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Custo de acessibilidade entre residência e trabalho: um enfoque das características individuais, familiares e locais

Resumo:

Este artigo analisa o quanto as características individuais, familiares e locais podem influenciar na probabilidade de a própria pessoa ocupada ter maior ou menor custo de acessibilidade no deslocamento da sua residência ao local de trabalho. Para tanto, utiliza-se o tempo médio gasto do domicílio ao trabalho (disponível na PNAD) como custo de acessibilidade, cuja variável de resposta ordenada é estimada por máxima verossimilhança com o modelo logit ordenado generalizado (MLOG). Os principais resultados alcançados apontam que as famílias sem filhos promovem um efeito negativo sobre a probabilidade de um menor custo de acessibilidade; o aumento da idade faz elevar as chances dos indivíduos de se preocuparem com os seus custos de acessibilidade; e, quando as pessoas ocupadas recebem auxílio de transporte, aumentam as chances de terem até 30 minutos de percurso entre sua residência e trabalho.

Palavras-chave:
custo de acessibilidade; transporte; modelo logit ordenado.

Abstract:

The main aim of this paper is to analyze the probability of busy individuals having greater or lesser costs of accessibility when commuting from their residence to their place of work. The global analysis will be based on individual, family and local characteristics. To do so, the cost of accessibility was defined as the average time from home to work (available in the PNAD) and this variable is estimated by the maximum likelihood using the Generalized Ordered Logit Model (GOLM). The main results show that: (a) households without children promote a negative effect on the probability of the cost of accessibility; (b) increasing age decreases the chances of individuals having a higher cost of accessibility; and (c) when individuals receive transport help, their chances of spending up to 30 minutes, from their residence to the workplace, increase.

Keywords:
accessibility; transport; ordered logit model.

1. Introdução

É conhecido que a formação do espaço urbano sempre esteve articulada com a industrialização, não apenas mais restrito às cidades (lócus do excedente produtivo, do poder e da festa). A extensão e a própria forma urbana é uma síntese das necessidades das indústrias quanto às demandas de reprodução coletiva da força de trabalho e das próprias demandas de produção - vantagens da mecanização, mudanças tecnológicas e economias de escala de produção (Harvey, 1975HARVEY, D. Social justice and the city. London: Edward Arnold. 1975. cap. 7.; Lefebvre, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999.; Monte-Mór, 2006MONTE-MÓR, R. L. O que é urbano, no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2006, 14 p. (Texto para discussão, 281).). Como consequência desse processo, as cidades podem crescer em virtude das forças cumulativas de aglomeração,1 1 Conforme Fujita e Thisse (2002), as forças cumulativas são as combinações entre economias externas de aglomeração, economias de escala em certas atividades e a preferência por diversidade. que proporcionam vantagens para as suas atividades econômicas em geral. Contudo, a extensão do tecido urbano e as próprias economias de aglomerações geradas particularmente nas cidades produzem diferentes problemas relativos ao meio ambiente, à administração pública, à infraestrutura urbana, aos custos e à qualidade de serviços e ao grau de acessibilidade (Quinet; Vickerman, 2004QUINET, E.; VICKERMAN, R. Principles of Transporte Economics. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2004. 385 p.).

Glaeser (1998GLAESER, E. Are cities dying? Journal of Economic Perspectives, v. 12, p. 139-60, 1998.) destaca que o crescimento da cidade pode ser restringido principalmente porque economias geradas pela aglomeração podem se transformar em deseconomias. Dentre essas deseconomias, o autor enfatiza a questão do congestionamento, uma vez que causa aumentos de custos das firmas e das famílias localizadas na cidade. O congestionamento restringe o acesso à oferta de bens e serviços de clientes e consumidores, ocasionando, por conseguinte, um custo fixo para o processo cumulativo de crescimento urbano. Para Himanen et al. (2005HIMANEN, V.; GOSSELIN, M. L.; PERRELS, A. Sustainability and the interactions between external effects of transport., Journal of Transport Geography n. 13, p. 23-28, 2005.), o congestionamento em uma cidade é uma função da distribuição modal, ou melhor, a dominância dos veículos privados perante o transporte público eleva o grau de congestionamento.

De forma similar, Schwanen et al. (2002SCHWANEN, T.; DIELEMAN, F.; DIJST, M. A micro level analysis of residential context and travel time. Environment and Planning Av. 34, p. 1487-1507, 2002.) reforçam que o grau de urbanização está relacionado inversamente com o tempo de viagem, sobretudo em razão do congestionamento do tráfego e do limitado número de estacionamento em ambientes mais urbanizados. Nesse sentido, o grau de acessibilidade decai2 2 Ou o custo de acessibilidade aumenta. à medida que aumentam as impedâncias urbanas, especialmente provocadas pelo crescimento de congestionamento. Além dessa explicação, a redução do grau de acessibilidade pode ser função do processo de crescimento das comunidades nas regiões metropolitanas, em que as densidades habitacionais têm sido direcionadas do núcleo urbano para as periferias, aumentando o tráfego e tempo de duração das viagens (Vickerman, 2002VICKERMAN, R. W. Sustainable mobility in an age of intermationalisation. In: HIGANO, Y.; NIJKAMP, Poot, P.; van WIJK, K. (Eds.). The region in the new economy, Aldershot: Ashgate. (2002).).

Quando apresentam altos custos de acessibilidade, pessoas ou grupos sociais ficam "limitados" para aproveitar as oportunidades (instalações, atividades e serviços) necessárias para ser social e economicamente incluídos (Farrington, 2007FARRINGTON, J. H. The new narrative of accessibility: Its potential contribution to discourses in (transport) geography., Journal of Transport Geography n. 15, p. 319-330, 2007.). Nesse sentido, conforme Preston e Rajé (2007PRESTON, J.; RAJÉ, F. Accessibility, mobility and transport-related social exclusion., Journal of Transport Geography n. 15, p. 151-160, 2007.), altos níveis de acessibilidade podem diminuir a exclusão social nas cidades, uma vez que os indivíduos tornam-se mais favorecidos para usufruir de um conjunto de instalações acessíveis e contatos sociais. Sendo assim, o conceito de acessibilidade também envolve uma abordagem peculiar: a capacidade dos indivíduos de alcançar ou participar de atividades ou oportunidades normais em uma sociedade (Farrington, 2007).

