismo sobre a organização da vida social, especialmente no contexto metropolitano, conducente a uma forma de percepção do “social” que enfatizava regularidades e padrões, e sinalizava para a possibilidade de uma apreensão externa, não subjetiva, do “social” (Steinmetz, 2007). No nosso caso, mais do que compreender a gênese dessas visões epistemológicas, buscamos examinar, a partir da trajetória de Pierson e de sua atuação no Brasil, como elas se sustentaram e se modificaram à luz de circunstâncias políticas determinadas.

Em textos que escreveu no Brasil no início da década de 1940, Pierson reiteradamente descreveu as atividades da profissão de sociólogo e as normas que deveriam nortear sua conduta, também distinguindo insistentemente a sociologia de outros ramos do conhecimento interessados na vida social, como o pensamento social, a filosofia social, a ética e o serviço social. Ele argumentava que a sociologia, diferentemente desses outros campos, verificava sistematicamente hipóteses e teorias contra novos fatos descobertos por meio da pesquisa, usando esses últimos para confirmar, modificar ou refutar as primeiras. Ao colocar o sociólogo em contato com as coisas, para além do debate de ideias, a pesquisa levaria ao aprimoramento progressivo da teoria e ao acúmulo de proposições universalmente válidas – e isso, acreditava Pierson, era a melhor maneira de os sociólogos irem além das controvérsias filosóficas entre escolas e tradições nacionais e, com base no terreno neutro da realidade empírica, produzirem consensos epistêmicos relativamente duradouros (Pierson, 1945a44 PIERSON, Donald. Teoria e pesquisa em Sociologia. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1945a.).

Na avaliação de Pierson, a sociologia brasileira ainda estava em um estágio pré-científico, em grande parte porque carecia de profissionais com formação em pesquisa, aptos a se utilizarem de uma linguagem conceitual comum e ao trabalho científico coordenado. Em cartas a Luiz de Aguiar Costa Pinto, então professor adjunto de sociologia da Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro e um dos primeiros graduados em ciências sociais da instituição, Pierson afirmava que a disciplina, no Brasil, tendia a ser dominado por homens loquazes e amadores, geralmente médicos, engenheiros ou advogados. Nos tratados que escreviam, pontos de vista e teorias heterogêneos eram misturados e os dados eram manipulados livremente sem qualquer respaldo empírico. As declarações de Pierson não destoavam das aspirações intelectuais locais de transformar a sociologia em uma ciência genuína. Como se sabe, os expoentes do esforço de institucionalização das ciências sociais no contexto brasileiro com frequência buscaram marcar sua própria identidade, diferenciando-se das tradições intelectuais do passado. Foi nesse espírito que Pierson afirmou que muito “ecletismo”, “ginástica intelectual” e “falsas demonstrações de erudição” se faziam passar por sociologia no Brasil (Pierson, 1943a50 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 11 jun. 1943a., b, c).17 17 Sobre como as ciências sociais tentaram se distanciar da denominada tradição ensaística brasileira, ver Botelho (2010).

Ainda que não usasse do mesmo tom publicamente, em razão sobretudo do contexto diplomático que cercava sua estada no Brasil, como veremos mais à frente, a avaliação de Pierson sobre a produção sociológica local permanecia substancialmente a mesma em seus artigos. Ao examinar a bibliografia publicada no Brasil até 1940, observou tratar-se de estudos vinculados a outras áreas, como história, geografia, economia ou etnologia, ou de comentários acadêmicos sobre a sociedade e a cultura brasileiras. Pierson sustentou que, embora essa literatura oferecesse insights valiosos e hipóteses de pesquisa, principalmente em se tratando dos estudos históricos, romances e diários de viagem, a maior parte consistia em dados compilados de forma não sistemática ou em análises de natureza especulativa e normativa (Pierson, 1945c46 PIERSON, Donald. Survey of the literature on Brazil of sociological significance published up to 1940. Cambridge: Harvard University Press; The Joint Committee on Latin American Studies, 1945c.).

Não obstante, Pierson se mostrava otimista quanto ao futuro da sociologia brasileira e acreditava que seu desenvolvimento seguiria um caminho semelhante ao que a área havia tomado nos EUA. Em sua previsão, a mudança social daria um grande impulso à institucionalização da sociologia (Pierson, 1943c52 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 2 ago. 1943c.). As crescentes industrialização e urbanização acabariam por estimular o amplo interesse da sociedade pela disciplina, dada a necessidade de compreender os problemas sociais oriundos do mundo tradicional, tais como crime organizado, delinquência juvenil, imigração, sofrimento mental e suicídio – todos esses, fenômenos que os sociólogos da Universidade de Chicago relacionavam ao contexto urbano das metrópoles modernas (Pierson, 194643 PIERSON, Donald. É ciência a Sociologia? Sociologia, v. 8, n. 2, p. 90-102, 1946., p. 102). Escrevendo a Costa Pinto, em uma passagem característica da visão pragmática sobre o conhecimento compartilhada pelos sociólogos de Chicago, Pierson observava: “uma vez que o homem só pensa ao enfrentar problemas, vai haver aqui mais pensamento sobre assuntos sociais. E, havendo mais preocupação, haverá, sem dúvida, mais desejo de estudar e pesquisar no nosso campo” (Pierson, 1943c52 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 2 ago. 1943c.).

