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Desregulamentação e o controle do abuso do poder econômico: teoria e prática

Deregulation and antitrust policies: theory and practice

Resumo

A desregulamentação e o renascimento da aplicação antitruste são duas tendências recentes em países desenvolvidos e também no terceiro mundo. À primeira vista, eles parecem inconsistentes, já que a desregulamentação enfatiza a organização do mercado livre, enquanto a política antitruste limita as estratégias de negócios privados. Este artigo discute as razões econômicas para a regulamentação e fiscalização antitruste e a relação entre as políticas industriais e anti \truste. Alguns exemplos históricos são trazidos à discussão, incluindo a experiência brasileira.

Palavras-chave:
Antitruste; concorrência; monopólio; concentração

Abstract

Deregulation and antitrust enforcement revival are two recent tendencies in developed and third world countries as well. At first sight, they seem inconsistent as deregulation stresses the free market organization, while antitrust policy limits private business strategies. This paper discusses the economic reasons for regulation and antitrust enforcement and the relationship between industrial and antitrust policies. Some historical examples are brought to the discussion, including the Brazilian experience.

Keywords:
Antitrust; competition; monopoly; concentration

1. INTRODUÇÃO

Desregulamentação e controle do abuso do poder econômico podem, a princípio, soar como duas ações opostas e mesmo inconsistentes entre si. A primeira aponta para uma liberação das forças de mercado. A segunda, para o controle das estratégias empresariais, para a intervenção do Estado sobre os negócios privados.

Os Estados Unidos são reconhecidos como o país patrocinador das legislações antitruste no mundo, e até hoje exibem as mais severas restrições às práticas monopolizadoras. Não se trata, contudo, de uma economia desregulamentada. Pelo contrário, uma lista surpreendente de agências regulamenta uma lista ainda mais surpreendente de atividades econômicas, mesmo depois de duas décadas de desregulamentação. Portanto, não há, pelo menos aparentemente, qualquer incompatibilidade entre uma economia regulamentada e legislações antitruste ou de abuso de poder econômico.

Regulamentação e defesa da concorrência são amparadas por argumentos específicos na teoria econômica, que respondem a problemas também específicos da organização das atividades econômicas.

Ainda assim é necessário reconhecer que, ao longo do processo de desregulamentação da economia norte-americana e da privatização na economia inglesa, foi-se redescobrindo a importância das ações antitruste. É na economia de mercado que estas últimas têm seu lugar e função.

A política ou legislação antitruste tem como objetivo precípuo proteger e mesmo intensificar a força competitiva que se supõe constituir o mecanismo mais eficaz de alcançar a eficiência produtiva, o vigor da inovação técnica e a criação de novos produtos.

As leis antitruste podem enfrentar as consequências do poder de monopólio de duas maneiras: i) aproximando a estrutura de mercado às características competitivas de forma a aumentar a probabilidade de emergência de condutas e desempenhos desejados, mais ou menos automaticamente; e ii) inibindo ou proibindo certos tipos indesejáveis de conduta das firmas.

Há uma tendência atual para que esta segunda modalidade de ação prevaleça, o que se tem refletido inclusive na denominação das leis, que passam a se chamar leis de defesa da concorrência ou leis de justo comércio. Para cada uma das estratégias adotadas, existe um diagnóstico sobre o funcionamento ideal das economias capitalistas, e que tem ocupado muitos de seus economistas.

Essas questões envolvem argumentos suficientemente complexos e polêmicos para ocupar e orientar vários artigos. Aqui serão levantados alguns pontos fundamentais para a discussão e que nos remetem às razões econômicas que sustentam a regulamentação e a defesa da concorrência, assim como à sua própria conceituação. Fazem-nos refletir, ainda, sobre o papel que essas duas ações do Estado podem desempenhar no contexto das políticas deliberadas de crescimento econômico e desenvolvimento industrial.

O presente artigo está organizado em três partes. A primeira tem um caráter conceitual e procura identificar os principais fundamentos para a regulamentação. A segunda repete o procedimento no tocante à defesa da concorrência. Por último, procura-se discutir as relações entre política industrial e defesa da concorrência.

2. OS ARGUMENTOS ECONÔMICOS PARA A REGULAMENTAÇÃO

A redefinição do papel do Estado na esfera econômica é um tema central nos debates recentes sobre a economia brasileira, e há mais de duas décadas vem transformando as economias dos países desenvolvidos. Esse debate se desdobra em numerosas dimensões que ultrapassam a mera argumentação econômica. Aqui, o tema será limitado às justificativas econômicas para o controle do poder de monopólio.

A justificativa econômica para a intervenção governamental nos mercados se apoia nas chamadas “falhas de mercado”, isto é, nas situações em que o preço de equilíbrio não estaria refletindo adequadamente a avaliação do consumidor ou os custos dos recursos econômicos embutidos no produto. Existem, grosso modo, três principais falhas de mercado: externalidades, informação imperfeita e poder de monopólio.

Externalidades fornecem a razão econômica para a regulamentação da poluição, restrições ao uso da terra, proteção ambiental etc. A informação imperfeita justifica a regulamentação da comercialização de alimentos e remédios, segurança em veículos, controle de substâncias tóxicas, segurança no trabalho, entre outros.

Alguns denominam regulamentação social o controle das situações em que estão presentes as falhas de mercado acima citadas. Poucos economistas têm sugerido a eliminação da regulamentação social, embora muitos venham criticando as leis e agências responsáveis por sua aplicação. Pelo contrário, tem havido um aumento e um fortalecimento da regulamentação nessas áreas.

Ainda assim tais agências têm sido acusadas de ser excessivamente zelosas ao perseguir seus objetivos sem considerar os custos envolvidos.

Outro tipo de falha de mercado decorre da existência e do exercício do poder de monopólio, isto é, situações em que um produtor ou grupo de produtores tem a capacidade de restringir a oferta de o produto e elevar preços acima do nível de concorrência.

Quando o monopólio ou o oligopólio é resultante da presença de subaditividade de custos, um grande número de concorrentes não é desejável nem tampouco possível. O mercado não comporta um grande número de firmas operando em escala e escopo eficientes. Entretanto, se a indústria for controlada por um monopolista, qual a garantia de que o consumidor se beneficiará dos custos menores? Tal resultado não estará garantido pela força da concorrência. Nesse caso, portanto, as forças de mercado devem ser substituídas pela regulamentação econômica ou pela operação de empresas estatais. Segundo Milton Friedman, “não existe, infelizmente, uma boa solução para o monopólio técnico. Existe apenas uma escolha entre três demônios: o monopólio privado desregulamentado, o monopólio privado regulamentado pelo Estado e a produção estatal”.1 1 Milton Friedman, 1962, p.128.