As próprias características individuais e familiares das pessoas podem influenciar em diferentes graus de acessibilidade nas cidades. O baixo nível de renda é um dos fatores que frequentemente impedem as pessoas de acessar a todas as oportunidades possíveis em uma sociedade. Por exemplo, uma família pobre com crianças na escola pode estar restringida pelo horário do expediente escolar, sendo assim incapaz de acessar outros serviços (e.g. saúde, comércio, utilidade pública) da sociedade, já que, muitas vezes, ela reside em locais distantes e enfrenta dificuldades financeiras para se movimentar livremente nas cidades (Farrington, 2007FARRINGTON, J. H. The new narrative of accessibility: Its potential contribution to discourses in (transport) geography., Journal of Transport Geography n. 15, p. 319-330, 2007.). Entretanto, uma ressalva deve ser feita. Existem casos que, independentemente do nível de renda, as famílias podem morar em locais distantes do centro urbano a fim de aproveitar as externalidades de área residencial com baixa densidade, ou seja, locais com menos barulho, com ampla área verde e com maior espaço e segurança (Zhang, 2007ZHANG, W. B. Economic geography and transportation conditions with endogenous time distribution amongst work, travel, and leisure., Journal of Transport Geography n. 15, p. 476-493, 2007.).

De qualquer maneira, há um consenso de que as pessoas de famílias de baixa renda, que na maioria das vezes usam o transporte público, são restringidas pelo tempo para acessar as atividades e oportunidades dos centros urbanos. Assim, se elas enfrentam dificuldades na realização de atividades almejadas, principalmente pela restrição do tempo, podem desejar usar ou comprar um carro para fazê-las, desde que sua renda seja suficiente (Eck et al., 2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.). Como decorrência disso, o resultado sobre o custo de acessibilidade é ambíguo. O desejo de se realizar as atividades, combinadas com melhor condição orçamentária familiar, pode, com a utilização de um carro, reduzir o tempo de percurso e aumentar o grau de acessibilidade.

No entanto, se todas as famílias estiverem numa circunstância semelhante, pode haver efeito contrário, ou seja, um número maior de carros trafegando tende a gerar grau maior de congestionamento, e, por decorrência, o tempo de percurso aumenta para uma mesma distância. A fim de atenuar o crescimento de carros em circulação nas cidades, Steg e Gifford (2005STEG., L.; GIFFORD, R. Sustainable transportation and quality of life., Journal of Transport Geography n. 13, p. 59-69, 2005.) defendem que, além de uma solução tecnológica, é preciso uma mudança de comportamento das pessoas. Para os autores, mudanças de escolha do destino, combinadas com menores viagens, podem melhorar a qualidade ambiental, urbana, de vida e a acessibilidade do destino.

De acordo com Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), o grau de acessibilidade também pode ter importantes diferenças no que diz respeito ao sexo dos indivíduos. Segundo os autores, as mulheres têm mais facilidade e sensibilidade para programar suas atividades cotidianas do que os homens. Uma das justificativas se deve pelo fato de que elas visitam os lugares das atividades que são rota entre a residência e o trabalho local e usam frequentemente mais o transporte público do que os homens para sua mobilidade ao trabalho. Em outras palavras, as mulheres se programam melhor, e os homens tendem a usar mais os veículos particulares entre sua residência e o trabalho. O resultado dependerá se o uso do veículo particular favorecerá num maior grau de acessibilidade diante do tempo gasto por um transporte público.

Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.) também apontam que as famílias compostas de crianças têm a necessidade de acessar atividades próximas a sua casa e muitas vezes tal acesso ocorre na rota entre o seu domicílio e o trabalho. As famílias sem filhos têm menor necessidade de acessar as atividades diariamente; porém, geralmente apresentam maiores dificuldades em organizar seus programas de atividades. Em seus estudos empíricos, os autores apontaram que a famílias sem filhos conseguem perceber apenas 54% dos programas de atividades, ao passo que, nas famílias com filhos, esse percentual sobe para 66%. Para os autores, esse cenário sugere que as famílias sem filhos são mais dependentes dos automóveis do que as famílias com filhos.

Conforme Geurs e Wee (2004GEURS, K. T.; WEE, B. V. Accessibility evaluation of land-use and transport strategies: Review and research directions., Journal of Transport Geography n. 12, p. 127-140, 2004.), o conceito de acessibilidade é bastante difícil e complexo, de forma que medidas de acessibilidade são tratadas por várias perspectivas, como, por exemplo, localização de acessibilidade, acessibilidades individuais e benefícios econômicos de acessibilidade. Para esses autores, as medidas de acessibilidade são consideradas como indicadores de impacto do uso dos solos, do desenvolvimento de transportes e como planos de política sobre o funcionamento da sociedade em geral. Assim, a acessibilidade deve incidir sobre o papel do ordenamento do território e os sistemas de transporte na sociedade, que proporcionará aos indivíduos ou grupos de indivíduos a oportunidade de participar de atividades em diferentes locais. Com base nessas definições, os autores sumariam quatro tipos de componentes de acessibilidade:

  1. o componente de uso da terra engloba três aspectos: i) quantidade, qualidade e distribuição especial das oportunidades oferecidas em cada destino (trabalho, comércio, saúde e lazer); ii) a procura de oportunidades na origem desses locais (e.g. onde os habitantes vivem); e iii) o confronto entre a oferta e a procura de oportunidades na qual pode resultar numa competição de atividades (e.g. entre trabalho, escolas e leitos hospitalares);

  2. o componente transporte expressa a desutilidade do indivíduo para cobrir a distância entre a origem e o destino com o uso de modo específico de transporte. Este componente inclui a quantidade de tempo (viagens, esperas e estacionamentos), de custos (fixos e variáveis) e de esforços (e.g. confiabilidade, conforto e riscos de acidentes);

