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Promoção da saúde e intersetorialidade na escola: a monumental ambição do Programa Saúde na Escola

‘PSE: 15 ANOS PROMOVENDO SAÚDE NA ESCOLA’ é resultado da intersetorialidade entre saúde e educação no longínquo compromisso desses setores na implementação do Programa Saúde na Escola (PSE) no Brasil. Trata-se de uma iniciativa do Departamento de Promoção da Saúde da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (Depros/Saps/MS) e apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Tem como proposta a disseminação do conhecimento sobre a implementação, a gestão intersetorial e as ações do PSE na promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos, bem como a atenção à saúde dos estudantes da rede pública de Educação Básica.

Esta edição especial faz parte de uma série de atividades do MS e do Ministério da Educação em comemoração aos 15 anos do PSE, um dos maiores programas intersetoriais da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Educação Básica brasileira, alicerçado na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), na Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)11 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno do gestor do PSE. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022..

Desde a publicação do Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 200722 Brasil. Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 5 Dez 2007., a trajetória do PSE foi marcada por uma progressiva implantação nos municípios brasileiros, pulverizando a articulação entre esses setores no território nacional e uma implementação condescendente com os contextos institucionais e técnico-conceituais da práxis intersetorial, tanto no dia a dia das equipes de saúde e educação quanto na gestão do programa nos respectivos entes federados33 Wachs LS, Facchini LA, Thumé E, et al. Avaliação da implementação do Programa Saúde na Escola do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad. Saúde Pública. 2022 [acesso em 2022 out 17]; 38(6):1-14. Disponível em: https://www.scie-lo.br/j/csp/a/3dcVzH7x3cj6dhBvNMt85PJ/ abstract/?lang=pt.
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,44 Silva CS. Saúde na escola: intersetorialidade e promoção da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.
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Ações intersetoriais têm sido utilizadas como estratégias no Sistema Único de Saúde (SUS) para superar a fragmentação gerada pela setorização administrativa e disciplinar das políticas sociais, condição que propicia enfrentamento dos problemas sociais de maneira efetiva e integral, apoiada em um pensamento sistêmico e interdependente das questões de saúde.

A noção de rede social encontra nas relações dos setores a compreensão da complexidade do sistema, tanto no campo pessoal quanto organizacional, ao estabelecer acordos de cooperação. Essa integração dos serviços no âmbito do PSE possibilita promover a saúde e prevenir doenças e agravos no ambiente escolar, assim como incorporar a saúde ao currículo escolar por meio da BNCC ao integrar saberes e experiências, promovendo e almejando, assim, a transetorialidade do programa11 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno do gestor do PSE. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022.,44 Silva CS. Saúde na escola: intersetorialidade e promoção da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.,55 Junqueira LAP. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Rev. Adm. Pública. 2000 [acesso em 2022 out 18]; 34(6):35-45. Disponível em:https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/ article/view/6346.
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Vale destacar que a intersetorialidade é uma das diretrizes e pilares do PSE, e a discussão e o reconhecimento desse conceito no programa são frequentemente apontados em suas normativas e materiais de apoio à implementação11 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno do gestor do PSE. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022.,22 Brasil. Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 5 Dez 2007..