Os exemplos mais típicos de monopólio natural concentram-se nos serviços de utilidade pública, tais como o fornecimento de água, eletricidade e telecomunicações. Para esses casos, a estatização foi adotada em muitos países europeus, enquanto a regulamentação foi a solução norte-americana.2 2 Segundo Sam Peltzman, “A engenhosidade dos economistas assegurou que a lista de fontes potenciais de falhas de mercado nunca se completasse”. (1989).

No início dos anos 60 a razão mais popular para a regulamentação era o monopólio natural, seguido à distância pelas externalidades. Entretanto, qualquer incursão nos numerosos setores regulamentados nos Estados Unidos mostra que o argumento do monopólio natural não se aplica à maioria dos casos, tais como transporte aéreo e rodoviário, depósitos bancários e seguros. Alguns desses setores foram desregulamentados total ou parcialmente, outros permanecem inalterados.3 3 E. M. M. Q. Farina e A. Schembri, 1990, pp. 325-52.

No caso das empresas estatais responsáveis pelos serviços de utilidade pública, a privatização ensejou duas iniciativas: regulamentação e fortalecimento das agências antimonopólio.

A prescrição econômica de regulamentação para setores sujeitos a falhas de mercado supõe, entretanto, que o Estado ou as agências regulamentadoras são capazes de operar eficientemente, obtendo resultados que reproduziriam a situação ideal dos mercados competitivos. Coase observa que os economistas derivam conclusões de política econômica com base em situações abstratas de mercado. Não se detêm em analisar como arranjos alternativos efetivamente se comportam na prática, o que os leva a falar em “falhas de mercado” e a não falar em “falhas de governo”. Há que se perceber que se está escolhendo entre dois arranjos sociais que são ambos mais ou menos falíveis.4 4 R. H. Coase, “The regulated industries: discussion”. American Economic Review, 54 (maio), citado em O. E. Williamson, The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985.

Críticas como essa e a própria avaliação do desempenho dos setores regulamentados levaram a um fundado ceticismo no tocante à intervenção governamental e a uma revisão de sua abrangência.5 5 Várias teorias de regulamentação foram desenvolvidas com o intuito de explicar o processo e o desempenho observado da regulamentação. Nenhuma foi muito feliz em explicar por que se inicia a regulamentação de um setor e, menos ainda, em entender a desregulamentação. No entanto, as razões econômicas que prescrevem a regulamentação continuam as mesmas, apesar de que com refinamentos. V. Peltzman (1989). Na verdade, a maior parte dos setores desregulamentados não era realmente monopólio natural, ou por mudança técnica, como no caso das telecomunicações, ou porque nunca o foi, como transportes aéreos ou rodoviários.6 6 V. Farina e Schembri, 1990.

O que dizer de setores nos quais exista importante subaditividade de custos e adicionalmente cujos custos fixos sejam constituídos em grande parte por ativos específicos, isto é, sujeitos a custos irrecuperáveis? Há que se escolher entre os três demônios mais uma vez. A experiência europeia sugere que a privatização de setores de utilidade pública pode ser obtida com sucesso. Restam ainda os outros dois demônios.

Alguns autores têm sugerido que o preço de monopólio não é uma consequência necessária do monopólio privado desregulamentado. Tal resultado poderia ser evitado por uma concorrência entre empresas que quisessem obter uma franquia do monopólio (Franchise Bidding), de forma que seria escolhida a firma que oferecesse o produto nos melhores termos.7 7 R. A. Posner, “The appropriate scope of regulation in the cable television industry”. The Bell Journal of Economics and Management Science 3(1). O argumento óbvio é que uma vez obtida a franquia o poder de monopólio estaria novamente instalado, a menos que a autoridade franqueadora adotasse uma postura regulamentadora, controlando a taxa de retorno.

O recurso para evitar esse decepcionante desfecho seria um contrato de franquia sujeito a revisões periódicas, nas quais nova concorrência seria efetuada. O problema com essa solução aparece quando a atividade envolve ativos de longa durabilidade e que são específicos, tanto no que se refere ao produto oferecido, quanto à sua localização. É o caso, por exemplo, da geração de energia elétrica. Se a maior parte dos ativos pode ser redirecionada para outras atividades ou produtos (como uma aeronave ou uma frota de caminhões), a cada revisão do contrato haveria a possibilidade de mudar o franqueado. Caso contrário, a mera avaliação dos equipamentos para transferência envolveria uma série de providências muito próximas às atividades de uma agência de regulamentação.8 8 Williamson (1985) dedica todo o capítulo 13 de seu livro a essa discussão, não relatada aqui por não se tratar do tema central do artigo.

O que se quer enfatizar com essas observações é que, embora a regulamentação das atividades econômicas esteja sujeita a falhas, não se pode concluir que deva ser rejeitada como forma de organização econômica. Há que se comparar diferentes alternativas institucionais para cada caso específico. Se o setor é caracterizado por subaditividade de custos, sendo que estes não são irrecuperáveis, a concorrência potencial ou efetiva poderá contestar o exercício do poder de monopólio.9 9 Esse seria o caso de um monopólio contestável. Um mercado é contestável quando não existem barreiras à entrada e a saída não tem custos (há mercado secundário ou reutilização para os ativos fixos). Quando há especificidade de ativos existem custos irrecuperáveis (sunkcosts), e, portanto, os mercados não serão perfeitamente contestáveis. Nesse caso o próprio funcionamento do mercado resultaria em um ajustamento eficiente, ou poder-se-ia utilizar um sistema de concorrência por contratos de franquia.

No caso de a subaditividade de custos estar combinada com especificidade de ativos, então a regulamentação será provavelmente o demônio inevitável.

Poucos economistas têm sugerido a eliminação da regulamentação social, embora muitos venham criticando as leis e agências responsáveis por sua aplicação. Em especial, tais regulamentadores têm sido acusados de ser excessivamente zelosos ao perseguir os objetivos das agências regulamentadoras sem considerar os custos envolvidos. Além disso, podem transformar-se em substitutos das agências de regulamentação econômica ao dificultar a entrada de novos concorrentes por meio de barreiras não econômicas.

