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Modelo de associação de molas em sistemas atômicos bidimensionais

Spring combination model in two-dimensional atomic systems

Resumos

A lei de Hooke estabelece uma relação direta entre a força aplicada e a deformação produzida num objeto, sendo a constante elástica o fator de proporcionalidade. Em disciplinas introdutórias de Física, a lei de Hooke é geralmente apresentada no contexto de molas reais. Este trabalho propõe uma abordagem didática complementar do tema “elasticidade dos materiais”, utilizando-se de um modelo microscópico em que as ligações interatômicas comportam-se como molas e, assim, a constante elástica de uma estrutura pode ser prevista por uma fórmula fechada extremamente simples no caso de sistemas periódicos. Em particular, estruturas de nitreto de boro hexagonal monocamada foram modeladas a partir de uma combinação série-paralelo de molas idênticas. Para garantir maior simplicidade teórica, o modelo foi concebido dentro da aproximação linear da elasticidade. Um estudo realizado mostrou que o valor máximo de deformação axial para este regime é de 1,8%. O modelo foi testado através de simulações computacionais atomísticas e mostrou-se capaz de prever acuradamente a constante elástica das estruturas. Por fim, a abordagem proposta revelou-se didaticamente simples e interessante para ser explorada em cursos introdutórios de Física ou Engenharia, sobretudo pela confirmação da validade das regras usuais de combinação de molas no domínio microscópico.

Palavras-chave:
lei de Hooke; modelo de elasticidade linear; módulo de Young; nitreto de boro hexagonal


Hooke’s law establishes a direct relationship between the applied force and deformation triggered on an object, with the elastic constant being the proportionality factor. Introductory Physics courses usually address Hooke’s law in the context of real springs. This paper proposes a complementary didactic approach to the topic “elasticity of materials”, considering a microscopic model in wich the interatomic bonding behave like springs. Thus, the elastic constant of these structures can be predicted by an extremely simple closed formula in the case of periodic systems. Particularly, monolayer hexagonal boron nitride structures were modeled from a series-parallel combination of identical springs. The model was developed within the linear approach of elasticity to ensure theoretical simplicity. A study was conducted to establish an optimal value corresponding to this regime, and 1.8% was determined as the maximum strain. The model was tested via atomistic computational simulations, being able to accurately predict the values of the elastic constants of the structures. Finally, the proposed approach proved to be didactically simple and interesting in introductory Physics or Engineering courses, mainly for the confirmation of the validity of the usual rules of spring combination in the microscopic domain.

Keywords:
Hooke’s law; linear elasticity model; Young’s modulus; hexagonal boron nitride


1. Introdução

Em livros-texto tradicionais de física básica universitária, é comum a lei de Hooke ser inicialmente apresentada no contexto da determinação do trabalho realizado por forças variáveis que dependem da posição [1[1] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentals of Physics (Wiley, Nova Jersey, 2013), 10 ed., 2[2] H.D. Young e R.A. Freedman, Sears and Zemansky’s University Physics with Modern Physics (Addison-Wesley, Boston, 2011), 13 ed., 3[3] R.A. Serway e J.W. Jewett Jr., Physics for Scientists and Engineers with Modern Physics (Cengage Learning, Boston, 2013), 9 ed., 4[4] F.J. Keller, W.E. Gettys e M.J. Skove, Física (Makron Books, São Paulo, 1997), v. 1.]. É também naturalmente introduzida na parte dedicada às leis de Newton como um tipo de força de contato [5[5] P.A. Tipler e G. Mosca, Physics for Scientists and Engineers (W.H. Freeman, New York, 2007), 6 ed.] ou nos desenvolvimentos teóricos que envolvem energia, energia potencial e a lei da conservação da energia mecânica [6[6] R. Knight, Physics for Scientists and Engineers: A Strategic Approach with Modern Physics (Addison-Wesley, Boston, 2007), 2 ed.]. Em todos os casos, o elemento naturalmente incorporado na análise teórica da lei de Hooke é a mola, que pode ser materializada como um dispositivo constituído de um fio metálico enrolado na forma de espiral que produz uma força restauradora proporcional à distensão/compressão da mola. O fator de proporcionalidade é a constante elástica (ou constante de mola), que é uma medida da rigidez da mola. Ou seja, quanto maior é o valor da constante elástica, maior a força necessária para distender ou comprimir a mola. Um fato interessante é que, assim como ocorre com dispositivos de circuitos elétricos (resistores, capacitores e indutores), as molas também podem ser associadas em série-paralelo, cujo efeito produzido pelo arranjo pode ser comparado com a constante elástica equivalente, que é a previsão do modelo teórico obtido dessa associação de molas.

Na sequência de apresentação dos conteúdos destes livros-texto, a lei de Hooke volta a ser abordada em capítulos dedicados à elasticidade dos corpos. Macroscopicamente, um corpo pode ser considerado como um meio contínuo que tende a se deformar quando submetido a uma força externa. A força de reação produzida, para pequenas deformações, comporta-se como a força restauradora da lei de Hooke. Neste contexto, é comum expressar a lei de Hooke através de uma relação de proporcionalidade entre a tensão aplicada/produzida, ou stress, e a deformação relativa, ou strain, sendo o módulo de Young (MY) a constante de proporcionalidade. Ao contrário da constante elástica, o MY é uma propriedade que depende do material, mas não de suas dimensões.

Numa perspectiva microscópica, a elasticidade dos materiais pode ser abordada, de forma simplificada, considerando que o corpo é constituído de átomos interconectados por molas que produzem forças restauradoras consistentes com a lei de Hooke para pequenas deformações. Ainda que este modelo seja de fácil compreensão, sua exploração didática normalmente limita-se a alguma discussão qualitativa, por exemplo, a partir de uma figura ilustrativa de um sólido constituído de átomos distribuídos numa rede tridimensional ligados por molas [1[1] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentals of Physics (Wiley, Nova Jersey, 2013), 10 ed., 5[5] P.A. Tipler e G. Mosca, Physics for Scientists and Engineers (W.H. Freeman, New York, 2007), 6 ed.], embora uma discussão mais quantitativa é apresentada na Ref. [6[6] R. Knight, Physics for Scientists and Engineers: A Strategic Approach with Modern Physics (Addison-Wesley, Boston, 2007), 2 ed.].

Alguns sistemas são particularmente interessantes para explorar este modelo de representação de ligações interatômicas através de molas. É o caso de materiais bidimensionais com estruturas periódicas, ou seja, formados por unidades básicas idênticas (conjunto de átomos) que se repetem no espaço. Sistemas com este tipo de conformação podem ser representados como um arranjo de molas de mesma constante elástica, cujo resultado efetivo da combinação estabelece a propriedade elástica da estrutura. Nesta classe de materiais, destacam-se, entre outros, o grafeno e o nitreto de boro hexagonal. Além da questão da periodicidade, apresentam também interessantes propriedades mecânicas e eletrônicas, conferindo-lhes o posto de candidatos a diversas aplicações [7[7] A.K. Geim e K.S. Novoselov, Nature Mater. 6, 183 (2007)., 8[8] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Rev. Mod. Phys. 81, 109 (2009)., 9[9] K.S. Novoselov, D. Jiang, F. Schedin, T.J. Booth, V.V. Khotkevich, S.V. Morozov e A.K. Geim, Proc. Natl. Acad. Sci. 102, 10451 (2005)., 10[10] L.H. Li e Y. Chen, Adv. Funct. Mater. 26, 2594 (2016)., 11[11] P.G. Steeneken, R.J. Dolleman, D. Davidovikj, F. Alijani e H.S.J. van der Zant, 2D Mater. 8, 042001 (2021).].

O grafeno é uma forma alotrópica do carbono composta de uma única camada de átomos dispostos numa estrutura com formato hexagonal. As suas ligações covalentes o tornam altamente resistente à tração (alta rigidez), propriedade manifestada num expressivo valor do módulo de elasticidade (módulo de Young) [8[8] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Rev. Mod. Phys. 81, 109 (2009)., 12[12] C. Lee, X. Wei, J.W. Kysar e J. Hone, Science 321, 385 (2008)., 13[13] Q. Zhao, M.B. Nardelli e J. Bernholc, Phys. Rev. B 65, 144105 (2002).]. Além disso, comporta-se como semicondutor de gap nulo [8[8] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Rev. Mod. Phys. 81, 109 (2009).].

O nitreto de boro hexagonal (h-BN) também se apresenta na forma monocamada. Com ligações do tipo sp2 análogas ao grafeno, é um excelente isolante elétrico mesmo em altas temperaturas, com bandgap de cerca de 5–6 eV [15[15] K. Watanabe, T. Taniguchi e H. Kanda, Nature Mater 3, 40 (2004)., 14[14] X. Blase, A. Rubio, S.G. Louie e M.L. Cohen, Europhys. Lett. 28, 335 (1994).]. Do ponto de vista mecânico, o h-BN está entre os materiais isolantes mais rígidos, com alto valor do MY, apresentando-se com candidato para reforçar materiais cerâmicos, metais e filmes poliméricos [16[16] A. Falin, Q. Cai, E.J.G. Santos, D. Scullion, D. Qian, R. Zhang, Z. Yang, S. Huang, K. Watanabe, T. Taniguchi et al., Nature Communications 8, 15815 (2017)., 17[17] C. Zhi, Y. Bando, C. Tang, H. Kuwahara e D. Golberg, Adv. Mater. 21, 2889 (2009).]. O h-BN é também um forte candidato a substituir compostos de silício na função de substrato para o grafeno [18[18] C.R. Dean, A.F. Young, I. Meric, C. Lee, L. Wang, S. Sorgenfrei, K. Watanabe, T. Taniguchi, P. Kim, K.L. Shepard e J. Hone, Nature Nanotech. 5, 722 (2010).].