A compreensão de Pierson acerca do conhecimento científico guardava afinidades com a tradição filosófica pragmatista norte-americana, da qual seu mentor acadêmico, Park, manteve-se próximo em seus anos formativos.18 18 Sobre a relação da sociologia de Pierson com o pragmatismo filosófico, ver Vila Nova (1998). Pierson, no entanto, demonstrava reservas quanto à efetiva aplicação da sociologia no curto prazo. Embora afirmasse que o objetivo de controlar a natureza (nela incluídos os fenômenos sociais) era parte do empreendimento científico da modernidade, ele considerava que os processos sociais só poderiam ser manejados com eficácia quando as ciências sociais alcançassem um nível de desenvolvimento comparável ao da física. Até lá, ainda que sociólogos viessem sendo postos “sob a pressão de alguns governos, aliás, bem intencionados, para resolverem, desde já, seus problemas práticos”, seria presunçoso e desonesto pensar que eles estariam em “condições dar, de maneira certa, todos os conselhos que se desejam” (Pierson, 194643 PIERSON, Donald. É ciência a Sociologia? Sociologia, v. 8, n. 2, p. 90-102, 1946., p. 102).

É sintomático da visão de Pierson acerca do papel do sociólogo o fato de que ele tenha considerado a aplicação do conhecimento como um momento distinto e derivado da produção do conhecimento propriamente dita ou do avanço teórico da ciência. Recorrendo a um argumento semelhante àquele usado pelos primeiros professores da disciplina na Universidade de Chicago, como William Thomas, Pierson argumentava que, embora a aplicabilidade fosse um critério relevante na validação do conhecimento científico, os possíveis interesses na aplicação da ciência deveriam ser deixados de fora do processo investigativo. Segundo esse argumento, se os sociólogos orientassem de partida suas pesquisas de acordo com fins práticos, a objetividade dos procedimentos investigativos e, em última análise, a própria possibilidade de obtenção de eventuais resultados práticos advindos do estudo sociológico ficariam comprometidas.19 19 Para a perspectiva de William Thomas sobre a questão, ver Wegner (1993). No entender de Pierson, a receptividade de um sociólogo a interesses externos ao campo científico era incompatível com seu dever profissional de tentar, por todos os meios, controlar os vieses que sobre ele forçosamente recaíam enquanto membro de uma determinada cultura, época e classe social (Pierson, 194643 PIERSON, Donald. É ciência a Sociologia? Sociologia, v. 8, n. 2, p. 90-102, 1946., p. 90).

A insistência de Pierson em distinguir a produção do conhecimento sociológico de sua aplicação também refletia a preocupação de que os sociólogos se excedessem em suas atividades profissionais tentando definir o uso social de seus resultados de pesquisa. Mesmo que os sociólogos pudessem elucidar os mecanismos subjacentes aos processos sociais, eles deveriam permanecer dentro da esfera estrita da ciência e jamais procurar determinar os fins ou ideais a serem perseguidos por indivíduos e grupos.

Embora o esforço de Pierson em vigiar as fronteiras disciplinares da sociologia guardasse evidentes conexões com o contexto intelectual norte-americano, ele adquiria sentidos particulares nas circunstâncias de sua fixação no Brasil, em que qualquer suspeita sobre o possível caráter político de sua atuação deveria ser afastada.

Pierson foi convidado a integrar o corpo docente da ELSP em 1939, quando a Política da Boa Vizinhança lançada pelo Governo Roosevelt finalmente avançava no terreno das relações culturais.20 20 Em 1938, alguns anos após o acordo, celebrado na Conferência Pan-Americana de Buenos Aires, sobre o intercâmbio acadêmico entre as Américas, foi criada, no interior do Departamento de Estado norte-americano, a Divisão de Relações Culturais, que atuou inicialmente tendo como foco especial a América Latina. Passos decisivos na construção dessa política foram analisados por Espinosa (1977). Sua contratação, que envolveu a articulação do Departamento de Estado e do cônsul geral de São Paulo, Carol Foster, com membros da elite paulista favoráveis aos EUA, ocorreu em um momento de crescente preocupação, em Washington, com a penetração ideológica e cultural do nazifascismo na América Latina e o que esta poderia representar em termos de ameaça à segurança do hemisfério ocidental considerando-se a guerra iminente na Europa.21 21 Em telegrama ao Departamento de Estado, Foster havia assinalado a importância de os EUA contarem com um professor no Brasil capaz de apoiar “a promoção da cooperação intelectual e cultural entre os dois países” (Foster, 1939).

No início de 1939, após viagem de reconhecimento de Ben Cherrington, chefe da então recém-fundada Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado, a diferentes cidades sul-americanas por ocasião da Conferência Interamericana de Lima, no Peru, a cidade de São Paulo havia sido considerada local estratégico a partir do qual os EUA poderiam estreitar os laços, no plano científico, intelectual e artístico, com os países da região. Até então, a presença norte-americana no cenário acadêmico brasileiro era tímida em comparação com a atuação de europeus, que contavam com apoio significativo de seus respectivos governos para o desenvolvimento de suas atividades. Em realidade, os EUA ainda hesitavam em dotar o Estado de maior protagonismo em suas relações culturais, agarrando-se à postura tradicional nesse setor, informada pelo credo de que a aproximação entre povos e culturas deveria ser da alçada dos particulares e das instituições da sociedade civil nela interessadas.22 22 Em 1940, logo após a tomada de Paris pelas tropas de Hitler, Roosevelt instituiu o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, agência comandada por Nelson Rockefeller e criada emergencialmente por ordem do Conselho de Defesa Nacional com o objetivo de se contrapor à influência nazifascista no continente. Tal medida representou uma mudança significativa na postura dos norte-americanos, de não ingerência estatal, no campo das trocas científicas, intelectuais e artísticas entre as nações, lançando-os mais abertamente no terreno da propaganda pró-EUA (Ninkovich, 1981).