3. OS ARGUMENTOS ECONÔMICOS PARA A DEFESA DA CONCORRÊNCIA10 10 Parte deste item é baseado em E. M. M. Q. Farina, “Política antitruste: a experiência brasileira” -Anais do XVIII Encontro Nacional de Economia-ANPEC, vol. I - pp. 455/75, Brasília, dezembro de 1990.

Quando as estruturas fortemente concentradas não decorrem de subaditividade de custos, a teoria econômica mostra que o exercício do poder de monopólio implica perdas sociais.11 11 Farina, 1990.

Segundo Scherer, a política antitruste é uma das armas mais importantes utilizadas pelo governo no intuito de harmonizar o comportamento maximizador de lucros das empresas privadas com o interesse público.12 12 F. M. Scherer, 1980, p. 491.

Do ponto de vista normativo, a medida apropriada para estimar a distorção decorrente do exercício do poder de monopólio é a perda líquida de bem-estar social. Quando um monopolista fixa o preço acima do custo marginal, verifica-se uma transferência de excedente do consumidor para o produtor. Somente quando essa transferência não é completa estará caracterizada uma perda de bem-estar social, pela redução líquida do excedente apropriado por cada um dos agentes econômicos. Diz-se, nesse caso, que existe um “peso morto”. Portanto, a medida dessa distorção será dada pela comparação entre o excedente total e o preço de monopólio e entre o excedente total e o preço competitivo.

Durante a década de 60, a política antifusões norte-americana baseou-se fortemente na relação entre estrutura e desempenho. Em algumas oportunidades, para manter uma estrutura competitiva desconsideraram-se até as vantagens da eficiência econômica. Nessa época, proteger os concorrentes era mais importante do que preservar a concorrência. Um exemplo quase hilariante a esse respeito pode ser extraído do caso da aquisição da Clorox pela Procter & Gamble. Em sua defesa, a Procter & Gamble afirmava que sua aquisição não podia sofrer objeções porque o governo não seria capaz de provar que dela resultaria qualquer tipo de eficiência!13 13 Citado por Williamson (1985, p. 367).

Na década de 70, reformas dessa legislação levaram ao centro das decisões as considerações sobre eficiência. Há quem atribua essas mudanças também à reorganização do staff de economistas na Divisão Antitruste do Departamento de Justiça. Enquanto anteriormente os economistas apenas assessoravam o staff jurídico na preparação e andamento dos casos, com as reformas da década de 70 os méritos econômicos são analisados antes que os processos sejam instaurados.

Empiricamente se observa que o grau de concentração em muitos mercados excede em larga medida os níveis exigidos pelas escalas mínimas de operação eficiente. Também empiricamente se tem verificado que os custos médios são constantes nos trechos relevantes de produção. Ou seja, existe um tamanho mínimo de operação eficiente, que é, em geral, menor do que o tamanho máximo, quando este existe. Isso significa que diferentes configurações da estrutura industrial podem ser compatíveis com a eficiência produtiva. Nesses casos as forças de mercado podem ser suplementadas pela ação governamental pelas chamadas políticas antitruste.

O que esse argumento supõe é que existem barreiras à entrada que podem ser criadas e mantidas pelas firmas, e que não são de caráter tecnológico. Isto é, supõe-se que existem estratégias empresariais que mantêm afastados concorrentes potenciais e, ao mesmo tempo, permitem fixar preços monopólicos.

Durante a década de 60 grande ênfase foi atribuída ao poder de mercado, sustentada pela teoria das barreiras à entrada, na tradição de J. Bain. Entretanto, o modelo de barreiras à entrada não explica o mecanismo pelo qual a ação coletiva ocorre. Segundo Stigler, esses modelos resolvem os problemas do oligopólio pelo assassinato, simplesmente admitindo que o mecanismo da ação coletiva existe ou então transportando-o para um contexto de firma dominante.

Na verdade, o grande problema de associar estruturas concentradas a distorções na alocação dos recursos econômicos decorre em grande parte da ausência de uma fundamentação teórica sólida. Decorre, também, de dificuldades empíricas para determinar o nível ótimo de concentração compatível com a eficiência, especialmente quando se consideram os limites não tecnológicos da firma, isto é, quando se incorporam na análise os custos de transação.14 14 Custos de transação correspondem aos custos de fazer o sistema econômico funcionar em um ambiente de incerteza, complexidade organizacional e oportunismo dos agentes econômicos. Originalmente formulado por Richard Coase, o conceito foi adotado por Kenneth Arrow e é o alicerce da Economia das Instituições, desenvolvida por Oliver Williamson.

Para os oligopólios tecnológicos ou naturais, há uma transposição das consequências atribuídas à posição monopolista, com base na hipótese da concentração-coalizão. Segundo essa hipótese, o equilíbrio de oligopólio se aproximaria da solução de maximização conjunta de lucros com o estabelecimento de uma coalizão tácita entre as empresas. Sendo assim, quanto maior a concentração, maior a possibilidade de acordo tácito ou expresso entre as empresas e mais próxima a situação de monopólio. Como esta implica preço maior e quantidade menor, fica estabelecida uma relação inversa entre concentração e desempenho de mercado.

Essa hipótese tem sido contestada de várias maneiras. Uma delas tem como base a ideia de que é difícil manter a fidelidade dos participantes e, portanto, a estabilidade da coalizão.15 15 Aplicar-se-ia o raciocínio do dilema do prisioneiro tratado pela teoria dos jogos não cooperativos. Colocando essa situação no contexto de jogos repetidos, Tirole demonstra a existência do equilíbrio de coalizão tácita.16 16 J. Tirole, 1988, p. 261. Entretanto, tal demonstração não fornece uma base confortável para a política antitruste que se baseia na relação entre estrutura e desempenho. Os modelos de superjogos apresentam equilíbrios múltiplos, que podem variar desde situações similares ao monopólio até a de concorrência perfeita.

Resultado análogo ao obtido teoricamente é sugerido pela evidência empírica exaustivamente relatada por Scherer (1980SCHERER, F.M. Industrial Market Structure and Economic Performance. EUA, Houghton Mifflin Company, 1980. , pp. 151-2) e por um conjunto enorme de trabalhos de Organização Industrial realizados nas décadas de 60 e 70 que mostram mercados oligopólicos apresentando os mais variados tipos de desempenho.