Assim, ainda que não seja uma proposta de substituição da tradicional abordagem introdutória do tema “elasticidade dos materiais”, o modelo de associação de molas em sistemas atômicos bidimensionais apresenta-se como uma interessante possibilidade didática complementar. A utilização destes sistemas também abre a possibilidade de apresentar materiais não convencionais de grande interesse científico e tecnológico, além de explorar de forma simples e contextualizada o conceito de periodicidade e a importante questão do limite de validade da lei de Hooke, entre outros aspectos.

O objetivo deste trabalho é construir um modelo microscópico, considerando a hipótese de que a estrutura atômica bidimensional do h-BN pode ser representada por uma associação de molas em série-paralelo, e verificar que a previsão desse modelo obedece a lei de Hooke para pequenas deformações. Trata-se, assim, de uma opção didática para abordagem do tema “elasticidade dos materiais” utilizando modelagem científica.

A seção 2 2. Modelo de elasticidade linear 2.1. A lei de Hooke Robert Hooke, cientista inglês nascido em 1635 na Ilha de Wight, fez diversas contribuições na ciência. Um dos seus principais feitos foi estabelecer a lei da elasticidade dos corpos: a deformação de um corpo é proporcional à força aplicada sobre ele. Esta lei serviu de base para estudos de tensão e deformação e para a compreensão de materiais elásticos. Seus estudos também foram aplicados na confecção de molas para o funcionamento de relógios [19]. A Enciclopédia Britânica apresenta uma interessante ilustração da lei de elasticidade dos materiais publicada por Hooke em Lectures de Potentia Restitutiva no ano de 1678, mostrando a relação linear entre a elongação da mola e a força aplicada.1 Do ponto de vista microscópico, as interações atômicas num sistema dependem, de forma geral, da posição relativa dos seus constituintes, sendo comumente representada pela energia potencial. Para moléculas diatômicas, a interação (atrativa e repulsiva) que pode ocorrer entre os átomos é tipicamente descrita por uma função energia potencial U⁢(r), como mostrada na Figura 1. Figura 1 Energia potencial de uma molécula diatômica em função da distância interatômica. Para uma dada temperatura, a molécula vibra em torno de uma posição de equilíbrio estável r0. Na condição de aproximação dos átomos, ou seja, para r<r0, a energia potencial aumenta mais abruptamente, sendo consistente com a forte repulsão eletrostática dos elétrons (U→∞ quando r→0). Para r>r0, a energia também aumenta, indo a zero no limite de afastamento completo dos átomos (U→0 quando r→∞). A energia U⁢(r) pode ser expandida numa série de Taylor em torno da posição de equilíbrio. O primeiro termo da expansão é constante. O segundo é nulo, desde que (∂⁡U/∂⁡r)r=r0=0. Para elongações (r-r0) pequenas, todos os termos de ordem superior com n≥3 podem ser desprezados. Definindo k=(∂2⁡U/∂⁡r2)r=r0, a energia potencial pode ser escrita como: (1) U ⁢ ( r ) = U m ⁢ i ⁢ n + 1 2 ⁢ k ⁢ ( r - r 0 ) 2 , onde Um⁢i⁢n=U⁢(r=r0). A equação (1) é chamada de aproximação harmônica da energia potencial, válida para pequenas elongações. A força pode ser determinada por F=-grad ⁢U, obtendo-se a relação linear da lei de Hooke: (2) F ⁢ ( x ) = - k ⁢ ( δ ⁢ x ) , onde k é a constante elástica e δ⁢x=(r-r0) é a elongação. O sinal negativo estabelece o caráter restaurador da força, isto é, uma elongação num sentido provoca uma força no sentido contrário. Assim, no regime de pequenas elongações, as interações atômicas comportam-se como molas que podem ser caracterizadas por sua constante elástica. Apesar de ser um modelo teórico muito simples, a lei de Hooke cumpre um importante papel na descrição de muitos fenômenos estudados em física básica, como por exemplo, oscilações, ondas e elasticidade dos materiais. 2.2. Modelagem científica Segundo Bunge [20], é possível situar o início de uma revolução científica que estabeleceu uma nova metodologia de fazer ciência das ciências não-físicas a partir dos anos 1950. Nesta nova ordem, Bunge destaca que quase todas as áreas do conhecimento têm adotado o que os físicos têm feito desde Galileu, ou seja, a utilização do método científico. Esta nova metodologia, de acordo com Bunge, tem por uma de suas características a construção de modelos, cujo objetivo fundamental é mediar a relação entre a teoria e realidade. Na concepção de Bunge, o termo “modelo” sugere dois sentidos principais nas ciências teóricas da natureza e do homem: “o modelo enquanto representação esquemática de um objeto concreto e o modelo enquanto teoria relativa a esta idealização” [20, p. 30]. O primeiro sentido é, por conseguinte, um conceito, uma simplificação de uma coisa ou de um fato que auxilia a compreensão do mundo real a partir da descrição de um “pedaço” da realidade, sendo denominado objeto-modelo. O segundo é um sistema hipotético-dedutivo particular, dito modelo teórico, que visa descrever, ainda que de forma parcial e aproximada, o comportamento do objeto concreto por meio do objeto-modelo. Uma visão histórica e epistemológica da evolução do conceito de modelo nas ciências pode ser encontrada na Ref. [21]. No contexto do ensino de Física, a utilização da modelagem científica é discutida em trabalhos que contemplam abordagens mais sistêmicas ou epistemológicas [22, 23, 24], além de concepções mais aplicadas focadas em metodologias de ensino [25, 26]. Neste trabalho, o modelo apresentado é amparado pela Mecânica Clássica (teoria geral), cuja proposição é realizar a predição da constante elástica de estruturas atômicas bidimensionais (objeto concreto), sendo esta estrutura representada por um conjunto de molas interligadas (objeto-modelo). Um pressuposto importante deste esquema conceitual é que a estrutura deve ser periódica, ou seja, formada pela replicação de uma célula básica no espaço. As principais hipóteses consideradas são: i) as interações atômicas (propriedade do objeto concreto) e também as interações das células (propriedade do objeto-modelo) comportam-se como molas macroscópicas; ii) as molas são lineares, ou seja, obedecem a lei de Hooke;2 iii) as células básicas da estrutura periódica comportam-se uniformemente quando distendidas; iv) a deformação é uniforme e uniaxial. O modelo teórico, deduzido das hipóteses e pressupostos simplificadores, é uma fórmula fechada que embute em si uma delimitação da aplicabilidade. A seguir, o modelo é apresentado e discutido em maior profundidade. 2.3. Modelo de associação de molas Um corpo é um sistema constituído por uma infinidade de átomos interagentes que, quando carregado por uma força externa, tende a se deformar. No regime elástico, isto é, quando a deformação é revertida na ausência do carregamento, a energia potencial é função da deformação e pode ser expandida numa série de Taylor. Assim, um corpo deformado axialmente na direção x tem sua energia potencial dada por: (3) U ⁢ ( ϵ ) = U m ⁢ i ⁢ n + a ⁢ ϵ 2 + b ⁢ ϵ 3 + ⊋ , onde Umin é a energia potencial do corpo não deformado e ϵ=δ⁢x/Lx é o strain (δ⁢x e Lx são, respectivamente, a variação do comprimento e o comprimento inicial). Para pequenas deformações, todos os termos de mais alta ordem de (3) podem ser descartados, estabelecendo uma força linear consistente com a lei de Hooke. A elasticidade do sistema, representada pela constante elástica equivalente, é k=2⁢a/Lx2. A opção pela hipótese da harmonicidade da energia potencial tem por objetivo manter a simplicidade da abordagem teórica conforme realizada nas disciplinas introdutórias de Física. Explorando a periodicidade do h-BN, estruturas de qualquer tamanho podem ser formadas a partir da replicação de uma célula básica no espaço. A Figura 2(a) mostra esta ideia considerando uma célula básica composta por quatro átomos (2B+2N). Figura 2 (a) Representação da estrutura atômica do h-BN formada a partir da replicação de uma célula básica (2B+2N) no espaço bidimensional (B: vermelho; N: azul); (b) objeto-modelo que representa a estrutura atômica do h-BN. Elasticamente, o sistema é constituído por um arranjo de molas idênticas, conforme a Figura 2(b). A constante elástica equivalente é obtida considerando-se as regras usuais de associação de molas, presumindo-se que todas elas se distendem igualmente (consultar a Ref. [29] para quando este não for o caso). Por exemplo, um arranjo em série de n molas iguais de constante k resulta numa constante elástica equivalente k/n. Para um arranjo em paralelo de m destas molas, a constante elástica equivalente é mk. Combinando-se estas duas regras, uma estrutura constituída de (n,m) células básicas, sendo n na direção x e m na direção y, tem constante elástica equivalente: (4) k ( n , m ) = ( m n ) ⁢ k ( 1,1 ) ; n , m = 1,2,3 , … , onde k(1,1)=2⁢a(1,1)/(Lx(1,1))2 é a constante elástica da célula básica (a(1,1) e Lx(1,1) são, respetivamente, o coeficiente do termo quadrático da equação (3) e o comprimento inicial, ambos associados à célula básica). A equação (4) é uma fórmula fechada capaz de realizar a predição da constante elástica k de qualquer estrutura (n,m) a partir do conhecimento da constante elástica da célula básica (1,1). O coeficiente a(1,1) pode ser determinado acuradamente através de métodos de primeiros princípios, ajustando-se uma função quadrática à variação da energia potencial com a deformação, obtida da simulação da estrutura (n,m)=(1,1). É possível também estabelecer uma fórmula fechada para fazer a predição da energia potencial. Ainda que não seja objetivo deste trabalho, a verificação do comportamento da energia potencial prevista pelo modelo pode ser interessante para realizar a sua validação qualitativa. Para pequenas deformações, a energia potencial de um sistema contendo (n,m) células básicas, em termos do coeficiente a(1,1), é dada por: (5) U ( n , m ) ⁢ ( ϵ ) = U m ⁢ i ⁢ n ( n , m ) + ( n × m ) ⁢ a ( 1,1 ) ⁢ ϵ 2 . Para realizar a validação quantitativa das constantes elásticas k, as predições do modelo, obtidas pela fórmula fechada (4), podem ser comparadas com os valores obtidos das simulações através da equação (6). (6) k ( n , m ) = 2 ⁢ a ( n , m ) ( L x ( n , m ) ) 2 ; n , m = 1,2,3 , … Os coeficientes a(n,m), para qualquer (n,m), são os parâmetros obtidos de ajustes de funções do tipo y=c+a⁢x2 da energia potencial obtida das simulações. As funções que melhor se ajustam ao conjunto de dados, no sentido de minimizar os desvios quadráticos, podem ser determinadas por algum método apropriado. A parametrização harmônica da energia potencial pressupõe a utilização do regime linear da elasticidade. Assim, a delimitação de uma deformação máxima que confere linearidade à elasticidade do sistema permite a previsão de valores mais acurados, que devem ser compatíveis com resultados reportados na literatura. É esperado que os valores estejam subestimados quando a deformação máxima estiver além do limite linear da força, visto que o coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3) é negativo [30]. Uma outra maneira de caracterizar a elasticidade de um sistema é através do módulo de Young (MY). Embora também não seja objetivo deste trabalho, a determinação do MY é interessante para confrontar os resultados gerais deste trabalho com valores conhecidos da literatura. Um material, sujeito a um carregamento suficientemente baixo, apresenta deformação que aumenta linearmente com a tensão aplicada, sendo o MY a constante de proporcionalidade. Nesta condição de elasticidade linear, a lei de Hooke pode ser expressada, em termos do strain, como: (7) σ = E ⁢ ϵ , onde σ=F/A é a tensão (ou stress) e E é o MY. A partir destas definições e considerando uma deformação uniaxial ao longo da direção x, o MY pode ser identificado como E=(Lx/A)⁢k, onde A=Ly⁢Lz. Em função do coeficiente do termo quadrático da equação (3), o MY é dado por E=2⁢a/V, onde V=Lx⁢Ly⁢Lz. Para uma monocamada do h-BN, define-se o MY 2D multiplicando-se a expressão pela espessura do sistema: (8) E 2 ⁢ D = 2 ⁢ a ( 1,1 ) L x ( 1,1 ) ⁢ L y ( 1,1 ) . Como esperado, a equação (8) revela que o MY não escala com as dimensões do sistema, desde que não depende dos índices (n,m). Cálculos teóricos de primeiros princípios reportam valores entre 267–279 N/m para o h-BN monocamada [32, 30, 33, 31]. Falin et. al estudaram experimentalmente propriedades mecânicas de monocamadas de alta qualidade de h-BN, tendo obtido MY de 289±24⁢N/m [16]. Na seção 4.2, é apresentado um estudo que permite a obtenção do MY a partir da delimitação adequada do regime linear e, por conseguinte, a determinação acurada das constantes elásticas. é dedicada à apresentação do modelo de elasticidade linear, iniciando-se com uma explanação teórica da lei de Hooke. Em seguida, é apresentada uma breve exposição sobre modelagem científica e a conceituação do termo “modelo” segundo M. Bunge. A representação esquemática do modelo é então mostrada e o modelo teórico que descreve a elasticidade do h-BN através da sua constante elástica é derivado a partir das regras macroscópicas usuais de associação série-paralelo de molas.