Os anos iniciais de Pierson no país foram, ademais, críticos para as relações Brasil - EUA, dada a apreensão de Washington quanto às atitudes ambivalentes do governo Vargas relativamente às forças em conflito no cenário internacional, o que Moura (2012)32 MOURA, Gerson. Relações exteriores do Brasil: mudança na natureza das relações Brasil–Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. classificou como uma política externa de “equilíbrio pragmático”. Além de ministros do governo simpáticos ao nazifascismo, como Francisco Campos e Eurico Gaspar Dutra, e da presença conspícua de professores italianos e franceses no mundo universitário em construção, incidentes diplomáticos envolvendo intelectuais norte-americanos haviam acendido o alerta do consulado de São Paulo para a suscetibilidade dos brasileiros em relação ao que poderia ser percebido como ingerência indevida de estrangeiros nos assuntos domésticos do país.

O caso de Paul Vanorden Shaw, professor de História da Civilização Americana da Universidade de São Paulo, é significativo a esse respeito. Filho de missionário presbiteriano que viera ao Brasil para lecionar no colégio Mackenzie, em São Paulo, ainda no final do século XIX, Shaw havia se formado pelo Departamento de História da Universidade de Columbia e trabalhado como professor de História Latino-Americana no Panamá. Seu ingresso no corpo docente da USP em 1936 foi considerado por Carol Foster, que intermediara as negociações para sua contratação, um passo importante para o desenvolvimento das relações culturais. Shaw não tardou, porém, em despertar a apreensão do corpo diplomático. Adepto de uma postura mais agressiva dos EUA no terreno das trocas acadêmicas com o Brasil, capaz de contrabalançar a influência europeia, ele passou a colaborar com jornais como o Estado de São Paulo, escrevendo sobre aspectos sensíveis da conjuntura nacional e internacional e tomando partido da “democracia americana” contra os “totalitarismos” da Europa central. Seus posicionamentos públicos tornaram frágil sua posição na USP e o próprio embaixador norte-americano, Jefferson Caffery, por vezes teve de intervir junto ao ministro Francisco Campos para garantir sua permanência no cargo. Considerado boquirroto pelos diplomatas, Shaw proferiu uma conferência para alunos de Harvard em visita a São Paulo em que traçava um diagnóstico pessimista sobre as possibilidades de o Brasil se defender em caso de guerra dado o conjunto de seus problemas sociais e econômicos, fala que repercutiu mal entre os brasileiros presentes e que precipitou, em fins de 1940, seu desligamento da universidade.23 23 Um exame do incidente diplomático a partir da forma como diplomacia cultural norte-americana vinha sendo implementada no Brasil encontra-se em Lopes (2020).

O fato de um norte-americano ter despertado a hostilidade do governo brasileiro não passou despercebido por Pierson. Ainda que considerasse fantasiosa a forma como o Shaw enxergava seu envolvimento nas disputas diplomáticas em curso, Pierson achou por bem, desde o início de suas atividades em São Paulo, adotar uma linha de ação mais discreta. Conforme confidenciou em carta a Park, ele havia optado pelo trabalho científico rigoroso e metódico no lugar de demonstrações ostensivas de apoio aos EUA. A atividade acadêmica, caso realizada a contento, renderia frutos cujo valor seria fatalmente reconhecido pelos brasileiros:

tentei sugerir [ao sr. Shaw] a vantagem, tal como a vejo, de se estabelecer uma base firme e relativamente permanente de cooperação, trazendo pesquisadores e scholars americanos já interessados no Brasil como campo para pesquisas, e deixando que eles sobressaiam por conta própria como indivíduos e não como representantes de uma “missão” tomada por uma obstinação santa [“holy resolve”] em fazer avançar as cores da cultura americana

(Pierson, 193953 PIERSON, Donald. Carta para Robert Park. Fundo Donald Pierson, pasta 2, p. 5. 12 nov. 1939.).

Dada a natureza política das críticas que haviam indisposto Shaw com as autoridades brasileiras, Pierson se mostrava, ademais, aliviado por ter sido desobrigado pela direção da ELSP da tarefa de ministrar, ao lado da Sociologia, aulas de Ciência Política, encarregando-se, em seu lugar, do curso de Antropologia Social. Na mesma carta a seu antigo professor, ele afirmava que fenômenos sociais como as “revoluções” haviam ficado de fora do curso introdutório à Sociologia que planejava para o ano de 1940 (Pierson, 193953 PIERSON, Donald. Carta para Robert Park. Fundo Donald Pierson, pasta 2, p. 5. 12 nov. 1939.).

Ainda que insuflado pelo ethos científico que os setores mainstream da sociologia nos EUA buscavam vincular à sua atividade profissional, Pierson tendeu a reforçar a rígida demarcação de fronteiras que deveria existir entre a ciência e a política à luz do intrincado contexto diplomático em que seu estabelecimento no Brasil se processou. Considerando-se o processo de frágil e incipiente institucionalização das ciências sociais no país, a própria viabilidade de seu projeto acadêmico-intelectual, que detinha valor em si mesmo a seus olhos, dependia do grau em que os EUA lograssem avançar no estreitamento das relações de cooperação com a América Latina.