  3. o componente temporal reflete a disponibilidade de oportunidades em diferentes momentos do dia e o tempo dos indivíduos de participar de certas atividades (e.g. trabalho e lazer);

  4. o componente individual, que reflete nas necessidades (dependendo, por exemplo, da idade, da renda, do nível educacional e da situação familiar), habilidades (dependendo, por exemplo, da condição física das pessoas e da disponibilidade de modos de viagem) e oportunidades (dependendo, por exemplo, da renda do indivíduo, do orçamento para viagens, do nível educacional) dos indivíduos. Essas características influenciam o nível de acesso de um indivíduo aos meios de transporte (e.g. ser capaz de conduzir e utilizar um carro) e às oportunidades (e.g. ter a competência ou a educação para se beneficiar de uma área residencial próximo ao trabalho). A combinação dessas características pode influenciar fortemente o resultado agregado total de acessibilidade na sociedade.

Segundo os autores, este último componente interage com todos os outros componentes descritos. As necessidades e as habilidades dos indivíduos influenciam o custo e o esforço de movimento, tipos de atividades relevantes e o tempo que se empenha em uma atividade. Além disso, a acessibilidade pode influenciar todos os componentes por um mecanismo feedback, ou seja, a acessibilidade como um fator locacional para os habitantes, e as firmas (relativo ao componente de uso da terra) influencia a demanda por viagens (componente transporte), as oportunidades econômicas e sociais das pessoas (componente individual) e o tempo necessário para realizar uma atividade (componente temporal).

É nesse mote de pesquisa que originam duas principais motivações de estudo para este trabalho. Primeira, a importância de qualificar o quanto às características individuais e familiares podem influenciar na probabilidade de ter maior ou menor custo de acessibilidade. A seleção das variáveis para tais características está embasada nos autores supracitados nesta introdução, sobretudo considerando o componente individual de acessibilidade descrito por Geurs e Wee (2004GEURS, K. T.; WEE, B. V. Accessibility evaluation of land-use and transport strategies: Review and research directions., Journal of Transport Geography n. 12, p. 127-140, 2004.). Segundo, o quanto a questão urbana pode influir na probabilidade de haver maior ou menor grau de acessibilidade. Aliás, para melhor caracterização da questão urbana, também são considerados os efeitos de se morar nas principais regiões brasileiras.

Para tanto, este trabalho emprega a mesma proxy de acessibilidade adotada por Lemos et al. (2003LEMOS, M. B.; MORO, Sueli; CROCCO, M.; BIAZI, Elenice. A dinâmica urbana das regiões metropolitanas brasileiras. Revista Economia Aplicada, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 213-244, 2003.)Esses autores atribuíram à variável tempo médio gasto do domicílio ao trabalho como custo de acessibilidade, uma vez que a informação do tempo de transporte reflete tanto a distância como a densidade do tráfego urbano. Dessa maneira, a principal questão a ser respondida é em que medida os aspectos individuais (necessidade, habilidade, oportunidade) e familiares (renda, filhos ou sem filhos), associados à localização, podem exercer sobre a probabilidade do próprio indivíduo de gastar mais ou menos tempo entre sua residência e o local de trabalho (ou ter menor ou maior custo de acessibilidade). A fim de responder a essa questão, usa-se, primeiramente, o modelo logit ordenado, corrigido pela sua versão generalizada (MLOG) e averígua-se a probabilidade das pessoas ocupadas de gastarem: (1) até 30 minutos; (2) mais de 30 minutos até uma hora; e (3) mais de uma hora do domicílio ao trabalho. Em outras palavras, sabendo que o indivíduo está ocupado, qual a probabilidade dele sobre as respostas ordenadas do custo de acessibilidade na rota entre a sua residência e o local de trabalho.

Além desta seção introdutória, este artigo se organiza em mais quatro seções. A segunda seção apresentará a descrição formal do modelo logit ordenado. Em seguida, a terceira seção abordará o modelo empírico e a base de dados adotada. Na quarta, serão discutidos os resultados alcançados. Por fim, serão tecidas as considerações conclusivas.

2. Metodologia

Os modelos de resposta binária têm por característica sua grande utilidade para dados de pesquisas gerados com base em questionários. Esses modelos, por seu caráter qualitativo, fornecem inferências sobre variáveis dependentes de escolha binária: sucesso (y=1) e insucesso (y=0). Assim, o objetivo de um modelo de escolha qualitativa é determinar a probabilidade de um indivíduo, com um dado conjunto de atributos, de fazer certa escolha em vez de sua alternativa. Em outras palavras, por meio dos seus estimadores, a finalidade é estimar a probabilidade de sucesso ou insucesso, condicionada por variáveis explicativas. Usualmente, a estimação é por máxima verossimilhança (EMV) em virtude de a distribuição dos dados ser necessariamente definida por um modelo de Bernoulli (Cameron; Trivedi, 2005CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics: Methods and aplications. Cambridge University Press, 2005.; Pindyck; Rubinfeld, 2004PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Econometria: Modelos & previsões. (Tradução da quarta edição). Rio de Janeiro: Campus, 2004. 726 p.). A função de Bernoulli é definida como:

em que a probabilidade do sucesso representa , e a probabilidade do insucesso corresponde a .

É importante ressaltar que um modelo de probabilidade linear, estimada por mínimos quadrados ordinários, pode ser tendencioso, já que, na maioria das vezes, subestima (ou superestima) a verdadeira inclinação da reta diante da distribuição dos dados relativos às variáveis explicativas. Dada essa dificuldade, os modelos de resposta binária, probit e logit,3 3 A principal diferença entre probit e logit é que neste (logit) tem caudas um pouco mais larga. Frequentemente ele é usado como substituto do Probit (Pindyck; Rubinfeld, 2004). sugerem uma função de probabilidade acumulada que restringe os valores preditos no intervalo entre 0 e 1 (estimadores não tendenciosos).