Na seção 3 3. Cálculos da energia potencial e protocolo de simulação A energia potencial foi determinada via cálculos de energia total baseados na Teoria do Funcional da Densidade (Density Functional Theory, DFT) [34, 35], conforme implementado no código SIESTA [36]. Uma descrição mais detalhada das aproximações e parâmetros utilizados nos cálculos de estrutura eletrônica pode ser encontrada na Ref. [37]. Para melhor compreensão da Teoria do Funcional da Densidade, as Refs. [38, 39] podem ser consultadas. As condições periódicas de contorno foram estabelecidas utilizando células com dimensões (n⁢Lx(1,1), m⁢Ly(1,1), 30 Å), onde Lx(1,1)=2,530846 Å e Ly(1,1)=4,38374 Å. Para cada sistema com (n,m) células básicas, as simulações foram inicializadas a partir das configurações relaxadas (célula e posições atômicas) com componentes das forças e estresses menores que, respectivamente, 0,01 eV/Å e 1,0 GPa, seguindo, a partir daí, o seguinte protocolo: (i) para cada strain, relaxa-se o sistema (posições atômicas) até que as componentes das forças interatômicas sejam menores que 0,01 eV/Å; (ii) incrementa-se o strain de um certo valor percentual; (iii) os passos (i) e (ii) são repetidos até ser alcançada a deformação total desejada. , é apresentado o esquema de simulação computacional responsável pela produção dos dados empíricos. Para permitir a testagem destes dados, ou seja, a comprovação empírica do modelo, é mostrado, na seção 4 4. Resultados 4.1. Energia potencial Trabalhos teóricos têm mostrado que uma mudança do regime elástico para o regime plástico ocorre quando o h-BN é submetido a deformações além de 18–30% [31, 40]. Neste caso, as dimensões originais não são restabelecidas quando a tensão é removida, ocasionando deformações permanentes no material. Neste trabalho, a deformação total empregada foi de 15%.3 Uma validação qualitativa do modelo pode ser verificada nos gráficos da energia potencial, conforme Figura 3. A linha contínua (azul) da Figura 3(a) representa um ajuste quadrático da energia obtida de simulações da célula básica (1,1), necessário para a parametrização do modelo. As linhas descontínuas, que são representações das energias previstas pelo modelo de acordo com a fórmula fechada (5), apresentam concordância com os resultados das simulações, que são representados por pontos. Figura 3 Energia potencial em função do strain. Os pontos são os resultados de cálculos de primeiros princípios. As linhas descontínuas representam as energias previstas pelo modelo para as estruturas estudadas: (a) m=1; (b) m=2; (c) m=3; (d) m=4. A linha contínua representa uma curva ajustada para a energia potencial obtida da simulação da célula básica (1,1). Ainda que considerando esta boa concordância, a deformação máxima de 15% não pode ser utilizada para a determinação das constantes elásticas das estruturas, conforme discutido na próxima seção. 4.2. Estudo do strain máximo do regime linear da elasticidade De acordo com a equação (3), o regime linear da elasticidade é verificado quando for possível desprezar os termos de ordem superior (≥3). A determinação numérica do coeficiente do termo de segunda ordem da equação (3) pode ser dificultada quando realizada a partir de ajustes de funções quadráticas do tipo y=c+a⁢x2, visto que a ausência do termo linear torna a função parabólica essencialmente constante em algum limite de pequenas deformações. Portanto, é necessário estabelecer uma deformação máxima que seja grande o suficiente para promover uma boa determinação numérica do coeficiente a e pequena o suficiente para garantir que o termo de terceira ordem seja desprezível. Para um melhor controle da acurácia dos resultados gerais, o estudo foi realizado tomando-se como referência o MY do h-BN. Considerando a expansão da energia até o termo de segunda ordem no strain, a determinação acurada do MY 2D depende, em última instância, de uma escolha adequada da deformação máxima que será considerada no ajuste de função para a determinação do parâmetro a(1,1). Este parâmetro e todos os demais a(n,m) utilizados neste trabalho foram obtidos pelo Método de Levenberg-Marquardt [41, 42], disponível no programa Gnuplot. Num recente estudo, o MY 2D para o h-BN monocamada foi determinado experimentalmente para uma deformação máxima de 2,0%, de tal forma a capturar a região linear da elasticidade [43]. Trabalhos teóricos têm utilizado valores variados de deformação máxima, desde 0,3% até 8,0%, algumas vezes sem especificar claramente a delimitação empregada [30, 33, 40, 44]. Além disso, a escolha deste parâmetro está sempre desacompanhada de uma justificava fundamentada. Nesta seção, será mostrado que a aproximação do regime linear pode ser delimitada de maneira mais precisa e justificável. Para avaliar a deformação máxima mais adequada, buscou-se o estabelecimento das condições que resultassem na menor incerteza do MY (os cálculos foram feitos somente para a estrutura (1,1), visto que o modelo é parametrizado pela célula básica). Esse estudo foi realizado em função dos parâmetros (i) número de pontos (pares ordenados) usado no ajuste da curva e (ii) deformação máxima da estrutura usada no ajuste da curva, que será denotada, daqui em diante, como strain máximo. As incertezas percentuais do MY foram determinadas através da equação (9), considerando as dimensões da célula isentas de erro: (9) ( Δ ⁢ E 2 ⁢ D E 2 ⁢ D ) ( % ) = ( Δ ⁢ a ( 1,1 ) a ( 1,1 ) ) × 100 , onde Δ⁢a(1,1) representa a incerteza do coeficiente a(1,1) fornecida pelo método de ajuste de curvas. A Figura 4 apresenta o comportamento da incerteza percentual do MY em função do strain máximo, estabelecido para um dado número de pontos utilizados. Para valores suficientemente baixos de strain máximo, o gráfico mostra que as incertezas aumentam com a diminuição do strain máximo. Este comportamento está associado às pequenas variações da energia no entorno de zero strain,4 que pode ser compreendido a partir da equação (3) no limite em que ϵ é suficientemente pequeno. Assim, o método de ajuste de funções apresenta maior dificuldade numérica para realizar o ajuste da função quadrática neste limite, onde a energia é essencialmente constante, refletindo num aumento da incerteza. A partir de um certo valor do strain máximo, em torno de 2,0%, observa-se um aumento das incertezas com o aumento do strain máximo. Este comportamento pode ser explicado pela não–linearidade da elasticidade para deformações suficientemente elevadas, que é uma propriedade do material. O método de ajuste de funções também apresenta maior dificuldade no ajuste da função quadrática nestas condições. A minimização da incerteza, de acordo com a Figura 4, ocorre em torno de 2,0% de strain, para qualquer número de pontos utilizados no ajuste. O reescalonamento do gráfico (ver inset da Figura 4), permite a observação das condições que produzem a minimização da incerteza. Figura 4 Incerteza percentual do MY em função do strain máximo. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado número de pontos utilizados no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. Figura 5 Incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. A Figura 5 apresenta um recorte do comportamento da incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Os valores de strain máximo apresentados no gráfico (entre 1,0% e 3,0%) foram escolhidos para ilustrar as principais conclusões deste particular estudo das incertezas, que são: (i) existência de um valor de strain máximo que minimiza a incerteza; (ii) diminuição da incerteza com o aumento de número de pontos; (iii) além de uma certa quantidade de pontos, não há contribuição significativa na diminuição da incerteza. Com isso, é possível estabelecer o strain máximo de 1,8% e o número de 16 pontos (quantidade máxima utilizada neste trabalho) como parâmetros ótimos que minimizam a incerteza no ajuste de funções. Assim, o valor de a(1,1) obtido a partir dos parâmetros otimizados foi de 95,683 eV. A Figura 6 mostra o valor do MY em função do número de pontos para alguns valores de strain máximo. Levando-se em conta os parâmetros ótimos, obtém-se o valor de 276 N/m, compatível, portanto, com valores obtidos a partir de cálculos de primeiros princípios reportados na literatura (ver seção 2.3). Ressalvando-se que as análises foram realizadas dentro da aproximação do regime de elasticidade linear, a conclusão mais geral desta análise é que a escolha inadequada do strain máximo leva a valores sub ou superestimados das propriedades elásticas. Por exemplo, tomando-se como referência o valor de 276 N/m, a utilização de strain máximo de 1,0% com 16 pontos superestima o MY em cerca de 2,1%. Para valores de strain máximo de 3,0% e 8,0% (16 pontos), o MY é subestimado, respectivamente, em 2,7% e 10,1%. Do ponto de vista funcional, este comportamento era esperado e está diretamente relacionado ao sinal do coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3), conforme mencionado anteriormente. Figura 6 Valores do MY obtidos a partir da equação (8) em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. 4.3. Constantes elásticas Na Tabela 1, são apresentadas as constantes elásticas. Os valores de ksim, que representam as constantes elásticas da simulação, foram determinados pela equação (6). As predições do modelo, kkmo, foram obtidas da fórmula fechada (4). Para todos os casos, utilizou-se os valores otimizados (strain máximo de 1,8% e 16 pontos) para o ajuste das funções, estabelecendo a acurácia dos resultados. Considerando as incertezas, os valores de ksim e kmod são compatíveis para cada estrutura analisada, mostrando que o modelo é também capaz de fazer predições precisas, além de acuradas. Table 1 Constantes elásticas das estruturas de h-BN determinadas a partir das simulações (ksim) e previstas pelo modelo (kmod). As incertezas são obtidas pelas expressões: Δ⁢ks⁢i⁢m=(2⁢Δ⁢a(n,m))/(Lx(n,m))2 e Δ⁢km⁢o⁢d=(m/n)⁢(2⁢Δ⁢a(1,1))/(Lx(1,1))2. Estrutura ksim (N/m) kmod (N/m) Diferença (%) ( 1,1 ) 478,10 ± 0,91 478,10 ± 0,91 0,00 ( 2,1 ) 239,43 ± 0,75 239,05 ± 0,45 0,16 ( 3,1 ) 159,53 ± 0,49 159,37 ± 0,30 0,10 ( 4,1 ) 119,62 ± 0,37 119,53 ± 0,23 0,08 ( 1,2 ) 956,3 ± 2,0 956,2 ± 1,8 0,01 ( 2,2 ) 479,7 ± 1,4 478,10 ± 0,91 0,33 ( 3,2 ) 318,95 ± 0,94 318,74 ± 0,61 0,07 ( 4,2 ) 239,50 ± 0,82 239,05 ± 0,45 0,19 ( 1,3 ) 1434,6 ± 3,0 1434,3 ± 2,7 0,02 ( 2,3 ) 718,2 ± 2,1 717,2 ± 1,4 0,14 ( 3,3 ) 478,3 ± 1,5 478,10 ± 0,91 0,04 ( 4,3 ) 358,9 ± 1,2 358,58 ± 0,68 0,08 ( 1,4 ) 1912,9 ± 4,2 1912,4 ± 3,6 0,03 ( 2,4 ) 959,3 ± 2,8 956,2 ± 1,8 0,32 ( 3,4 ) 637,9 ± 2,0 637,5 ± 1,2 0,07 ( 4,4 ) 479,0 ± 1,6 478,10 ± 0,91 0,19 A Tabela 1 apresenta ainda a diferença relativa percentual entre os valores previstos pelo modelo e os valores obtidos das simulações, estes últimos tomados como referência. As diferenças obtidas mostram que o modelo consegue reproduzir as propriedades elásticas das estruturas com diferenças insignificantes, muito menores que 1% para as estruturas estudadas. , um estudo para determinar a máxima deformação do sistema e, assim, delimitar a validade e a aplicabilidade do modelo. O módulo de Young é utilizado como parâmetro de referência neste estudo. Por fim, o modelo é testado através da comparação entre os valores das constantes elásticas previstas pelo modelo e os valores diretamente obtidos da forma usual, ou seja, a partir de ajustes de funções na curva de energia potencial.