A questão do financiamento das atividades de Pierson no Brasil, um desafio perene para o sociólogo, evidencia de que modo seus esforços acadêmicos se articulavam à agenda diplomática. Ao chegar a São Paulo, Pierson possuía a expectativa de que uma das grandes instituições filantrópicas dos EUA, como a Fundação Rockefeller, complementasse seus rendimentos oriundos da ELSP. Mas já nos primeiros anos da guerra, momento em que a instituição paulista, mergulhada em grave crise financeira, não pôde mais arcar com os serviços do sociólogo, a continuidade de suas atividades no Brasil pareceu estar continuamente ameaçada.

Depois de se arrastar por mais de um ano nas malhas da burocracia e pôr à prova o valor do trabalho de Pierson para a diplomacia cultural dos EUA, o sociólogo obteve, para os anos de 1942 e 1943, a concessão de recursos extraordinários dos cofres do governo norte-americano administrados pelo escritório de Nelson Rockefeller (Mauck, 194228 MAUCK, Willfred. Memorandum “Supporting material for Revision No. 1 of Project Authorization on ‘Aid to Escola Livre de Sociologia e Politica in Sao Paulo, Brazil’”. 13 nov. 1942. 4f. NARA, Record Group 229, Coordinator’s office of Inter-American Affairs, arquivos centrais, caixa 418, pasta “AID to Escola”.). Ao fim desse período, o então cônsul em São Paulo, Cecil Cross, escreveu a Washington solicitando que o governo federal realmente considerasse manter o auxílio ao professor da ELSP dada sua contribuição para a “reputação da cultura acadêmica norte-americana” no Brasil (Cross, 194315 CROSS, Cecil [American Consul General]. Ofício para o Departamento de Estado, Washington D.C., 8 out. 1943. 1 f. NARA, Record Group 84, Foreign Service Posts of the Departament of State. Consulado de São Paulo, registro geral, 1936-1955. vol. VIII, caixa 65, 1943. [Correspondência]). Para os anos de 1944 e 1945, Pierson obteve bolsa de professor visitante vinculado ao Departamento de Estado na categoria “professorial mission”, criada no interior da Divisão de Relações Culturais daquele órgão, o que lhe permitiu subsidiar sua permanência em São Paulo (Brickell, 19455 BRICKELL, Herschel [Assistant Chief, Division of Cultural Cooperation]. Carta para Julian Steward, 6 abr. 1945, Washington D.C. National Anthropological Archives, Institute of Social Anthropology, caixa 9, Donald Pierson, 1942-1945. [Correpondência]). Escrevendo a seu antigo professor de Chicago, o antropólogo Robert Redfield, em fins de 1944, Pierson, ainda assim, observava: “nosso problema principal no momento é financeiro. O auxílio a mim mesmo está ainda nas mãos um tanto precárias de políticos norte-americanos que nem sempre compreendem os interesses e as atividades ligadas à pesquisa” (Pierson, 1944c49 PIERSON, Donald. Carta para Robert Redfield. Fundo Donald Pierson, pasta 2, p. 2., 12 ago. 1944c.).

Aos olhos de Pierson, seu projeto acadêmico parecia depender não apenas do aprofundamento das relações diplomáticas Brasil - EUA, mas também de determinadas condições políticas mais gerais das sociedades modernas. O contexto da guerra, muitas vezes lido, no plano ideológico, como uma prova de resistência das democracias contra os regimes totalitários emergentes, contribuiu para reforçar as posições de Pierson relativamente ao ideal de uma ciência social axiologicamente neutra e apartada do mundo da política. Nesse caso, tanto a defesa da prática científica institucionalizada parecia depender da defesa da ordem liberal-democrática quanto esta daquela. Conforme uma das leituras que se tornaram comuns a partir dos trabalhos de Robert Merton, a ordem liberal moderna, promovendo uma distribuição pluralística da autoridade, teria oferecido as condições sociopolíticas e institucionais para que, uma vez reconhecida como uma atividade social legítima em si mesma, a ciência se mantivesse ao abrigo de pressões externas (Merton, 193829 MERTON, Robert. Science and the social order. Philosophy of Science, v. 5, n. 3, p. 321-337, 1938., p. 327).

Em artigo de 1938, Merton advertia seus leitores de que, a partir da agitação e da politização permanente e ubíqua da sociedade, regimes totalitários como a Alemanha de Hitler acabavam borrando as fronteiras entre ciência e política e solapando a autonomia relativa da primeira. A ideia de que traços do ethos científico como o desinteresse e a impessoalidade constituiriam uma quimera, e de que as descobertas e proposições científicas seriam invariavelmente expressões das filiações nacionais, étnicas ou de classe do cientista, é vista por Merton como reflexo do impulso totalitário em submeter todos os segmentos da estrutura social, inclusive a comunidade científica, à lógica expansionista do poder do Estado, exigindo-lhes lealdade aos princípios do partido. Caso difundida entre os leigos, tal leitura reducionista, que Merton também identifica em variações da sociologia do conhecimento de Karl Mannheim vigentes na Alemanha, alimentaria a descrença na ciência e o desprestígio do resultado do trabalho científico, considerado como arbitrário (Merton, 193829 MERTON, Robert. Science and the social order. Philosophy of Science, v. 5, n. 3, p. 321-337, 1938., p. 328).