Em particular, no modelo logit ordenado, há um ordenamento das categorias associadas com a variável dependente. Essas variáveis apresentam um ordenamento natural de alternativas e são geralmente tratadas como qualitativas (discretas) e analisadas usando métodos para variáveis nominais (i.e. mais de duas categorias), embora com restrições. O uso de um modelo ordenado é apropriado e justificado na medida em que se tem o interesse em compreender como as variáveis independentes afetam a variável dependente ordenal. Antes de formalizar o modelo logit ordenado, é preciso descrever de forma sucinta o seu modelo base de resposta binária (Cameron; Trivedi, 2005CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics: Methods and aplications. Cambridge University Press, 2005.; Pindyck; Rubinfeld, 2004PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Econometria: Modelos & previsões. (Tradução da quarta edição). Rio de Janeiro: Campus, 2004. 726 p.).

No modelo logit de resposta binária, a função de probabilidade logística acumulada é especificada como:

na qual é um vetor das variáveis explicativas e é vetor dos parâmetros.

Resolvendo o antilogaritmo da equação (2), tem-se:

com .

Diante da definição da probabilidade de o evento ocorrer () ou não (), é possível aplicá-las na função de Bernoulli [], a fim de estimar por máxima verossimilhança (EMV). Tomando produto de toda a amostra (), têm-se:

Aplicando o logaritmo e diferenciando com respeito a tem-se a EMV:

desde que satisfeita a propriedade da função de vínculo canônica, ou seja,

Vale ressaltar algumas observações. A razão de chance (odds) para o logit é calculada através do antilogaritmo, ou seja, . Dado que é um vetor de variáveis, logo, para assegurar que a expressão (5) represente o ponto máximo, a matriz Hessiana deve ser definida, e não negativa. Dessa maneira, a inclinação da log-verossimilhança declina perto dos estimadores de máxima verossimilhança. Em suma, a função de verossimilhança é globalmente côncava para o modelo logit e há um único ponto máximo.

Entretanto, não existe uma solução explícita para (Cameron; Trivedi, 2005CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics: Methods and aplications. Cambridge University Press, 2005.). Assim, para alcançar soluções numéricas, adota-se o procedimento de Newton-Raphson. Nesse procedimento, são realizadas interações dos valores das estimativas até que as diferenças entre elas sejam as menores possível. Dado que o estimador da máxima verossimilhança é definido por , o procedimento de Newton-Raphason detém a seguinte expressão:

em que representa os passos interativos; corresponde o gradiente ou conhecido como score (); e é a matriz hessiana (). Assim, se o gradiente é positivo, é necessário aumentar para se aproximar do ponto máximo.

Dadas essas especificações do modelo logit, é preciso estender para o modelo ordenado. Dessa maneira, os valores da variável dependente poderão ter o seguinte ordenamento:de forma que . Assim, um modelo de probabilidade geral pode ser escrito em termo de probabilidade acumulada. No caso deste trabalho, o custo de acessibilidade é captado pela seguinte questão: Quanto tempo você gasta da sua residência ao trabalho no dia? i) Até 30 minutos; ii) Acima de 30 minutos e até 1 hora; e iii) Acima de 1 hora.

A probabilidade acumulada tem a interpretação de uma frequência relativa acumulada de uma variável discreta aleatória, na qual a probabilidade de pode ser menor ou igual a um valor específico []. Ou melhor, pode-se formalizar como:

de maneira que k é o valor que a resposta ordenada vai assumir.

Por definição, as probabilidades acumuladas devem somar "um" quando . Isso significa que . Nesse sentido, essa restrição denota que somente probabilidades acumuladas (ou funções delas) são identificadas de forma única. A probabilidade acumulada é redefinida como:

Nessa especificação, há parâmetros que representam "pontos de corte", ou interceptos separados, correspondentes às categorias ordenadas () da variável dependente (). Ademais, as probabilidades acumuladas significam que , tal que aumenta com . Os interceptos necessariamente são não decrescentes. Destarte, dadas as três respostas possíveis (1, 2 e 3), as probabilidades condicionais das respostas ordenadas podem ser escritas em termos das probabilidades acumuladas, ou seja:

Portanto, as probabilidades preditas associadas a uma resposta podem ser obtidas valendo-se deste modelo. O modelo logit é, portanto, obtido quando segue uma distribuição logística acumulada:

A estimação de máxima verossimilhança dos parâmetros do modelo de probabilidade ordenada é direta. Aliás, utiliza o método de Newton-Raphson como no logit de resposta binária. O objetivo do estimador de máxima verossimilhança, por meio de um modelo ordenado, é encontrar as estimativas de e que maximizem a probabilidade conjunta de obter os valores observados. Isso posto, a verossimilhança da observação depende de qual valor é observado. Para cada valor de resposta ordenada, toma-se o produto sobre todas as observações. Como resultante, o log-verossimilhança pode ser escrito como:

em que define uma série de variáveis dummy, somente uma das quais é igual a 1 para qualquer observação. É importante destacar que, na propriedade de proporcionalidade, não é indexado por .

3. Modelo empírico e base de dados

3.1 Modelo empírico

Com o intuito de estimar a probabilidade do custo de acessibilidade em categorias ordenadas (tempo de percurso) entre o domicílio e o trabalho dos indivíduos, segue a especificação das variáveis:

em que é a variável tempo de percurso diário de ida da residência para o local de trabalho do indivíduo i, categorizada em três ordenamentos de resposta: (1) até 30 minutos, (2) mais de 30 minutos até uma hora, e (3) acima de uma hora; refere-se ao intercepto para cada categoria ; é o termo de erro aleatório [no modelo logit segue uma distribuição simétrica logística com e ]; e Wi=(idade, idadeqrt, anest, sexo, raça, fescola, tfami, rednfamil, auxtransp, área, norte, SP, restsudest, sul, centrooest).