2. Modelo de elasticidade linear

2.1. A lei de Hooke

Robert Hooke, cientista inglês nascido em 1635 na Ilha de Wight, fez diversas contribuições na ciência. Um dos seus principais feitos foi estabelecer a lei da elasticidade dos corpos: a deformação de um corpo é proporcional à força aplicada sobre ele. Esta lei serviu de base para estudos de tensão e deformação e para a compreensão de materiais elásticos. Seus estudos também foram aplicados na confecção de molas para o funcionamento de relógios [19[19] Britannica, Robert Hooke, British scientist, disponível em https://www.britannica.com/biography/Robert-Hooke, acessado em 29/03/2022.
https://www.britannica.com/biography/Rob...
]. A Enciclopédia Britânica apresenta uma interessante ilustração da lei de elasticidade dos materiais publicada por Hooke em Lectures de Potentia Restitutiva no ano de 1678, mostrando a relação linear entre a elongação da mola e a força aplicada.1 1 Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Robert-Hooke#/media/1/271280/123664. Acesso em 05 de abril de 2022.

Do ponto de vista microscópico, as interações atômicas num sistema dependem, de forma geral, da posição relativa dos seus constituintes, sendo comumente representada pela energia potencial. Para moléculas diatômicas, a interação (atrativa e repulsiva) que pode ocorrer entre os átomos é tipicamente descrita por uma função energia potencial U(r), como mostrada na Figura 1.

Figura 1
Energia potencial de uma molécula diatômica em função da distância interatômica.

Para uma dada temperatura, a molécula vibra em torno de uma posição de equilíbrio estável r0. Na condição de aproximação dos átomos, ou seja, para r<r0, a energia potencial aumenta mais abruptamente, sendo consistente com a forte repulsão eletrostática dos elétrons (U quando r0). Para r>r0, a energia também aumenta, indo a zero no limite de afastamento completo dos átomos (U0 quando r). A energia U(r) pode ser expandida numa série de Taylor em torno da posição de equilíbrio. O primeiro termo da expansão é constante. O segundo é nulo, desde que (U/r)r=r0=0. Para elongações (r-r0) pequenas, todos os termos de ordem superior com n3 podem ser desprezados. Definindo k=(2U/r2)r=r0, a energia potencial pode ser escrita como:

(1) U ( r ) = U m i n + 1 2 k ( r - r 0 ) 2 ,

onde Umin=U(r=r0). A equação (1) é chamada de aproximação harmônica da energia potencial, válida para pequenas elongações. A força pode ser determinada por F=-grad U, obtendo-se a relação linear da lei de Hooke:

(2) F ( x ) = - k ( δ x ) ,

onde k é a constante elástica e δx=(r-r0) é a elongação. O sinal negativo estabelece o caráter restaurador da força, isto é, uma elongação num sentido provoca uma força no sentido contrário. Assim, no regime de pequenas elongações, as interações atômicas comportam-se como molas que podem ser caracterizadas por sua constante elástica. Apesar de ser um modelo teórico muito simples, a lei de Hooke cumpre um importante papel na descrição de muitos fenômenos estudados em física básica, como por exemplo, oscilações, ondas e elasticidade dos materiais.