Pierson parecia movido por considerações semelhantes em sua reação ao que enxergava como uma extrapolação da esfera de atuação dos sociólogos. Ele deixou muito clara sua posição, em março de 1944, ao criticar Costa Pinto, seu correspondente regular nos círculos sociológicos do Rio de Janeiro, quando este último passou a defender, nos jornais, que os sociólogos deveriam se posicionar em relação à guerra. A American Sociological Society havia divulgado um relatório sobre a relação entre o ensino de sociologia nos EUA e a Segunda Guerra Mundial, o que estimulou Costa Pinto a declarar em artigo publicado no jornal Diário de Notícias que os professores de sociologia deveriam intervir em um mundo atormentado por convulsões sociais, transmitindo aos seus alunos os valores que inspiravam a “guerra antifascista”, como o das “liberdades fundamentais”, e contribuindo para a reconstrução da ordem mundial com base na aplicação desses princípios (Costa Pinto, 194411 COSTA PINTO, Luiz. Tendências recentes do ensino das ciências sociais: Sociologia. Diário de Notícias, 19 mar. 1944.). Em uma passagem que parece inspirada em Merton, Pierson advertia Costa Pinto de que os cientistas sociais que assumiam tal postura se arriscavam a se tornar “meros servos e propagandistas de um ‘ismo’ particular e limitado, como infelizmente ocorreu na Alemanha nos últimos anos” (Pierson, 1944a47 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 19 abr. 1944a.). Em tom weberiano, Pierson afirmava categoricamente que a ciência nunca poderia definir os fins morais e políticos que os indivíduos deveriam perseguir. Conforme argumentava, embora os cientistas sociais não devessem permanecer alheios aos “problemas sociais”, eles deveriam reconhecer os limites do exercício de sua autoridade científica: “não posso concordar [...] em que o papel do cientista social é dizer às pessoas ‘o que é certo e o que é errado’. Essa tarefa pertence à ética e à religião. A ciência é capaz de dizer aos homens o que eles podem fazer, nunca o que deveriam fazer [ênfase no original]” (Pierson, 1944a47 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 19 abr. 1944a.). Em um mundo em que os totalitarismos ameaçavam fazer o poder político penetrar em todas as esferas da vida social, desmanchando fronteiras e desacreditando a ciência, a autocontenção dos sociólogos em sua área própria de atuação parecia, aos olhos de Pierson, a melhor maneira para o fortalecimento da autoridade científica.

No plano epistemológico, Pierson acreditava que garantir a autonomia da atividade científica do sociólogo era importante para salvaguardar a ciência da influência de valores e interesses externos. No nível político, o sociólogo partia da premissa de que, embora especialistas pudessem contribuir para a opinião pública e o governo, esclarecendo o conteúdo e os procedimentos relacionados à implementação de determinada política, eles também deveriam reconhecer que, em última análise, cabia ao conjunto dos cidadãos tomar as decisões políticas sobre o futuro da coletividade. A ciência poderia proporcionar às pessoas os meios, mas não os fins. Em suma, o trabalho do sociólogo profissional, tal como imaginado por Pierson, era corolário de uma forma de organização social que se pretendia democrática, ao estilo do liberalismo político.

A posição acadêmica de Pierson no Brasil somente adquiriu maior estabilidade com sua vinculação profissional, a partir da segunda metade dos anos 1940, ao Institute of Social Anthropology (ISA), do qual passou a atuar como principal representante no país ao lado do antropólogo de origem canadense Kalervo Oberg. Divisão do Department of American Ethnology da Smithsonian Institution, complexo de museus e centros de pesquisa com sede em Washington e administrado pelo governo norte-americano, o ISA foi fundado em 1943 na esteira da Política de Boa Vizinhança de Roosevelt e dos esforços de estreitamento das trocas científicas entre as Américas, tendo como seu primeiro diretor o antropólogo Julian Steward. Seus objetivos iniciais estiveram relacionados à promoção de atividades de ensino e pesquisa em países latino-americanos com base em acordos de cooperação entre os EUA e instituições locais. A própria atividade que Pierson vinha desenvolvendo em São Paulo teria servido de inspiração para a organização e a expansão das atividades do ISA em países como México, Peru e Colômbia em meados dos anos 1940. Com o patrocínio da agência, cujos recursos provinham do Departamento de Estado, Pierson empreendeu, ao lado de estudantes sob seu treinamento, surveys em localidades rurais do estado de São Paulo que resultaram em estudo de maior profundidade em Araçariguama. Também sob os auspícios do ISA, o sociólogo empreendeu o amplo projeto coletivo de pesquisas no Vale do São Francisco (Maio et al., 201327 MAIO, Marcos C.; OLIVEIRA, Nemuel da S.; LOPES, Thiago da C. Donald Pierson e o Projeto do Vale do Rio São Francisco: cientistas sociais em ação na era do desenvolvimento. Dados, v. 56, n. 2, p. 245-284, 2013.).