Apesar disso, sua apropriação e aplicabilidade no processo de trabalho é um desafio para os gestores e profissionais de saúde e educação, sendo o distanciamento teórico-prático apontado, por vezes, como um problema multifatorial capaz de favorecer a reprodução de práticas setoriais e hierárquicas, o que limita a ruptura dos modelos higienista e biomédico em favor do modelo de promoção da saúde na escola priorizado pelo PSE44 Silva CS. Saúde na escola: intersetorialidade e promoção da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.,66 Sousa MC, Esperidião MA, Medina MG. A interse-torialidade no Programa Saúde na Escola: avaliação do processo político-gerencial e das práticas de trabalho. Ciênc. Saúde Colet. 2017 [acesso em 2022 out 19]; 22(6):1781-1790. Disponível em: https://www. scielo.br/j/csc/a/nGRj8mdvvwZHvy6G76MrjfJ/ abstract/?lang=pt.
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Esse cenário instiga o PSE a mensurar e aperfeiçoar a qualidade da atuação intersetorial, ou defrontar a ausência dela, além de avaliar e monitorar os mecanismos de implementação de estratégias de promoção da saúde na escola, para inserir alguns elementos, como: a organização de espaços de governança capazes de induzir mudanças burocráticas; o compartilhamento de recursos humanos, financeiros ou administrativos para enfrentar desigualdades e iniquidades sociais e de saúde; o planejamento conjunto que considere o desenvolvimento escolar e a realidade dos territórios; um plano de inclusão da comunidade escolar na identificação de necessidades com efetiva participação dos estudantes; o trabalho em rede e com formação continuada e permanente para adoção de estratégias biopsicossociais de promoção de hábitos saudáveis no espaço escolar; e o permanente acompanhamento e avaliação das ações com vistas à sustentabilidade77 Silva JL, Domene FM, Shine L, et al. Quadros de referência (frameworks) sobre colaboração intersetorial em promoção da saúde. Brasília, DF: Fiocruz; 2022. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/bi-blioref/2022/09/1392102/37_rr_depros_interseto-rialidade_estruturas.pdf.
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,88 Prado NMBL, Aquino R, Hartz ZMA, et al. Revisitando definições e naturezas da intersetorialidade: um ensaio teórico. Ciênc. Saúde Colet. 2022 [acesso em 2022 out 20]; 27(2):593-602. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/BcgPsrHzCP7SnTgqxc-TBSWw/.
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Ressalta-se que esses elementos estão presentes, em maior ou menor grau, na implementação do PSE, a exemplo da histórica constituição dos Grupos de Trabalho Intersetoriais (GTI), da contínua orientação da gestão compartilhada, coordenada, e planejada das ações e dos recursos, e do monitoramento e avaliação das práticas11 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno do gestor do PSE. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022.. À medida que o programa foi se capilarizando e ganhando espaço na agenda da APS e da Educação Básica, gestores e profissionais da saúde e da educação perceberam uma variável implementação33 Wachs LS, Facchini LA, Thumé E, et al. Avaliação da implementação do Programa Saúde na Escola do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad. Saúde Pública. 2022 [acesso em 2022 out 17]; 38(6):1-14. Disponível em: https://www.scie-lo.br/j/csp/a/3dcVzH7x3cj6dhBvNMt85PJ/ abstract/?lang=pt.
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, cujas barreiras e facilitadores retomam novamente o desafio da intersetorialidade para a efetividade das ações99 Melo RC. Barreiras e facilitadores na implementação de ações de promoção da saúde em municípios brasileiros. Brasília, DF: Fiocruz; São Paulo: Instituto de Saúde; 2021. [acesso em 2022 out 20]. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblio-ref/2022/03/1361700/26_rr_depros_promocao_mu-nicipios_final.pdf.
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Em 2021, o PSE, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou uma Chamada para um projeto de avaliação da efetividade da gestão intersetorial e das ações do programa1010 Brasil. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Chamada CNPq/DEPROS/SAPS/MS Nº 20/2021 -Avaliação nacional da efetividade da gestão interse-torial e das ações do Programa Saúde na Escola. 2022. [acesso em 2022 out 20]. Disponível em: http://me-moria2.cnpq.br/web/guest/chamadas-publicas?p_p_id=resultadosportlet_WAR_resultadoscnpqportlet_ INSTANCE_0ZaM&filtro=resultados&detalha=cha madaDivulgada&idDivulgacao=10442.
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, em desenvolvimento pela Fundação Oswaldo Cruz – Brasília, concebida como uma oportunidade de avaliar, em nível federal, a gestão e ações do PSE e identificar experiências exitosas da práxis intersetorial, sendo uma pesquisa avaliativa de magnitude não realizada até o momento e com potencial de determinar os resultados da implementação do programa no Brasil, de forma a responder a anseios administrativos e acadêmicos, uma vez que se carece de estudos robustos e com instrumentos validados para determinar a efetividade da promoção da saúde na escola1111 Lopes IE, Nogueira JAD, Rocha DG. Eixos de ação do Programa Saúde na Escola e Promoção da Saúde: revisão integrativa. Saúde debate. 2018 [acesso em 2022 out 20]; 42(118):773-789. Disponível em: https:// www.scielo.br/j/sdeb/a/SNsdFnbvBdfdhn76GQYG-DtM/abstract/?lang=pt.
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Apesar do desafio da atuação intersetorial na lógica e na operacionalização do PSE, considera-se que não há uma estagnação da sua implantação e implementação, pois existe reconhecimento coletivo da sua importância para o desenvolvimento dos estudantes brasileiros. Na percepção de gestores, profissionais e estudantes, o PSE é relevante, mas, sem dúvida, há um caminho a ser trilhado para o rompimento de práticas fragmentadas e a incorporação da promoção da saúde paulatinamente apontada como estratégia promissora em práticas educativas1212 Schneider SA, Magalhães CR, Almeida AN. Percepções de educadores e profissionais de saúde sobre interdisciplinaridade no contexto do Programa Saúde na Escola. Interface (Botucatu). 2022 [acesso em 2022 out 20]; 26:1-17. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/dr4YJSfvkxCthHWzNfNgGDL/?format=pdf⟨=pt.
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, 1313 Chiari APG, Ferreira RC, Akerman M, et al. Rede intersetorial do Programa Saúde na Escola: sujeitos, percepções e práticas. Cad. Saúde Pública. 2018 [acesso em 2022 out 20]; 34(5):1-15. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/d9GHPC4rRF9WJKQxyqm-bZCG/abstract/?lang=pt.
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, 1414 Oliveira FPSL, Vargas AMD, Hartz H, et al. Percepção de escolares do ensino fundamental sobre o Programa Saúde na Escola: um estudo de caso em Belo Horizonte, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 20]; 23(9):2891-2898. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/BDk6KBvzRGsrR89t9YJfB7m/?lang=pt.
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Nesse aspecto, o Depros/Saps/MS e o Ministério da Educação, em parceria com a Unesco, têm investido na publicação de cadernos e guias temáticos para orientação de profissionais de saúde e educação na realização das ações temáticas do PSE1515 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno temático do Programa Saúde na Escola: promoção da atividade física. Brasília, DF: MS; 2022. [acesso em 2022 out 20]. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/publica-coes/caderno_tematico_pse_atividade_fisica.pdf.
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. Além disso, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), têm sido desenvolvidas metodologias para educação em saúde na rede do PSE, com materiais para os Ensinos Infantil, Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A instrumentalização e a formação dos profissionais de saúde e educação, alinhadas com a BNCC, estão sendo validadas em 18 territórios ao longo do triênio 2021-2023, de forma que a gestão federal do PSE tem fomentado a implementação dessa política por diversas frentes, sustentando o seu papel indutor da mudança de paradigma.