A teoria dos mercados contestáveis também colaborou para pôr em xeque a hipótese da concentração-coalizão, na medida em que sustenta que uma estrutura oligopólica pode, teoricamente, apresentar um desempenho competitivo se o mercado for perfeitamente contestável. Quanto mais próximo dessa situação estiver um determinado mercado, mais fraca será a relação inversa entre estrutura e desempenho.17 17 O “rationale” fornecido pela teoria dos mercados contestáveis (TMC) serviu de argumento para a defesa da desregulamentação de vários setores da economia americana.

Ainda que a hipótese da concentração-coalizão se verificasse teórica e empiricamente, a atuação sobre as estruturas ainda sofreria a dificuldade de dosar a reestruturação de um mercado e o limite de sua concentração.

A contribuição imprecisa que a teoria econômica oferece para o controle das estruturas de mercado enfraquece a base das legislações antifusões (anti-merger) e aquisições, cujo objetivo é dificultar o processo dinâmico da concentração, de forma a manter as estruturas competitivas de mercado.

O que a teoria econômica oferece são critérios para que os casos de fusão e aquisição sejam analisados, um a um. Esses critérios envolvem considerações de eficiência técnica e de economias de custo de transação.

No entanto, quando as fusões se justificam pelo ganho de eficiência, pode-se esperar que a concorrência leve a um aumento da concentração no momento subsequente. Isto é, o critério da eficiência estática é muitas vezes incompatível com o critério de preservação de uma estrutura competitiva.18 18 D. RavenscrafteF. M. Scherer (1987), “Mergers, sell-offs and economic efficiency”, apresentam uma análise do que ocorreu com as empresas após as fusões e mostram que em sua maior parte houve nova separação, venda de partes da empresa ou mesmo a falência. Evidências que sugerem motivos menos nobres do que a busca de eficiência no processo de fusões e aquisições.

Scherer alerta para o fato de que muitas das discussões sobre a relação entre política antitruste e eficiência se caracterizam por privilegiar o que não é importante. Mais importante do que a eficiência alocativa é a “ineficiência X”, e mais importante ainda é a eficiência dinâmica.19 19 F. M. Scherer, 1991, p. 136.

Pode-se argumentar que na ausência de forte pressão competitiva as empresas podem acumular e reter “gorduras” organizacionais e outras manifestações de custo excessivamente elevado. Uma vigorosa concorrência no mercado de produto disciplina a gerência. A concorrência no mercado de controle de corporações também pode impor essa disciplina se as aquisições estiverem fundamentadas na expectativa de que uma gestão eficiente levará a resultados econômicos futuros favoráveis. Certamente a experiência americana da década de 80 nos Estados Unidos não sustenta essa hipótese.

Do ponto de vista dinâmico, há que se considerar o efeito sobre o processo de inovação. Também a esse respeito a relação entre estrutura e desempenho é problemática. Sem dúvida o grande motor que alimenta a busca de novos processos, novos produtos e novas organizações são os lucros monopólicos. É para deixar de produzir “commodities” de baixa margem de lucro e produzir “especialidades” que as empresas investem em pesquisa e desenvolvimento.20 20 Esses termos foram literalmente utilizados por um diretor da Monsanto para definir a estratégia de longo prazo da empresa, em seminário realizado no IPE/USP. Entretanto, o que impede que o monopolista deite sua cabeça em uma almofada e descanse, para usar a expressão de Schumpeter, é a presença incessante de concorrentes potenciais. A concorrência é responsável não somente por preços competitivos, mas pela busca incessante do poder de monopólio pela inovação!

Segundo Scherer, a ação antitruste aponta para a direção correta ao preservar a concorrência e evitar que barreiras à entrada sejam erigidas desnecessariamente, especialmente porque existe pouca evidência que mostre efeitos adversos sistemáticos sobre o vigor da inovação tecnológica e sobre a taxa de crescimento da produtividade. O caso da AT&T pode servir como exemplo. Após sua fragmentação suas despesas com P&D aumentaram, e ela continuou gerando a incrível marca de uma patente por dia em seus laboratórios.21 21 F. M. Scherer, 1989.

A década de 90 está se caracterizando pela busca de acordos de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos entre megacorporações internacionais. Em 1984, a legislação americana foi alterada para permitir esses acordos, através do “National Cooperative Research Act”. A justificativa de modo geral está baseada no montante de recursos que as pesquisas estão demandando, além das características de fortes economias de escala, existência de free-riding e possibilidade de sinergias decorrentes de backgrounds distintos de pesquisa e habilidades.

Esse ponto merece, entretanto, alguma preocupação, na medida em que pode haver efeitos anticompetitivos decorrentes dessas joint ventures. Ordover e Willig salientam que, ao substituírem decisões independentes, esses acordos podem evitar a corrida de patentes e reduzir o ritmo das atividades de pesquisa e desenvolvimento, especialmente se combinarem as atividades de P&D de firmas concorrentes, a menos que envolvam redução significativa nos custos de P&D.22 22 J. Ordover e R. D. Willig. “Antitrust for high-technology industries: assessing researchjoint ventures and mergers”,Journal of Law and Economics, maio, 1985. Citado por C. Shapiro e R. D. Willig, “On the antitrust treatment of production joint ventures”, Journal of Economic Perspectives 4(3), verão, 1990, pp. 113-30.

Anteriormente, o objetivo da ação antitruste era evitar um ambiente favorável a preços monopólicos, uma vez que resultam em uma alocação ineficiente de recursos do ponto de vista estático. As estruturas concentradas eram, entretanto, admitidas por representarem um ambiente propício para a eficiência dinâmica, pela inovação. Agora os acordos entre as grandes empresas se voltam exatamente para pesquisa e desenvolvimento. De que forma, então, estará garantida a concorrência, que todos acreditam representar o grande mérito da organização capitalista de mercado?

Se o controle das estruturas está sujeito a grandes dificuldades e, de fato, não tem logrado evitar o aumento da concentração, nem mesmo na economia norte-americana, restaria o controle da conduta das firmas. É nesse sentido que em vários países é adotada uma postura de defesa da concorrência ou do justo comércio, atribuindo-se um papel secundário para as ações antitruste.

No rol das condutas consideradas anticompetitivas, três parecem fundamentais: prática de preços abusivos, prática de preços predatórios e formação de cartel. Com a primeira supostamente usufrui-se de uma posição dominante no mercado, com a segunda procura-se estabelecer, artificialmente, essa posição e com a terceira procura-se reproduzir uma situação de monopólio, estabelecendo acordos de fixação de preços e determinando cotas de produção.