No vetor : é a idade do indivíduo i; é uma variável proxy de experiência do indivíduo i; refere-se aos anos de estudos do indivíduo i; é uma dummy que possui valor unitário se i for masculino, e zero, caso contrário; é uma dummy que possui valor unitário se i é branco ou amarelo, e zero, caso contrário; trata-se de uma variável dummy, em que se i frequenta a escola possui valor unitário, e zero, caso contrário; é uma variável dummy que assume o valor unitário para as famílias sem filhos, e zero, caso contrário; é uma variável contínua que representa o rendimento mensal familiar é uma variável dummy, em que se i recebeu auxílio para transporte no mês de referência, e zero, caso contrário; é uma dummy que possui valor unitário se i mora na área urbana, e zero, caso contrário; e são variáveis dummies com valores unitários para suas respectivas localidades (norte, São Paulo, restante do Sudeste, Sul e Centro-Oeste), e zero, caso contrário.

Perante a equação (11), similarmente a equação (10), o modelo logit ordenado é escrito como:

Redefinindo com base em (9):

É com a equação (13) que se pretende estimar a probabilidade por EMV do custo de acessibilidade em categorias ordenadas dos indivíduos ocupados na sua rota do domicílio até o trabalho. Ademais, a utilização das variáveis explicativas do vetor é justificada pelas diversas abordagens tratadas na introdução, em especial, Geurs e Wee (2004GEURS, K. T.; WEE, B. V. Accessibility evaluation of land-use and transport strategies: Review and research directions., Journal of Transport Geography n. 12, p. 127-140, 2004.).

3.2 Base de dados

Para a estimação do modelo, serão utilizados os microdados provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2007. A PNAD tem o propósito de informar o perfil socioeconômico da população brasileira e para isso investiga diversas características da população, tais como educação, trabalho, rendimento, habitação, migração, dentre outros. Essa é uma pesquisa realizada anualmente e que atualmente tem abrangência nacional.

A variável dependente da equação (13) refere-se a uma amostra de todos os indivíduos ocupados com trabalho único ou principal, exclusive o trabalhador na produção para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso, na semana de referência. Essa variável capta o tempo de percurso diário da ida da residência para o local de trabalho. Na PNAD existem quatros respostas categóricas: i.e. (1) até 30 minutos; (2) mais de 30 até 1 hora; (3) mais de 1 até 2 horas; e (4) mais de 2 horas. Entretanto, as duas últimas respostas foram recodificadas em uma única: (3) mais de 1 hora. O Gráfico 1 apresenta a distribuição percentual de cada resposta em relação ao número total de observações.

Gráfico 1:
Percentual do número de observações da variável dependente

No conjunto de variáveis explicativas com resposta binária nos modelos dos dois estágios, estão: 1) sexo, raça, tipo de família, se as pessoas frequentam a escola, tipo de família, auxílio de transporte, área onde elas residem e as suas localidades (Norte, São Paulo, Restante do Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Além disso, a grande região do Nordeste foi fixada, e seus efeitos poderão ser observados no intercepto. Espera-se que tais variáveis possam ter efeitos sobre a probabilidade de ocupação e de custo de acessibilidade. Por exemplo, o sexo de uma pessoa pode influenciar, conforme Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), na programação das atividades e, com isso, no grau de acessibilidade. Também será possível averiguar empiricamente, para o caso brasileiro, se a áreas urbanas influenciam na probabilidade de custo de acessibilidade.

No conjunto das variáveis contínuas, estão: rendimento mensal familiar, idade, experiência (idade ao quadrado) e anos de estudo. Assim, por exemplo, pela oportunidade do componente individual abordado por Geurs e Wee (2004GEURS, K. T.; WEE, B. V. Accessibility evaluation of land-use and transport strategies: Review and research directions., Journal of Transport Geography n. 12, p. 127-140, 2004.), espera-se que pessoas com mais anos de estudo possam enfrentar menores custos de acessibilidade, visto que aproveitam suas oportunidades econômicas e sociais.

É importante destacar que, quando se trabalha com pesquisas amostrais complexas, como a PNAD, é preciso considerar os pesos das unidades amostrais (aqui, as pessoas) a fim de alcançar estimativas dos parâmetros populacionais não viciadas. Isso vale para as estatísticas descritivas (e.g. média, variância, desvio-padrão, quartis) e para os estimadores. Se as amostras são determinadas em parte pelo valor da variável dependente (e.g. sobreamostra de pessoas de baixa renda), a estimação ponderada pelo peso amostral é necessária.

Os pesos amostrais são atribuídos para cada observação, e sua ponderação nos estimadores pode evitar que as estimativas dos parâmetros sejam inconsistentes. Esses pesos são inversamente proporcionais à probabilidade de inclusão na amostra, ou seja:

em que corresponde ao peso amostral, e representa a probabilidade da unidade amostral de estar na amostra.

Os pesos amostrais ajustados já são informados pela PNAD. No caso do arquivo de pessoas, a variável de peso amostral é V4729 (pesopess). Dessa maneira, sob a atenção das suas consequências, a ponderação do peso amostral é aplicada no EMV para o modelo logit ordenado. Além disso, a Tabela 1 ilustra os principais indicadores estatísticos das variáveis dependentes e explicativas com a ponderação do peso amostral.

Tabela 1:
Principais indicadores estatísticos das variáveis

4. Resultados e discussões

Por meio do modelo logit ordenado da equação (14), estimaram-se os parâmetros de suas variáveis explicativas ponderadas pelo peso amostral. A Tabela 2 apresenta os primeiros resultados estimados por EMV.4 4 Nessa regressão, pelo procedimento de Newton-Raphson, foram registradas três interações para alcançar o máximo da função de log-verossimilhança (--82404,2) e pelo teste de Wald (distribuição Qui-Quadrada com 15 parâmetros), rejeitaram-se os efeitos nulos de interações dos parâmetros (Prob > = 0,0000) a um nível de significância de 1%. O pseudo R2 de MacFaldden atingiu 0,0930. A maioria dos coeficientes foi significativa ao nível de 95% de confiança. A exceção recai sobre a variável binária da região Centro-Oeste.