Sem dúvida, o SUS é um projeto aprimorado diariamente por meio da dedicação de incontáveis profissionais de saúde, gestores, pesquisadores e demais representantes da comunidade, e a BNCC, um construto social para calçar a Educação Básica brasileira. O PSE, por sua vez, também é um projeto de 15 anos de constante transformação, amadurecido pela gradual implantação e pelos aprendizados desde sua implementação, digno de um trabalho complexo pelo audacioso desejo de fazer a intersetorialidade no contexto de duas vultosas políticas sociais.

Em comemoração aos 15 anos do PSE, o Depros/Saps/MS, com apoio/parceria da Unesco e do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), escolheu celebrar uma festa de conhecimentos científicos de inovações no campo da intersetorialidade entre saúde e educação por meio da publicação deste número especial da revista ‘Saúde em Debate’. Para esta publicação especial, foram submetidos 68 manuscritos e, após extenso e dedicado processo editorial, selecionados 18 artigos inéditos que compreendem pesquisas de campo e revisões da literatura sobre a implementação, a gestão e as ações temáticas desenvolvidas no âmbito do PSE.

Espera-se que este número especial ‘PSE: 15 anos promovendo saúde na escola’ propicie relevantes reflexões e debates sobre o PSE no Brasil ao longo dessa jovem jornada de 15 anos de existência.

Boa leitura!

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022
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