Dominick Armentano23 23 Dominick T. Armentano. Antitrust Policy: the Case for Repeal, Cato Institute, 1986. considera que as forças de mercado são suficientemente poderosas para dispensar qualquer ação em defesa da concorrência. Mesmo no tocante a acordos de fixação de preços, criar-se-iam incentivos para a entrada de novos concorrentes, mais cedo ou mais tarde.

O problema está exatamente na qualificação “mais cedo ou mais tarde”. O tempo é uma das barreiras mais importantes à entrada, nos casos relevantes para uma política antitruste. Se uma empresa geradora de energia elétrica opera como um monopólio privado e quadruplica suas tarifas pode atrair concorrentes. Levará anos, entretanto, para que uma nova firma possa operar. Antes disso, essa concorrente potencial poderá desistir da empreitada se perceber que depois de todo esse tempo os lucros não serão os de monopólio, já que será forçada a reduzi-los para um nível realístico. O monopolista estabelecido poderá mesmo ter prejuízo durante algum tempo, com o objetivo de firmar reputação e impedir novos eventuais concorrentes.

Tais considerações são especialmente verdadeiras para setores oligopolizados, em que o capital fixo é importante e é específico.

Existe ainda o argumento de que o cartel não é uma organização sustentável nem, portanto, durável. Haveria sempre incentivo para que seus participantes burlassem os acordos de cotas e preços. Como já afirmado anteriormente, a teoria dos superjogos ou jogos repetidos demonstra a existência do equilíbrio de coalizão tácita. Mas se isso é ainda muito abstrato, há um argumento irresistível levantado por Kenneth Elzinga: “ ... people keep trying to form cartels. If there’s no money there, are these people fools? Are they crazy? You take a look at the track record of the Justice Department for the past eight years. Dozens and dozens and dozens of price-fixing rings broken up in paving and contracting industry in the Southeast. We look at the history of American business, and people keep forming cartels, even in the face of jail and fines”.

Há também descrença na prática de preços predatórios como uma estratégia convincente para forjar uma posição de monopólio sem que haja uma real vantagem decorrente de maior eficiência ou economias de custo de transação. Não seria uma estratégia convincente, porque além de realizar prejuízos durante o tempo necessário para eliminar os concorrentes, essa estratégia demandaria uma eliminação concomitante de todos os concorrentes potenciais depois que a firma elevasse seus preços para reaver seus lucros.

A prática de preços predatórios está, em geral, amparada por uma prática de subsídio cruzado para financiá-la. Esse subsídio cruzado pode ser implementado por uma discriminação de preços, quando se trata de um produto único. É aí que reside a preocupação com a discriminação como estratégia relevante para considerações de defesa da concorrência. O mesmo subsídio cruzado poderá ser financiado pelo lucro monopólico obtido pela firma com outros produtos, se ela é multiprodutora ou se faz parte de um conglomerado.

A política de preços predatórios continuará a ser uma preocupação toda vez que a barreira do tempo estiver presente, garantindo um longo período para recuperação dos lucros perdidos e talvez afastando até eventuais concorrentes, mediante uma reputação de guerra de preços.

É desnecessário dizer que preços abusivos seguem o mesmo raciocínio. A grande dificuldade do controle dessa prática é sua identificação. A título de exemplo, pode-se relatar a experiência alemã a esse respeito. Segundo Ruppelt, têm-se definido vários procedimentos para explicar o que é um preço abusivo, o que requer definir o que seria o preço competitivo. Uma estratégia é comparar com os preços praticados em outros países, depois de ajustá-los para fazer face a características específicas desses mercados.24 24 Hans-Jürgen Ruppelt, “The role of competition policy in Germany”, publicado nos Anais do Seminário Internacional sobre Práticas de Defesa da Concorrência. Brasília, junho 1991. Essa não é uma forma isenta de distorções, mas que tem sido utilizada pelo Bundeskartellamt (Escritório Federal de Cartéis).

Outras práticas restritivas da concorrência são certamente utilizadas para tentar obter lucros elevados em prejuízo do consumidor. O grande problema está em separar o vigor de uma concorrência legítima das práticas predatórias. Nenhum arranjo contratual ou procedimento deve ser considerado anticompetitivo per se. Cada um tem que ser analisado segundo orientação de ganhos de eficiência e de economias de custo de transação, especialmente no âmbito de contratos entre fornecedores e clientes, franquias, vendas casadas etc.

O que tem sido sugerido é o emprego de um método comparativo entre os diferentes arranjos institucionais possíveis, a fim de separar ações em busca do poder de monopólio daquelas dirigidas para ganhos de eficiência no âmbito da firma e de suas transações. 25 25 V. Williamson (1985), especialmente capítulos 4, 9, 11 e 14.

Williamson atribui parte das mudanças ocorridas na legislação americana da década de 70 ao reconhecimento de que as transações realizadas com ativos específicos (localização, produto ou recursos humanos) em condições de racionalidade limitada ganham eficiência por meio do que ele denomina contratos não convencionais.26 26 Se um fornecedor adquire equipamentos produto-específicos para atender à demanda de um cliente que necessita dessa matéria-prima para cumprir seu processo produtivo, então ficou estabelecida uma relação de monopólio bilateral, com possibilidade de ocorrer ações oportunistas de ambos os lados. A forma de controle (governance) e o preço são determinados simultaneamente. Se está aberta a possibilidade do comportamento oportunista, então, para que a atividade produtiva seja realizada, o preço deverá incorporar esse risco. Contratos, nesses casos, reduziriam esse preço na medida em que estabeleceriam garantias a cada uma das partes envolvidas nessa relação de monopólio bilateral.

Um critério relativamente simples para indicar o objetivo de eficiência nesses contratos, portanto, é a caracterização dos ativos físicos ou humanos das firmas envolvidas. Na presença de especificidade, há indícios de economias de custos de transação que podem ser considerados como um ganho de eficiência tão importante quanto a tecnológica. Se os ativos são de uso geral, há indícios de que o objetivo é obstar a concorrência.

4. POLÍTICA INDUSTRIAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Nas estruturas industriais contemporâneas, os setores mais concentrados são também os mais importantes, do ponto de vista de difusão de progresso técnico, geração de empregos e renda. O aproveitamento de economias de escala e escopo e a capacidade de manter atividades de pesquisa e desenvolvimento exigem, na maioria dos casos, a presença de grandes corporações. A eficiência estática e dinâmica justifica a grande empresa e lhe confere, ao mesmo tempo, um largo poder de arbítrio.