Tabela 2:
Primeiros resultados da regressão por EMV: estimativa da probabilidade do custo de acessibilidade dos indivíduos ocupados

Os valores dos coeficientes na Tabela 2 não podem ser interpretados como uma influência quantitativa sobre a probabilidade do custo de acessibilidade, uma vez que sua relação não é linear. Para realizar inferências das variáveis independentes sobre a dependente, calcula-se a razão de chance (odds) para o logit por meio do antilogaritmo. Por exemplo, quando há mudança do sexo feminino (0) para masculino (1), espera-se um aumento de 21% nas chances de o indivíduo gastar 30 minutos de percurso, mantidas as demais variáveis constantes. Nessa categoria de resposta, as chances do homem de gastar 30 minutos perante as demais categorias de resposta são 1,19 vez as chances das mulheres. Em virtude da propriedade proporcional do modelo logit ordenado, os valores dos coeficientes são invariantes em relação às respostas ordenadas. Diante disso, é possível afirmar que as chances de o homem gastar até 1 hora de percurso (combinação das respostas 1 e 2) versus acima de 1 hora são 1,19 vez as chances das mulheres. A análise é, pois, feita de uma categoria de resposta em relação às demais.

Quando se têm variáveis contínuas como independentes diante da probabilidade da variável dependente com resposta ordenada, usa-se um valor numérico para expressar o efeito de mudança na probabilidade. Para tanto, fixam-se as covariadas, exceto a de interesse, e especifica um valor de forma a obter sua probabilidade predita. Basicamente, usamos a seguinte fórmula:

em que c é o número que se deseja atribuir.

Por exemplo, o coeficiente da renda familiar foi de -0,00000952. Usamos um múltiplo de R$ 5 mil e aplicamos conforme a equação 15. Assim, a razão de chance registrou 0,95, apontando que, com um aumento de R$ 5 mil na renda familiar, reduz-se a probabilidade em 5% dos indivíduos de gastar, por exemplo, até 30 minutos na rota entre residência e trabalho.

Outra observação importante: conforme a descrição metodológica, nota-se que, uma vez definidas as três respostas ordenadas da variável dependente, têm-se dois interceptos (pontos de cortes). Não obstante, os pontos de corte não podem ser interpretados diretamente, até porque eles dependem dos valores das variáveis independentes.

Ademais, as inferências estatísticas podem estar comprometidas caso a suposição subjacente do modelo logit ordenado esteja invalidada (suposição de chances proporcionais), ou seja, este modelo assume que os coeficientes que descrevem que a relação entre uma resposta categórica baixa (30 minutos) com todas as outras são as mesmas que aqueles que descrevem a relação de uma resposta categórica alta (acima de 1 hora) ante as demais. Dentre os testes existentes para essa suposição, há o teste da razão de verossimilhança. Nesse teste, a hipótese nula é se não existe diferença entre os coeficientes e entre as respostas ordenadas.5 5 Existe também o teste de Brant; porém, por inviabilidade técnica, não foi possível utilizá-lo. O valor da distribuição revelou um valor de 433,08, de forma que rejeitamos a hipótese nula ao nível de significância de 1%. Dessa maneira, a literatura sugere a estimação pelo modelo logit ordenado generalizado (MLOG).6 6 Para mais detalhes sobre o modelo Logit ordenado Generalizado, consultar Willians (2006). Estimando por máxima verossimilhança, encontram-se coeficientes distintos para as combinações: (1) até 30 minutos versus demais categorias, e até 1 hora versus (2) acima de 1 hora.

A Tabela 3 apresenta o diagnóstico da regressão pelo MLOG. Nota-se que foram identificadas cinco variáveis diferentes entre as respostas ordenadas, e pelo estimador foram impostas as suposições de linhas paralelas nas respectivas variáveis.

Tabela 3:
Diagnósticos e correções por MLOG

Com isso, pelo teste de Wald, não se rejeita a hipótese nula, e, portanto, não se viola mais a suposição de chances proporcionais (suposição de linhas paralelas). Corrigida a suposição de chances proporcionais, a Tabela 4 exibe os valores dos coeficientes estimados para até 30 minutos gastos perante as demais respostas ordenadas (acima de 30 minutos). Essa resposta categórica corresponde a uma probabilidade acumulada de 0,68, o que significa que existe maior probabilidade, entre as demais alternativas ordenadas, de os indivíduos gastarem até 30 minutos. Na maioria, os valores estimados foram estatisticamente significativos ao nível de 95% de confiança.

Tabela 4:
Estimativa da probabilidade dos indivíduos que gastam até 30 minutos em comparação com maior tempo entre a residência ao local de trabalho (mlog)

Na Tabela 4, observa-se que, com o acréscimo de um ano de idade, aumentam as chances do indivíduo (1,02 vez) de gastar até 30 minutos entre a sua residência e o trabalho. Se aplicarmos 5 anos, conforme a equação 16, nota-se que uma elevação em 5 anos amplia em 12% as chances. Se o envelhecimento está relacionado com uma queda na condição física do indivíduo (fator habilidade), e dado que o tempo de 30 minutos representa a menor distância entre outras respostas ordenadas, o que torna atrativo o uso do transporte público ou até mesmo uma caminhada, espera-se que o fator habilidade possa interferir nessa probabilidade. Ademais, as condições físicas aliadas às oportunidades (e.g. educação, experiência e renda) podem induzir os indivíduos a morar próximo do local de trabalho, evitando assim as frequentes impedâncias urbanas no seu trajeto.

As chances dos indivíduos que não frequentam a escola são 1,06 vez [1/exp(-0,118)] maiores do que aqueles que frequentam as escolas. Isso pode significar que, à medida que assumem novas atividades, como frequentar a escola, os indivíduos deverão considerá-las na sua programação e, quando executá-las, provavelmente se eleva o tempo entre o trajeto da residência e o local de trabalho. Dessa maneira, frequentar a escola incorrerá na redução das chances do indivíduo de gastar até 30 minutos.