Considerações finais

Donald Pierson é conhecido por suas iniciativas acadêmicas no Brasil, especialmente por seus esforços para institucionalizar as ciências sociais em nível universitário. Fixando-se no país alguns anos após a defesa de sua tese sobre as relações raciais na Bahia, ele perseguiu uma agenda intelectual centrada nesses objetivos. Ainda assim, suas atividades como homem de ciência dedicado ao avanço do conhecimento não transcorreram em um vazio de valores sociais e políticos. A definição do campo da sociologia por parte do sociólogo implicava, ao mesmo tempo e necessariamente, pressuposições sobre o modelo de ordem social em que aquela disciplina científica poderia vicejar. Seus esforços para delimitar as fronteiras da sociologia científica, dotando-a de autonomia frente a outras esferas da vida social, tiveram lugar em circunstâncias determinadas cujo exame nos ajuda a compreender a historicidade das ideias e das práticas científicas que advogou. Também a análise das visões sociológicas substantivas que Pierson esposou sobre a sociedade brasileira evidencia de que modo sua produção intelectual esteve inscrita em discussões políticas candentes do período. Uma investigação atenta do contexto em que suas ideias vieram à luz e da forma como o sociólogo procurou, a cada momento, proteger a sociologia de valores e interesses considerados externos à ciência nos permite melhor compreender, em perspectiva histórica, os primeiros passos das ciências sociais no país e o papel das relações Brasil - EUA nesse processo.