2.2. Modelagem científica

Segundo Bunge [20[20] M. Bunge, Teoria e realidade (Editora Perspectiva, São Paulo, 1974).], é possível situar o início de uma revolução científica que estabeleceu uma nova metodologia de fazer ciência das ciências não-físicas a partir dos anos 1950. Nesta nova ordem, Bunge destaca que quase todas as áreas do conhecimento têm adotado o que os físicos têm feito desde Galileu, ou seja, a utilização do método científico. Esta nova metodologia, de acordo com Bunge, tem por uma de suas características a construção de modelos, cujo objetivo fundamental é mediar a relação entre a teoria e realidade.

Na concepção de Bunge, o termo “modelo” sugere dois sentidos principais nas ciências teóricas da natureza e do homem: “o modelo enquanto representação esquemática de um objeto concreto e o modelo enquanto teoria relativa a esta idealização” [20[20] M. Bunge, Teoria e realidade (Editora Perspectiva, São Paulo, 1974)., p. 30]. O primeiro sentido é, por conseguinte, um conceito, uma simplificação de uma coisa ou de um fato que auxilia a compreensão do mundo real a partir da descrição de um “pedaço” da realidade, sendo denominado objeto-modelo. O segundo é um sistema hipotético-dedutivo particular, dito modelo teórico, que visa descrever, ainda que de forma parcial e aproximada, o comportamento do objeto concreto por meio do objeto-modelo. Uma visão histórica e epistemológica da evolução do conceito de modelo nas ciências pode ser encontrada na Ref. [21[21] F.S. da Silva e F. Catelli, Rev. Bras. Ens. Fis. 41, e20190029 (2019).]. No contexto do ensino de Física, a utilização da modelagem científica é discutida em trabalhos que contemplam abordagens mais sistêmicas ou epistemológicas [22[22] R.V. Brandão, I.S. Araújo e E.A. Veit, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 507 (2011)., 23[23] D. Hestenes, in: International Conference on Undergraduate Physics Education (Maryland, 1996)., 24[24] M. Wells e D. Hestenes, Am. J. Phys. 63, 606 (1995).], além de concepções mais aplicadas focadas em metodologias de ensino [25[25] L.A. Heidemann, I.S. Araújo e E.A. Veit, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 965 (2012)., 26[26] L.A. Heidemann, I.S. Araújo e E.A. Veit, Rev. Bras. Ens. Fis. 38, 1504 (2016).].

Neste trabalho, o modelo apresentado é amparado pela Mecânica Clássica (teoria geral), cuja proposição é realizar a predição da constante elástica de estruturas atômicas bidimensionais (objeto concreto), sendo esta estrutura representada por um conjunto de molas interligadas (objeto-modelo). Um pressuposto importante deste esquema conceitual é que a estrutura deve ser periódica, ou seja, formada pela replicação de uma célula básica no espaço. As principais hipóteses consideradas são: i) as interações atômicas (propriedade do objeto concreto) e também as interações das células (propriedade do objeto-modelo) comportam-se como molas macroscópicas; ii) as molas são lineares, ou seja, obedecem a lei de Hooke;2 2 É importante salientar que existem molas, ditas não lineares, que não obedecem a lei de Hooke. A resposta não linear ocorre, por exemplo, nas situações em que a mola apresenta espaçamentos desiguais entre as espiras, ou seja, quando a distribuição dos elos não é uniforme quando a mola é distendida. Esta particular condição pode ocorrer para pequenas elongações [27, 28]. iii) as células básicas da estrutura periódica comportam-se uniformemente quando distendidas; iv) a deformação é uniforme e uniaxial.

O modelo teórico, deduzido das hipóteses e pressupostos simplificadores, é uma fórmula fechada que embute em si uma delimitação da aplicabilidade. A seguir, o modelo é apresentado e discutido em maior profundidade.

2.3. Modelo de associação de molas

Um corpo é um sistema constituído por uma infinidade de átomos interagentes que, quando carregado por uma força externa, tende a se deformar. No regime elástico, isto é, quando a deformação é revertida na ausência do carregamento, a energia potencial é função da deformação e pode ser expandida numa série de Taylor. Assim, um corpo deformado axialmente na direção x tem sua energia potencial dada por:

(3) U ( ϵ ) = U m i n + a ϵ 2 + b ϵ 3 + ,

onde Umin é a energia potencial do corpo não deformado e ϵ=δx/Lx é o strain (δx e Lx são, respectivamente, a variação do comprimento e o comprimento inicial). Para pequenas deformações, todos os termos de mais alta ordem de (3) podem ser descartados, estabelecendo uma força linear consistente com a lei de Hooke. A elasticidade do sistema, representada pela constante elástica equivalente, é k=2a/Lx2. A opção pela hipótese da harmonicidade da energia potencial tem por objetivo manter a simplicidade da abordagem teórica conforme realizada nas disciplinas introdutórias de Física.

Explorando a periodicidade do h-BN, estruturas de qualquer tamanho podem ser formadas a partir da replicação de uma célula básica no espaço. A Figura 2(a) mostra esta ideia considerando uma célula básica composta por quatro átomos (2B+2N).

Figura 2
(a) Representação da estrutura atômica do h-BN formada a partir da replicação de uma célula básica (2B+2N) no espaço bidimensional (B: vermelho; N: azul); (b) objeto-modelo que representa a estrutura atômica do h-BN.

Elasticamente, o sistema é constituído por um arranjo de molas idênticas, conforme a Figura 2(b). A constante elástica equivalente é obtida considerando-se as regras usuais de associação de molas, presumindo-se que todas elas se distendem igualmente (consultar a Ref. [29[29] R.R. Campomanes, L.A. Heidemann e E.A. Veit, Rev. Bras. Ens. Fis. 42, e20190076 (2020).] para quando este não for o caso). Por exemplo, um arranjo em série de n molas iguais de constante k resulta numa constante elástica equivalente k/n. Para um arranjo em paralelo de m destas molas, a constante elástica equivalente é mk. Combinando-se estas duas regras, uma estrutura constituída de (n,m) células básicas, sendo n na direção x e m na direção y, tem constante elástica equivalente:

(4) k ( n , m ) = ( m n ) k ( 1,1 ) ; n , m = 1,2,3 , ,

onde k(1,1)=2a(1,1)/(Lx(1,1))2 é a constante elástica da célula básica (a(1,1) e Lx(1,1) são, respetivamente, o coeficiente do termo quadrático da equação (3) e o comprimento inicial, ambos associados à célula básica).

A equação (4) é uma fórmula fechada capaz de realizar a predição da constante elástica k de qualquer estrutura (n,m) a partir do conhecimento da constante elástica da célula básica (1,1). O coeficiente a(1,1) pode ser determinado acuradamente através de métodos de primeiros princípios, ajustando-se uma função quadrática à variação da energia potencial com a deformação, obtida da simulação da estrutura (n,m)=(1,1).

É possível também estabelecer uma fórmula fechada para fazer a predição da energia potencial. Ainda que não seja objetivo deste trabalho, a verificação do comportamento da energia potencial prevista pelo modelo pode ser interessante para realizar a sua validação qualitativa. Para pequenas deformações, a energia potencial de um sistema contendo (n,m) células básicas, em termos do coeficiente a(1,1), é dada por:

(5) U ( n , m ) ( ϵ ) = U m i n ( n , m ) + ( n × m ) a ( 1,1 ) ϵ 2 .

Para realizar a validação quantitativa das constantes elásticas k, as predições do modelo, obtidas pela fórmula fechada (4), podem ser comparadas com os valores obtidos das simulações através da equação (6).

(6) k ( n , m ) = 2 a ( n , m ) ( L x ( n , m ) ) 2 ; n , m = 1,2,3 ,

Os coeficientes a(n,m), para qualquer (n,m), são os parâmetros obtidos de ajustes de funções do tipo y=c+ax2 da energia potencial obtida das simulações. As funções que melhor se ajustam ao conjunto de dados, no sentido de minimizar os desvios quadráticos, podem ser determinadas por algum método apropriado.

A parametrização harmônica da energia potencial pressupõe a utilização do regime linear da elasticidade. Assim, a delimitação de uma deformação máxima que confere linearidade à elasticidade do sistema permite a previsão de valores mais acurados, que devem ser compatíveis com resultados reportados na literatura. É esperado que os valores estejam subestimados quando a deformação máxima estiver além do limite linear da força, visto que o coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3) é negativo [30[30] K.N. Kudin, G.E. Scuseria e B.I. Yakobson, Phys. Rev. B 64, 235406 (2001).].

Uma outra maneira de caracterizar a elasticidade de um sistema é através do módulo de Young (MY). Embora também não seja objetivo deste trabalho, a determinação do MY é interessante para confrontar os resultados gerais deste trabalho com valores conhecidos da literatura.

Um material, sujeito a um carregamento suficientemente baixo, apresenta deformação que aumenta linearmente com a tensão aplicada, sendo o MY a constante de proporcionalidade. Nesta condição de elasticidade linear, a lei de Hooke pode ser expressada, em termos do strain, como:

(7) σ = E ϵ ,

onde σ=F/A é a tensão (ou stress) e E é o MY. A partir destas definições e considerando uma deformação uniaxial ao longo da direção x, o MY pode ser identificado como E=(Lx/A)k, onde A=LyLz.