Quando os indivíduos recebem auxílio de transporte, mantidas as demais variáveis constantes, elevam-se em 4,8 vezes as chances de gastar até 30 minutos do percurso da sua residência ao trabalho em relação àqueles que não recebem. Implicitamente, e na maioria das vezes, o auxílio de transporte é concedido para as pessoas ocupadas utilizarem transporte público, o que, por vias particulares urbanas, evitam grandes congestionamentos. De modo geral, nota-se o quanto significativo é a variável de recebimento do auxílio de transporte sobre a probabilidade dos custos de acessibilidade das pessoas ocupadas.

Em conformidade com Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), as famílias sem filhos tendem a ter menor chance (0,94 vez) de gastar até 30 minutos em relação às famílias com filhos. A justificativa é porque famílias compostas de crianças têm a necessidade de acessar atividades próximas a sua casa, e muitas vezes esse acesso ocorre na rota entre o seu domicílio e o trabalho. Mesmo considerando que as famílias sem filhos têm menor necessidade de acessar as atividades diariamente, geralmente elas apresentam maiores dificuldades em organizar seus programas de atividades.

O coeficiente da variável renda familiar foi de -0,0000226. Se aplicarmos um múltiplo de R$ 5 mil, observa-se que um aumento nessa magnitude provoca redução de 11% de chance do indivíduo em gastar até 30 minutos da sua residência ao trabalho. Isso denota que as oportunidades geradas pela renda familiar possivelmente induzem as famílias a residir em locais que contenham externalidades positivas, diminuindo assim sua acessibilidade num perímetro de 30 minutos. Vale notar que, no caso brasileiro, a maioria dos chefes de família é composta de homens, de forma que esses usam mais veículos particulares, enquanto as demais pessoas da sua família, provavelmente, usam transportes alternativos. Como resultado geral, tem-se uma diminuição na probabilidade no gasto de 30 minutos de custo de acessibilidade. A comprovação empírica dessa hipótese sugere extensões de novos trabalhos.

No tempo de 30 minutos de percurso, a variável área foi insignificante, embora com sinal negativo. Esse sinal aponta que, se a área é urbana, existem menores chances dos indivíduos de realizar o respectivo percurso em 30 minutos, o que converge com o trabalho empírico de Schwanen et al. (2002SCHWANEN, T.; DIELEMAN, F.; DIJST, M. A micro level analysis of residential context and travel time. Environment and Planning Av. 34, p. 1487-1507, 2002.) e a argumentação de Glaeser (1998GLAESER, E. Are cities dying? Journal of Economic Perspectives, v. 12, p. 139-60, 1998.). Em outras palavras, a urbanização aumenta o tempo de viagens graças ao surgimento de novas impedâncias, e não diferente, deve diminuir a probabilidade de se gastar até 30 minutos no trajeto (residência-trabalho). Por outro lado, se o indivíduo reside no Estado de São Paulo, mantidas as demais variáveis constantes, elevam-se as chances em 1,26 vez diante dos outros brasileiros de outras localidades.

Por fim, em contrate com Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), quando a pessoa é do sexo masculino, aumentam-se as chances (1,18 vez) de se gastar até 30 minutos no seu percurso em relação às mulheres. Dentre os diversos argumentos possíveis, vale destacar o uso intensivo de carro particular pelos homens, que, sem considerar especificamente as localidades brasileiras, tendem a ganhar tempo com isso, até porque, segundo Eck et al. (2005), as mulheres têm mais facilidade e sensibilidade para programar suas atividades cotidianas do que os homens.

A probabilidade acumulada de até 1 hora do percurso entre a residência e o trabalho é de 0,92 e, quando se comparam os resultados das Tabelas 4 e 5, verifica-se que os sinais dos coeficientes não se alteraram. De acordo com a Tabela 5, a maioria dos coeficientes é estatisticamente significativa ao nível de significância de 5%, inclusive à variável área. Aqui, em virtude de maior intervalo de tempo, as impedâncias urbanas fazem com que os indivíduos tenham menos chances (0,83 vez) ante as pessoas de outras áreas. Assim, tal inferência condiz com Schwanen et al. (2002SCHWANEN, T.; DIELEMAN, F.; DIJST, M. A micro level analysis of residential context and travel time. Environment and Planning Av. 34, p. 1487-1507, 2002.) e Glaeser (1998GLAESER, E. Are cities dying? Journal of Economic Perspectives, v. 12, p. 139-60, 1998.).

Por outro lado, a Tabela 5 também revela um aumento significativo de chance de as pessoas residentes no Sudeste gastarem até 1 hora no percurso da sua residência ao trabalho (acima de 1,51 vez, comparando-se com pessoas de outras localidades brasileiras), mantidas as demais variáveis constantes. Cabe ainda notar que a variável Centro-Oeste não é estatisticamente significativa.

Tabela 5:
Estimativa da probabilidade dos indivíduos que gastam até 1 hora em comparação com maior tempo entre a residência e o local de trabalho (MLOG)

Para as demais variáveis, comparadas com a Tabela 4, verifica-se que as chances se arrefeceram. Por exemplo, as pessoas que recebem auxílio de transporte dessa vez têm 3,74 chances do que as pessoas não contempladas. Tal constatação evidencia a importância do auxílio de transporte para aumentar as chances das pessoas no intervalo de tempo de até 30 minutos. Já as variáveis como idade, experiência, frequenta a escola e tipo de família não apresentaram nenhuma mudança em relação aos seus resultados da Tabela 4. Dessa maneira, são variáveis que já atendiam a suposição de chances proporcionais do modelo logit ordenado. Assim, tais valores podem ser estendidos ao tempo acima de 1 hora.

Por fim, um fato curioso repousa na variável sexo. Comparando-se os resultados, observa-se que, quando a pessoa ocupada é homem, tendem a aumentar suas chances (1,24 vez) de gastar até 1 hora no percurso da sua residência ao trabalho em relação às mulheres. Reciprocamente, as mulheres têm menos chances de gastar 1 hora de percurso em vista dos resultados da Tabela 4 (1/exp(0,21) = 0,80 vez do homem). Tal resultado começa a convergir com a argumentação de Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), ou seja, se as mulheres têm mais facilidade e sensibilidade para programar suas atividades cotidianas do que os homens, logo tal programação começa a fazer efeito no intervalo de até 1 hora de percurso.