  • 1
    Avaliações acerca dos esforços de Pierson em torno do estabelecimento da sociologia como ciência no Brasil tenderam a acompanhar seu próprio relato (Pierson, 198737 PIERSON, Donald. Algumas atividades no Brasil em prol da Antropologia e outras ciências sociais. In: CORRÊA, M. (ed.). História da Antropologia no Brasil (1930 - 1960). Testemunhos: Emílio Willems e Donald Pierson. Campinas: Unicamp, 1987. p. 30-116.). Ver, por exemplo, Oliveira (1995)34 OLIVEIRA, Lucia L. A sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995., Villa Nova (1998)71 VILA NOVA, Sebastião. Donald Pierson e a Escola de Chicago na Sociologia brasileira: entre humanistas e messiânicos. Lisboa: Coleção Vega Universidade, 1998. e Brochier (2011)6 BROCHIER, Christophe. De Chicago à São Paulo : Donald Pierson et la sociologie des relations raciales au Brèsil. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, v. 25, n. 2, p. 293-324, 2011..
  • 2
    Na tentativa de contornar as antigas querelas entre internalistas e externalistas e as análises mais tradicionais calcadas no exame dos fatores sociais e políticos que exerceriam pressão, desde fora, sobre a atividade científica e a produção do conhecimento, os estudos sociais da ciência têm, contemporaneamente, enfatizado a coprodução da ciência e da sociedade, insistindo na investigação atenta das práticas e dos processos que conformam ambas (Felt at al., 201717 FELT, Ulrike et al. The handbook of science and technology studies. 4. ed. Cambridge: The MIT Press, 2017.). Os trabalhos de cientistas sociais como Bruno Latour (1987)19 LATOUR, Bruno. Science in action: how to follow scientists and engineers through society. Cambridge: Harvard University Press, 1987. e Michel Callon (1987)7 CALLON, Michel. Society in the making: the study of technology as a tool for sociological analysis. In: BIJKER, W. et al. (ed.). The social construction of technical systems: new directions in the Sociology and History of technology. Londres: The MIT Press, 1987. p. 83-103. contribuíram em grande medida para colocar o debate nesses termos, assim como estudos em história da ciência influenciados pelo denominado Programa Forte, como é o caso, em particular, da conhecida obra de Shapin e Schaffer (1985/2011)65 SHAPIN, Steven; SCHAFFER, Simon. Leviathan and the Air-Pump: Hobbes, Boye, and the Experimental Life. Nova Jersey: Princeton University Press, 1985/2011..
  • 3
    Sobre as perspectivas sociológicas de Park, ver Chapoulie (2011)10 CHAPOULIE, Jean-Michel. La tradition sociologique de Chicago, 1892-1961. Paris: Éditions du Seuil, 2001..
  • 4
    A respeito dos debates que marcaram o ativismo negro no período, ver, por exemplo, Moore (2003)30 MOORE, Jacqueline M. Booker T. Washington, W. E. B. Dubois, and the struggle for racial uplift. Wilmington: Scholarly Resources, 2003..
  • 5
    Um dos objetivos da exposição era sinalizar para um público internacional as conquistas econômicas até então obtidas pelos estados sulistas nos EUA. Em seu discurso conhecido como “Compromisso de Atlanta”, dirigido a uma plateia majoritariamente branca, Washington argumentava que os negros poderiam contribuir para o desenvolvimento da região, caso lhes fossem dadas oportunidades de estudo e trabalho. Sua disposição em cooperar com os brancos deveria estar acima de qualquer suspeita: “Do mesmo modo como lhes demonstramos nossa lealdade no passado, no cuidado de seus filhos, na vigília ao leito de suas mães e pais enfermos, muitas vezes acompanhando-os ao túmulo com os olhos marejados, também no futuro, de nossa maneira humilde, estaremos ao seu lado com uma devoção que nenhum estrangeiro pode igualar, prontos a dar nossa vida, se necessário for, em defesa da sua, entrelaçando nossa vida industrial, comercial, civil e religiosa com a sua de modo a tornar um só os interesses de ambas as raças. Em tudo o que é puramente social, podemos ser tão distintos quanto os dedos, ainda assim, podemos agir como uma só mão em todas as coisas essenciais ao progresso mútuo”. Aos que demandavam imediata equiparação de direitos, Washington retorquia: “Os mais sábios de minha raça entendem que a agitação de questões de igualdade social é uma extrema estupidez, e que o avanço no gozo de todos os privilégios, que um dia teremos, deve ser o resultado de uma luta séria e constante, e não produto artificial de pressionamento. Nenhuma raça que tenha algo a contribuir para os mercados do mundo ficará excluída por muito tempo. É importante e correto que tenhamos todos os privilégios da lei, mas é imensamente mais importante que estejamos preparados para o exercício desses privilégios. A oportunidade de ganhar um dólar em uma fábrica neste momento vale infinitamente mais do que a oportunidade de gastar um dólar em um teatro.” (Washington, 197473 WASHINGTON, Booker T. The standard printed version of the Atlanta Exposition address, sept. 18th, 1985. In: HARLAN, L. (ed.). The Booker T. Washington Papers. Chicago: University of Illinois Press, 1974. Vol. 3, p. 583-587., p. 586-587).
  • 6
    Sobre as circunstâncias que envolvem as viagens nacionais e internacionais de Pierson à época de sua pesquisa, ver Pierson (1987)37 PIERSON, Donald. Algumas atividades no Brasil em prol da Antropologia e outras ciências sociais. In: CORRÊA, M. (ed.). História da Antropologia no Brasil (1930 - 1960). Testemunhos: Emílio Willems e Donald Pierson. Campinas: Unicamp, 1987. p. 30-116.; Silva (2012)66 SILVA, Isabela O. P. da. De Chicago a São Paulo: Donald Pierson no mapa das Ciências Sociais. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-13112015-125454
    https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-13...
    ; Maio e Lopes (2017)25 MAIO, Marcos C.; LOPES, Thiago da C. Entre Chicago e Salvador: Donald Pierson e o estudo das relações raciais. Estudos Históricos, v. 30, n. 60, p. 115-140, 2017..
  • 7
    Pierson (1945b, p. 222-228)45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b. retratou situações de conflito ao longo de sua obra, particularmente em suas análises de como negros, brancos e mulatos se relacionavam em seu cotidiano.
  • 8
    Alguns autores apontaram hesitações de Pierson durante seu trabalho de campo. Ver Romo (2010) e Brochier (2011)6 BROCHIER, Christophe. De Chicago à São Paulo : Donald Pierson et la sociologie des relations raciales au Brèsil. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, v. 25, n. 2, p. 293-324, 2011..
  • 9
    Pierson (1945b)45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b. se apegaria a essa definição nos anos seguintes, quando seu trabalho começou a enfrentar críticas crescentes.
  • 10
    Embora Pierson (1945b)45 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942/1945b. pareça ter encontrado em Vianna o respaldo para sua tese de que a população baiana vinha se embranquecendo gradativamente à medida que os mulatos incorporavam os negros e os brancos incorporavam os mulatos, o sociólogo norte-americano buscou apoio em Freyre ao examinar como o processo de ascensão social gradual dos mulatos contribuía para moldar o padrão de relações raciais característico do Brasil.
  • 11
    Samuel Lowrie havia sugerido que Pierson o substituísse nas atividades de ensino e pesquisa em São Paulo. Segundo Lowrie, embora Pierson, à diferença de outros candidatos, não dispusesse ainda de uma reputação acadêmica bem estabelecida, ele vinha estudando o Brasil, era conhecido pelos intelectuais do país e estava prestes a publicar sua tese sob a orientação de Park, uma das maiores autoridades em matéria de relações raciais nos EUA (Lowrie, 193923 LOWRIE, Samuel. Letter to Carol Foster. National Archives and Records Administration, College Park, 1 July 1939. Record Group 84, Consulado de São Paulo, registro geral, 1936-1955, caixa 33, 1939.).