Em função do coeficiente do termo quadrático da equação (3), o MY é dado por E=2a/V, onde V=LxLyLz. Para uma monocamada do h-BN, define-se o MY 2D multiplicando-se a expressão pela espessura do sistema:

(8) E 2 D = 2 a ( 1,1 ) L x ( 1,1 ) L y ( 1,1 ) .

Como esperado, a equação (8) revela que o MY não escala com as dimensões do sistema, desde que não depende dos índices (n,m). Cálculos teóricos de primeiros princípios reportam valores entre 267–279 N/m para o h-BN monocamada [32[32] M. Topsakal, S. Cahangirov e S. Ciraci, Appl. Phys. Lett. 96, 091912 (2010)., 30[30] K.N. Kudin, G.E. Scuseria e B.I. Yakobson, Phys. Rev. B 64, 235406 (2001)., 33[33] M. Mirnezhad, R. Ansari e H. Rouhi, Superlattices and Microstructures 53, 223 (2013)., 31[31] Q. Peng, W. Ji e S. De, Comput. Mater. Sci. 56, 11 (2012).]. Falin et. al estudaram experimentalmente propriedades mecânicas de monocamadas de alta qualidade de h-BN, tendo obtido MY de 289±24N/m [16[16] A. Falin, Q. Cai, E.J.G. Santos, D. Scullion, D. Qian, R. Zhang, Z. Yang, S. Huang, K. Watanabe, T. Taniguchi et al., Nature Communications 8, 15815 (2017).].

Na seção 4.2 4.2. Estudo do strain máximo do regime linear da elasticidade De acordo com a equação (3), o regime linear da elasticidade é verificado quando for possível desprezar os termos de ordem superior (≥3). A determinação numérica do coeficiente do termo de segunda ordem da equação (3) pode ser dificultada quando realizada a partir de ajustes de funções quadráticas do tipo y=c+a⁢x2, visto que a ausência do termo linear torna a função parabólica essencialmente constante em algum limite de pequenas deformações. Portanto, é necessário estabelecer uma deformação máxima que seja grande o suficiente para promover uma boa determinação numérica do coeficiente a e pequena o suficiente para garantir que o termo de terceira ordem seja desprezível. Para um melhor controle da acurácia dos resultados gerais, o estudo foi realizado tomando-se como referência o MY do h-BN. Considerando a expansão da energia até o termo de segunda ordem no strain, a determinação acurada do MY 2D depende, em última instância, de uma escolha adequada da deformação máxima que será considerada no ajuste de função para a determinação do parâmetro a(1,1). Este parâmetro e todos os demais a(n,m) utilizados neste trabalho foram obtidos pelo Método de Levenberg-Marquardt [41, 42], disponível no programa Gnuplot. Num recente estudo, o MY 2D para o h-BN monocamada foi determinado experimentalmente para uma deformação máxima de 2,0%, de tal forma a capturar a região linear da elasticidade [43]. Trabalhos teóricos têm utilizado valores variados de deformação máxima, desde 0,3% até 8,0%, algumas vezes sem especificar claramente a delimitação empregada [30, 33, 40, 44]. Além disso, a escolha deste parâmetro está sempre desacompanhada de uma justificava fundamentada. Nesta seção, será mostrado que a aproximação do regime linear pode ser delimitada de maneira mais precisa e justificável. Para avaliar a deformação máxima mais adequada, buscou-se o estabelecimento das condições que resultassem na menor incerteza do MY (os cálculos foram feitos somente para a estrutura (1,1), visto que o modelo é parametrizado pela célula básica). Esse estudo foi realizado em função dos parâmetros (i) número de pontos (pares ordenados) usado no ajuste da curva e (ii) deformação máxima da estrutura usada no ajuste da curva, que será denotada, daqui em diante, como strain máximo. As incertezas percentuais do MY foram determinadas através da equação (9), considerando as dimensões da célula isentas de erro: (9) ( Δ ⁢ E 2 ⁢ D E 2 ⁢ D ) ( % ) = ( Δ ⁢ a ( 1,1 ) a ( 1,1 ) ) × 100 , onde Δ⁢a(1,1) representa a incerteza do coeficiente a(1,1) fornecida pelo método de ajuste de curvas. A Figura 4 apresenta o comportamento da incerteza percentual do MY em função do strain máximo, estabelecido para um dado número de pontos utilizados. Para valores suficientemente baixos de strain máximo, o gráfico mostra que as incertezas aumentam com a diminuição do strain máximo. Este comportamento está associado às pequenas variações da energia no entorno de zero strain,4 que pode ser compreendido a partir da equação (3) no limite em que ϵ é suficientemente pequeno. Assim, o método de ajuste de funções apresenta maior dificuldade numérica para realizar o ajuste da função quadrática neste limite, onde a energia é essencialmente constante, refletindo num aumento da incerteza. A partir de um certo valor do strain máximo, em torno de 2,0%, observa-se um aumento das incertezas com o aumento do strain máximo. Este comportamento pode ser explicado pela não–linearidade da elasticidade para deformações suficientemente elevadas, que é uma propriedade do material. O método de ajuste de funções também apresenta maior dificuldade no ajuste da função quadrática nestas condições. A minimização da incerteza, de acordo com a Figura 4, ocorre em torno de 2,0% de strain, para qualquer número de pontos utilizados no ajuste. O reescalonamento do gráfico (ver inset da Figura 4), permite a observação das condições que produzem a minimização da incerteza. Figura 4 Incerteza percentual do MY em função do strain máximo. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado número de pontos utilizados no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. Figura 5 Incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. A Figura 5 apresenta um recorte do comportamento da incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Os valores de strain máximo apresentados no gráfico (entre 1,0% e 3,0%) foram escolhidos para ilustrar as principais conclusões deste particular estudo das incertezas, que são: (i) existência de um valor de strain máximo que minimiza a incerteza; (ii) diminuição da incerteza com o aumento de número de pontos; (iii) além de uma certa quantidade de pontos, não há contribuição significativa na diminuição da incerteza. Com isso, é possível estabelecer o strain máximo de 1,8% e o número de 16 pontos (quantidade máxima utilizada neste trabalho) como parâmetros ótimos que minimizam a incerteza no ajuste de funções. Assim, o valor de a(1,1) obtido a partir dos parâmetros otimizados foi de 95,683 eV. A Figura 6 mostra o valor do MY em função do número de pontos para alguns valores de strain máximo. Levando-se em conta os parâmetros ótimos, obtém-se o valor de 276 N/m, compatível, portanto, com valores obtidos a partir de cálculos de primeiros princípios reportados na literatura (ver seção 2.3). Ressalvando-se que as análises foram realizadas dentro da aproximação do regime de elasticidade linear, a conclusão mais geral desta análise é que a escolha inadequada do strain máximo leva a valores sub ou superestimados das propriedades elásticas. Por exemplo, tomando-se como referência o valor de 276 N/m, a utilização de strain máximo de 1,0% com 16 pontos superestima o MY em cerca de 2,1%. Para valores de strain máximo de 3,0% e 8,0% (16 pontos), o MY é subestimado, respectivamente, em 2,7% e 10,1%. Do ponto de vista funcional, este comportamento era esperado e está diretamente relacionado ao sinal do coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3), conforme mencionado anteriormente. Figura 6 Valores do MY obtidos a partir da equação (8) em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis. , é apresentado um estudo que permite a obtenção do MY a partir da delimitação adequada do regime linear e, por conseguinte, a determinação acurada das constantes elásticas.

3. Cálculos da energia potencial e protocolo de simulação

A energia potencial foi determinada via cálculos de energia total baseados na Teoria do Funcional da Densidade (Density Functional Theory, DFT) [34[34] P. Hohenberg e W. Kohn, Phys. Rev. 136, B864 (1964)., 35[35] W. Kohn e L.J. Sham, Phys. Rev. 140, A1133 (1965).], conforme implementado no código SIESTA [36[36] J.M. Soler, E. Artacho, J.D. Gale, A. García, J. Junquera, P. Ordejón e D. Sánchez-Portal, J. Phys.: Condens. Matter 14, 2745 (2002).]. Uma descrição mais detalhada das aproximações e parâmetros utilizados nos cálculos de estrutura eletrônica pode ser encontrada na Ref. [37[37] E. Hobi Jr., R.B. Pontes, A. Fazzio e A.J.R. da Silva, Phys. Rev. B. 81, 201406(R) (2010).]. Para melhor compreensão da Teoria do Funcional da Densidade, as Refs. [38[38] N.H. Morgon e R. Custodio, Química Nova 18, 44 (1995)., 39[39] A.C. Pedroza, Physicae Organum 2, 1 (2016).] podem ser consultadas. As condições periódicas de contorno foram estabelecidas utilizando células com dimensões (nLx(1,1), mLy(1,1), 30 Å), onde Lx(1,1)=2,530846 Å e Ly(1,1)=4,38374 Å. Para cada sistema com (n,m) células básicas, as simulações foram inicializadas a partir das configurações relaxadas (célula e posições atômicas) com componentes das forças e estresses menores que, respectivamente, 0,01 eV/Å e 1,0 GPa, seguindo, a partir daí, o seguinte protocolo: (i) para cada strain, relaxa-se o sistema (posições atômicas) até que as componentes das forças interatômicas sejam menores que 0,01 eV/Å; (ii) incrementa-se o strain de um certo valor percentual; (iii) os passos (i) e (ii) são repetidos até ser alcançada a deformação total desejada.