5. Considerações conclusivas

Este trabalho pretendeu oferecer contribuições acerca das características individuais, familiares e locais na probabilidade de a pessoa ter um custo de acessibilidade por respostas ordenadas entre a sua residência e o local de trabalho. Para tanto, primeiramente, utilizou-se como proxy de custo de acessibilidade a variável tempo gasto do domicílio ao trabalho fornecida pela PNAD de 2007. Em seguida, estimou-se pelo modelo logit ordenado, e, pelos testes estatísticos, observou-se a suposição de que linhas paralelas do modelo não se sustentavam. Dessa maneira, em conformidade com a literatura, adotou-se o modelo logit ordenado generalizado (MLOG), estimado por máxima verossimilhança.

Embora haja algumas discrepâncias entre as estimações, particularmente, das probabilidades preditas entre as respostas ordenas de intervalo de tempo até 30 minutos e até 1 hora, a análise extraída com tal metodologia confirma, na maioria, os resultados encontrados para os sinais e a significância estatística dos coeficientes estimados. A exceção dessa assertiva repousa na variável área no intervalo de até 30 minutos e na variável Centro-Oeste para o caso de até 1 hora de percurso, o que denota certa irrelevância sobre a probabilidade de custo de acessibilidade para o caso brasileiro. Em ambos os intervalos de custo de acessibilidade, os valores estimados à diferença de sexo contrastam a argumentação Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.), em que alegam existir importantes diferenças na programação das atividades feitas por mulheres e homens e com isso influir no grau de acessibilidade. É importante ressaltar que, para até 1 hora de percurso, se observa um arrefecimento das chances das mulheres e, simultaneamente, aumento das chances dos homens, evidenciando certa convergência na argumentação do autor.

Os resultados alcançados são condizentes com várias argumentações e estudos empíricos da literatura internacional. É possível listar quatro principais pontos conclusivos na análise das características individuais neste trabalho. Primeiro, famílias sem filhos promovem um efeito negativo sobre a probabilidade do custo de acessibilidade, fato que converge com Eck et al. (2005ECK, J. R. van.; BURGHOUWT, G.; DIJST, M. Lifestyles, spatial configurations and quality of life in daily travel: An explorative simulation study. Journal of Transport Geography, n. 13, p. 123-134, 2005.). Segundo, em consonância com Glaeser (1998GLAESER, E. Are cities dying? Journal of Economic Perspectives, v. 12, p. 139-60, 1998.) e Schwanen et al. (2002SCHWANEN, T.; DIELEMAN, F.; DIJST, M. A micro level analysis of residential context and travel time. Environment and Planning Av. 34, p. 1487-1507, 2002.), indivíduos que moram em áreas urbanas vis-à-vis rurais tendem a aumentar a probabilidade do custo de acessibilidade de até 1 hora. Terceiro, à medida que aumenta a idade, elevam-se as chances dos indivíduos de se preocuparem com os seus custos de acessibilidade, em razão das condições físicas aliadas às suas oportunidades geradas (e.g. educação, experiência e renda). Por fim, quando as pessoas ocupadas recebem auxílio de transporte, aumentam suas chances de terem até 30 minutos de percurso entre sua residência e trabalho.

Em linhas gerais, os sinais das variáveis explicativas, seja das características individuais, seja de localidades, condizem com a maioria dos estudos levantados na literatura internacional, principalmente, quando se analisa o custo de acessibilidade por alternativas ordenadas. Entretanto, trabalhos futuros mais aprofundados das questões que envolvem o componente individual e grau de acessibilidade perfazem necessários para o caso brasileiro, tanto quanto melhor adequação e adaptação do método para tal análise. Aliás, podem-se calcular os efeitos marginais em cada resposta ordenada. Contudo, isso não desvaloriza o presente trabalho, uma vez que contribui principalmente por fornecer uma análise diferenciada e pioneira no Brasil do custo de acessibilidade com microdados socioeconômicos da população brasileira, sem considerar matrizes de Origem-Destino (OD) de regiões metropolitanas.

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  • ZHANG, W. B. Economic geography and transportation conditions with endogenous time distribution amongst work, travel, and leisure., Journal of Transport Geography n. 15, p. 476-493, 2007.
  • 1
    Conforme Fujita e Thisse (2002)FUJITA, M.; THISSE, J. F. Economics of Aglomeration. Cambridge: Cambridge University Press, 2002., as forças cumulativas são as combinações entre economias externas de aglomeração, economias de escala em certas atividades e a preferência por diversidade.
  • 2
    Ou o custo de acessibilidade aumenta.
  • 3
    A principal diferença entre probit e logit é que neste (logit) tem caudas um pouco mais larga. Frequentemente ele é usado como substituto do Probit (Pindyck; Rubinfeld, 2004PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Econometria: Modelos & previsões. (Tradução da quarta edição). Rio de Janeiro: Campus, 2004. 726 p.).
  • 4
    Nessa regressão, pelo procedimento de Newton-Raphson, foram registradas três interações para alcançar o máximo da função de log-verossimilhança (--82404,2) e pelo teste de Wald (distribuição Qui-Quadrada com 15 parâmetros), rejeitaram-se os efeitos nulos de interações dos parâmetros (Prob > = 0,0000) a um nível de significância de 1%. O pseudo R2 de MacFaldden atingiu 0,0930.
  • 5
    Existe também o teste de Brant; porém, por inviabilidade técnica, não foi possível utilizá-lo.
  • 6
    Para mais detalhes sobre o modelo Logit ordenado Generalizado, consultar Willians (2006)WILLIAMS, R. Generalized Ordered Logit / Partial Proportional Odds Models for Ordinal Dependent Variables. The Stata Journal, v. 6, n. 1, p. 58-82, 2006. Disponível em: <http://www.nd.edu/~rwilliam/gologit2/gologit2.pdf>.
    http://www.nd.edu/~rwilliam/gologit2/gol...
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2013
  • Aceito
    03 Dez 2013
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