Se a política industrial busca a eficiência e o vigor do progresso tecnológico, muito provavelmente terá que amparar setores oligopolizados e promover um processo de concentração onde a pulverização for excessiva. Certamente, uma política industrial ativa irá colidir com a implementação vigorosa da política antitruste ou de defesa da concorrência. Políticas antitruste não prevalecem sobre as determinações do ambiente econômico mais geral, especialmente quando há crença na necessidade de proteger setores econômicos da concorrência internacional ou da própria concorrência doméstica.

Staffan Sandstrom, “Deputy Competition Ombudsman” da Suécia, afirma que o fortalecimento da Lei de Concorrência deve ser acompanhado por uma desregulamentação tanto no setor público como no privado, especialmente no que concerne ao controle do estabelecimento de novos negócios, barreiras de importação e controles de preços.27 27 Da apresentação de documento referente ao Seminário Internacional sobre Práticas de Defesa da Concorrência. Os dois primeiros itens certamente estão presentes em políticas industriais ativas.

O exemplo mais contundente do conflito entre política industrial e antitruste pode ser encontrado no Japão. Sua legislação de justo comércio faz parte do conjunto de legislações do pós-guerra, implantadas sob orientação norte-americana. E, como tal, foi praticamente ignorada durante décadas.

Iyoru Hiroshi relata que o Ministério do Comércio Internacional e da Indústria tem como objetivo proteger, modernizar e promover o desenvolvimento da indústria japonesa como um todo. Seus programas e políticas tendem a incentivar a cooperação e concentração industrial, em vez de intensificar a concorrência. O desenvolvimento industrial é considerado benéfico aos consumidores, em última instância, e, portanto, a proteção e o crescimento da indústria continuam a ser objetivos centrais. Existe, até hoje, uma tensão fundamental entre a Comissão de Justo Comércio (Fair Trade Commission - FTC) e o MITl.28 28 Iyori Hiroshi, 1986

Existe uma estreita relação entre o governo e as empresas japonesas. Essas relações se dão principalmente por orientações administrativas, que podem nortear restrições de oferta e de investimento, e até acordos de fixação de preços. Para compreender essa relação é preciso também considerar que as empresas no Japão são comunidades a ser preservadas, e não simplesmente unidades de negócios. Consequentemente, em períodos de recessão há uma tendência para que seja orientada a formação de cartéis de recessão, com o necessário suporte dos sindicatos de trabalhadores e do governo. A falência desencadeia um sentimento de pânico no Japão. Devido ao sistema japonês de emprego permanente e subcontratados dependentes, uma grande falência pode significar uma devastadora eliminação de empregos e um movimento arruinador de muitas empresas.

A relação entre as empresas e o governo japonês também contribuiu para a obstrução da concorrência internacional nos mercados japoneses, ao mesmo tempo que incentivava as atividades exportadoras por meio de subsídios e do fortalecimento das associações de comércio.

Nesse contexto, pode-se compreender a debilidade da FTC. Entre 1963 e 1972 havia no Japão quase mil cartéis registrados. Em 1984, estavam isentos da ação antitruste 436 cartéis. Mesmo assim, o autor compreende que tanto a política industrial quanto a defesa da concorrência tiveram seu papel no crescimento do país. Investimentos nas indústrias de aço, automóveis, computadores, semicondutores, entre outras, foram incentivados pelo sentimento de segurança conferido pelas medidas protecionistas de política industrial. Entretanto, essas medidas não eliminavam a concorrência interna nessas atividades. Ao contrário, a concorrência era até mais intensa no Japão do que nos Estados Unidos, e funcionou como um fator adicional para incentivar o investimento. Naqueles setores em que a política industrial assumiu a forma de supressão da concorrência interna pelos cartéis, o desempenho piorou: têxtil, petróleo e indústrias petroquímicas. 29 29 Hiroshi (1986, p. 72).

Ainda assim, para elaborar um cenário favorável às atividades da FTC no Japão, Hiroshi segue o seguinte raciocínio, que explicita a prevalência do ambiente econômico geral sobre as legislações antitruste.

A poderosa política industrial foi justificada para possibilitar à indústria japonesa alcançar o desenvolvimento na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Segundo Hiroshi, é difícil continuar a justificá-la, quando o país já se tomou um participante maior da ordem econômica internacional. Além disso, como o Japão depende da exportação de produtos manufaturados, certamente o comércio internacional livre lhe é favorável. Entretanto, advogar o livre comércio e defender a coalizão econômica interna expõe o país à acusação de concorrência desleal. Consequentemente, mesmo de uma perspectiva internacional, a política industrial do Japão deve sustentar a concorrência, e, nesse contexto, a política antitruste continuará a se desenvolver.

Se essa perspectiva é correta, uma política industrial ativa é, certamente, conflitante com a defesa vigorosa da concorrência. Entretanto, nem sempre os resultados desejados de busca da eficiência estática e dinâmica e da competitividade das empresas decorrem de medidas restritivas da concorrência, especialmente nos mercados domésticos. Além disso, uma política industrial que mereça esse nome deve ser fortemente seletiva, sob pena de isolar as empresas domésticas da mais eficaz política de defesa da concorrência que é a exposição à concorrência internacional.

5. CONCLUSÕES

Políticas de defesa da concorrência e regulamentação representam dois tipos de limitação ao livre funcionamento de mercado que respondem a objetivos diversos. Por esse motivo, não há incompatibilidade intrínseca entre essas duas políticas.

O problema do monopólio natural é um problema para regulamentação. O problema de estratégias anticompetitivas e estruturas concentradas sem respaldo em determinantes tecnológicos ou de custos de transação é um problema para as políticas antitruste.

A incompatibilidade com estas últimas ocorre quando a regulamentação se dissemina por setores que não guardam relação com monopólio tecnológico, respondendo apenas à engenhosidade dos regulamentadores para criar “falhas de mercado”.

A política industrial pode e, em geral, cria regulamentações com o objetivo de promover setores industriais estratégicos, deixando o fortalecimento da concorrência externa e, muitas vezes interna, para um segundo plano. Quando essa ação progressivamente se estende à maior parte dos setores econômicos de um país, há uma perda de identidade com a própria noção de política industrial, e o que resulta é apenas um enfraquecimento da concorrência e perda de eficiência e competitividade generalizadas.