4. Resultados

4.1. Energia potencial

Trabalhos teóricos têm mostrado que uma mudança do regime elástico para o regime plástico ocorre quando o h-BN é submetido a deformações além de 18–30% [31[31] Q. Peng, W. Ji e S. De, Comput. Mater. Sci. 56, 11 (2012)., 40[40] J. Wu, B. Wang, Y. Wei, R. Yang e M. Dresselhaus, Mater. Res. Lett. 1, 200 (2013).]. Neste caso, as dimensões originais não são restabelecidas quando a tensão é removida, ocasionando deformações permanentes no material. Neste trabalho, a deformação total empregada foi de 15%.3 3 Para cada configuração (n,m), foram realizados 39 cálculos de DFT, com maior refinamento na região linear da elasticidade – 11 cálculos entre 0,0% e 0,5%, 15 cálculos entre 0,6% e 2,0% e 13 cálculos entre 3,0% e 15,0%.

Uma validação qualitativa do modelo pode ser verificada nos gráficos da energia potencial, conforme Figura 3. A linha contínua (azul) da Figura 3(a) representa um ajuste quadrático da energia obtida de simulações da célula básica (1,1), necessário para a parametrização do modelo. As linhas descontínuas, que são representações das energias previstas pelo modelo de acordo com a fórmula fechada (5), apresentam concordância com os resultados das simulações, que são representados por pontos.

Figura 3
Energia potencial em função do strain. Os pontos são os resultados de cálculos de primeiros princípios. As linhas descontínuas representam as energias previstas pelo modelo para as estruturas estudadas: (a) m=1; (b) m=2; (c) m=3; (d) m=4. A linha contínua representa uma curva ajustada para a energia potencial obtida da simulação da célula básica (1,1).

Ainda que considerando esta boa concordância, a deformação máxima de 15% não pode ser utilizada para a determinação das constantes elásticas das estruturas, conforme discutido na próxima seção.

4.2. Estudo do strain máximo do regime linear da elasticidade

De acordo com a equação (3), o regime linear da elasticidade é verificado quando for possível desprezar os termos de ordem superior (3). A determinação numérica do coeficiente do termo de segunda ordem da equação (3) pode ser dificultada quando realizada a partir de ajustes de funções quadráticas do tipo y=c+ax2, visto que a ausência do termo linear torna a função parabólica essencialmente constante em algum limite de pequenas deformações. Portanto, é necessário estabelecer uma deformação máxima que seja grande o suficiente para promover uma boa determinação numérica do coeficiente a e pequena o suficiente para garantir que o termo de terceira ordem seja desprezível.

Para um melhor controle da acurácia dos resultados gerais, o estudo foi realizado tomando-se como referência o MY do h-BN. Considerando a expansão da energia até o termo de segunda ordem no strain, a determinação acurada do MY 2D depende, em última instância, de uma escolha adequada da deformação máxima que será considerada no ajuste de função para a determinação do parâmetro a(1,1). Este parâmetro e todos os demais a(n,m) utilizados neste trabalho foram obtidos pelo Método de Levenberg-Marquardt [41[41] K. Levenberg, Quart. Appl. Math. 2, 164 (1944)., 42[42] D.W. Marquardt, J. Soc. Indust. Appl. Math. 11, 431 (1963).], disponível no programa Gnuplot.

Num recente estudo, o MY 2D para o h-BN monocamada foi determinado experimentalmente para uma deformação máxima de 2,0%, de tal forma a capturar a região linear da elasticidade [43[43] Y. Han, S. Feng, K. Cao, Y. Wang, L. Gao, Z. Xu e Yang Lu, Cell Reports Physical Science 1, 1 (2020).]. Trabalhos teóricos têm utilizado valores variados de deformação máxima, desde 0,3% até 8,0%, algumas vezes sem especificar claramente a delimitação empregada [30[30] K.N. Kudin, G.E. Scuseria e B.I. Yakobson, Phys. Rev. B 64, 235406 (2001)., 33[33] M. Mirnezhad, R. Ansari e H. Rouhi, Superlattices and Microstructures 53, 223 (2013)., 40[40] J. Wu, B. Wang, Y. Wei, R. Yang e M. Dresselhaus, Mater. Res. Lett. 1, 200 (2013)., 44[44] J. Deng, I. Fampiou, J.Z. Liu e A. Ramasubramaniam, App. Phys. Lett. 100, 251906 (2012).]. Além disso, a escolha deste parâmetro está sempre desacompanhada de uma justificava fundamentada. Nesta seção, será mostrado que a aproximação do regime linear pode ser delimitada de maneira mais precisa e justificável.

Para avaliar a deformação máxima mais adequada, buscou-se o estabelecimento das condições que resultassem na menor incerteza do MY (os cálculos foram feitos somente para a estrutura (1,1), visto que o modelo é parametrizado pela célula básica). Esse estudo foi realizado em função dos parâmetros (i) número de pontos (pares ordenados) usado no ajuste da curva e (ii) deformação máxima da estrutura usada no ajuste da curva, que será denotada, daqui em diante, como strain máximo. As incertezas percentuais do MY foram determinadas através da equação (9), considerando as dimensões da célula isentas de erro:

(9) ( Δ E 2 D E 2 D ) ( % ) = ( Δ a ( 1,1 ) a ( 1,1 ) ) × 100 ,

onde Δa(1,1) representa a incerteza do coeficiente a(1,1) fornecida pelo método de ajuste de curvas.

A Figura 4 apresenta o comportamento da incerteza percentual do MY em função do strain máximo, estabelecido para um dado número de pontos utilizados. Para valores suficientemente baixos de strain máximo, o gráfico mostra que as incertezas aumentam com a diminuição do strain máximo. Este comportamento está associado às pequenas variações da energia no entorno de zero strain,4 4 A variação de energia verificada é da ordem de 10-5 eV para 0≤ϵ≤0,10% e da ordem de 10-3 eV para 1,70%≤ϵ≤1,80%. que pode ser compreendido a partir da equação (3) no limite em que ϵ é suficientemente pequeno. Assim, o método de ajuste de funções apresenta maior dificuldade numérica para realizar o ajuste da função quadrática neste limite, onde a energia é essencialmente constante, refletindo num aumento da incerteza. A partir de um certo valor do strain máximo, em torno de 2,0%, observa-se um aumento das incertezas com o aumento do strain máximo. Este comportamento pode ser explicado pela não–linearidade da elasticidade para deformações suficientemente elevadas, que é uma propriedade do material. O método de ajuste de funções também apresenta maior dificuldade no ajuste da função quadrática nestas condições. A minimização da incerteza, de acordo com a Figura 4, ocorre em torno de 2,0% de strain, para qualquer número de pontos utilizados no ajuste. O reescalonamento do gráfico (ver inset da Figura 4), permite a observação das condições que produzem a minimização da incerteza.

Figura 4
Incerteza percentual do MY em função do strain máximo. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado número de pontos utilizados no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis.
Figura 5
Incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis.

A Figura 5 apresenta um recorte do comportamento da incerteza percentual do MY em função do número de pontos. Os valores de strain máximo apresentados no gráfico (entre 1,0% e 3,0%) foram escolhidos para ilustrar as principais conclusões deste particular estudo das incertezas, que são: (i) existência de um valor de strain máximo que minimiza a incerteza; (ii) diminuição da incerteza com o aumento de número de pontos; (iii) além de uma certa quantidade de pontos, não há contribuição significativa na diminuição da incerteza. Com isso, é possível estabelecer o strain máximo de 1,8% e o número de 16 pontos (quantidade máxima utilizada neste trabalho) como parâmetros ótimos que minimizam a incerteza no ajuste de funções. Assim, o valor de a(1,1) obtido a partir dos parâmetros otimizados foi de 95,683 eV.