  • 12
    Essa expressão, que sintetiza o desejo de Pierson de forjar uma identidade profissional para o cientista social, aparece reiteradamente em sua correspondência (Pierson, 1944a47 PIERSON, Donald. Carta para Luiz de Aguiar Costa Pinto. Fundo Donald Pierson, pasta 39, 19 abr. 1944a.). Darcy Ribeiro utilizava os mesmos termos para afirmar seu compromisso com o projeto de Pierson. Ribeiro era parte do “círculo de correspondência” montado por Pierson em 1943, juntamente com Oracy Nogueira, Luiz de Aguiar Costa Pinto e outros (Ribeiro, 194360 RIBEIRO, Darcy. Carta para Oracy Nogueira. Fundo Donald Pierson, pasta 37, 8 nov. 1943.).
  • 13
    O papel de Pierson nos anos formativos de cientistas sociais como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Virgínia Leone Bicudo foi notado por diversos autores. Ver Cavalcanti (1996)9 CAVALCANTI, Maria L. V. de C. Oracy Nogueira e a Antropologia no Brasil: O estudo do estigma e do preconceito racial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 11, p. 5-28, 1996., Arruda (1995)1 ARRUDA, Maria A. do N. A sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a “escola paulista”. In: MICELI, S. (ed.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré; Fapesp, 1995. Vol. 2, p. 107-232., Bomeny (2001)3 BOMENY, Helena. Darcy Ribeiro: sociologia de um indisciplinado. Belo Horizonte: UFMG, 2001., Maio (2010)24 MAIO, Marcos C. Educação sanitária, estudos de atitudes raciais e psicanálise na trajetória de Virgínia Leone Bicudo. Cadernos Pagu, n. 35, p. 309-355, 2010. e Cotrim e Maio (2021)12 COTRIM, Aline de Sá; MAIO, Marcos C. O nascimento de uma produção sociológica: os estudos de Hiroshi Saito sobre a imigração japonesa no Brasil (1947-1953). Contemporânea: Revista de Sociologia, v. 11, n. 1, p. 201-227, 2021..
  • 14
    Sobre as estreitas conexões entre a sociologia e o serviço social nos primórdios das ciências sociais nos EUA, ver Lengermann e Niebrugge (2007)20 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE, Gillian. Thrice told: narratives of Sociology’s relation to social work. In: CALHOUN, C. (ed.). Sociology in America: a history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 63-114..
  • 15
    Mesmo Park, que possuía reservas quanto à quantificação nas ciências sociais, cunhou termos para designar novos campos de investigação que punham em evidência a valorização do modelo das ciências naturais, como a Ecologia Humana. Ele também exortou seus alunos a se distanciarem dos juízos de valor (Camic, 20078 CAMIC, Charles. On edge: Sociology during the Great Depression and the New Deal. In: CALHOUN, C. (ed.). Sociology in America: a history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 225-280.). De acordo com Steinmetz (2007)67 STEINMETZ, George. American Sociology before and after World War II: the (temporary) settling of a disciplinary field. In: CALHOUN, C. (ed.). Sociology in America: a history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 314-366., os modelos naturalistas e positivistas nas ciências sociais norte-americanas somente se tornaram hegemônicos no pós-Segunda Guerra.
  • 16
    Alguns autores têm procurado compreender o impulso objetificante da sociologia tendo como referência transformações mais gerais no pensamento e na sociedade norte-americanas, como a preocupação crescente com questões de “eficiência” e “controle social” em meio à sensação de erosão dos valores e das normas compartilhadas (Bannister, 19872 BANNISTER, Robert C. Sociology and scientism: the American quest for objectivity, 1880-1940. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1987.), ou o impacto do fordismo sobre a organização da vida social, especialmente no contexto metropolitano, conducente a uma forma de percepção do “social” que enfatizava regularidades e padrões, e sinalizava para a possibilidade de uma apreensão externa, não subjetiva, do “social” (Steinmetz, 200767 STEINMETZ, George. American Sociology before and after World War II: the (temporary) settling of a disciplinary field. In: CALHOUN, C. (ed.). Sociology in America: a history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 314-366.). No nosso caso, mais do que compreender a gênese dessas visões epistemológicas, buscamos examinar, a partir da trajetória de Pierson e de sua atuação no Brasil, como elas se sustentaram e se modificaram à luz de circunstâncias políticas determinadas.
  • 17
    Sobre como as ciências sociais tentaram se distanciar da denominada tradição ensaística brasileira, ver Botelho (2010)4 BOTELHO, André. Passado e futuro das interpretações do país. Tempo Social, v. 22, n. 1, p. 46-66, 2010..
  • 18
    Sobre a relação da sociologia de Pierson com o pragmatismo filosófico, ver Vila Nova (1998)71 VILA NOVA, Sebastião. Donald Pierson e a Escola de Chicago na Sociologia brasileira: entre humanistas e messiânicos. Lisboa: Coleção Vega Universidade, 1998..
  • 19
    Para a perspectiva de William Thomas sobre a questão, ver Wegner (1993)75 WEGNER, Robert. Teoria sociológica na Escola de Chicago: a obra de William Isaac Thomas. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993..
  • 20
    Em 1938, alguns anos após o acordo, celebrado na Conferência Pan-Americana de Buenos Aires, sobre o intercâmbio acadêmico entre as Américas, foi criada, no interior do Departamento de Estado norte-americano, a Divisão de Relações Culturais, que atuou inicialmente tendo como foco especial a América Latina. Passos decisivos na construção dessa política foram analisados por Espinosa (1977)16 ESPINOSA, José Manuel. Inter-American beginnings of U.S. cultural diplomacy: 1936-1948. Washington: Department of State, 1977..
  • 21
    Em telegrama ao Departamento de Estado, Foster havia assinalado a importância de os EUA contarem com um professor no Brasil capaz de apoiar “a promoção da cooperação intelectual e cultural entre os dois países” (Foster, 193918 FOSTER, Carol, Carta para Ben Cherrington, Washington D.C. 2f. National Archives and Records Administration, College Park, Record Group 84, Foreign Service Posts of the Department of State. Consulado de São Paulo, registros gerais, v. XI, caixa 3, 1936-1955, correspondência, 27 jan. 1939.).
  • 22
    Em 1940, logo após a tomada de Paris pelas tropas de Hitler, Roosevelt instituiu o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, agência comandada por Nelson Rockefeller e criada emergencialmente por ordem do Conselho de Defesa Nacional com o objetivo de se contrapor à influência nazifascista no continente. Tal medida representou uma mudança significativa na postura dos norte-americanos, de não ingerência estatal, no campo das trocas científicas, intelectuais e artísticas entre as nações, lançando-os mais abertamente no terreno da propaganda pró-EUA (Ninkovich, 198133 NINKOVICH, Frank A. The diplomacy of ideas: U.S. foreign policy and cultural relations, 1938-1950. Londres: Cambridge University Press, 1981.).
  • 23
    Um exame do incidente diplomático a partir da forma como diplomacia cultural norte-americana vinha sendo implementada no Brasil encontra-se em Lopes (2020)22 LOPES, Thiago da C. Em busca da comunidade: ciências sociais, desenvolvimento rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA (1930-1950). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Dez 2020
  • Aceito
    29 Jun 2022
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