O controle do poder econômico tem sido uma preocupação compartilhada por todas as economias contemporâneas. A globalização das estratégias empresariais, estimulada inclusive pela formação dos mercados comuns, incentiva as associações, fusões e acordos entre megafirmas. Exatamente por esse motivo, a Comunidade Econômica Europeia tem procurado fortalecer a legislação e a prática de controle de tais arranjos.

A força dos oligopólios brasileiros, condenada com veemência pelo governo, imprensa e parlamentares, foi magnificada nos anos 80 pela generalização da reserva de mercado, antes privilégio de alguns setores definidos pela política industrial. Esse regime de proteção sem dúvida conferiu aos grandes negócios ampla liberdade para estabelecer políticas de preço e produção, nem sempre condizentes com o interesse público.

Responsabilizados pelo insucesso de vários planos de estabilização e baixa qualidade de seus produtos, monopólios, oligopólios e cartéis passaram a ser tratados agressivamente, com ameaças de devassa fiscal, importações e até cadeia.

A maior exposição à concorrência internacional, imposta pela política de comércio exterior, representa, sem dúvida, um dos mais vigorosos instrumentos para limitar o poder discricionário dos oligopólios locais, desde que respaldada por uma clara política cambial e mantido, com perseverança, o cronograma de abertura progressiva.

Entretanto, há um conjunto de atividades econômicas naturalmente protegidas da concorrência internacional, em razão da perecibilidade do produto, dos custos de transporte ou da especificidade do mercado consumidor. Esse é o caso dos serviços em geral, alguns produtos alimentares, e cimento, entre outros. Além disso, as restrições cambiais podem limitar o poder disciplinador da concorrência externa sobre a economia nacional.

A ira contra os oligopólios fez com que fossem editadas nada menos do que cinco medidas provisórias (ns. 153, 204, 218, 246 e 276), que estabeleciam regras e ampliavam punições para o abuso do poder econômico. Criou-se a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), vinculada ao Ministério da Justiça, que passou a comandar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão até então responsável pela aplicação da Lei de Repressão ao Abuso de Poder Econômico, datada de 1962. A SNDE passou a ser uma instância anterior ao CADE, cujo objetivo era tornar ágeis os processos contra ações abusivas, aplicando sanções antes mesmo que fosse instaurado um processo administrativo.

Apesar de toda a agressividade verbal das autoridades governamentais contra oligopólios e cartéis, os cargos de presidente, secretaria executiva e conselheiros do CADE ficaram vagos por dois anos, por falta de indicação do presidente da República. Nenhuma sindicância ou averiguação preliminar pôde ser transformada em processo administrativo. Nenhuns processos puderam ser iniciados, nem sequer pela SNDE, já que não havia como encaminhá-los, pela falta de quem os recebesse.

É, no mínimo, paradoxal manter um discurso ferino contra grandes empresas e, ao mesmo tempo, desprestigiar o órgão que por direito tem os meios de reprimir abusos.

A versão dessa política industrial ao fim do governo Collor assumiu a forma de 51 câmaras setoriais, em que se faziam acordos dentro das cadeias produtivas, com respaldo e amparo do governo. Esses acordos, além de envolverem revisões de tributos, se faziam em torno de reajustes de preço! Qual o papel da SNDE? Servir de ameaça aos participantes da câmara, caso burlassem o acordo de alguma forma? Mas isso seria sustentar cartéis, e não combatê-los!

Um ambiente como esse destitui de sentido qualquer iniciativa de aprimoramento da legislação existente a partir da experiência de sua aplicação. Os mais de vinte anos de atuação do CADE sugerem que a mesma legislação pode ser muito ou pouco eficaz, dependendo do interesse e agilidade do Conselho. Entre 1986 e março de 1990, o CADE examinou 90 de um total de 117 processos administrativos julgou 66 processos, alguns pendentes há mais de dez anos, e deixou 28 em andamento, além das sindicâncias e averiguações preliminares, que passaram para a SNDE e para o novo Conselho. Sua atuação só não foi mais eficaz porque as sanções previstas pela Lei de 1962 mostraram-se insuficientes para deter grandes corporações ou poderosos cartéis.

A Lei fi2. 8.158, de 8 de janeiro de 1991, pôs fim à enxurrada de medidas provisórias e estabeleceu as normas definitivas pelas quais a defesa da concorrência deve pautar-se. Essa Lei, contudo, não consolidou a legislação antitruste brasileira. Existem, na verdade, cinco leis regulando a repressão do abuso de poder econômico: a Lei n2. l.521/ 51 (que define os crimes contra a economia popular), Lei Delegada n. 4, de 1962 (que define os crimes contra o abastecimento), Lei n. 4.137/62, (que criou o CADE e que regula a repressão ao abuso de poder econômico), a Lei n. 8.137/90 (que define os crimes contra a ordem econômica e relações de consumo) e a Lei n. 8.158/91 (que institui as normas para a defesa da concorrência).

Cada um desses diplomas legais define crimes contra a ordem econômica e estabelece sanções, que podem incluir desde penas de reclusão e multa até intervenção e desapropriação de empresas. A definição dos crimes e penalidades tornou-se tão confusa e difusa que nem sequer a própria Lei n. 8.158/91 se dá ao rigor de mencionar os diplomas legais a que se refere, como recomenda, ao que consta, a melhor técnica legislativa, estabelecendo genericamente que “ficam mantidas as normas definidoras de ilícitos e sanções constantes da Lei n. 4.137 de 10 de setembro de 1962, assim como em outros diplomas legais relativos a práticas de abuso de poder econômico”.

Se a caracterização de práticas restritivas à concorrência já é complexa, do ponto de vista econômico, torna-se uma seara praticamente inexpugnável ao ser aliada à complexidade da legislação. É fácil imaginar que, em vez de tornar ágil e fortalecer os instrumentos de combate ao poder econômico, esse emaranhado legislativo mais servirá para engordar honorários de advogados e economistas que militem nessa área. Diga-se, de passagem, que essa é uma das críticas mais comuns ao sistema antitruste americano!

Do ponto de vista estritamente econômico, a política antitruste só tem sentido em uma economia de mercado em que o Estado se abstém de regular a entrada de concorrentes, de estabelecer cotas de produção, ou de fixar preços. Portanto, só fará sentido na economia brasileira se, efetivamente, os tentáculos estatais forem recolhidos. Trata-se, adicionalmente, de um instrumento adequado para indústrias cuja configuração estrutural admita diferentes níveis de concentração, compatíveis com a eficiência, e para harmonizar a ação de oligopólios naturais com o interesse público.