A Figura 6 mostra o valor do MY em função do número de pontos para alguns valores de strain máximo. Levando-se em conta os parâmetros ótimos, obtém-se o valor de 276 N/m, compatível, portanto, com valores obtidos a partir de cálculos de primeiros princípios reportados na literatura (ver seção 2.3 2.3. Modelo de associação de molas Um corpo é um sistema constituído por uma infinidade de átomos interagentes que, quando carregado por uma força externa, tende a se deformar. No regime elástico, isto é, quando a deformação é revertida na ausência do carregamento, a energia potencial é função da deformação e pode ser expandida numa série de Taylor. Assim, um corpo deformado axialmente na direção x tem sua energia potencial dada por: (3) U ⁢ ( ϵ ) = U m ⁢ i ⁢ n + a ⁢ ϵ 2 + b ⁢ ϵ 3 + ⊋ , onde Umin é a energia potencial do corpo não deformado e ϵ=δ⁢x/Lx é o strain (δ⁢x e Lx são, respectivamente, a variação do comprimento e o comprimento inicial). Para pequenas deformações, todos os termos de mais alta ordem de (3) podem ser descartados, estabelecendo uma força linear consistente com a lei de Hooke. A elasticidade do sistema, representada pela constante elástica equivalente, é k=2⁢a/Lx2. A opção pela hipótese da harmonicidade da energia potencial tem por objetivo manter a simplicidade da abordagem teórica conforme realizada nas disciplinas introdutórias de Física. Explorando a periodicidade do h-BN, estruturas de qualquer tamanho podem ser formadas a partir da replicação de uma célula básica no espaço. A Figura 2(a) mostra esta ideia considerando uma célula básica composta por quatro átomos (2B+2N). Figura 2 (a) Representação da estrutura atômica do h-BN formada a partir da replicação de uma célula básica (2B+2N) no espaço bidimensional (B: vermelho; N: azul); (b) objeto-modelo que representa a estrutura atômica do h-BN. Elasticamente, o sistema é constituído por um arranjo de molas idênticas, conforme a Figura 2(b). A constante elástica equivalente é obtida considerando-se as regras usuais de associação de molas, presumindo-se que todas elas se distendem igualmente (consultar a Ref. [29] para quando este não for o caso). Por exemplo, um arranjo em série de n molas iguais de constante k resulta numa constante elástica equivalente k/n. Para um arranjo em paralelo de m destas molas, a constante elástica equivalente é mk. Combinando-se estas duas regras, uma estrutura constituída de (n,m) células básicas, sendo n na direção x e m na direção y, tem constante elástica equivalente: (4) k ( n , m ) = ( m n ) ⁢ k ( 1,1 ) ; n , m = 1,2,3 , … , onde k(1,1)=2⁢a(1,1)/(Lx(1,1))2 é a constante elástica da célula básica (a(1,1) e Lx(1,1) são, respetivamente, o coeficiente do termo quadrático da equação (3) e o comprimento inicial, ambos associados à célula básica). A equação (4) é uma fórmula fechada capaz de realizar a predição da constante elástica k de qualquer estrutura (n,m) a partir do conhecimento da constante elástica da célula básica (1,1). O coeficiente a(1,1) pode ser determinado acuradamente através de métodos de primeiros princípios, ajustando-se uma função quadrática à variação da energia potencial com a deformação, obtida da simulação da estrutura (n,m)=(1,1). É possível também estabelecer uma fórmula fechada para fazer a predição da energia potencial. Ainda que não seja objetivo deste trabalho, a verificação do comportamento da energia potencial prevista pelo modelo pode ser interessante para realizar a sua validação qualitativa. Para pequenas deformações, a energia potencial de um sistema contendo (n,m) células básicas, em termos do coeficiente a(1,1), é dada por: (5) U ( n , m ) ⁢ ( ϵ ) = U m ⁢ i ⁢ n ( n , m ) + ( n × m ) ⁢ a ( 1,1 ) ⁢ ϵ 2 . Para realizar a validação quantitativa das constantes elásticas k, as predições do modelo, obtidas pela fórmula fechada (4), podem ser comparadas com os valores obtidos das simulações através da equação (6). (6) k ( n , m ) = 2 ⁢ a ( n , m ) ( L x ( n , m ) ) 2 ; n , m = 1,2,3 , … Os coeficientes a(n,m), para qualquer (n,m), são os parâmetros obtidos de ajustes de funções do tipo y=c+a⁢x2 da energia potencial obtida das simulações. As funções que melhor se ajustam ao conjunto de dados, no sentido de minimizar os desvios quadráticos, podem ser determinadas por algum método apropriado. A parametrização harmônica da energia potencial pressupõe a utilização do regime linear da elasticidade. Assim, a delimitação de uma deformação máxima que confere linearidade à elasticidade do sistema permite a previsão de valores mais acurados, que devem ser compatíveis com resultados reportados na literatura. É esperado que os valores estejam subestimados quando a deformação máxima estiver além do limite linear da força, visto que o coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3) é negativo [30]. Uma outra maneira de caracterizar a elasticidade de um sistema é através do módulo de Young (MY). Embora também não seja objetivo deste trabalho, a determinação do MY é interessante para confrontar os resultados gerais deste trabalho com valores conhecidos da literatura. Um material, sujeito a um carregamento suficientemente baixo, apresenta deformação que aumenta linearmente com a tensão aplicada, sendo o MY a constante de proporcionalidade. Nesta condição de elasticidade linear, a lei de Hooke pode ser expressada, em termos do strain, como: (7) σ = E ⁢ ϵ , onde σ=F/A é a tensão (ou stress) e E é o MY. A partir destas definições e considerando uma deformação uniaxial ao longo da direção x, o MY pode ser identificado como E=(Lx/A)⁢k, onde A=Ly⁢Lz. Em função do coeficiente do termo quadrático da equação (3), o MY é dado por E=2⁢a/V, onde V=Lx⁢Ly⁢Lz. Para uma monocamada do h-BN, define-se o MY 2D multiplicando-se a expressão pela espessura do sistema: (8) E 2 ⁢ D = 2 ⁢ a ( 1,1 ) L x ( 1,1 ) ⁢ L y ( 1,1 ) . Como esperado, a equação (8) revela que o MY não escala com as dimensões do sistema, desde que não depende dos índices (n,m). Cálculos teóricos de primeiros princípios reportam valores entre 267–279 N/m para o h-BN monocamada [32, 30, 33, 31]. Falin et. al estudaram experimentalmente propriedades mecânicas de monocamadas de alta qualidade de h-BN, tendo obtido MY de 289±24⁢N/m [16]. Na seção 4.2, é apresentado um estudo que permite a obtenção do MY a partir da delimitação adequada do regime linear e, por conseguinte, a determinação acurada das constantes elásticas. ). Ressalvando-se que as análises foram realizadas dentro da aproximação do regime de elasticidade linear, a conclusão mais geral desta análise é que a escolha inadequada do strain máximo leva a valores sub ou superestimados das propriedades elásticas. Por exemplo, tomando-se como referência o valor de 276 N/m, a utilização de strain máximo de 1,0% com 16 pontos superestima o MY em cerca de 2,1%. Para valores de strain máximo de 3,0% e 8,0% (16 pontos), o MY é subestimado, respectivamente, em 2,7% e 10,1%. Do ponto de vista funcional, este comportamento era esperado e está diretamente relacionado ao sinal do coeficiente do termo de terceira ordem da equação (3), conforme mencionado anteriormente.

Figura 6
Valores do MY obtidos a partir da equação (8) em função do número de pontos. Cada conjunto de dados representa o estudo para um dado valor de strain máximo utilizado no ajuste. As linhas contínuas são apenas representações auxiliares para melhor visualização do comportamento das variáveis.

4.3. Constantes elásticas

Na Tabela 1, são apresentadas as constantes elásticas. Os valores de ksim, que representam as constantes elásticas da simulação, foram determinados pela equação (6). As predições do modelo, kkmo, foram obtidas da fórmula fechada (4). Para todos os casos, utilizou-se os valores otimizados (strain máximo de 1,8% e 16 pontos) para o ajuste das funções, estabelecendo a acurácia dos resultados. Considerando as incertezas, os valores de ksim e kmod são compatíveis para cada estrutura analisada, mostrando que o modelo é também capaz de fazer predições precisas, além de acuradas.

Table 1
Constantes elásticas das estruturas de h-BN determinadas a partir das simulações (ksim) e previstas pelo modelo (kmod). As incertezas são obtidas pelas expressões: Δksim=(2Δa(n,m))/(Lx(n,m))2 e Δkmod=(m/n)(2Δa(1,1))/(Lx(1,1))2.

A Tabela 1 apresenta ainda a diferença relativa percentual entre os valores previstos pelo modelo e os valores obtidos das simulações, estes últimos tomados como referência. As diferenças obtidas mostram que o modelo consegue reproduzir as propriedades elásticas das estruturas com diferenças insignificantes, muito menores que 1% para as estruturas estudadas.

5. Conclusões

Neste trabalho, foi apresentada uma proposta didaticamente simples e interessante que pode ser utilizada para complementar a abordagem do tema “elasticidade dos materiais” nas disciplinas de física básica universitária. Considerando o regime harmônico da energia potencial e sistemas bidimensionais periódicos, como é o caso do nitreto de boro hexagonal, foi apresentado um modelo em que a estrutura atômica do h-BN monocamada é representada por um arranjo série-paralelo de molas. Este modelo foi capaz de realizar, através de uma fórmula fechada simples, a predição acurada e precisa da constante elástica de estruturas com tamanhos diversos. Assim, o modelo confirma a aplicabilidade das regras usuais macroscópicas de associação de molas no domínio atômico/molecular para pequenas deformações, mostrando, por conseguinte, a validade da lei de Hooke neste domínio.

Foi mostrado ainda que é possível estabelecer um valor ótimo para a deformação máxima do sistema (strain máximo) para o regime linear da elasticidade, acima do qual as constantes elásticas são subestimadas e abaixo do qual são superestimadas.

Por fim, esta proposta de abordagem permite, além da inserção da modelagem científica como prática de ensino, que outros temas sejam explorados de forma contextualizada, tais como materiais de interesse tecnológico, arranjos periódicos de átomos, aproximação do regime linear da elasticidade, entre outros. Subjacentemente, também evidencia uma antiga prescrição da ciência muito utilizada em modelagem, que é “dividir em partes para entender o todo”.

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  • 2
    É importante salientar que existem molas, ditas não lineares, que não obedecem a lei de Hooke. A resposta não linear ocorre, por exemplo, nas situações em que a mola apresenta espaçamentos desiguais entre as espiras, ou seja, quando a distribuição dos elos não é uniforme quando a mola é distendida. Esta particular condição pode ocorrer para pequenas elongações [27[27] R.M. Prior, Phys. Teach. 18, 601 (1980)., 28[28] G. Lancaster, Phys. Educ. 18, 217 (1983).].
  • 3
    Para cada configuração (n,m), foram realizados 39 cálculos de DFT, com maior refinamento na região linear da elasticidade – 11 cálculos entre 0,0% e 0,5%, 15 cálculos entre 0,6% e 2,0% e 13 cálculos entre 3,0% e 15,0%.
  • 4
    A variação de energia verificada é da ordem de 10-5 eV para 0ϵ0,10% e da ordem de 10-3 eV para 1,70%ϵ1,80%.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2022
  • Revisado
    14 Abr 2022
  • Aceito
    19 Maio 2022
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