A maior dificuldade de natureza econômica para a aplicação de leis antitruste reside, precisamente, na distinção entre ações decorrentes de maior eficiência produtiva e ações que são puramente predatórias e, portanto, visam restringir a concorrência. Seria ilegal dominar uma indústria simplesmente por que é muito mais eficiente que seus rivais, a ponto de estes sucumbirem aos esforços competitivos? Em que situações a discriminação de preços pode efetivamente inibir a concorrência, e quando pode beneficiar o consumidor? Quando vendas casadas ou contratos de exclusividade de revenda são necessários para garantir a qualidade de produtos e serviços, e quando são artifícios para inibir a concorrência?

A solução para tais indagações não é trivial nem pode ser encontrada no nível da legislação. A teoria econômica estabelece critérios para a decisão. A eficácia da política de defesa da concorrência depende muito mais da prática do que da letra. Depende, sobretudo, do ambiente político-econômico que a ampara. A experiência internacional é farta em exemplos, que atestam a incapacidade da política antitruste de se sobrepor a políticas econômicas que promovam a concentração econômica e protejam grandes corporações. Essa foi a experiência japonesa, manifesta nos conflitos entre o MITI (Ministério da Indústria e Comércio Exterior) e o FTC (Fair Trade Commission), assim como a experiência americana no período Reagan e a experiência brasileira, em que se tem insistido em conduzir as atividades econômicas em mesas de negociação.

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  • TIROLE, J.. The Theory of Industrial Organization. The MIT Press, 1988. \
  • WILLIAMSON, O.E. The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985.
  • 1
    Milton Friedman, 1962FRIEDMAN, M. Capitalism and Freedom. Chicago, University of Chicago Press, 1962. , p.128.
  • 2
    Segundo Sam Peltzman, “A engenhosidade dos economistas assegurou que a lista de fontes potenciais de falhas de mercado nunca se completasse”. (1989PELTZMAN, S. “The economic theory of regulation after a decade of deregulation”. Brookings Papers on Economic Activity, número especial, 1989. ).
  • 3
    E. M. M. Q. Farina e A. Schembri, 1990FARINA, E.M.M.Q. & SCHEMBRI, A. “Desregulamentação: a experiência norte­americana”. Pesquisa e Planejamento Econômico 29(2), agosto 1990., pp. 325-52.
  • 4
    R. H. Coase, “The regulated industries: discussion”. American Economic Review, 54 (maio), citado em O. E. Williamson, The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985.
  • 5
    Várias teorias de regulamentação foram desenvolvidas com o intuito de explicar o processo e o desempenho observado da regulamentação. Nenhuma foi muito feliz em explicar por que se inicia a regulamentação de um setor e, menos ainda, em entender a desregulamentação. No entanto, as razões econômicas que prescrevem a regulamentação continuam as mesmas, apesar de que com refinamentos. V. Peltzman (1989)PELTZMAN, S. “The economic theory of regulation after a decade of deregulation”. Brookings Papers on Economic Activity, número especial, 1989. .
  • 6
    V. Farina e Schembri, 1990FARINA, E.M.M.Q. & SCHEMBRI, A. “Desregulamentação: a experiência norte­americana”. Pesquisa e Planejamento Econômico 29(2), agosto 1990..
  • 7
    R. A. Posner, “The appropriate scope of regulation in the cable television industry”. The Bell Journal of Economics and Management Science 3(1).
  • 8
    Williamson (1985)WILLIAMSON, O.E. The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985. dedica todo o capítulo 13 de seu livro a essa discussão, não relatada aqui por não se tratar do tema central do artigo.
  • 9
    Esse seria o caso de um monopólio contestável. Um mercado é contestável quando não existem barreiras à entrada e a saída não tem custos (há mercado secundário ou reutilização para os ativos fixos). Quando há especificidade de ativos existem custos irrecuperáveis (sunkcosts), e, portanto, os mercados não serão perfeitamente contestáveis.
  • 10
    Parte deste item é baseado em E. M. M. Q. Farina, “Política antitruste: a experiência brasileira” -Anais do XVIII Encontro Nacional de Economia-ANPEC, vol. I - pp. 455/75, Brasília, dezembro de 1990.
  • 11
    Farina, 1990FARINA, E.M.M.Q. “Política antitruste: a experiência brasileira” Anais do XVIII Encontro Nacional de Economia-ANPEC, vol. I, pp. 455-75, Brasília, dezembro 1990. .
  • 12
    F. M. Scherer, 1980SCHERER, F.M. Industrial Market Structure and Economic Performance. EUA, Houghton Mifflin Company, 1980. , p. 491.
  • 13
    Citado por Williamson (1985WILLIAMSON, O.E. The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985., p. 367).
  • 14
    Custos de transação correspondem aos custos de fazer o sistema econômico funcionar em um ambiente de incerteza, complexidade organizacional e oportunismo dos agentes econômicos. Originalmente formulado por Richard Coase, o conceito foi adotado por Kenneth Arrow e é o alicerce da Economia das Instituições, desenvolvida por Oliver Williamson.
  • 15
    Aplicar-se-ia o raciocínio do dilema do prisioneiro tratado pela teoria dos jogos não cooperativos.
  • 16
    J. Tirole, 1988TIROLE, J.. The Theory of Industrial Organization. The MIT Press, 1988. \, p. 261.
  • 17
    O “rationale” fornecido pela teoria dos mercados contestáveis (TMC) serviu de argumento para a defesa da desregulamentação de vários setores da economia americana.
  • 18
    D. RavenscrafteF. M. Scherer (1987), “Mergers, sell-offs and economic efficiency”, apresentam uma análise do que ocorreu com as empresas após as fusões e mostram que em sua maior parte houve nova separação, venda de partes da empresa ou mesmo a falência. Evidências que sugerem motivos menos nobres do que a busca de eficiência no processo de fusões e aquisições.
  • 19
    F. M. Scherer, 1991SCHERER, F.M. “Antitrust anda dynamic economy”. In First, Fox & Pitofsky, eds. Revitalizing Antitrust in Its Second Century: Essays on Legal, Economic and Political Policy. EUA, Quorum Books, 1991. , p. 136.
  • 20
    Esses termos foram literalmente utilizados por um diretor da Monsanto para definir a estratégia de longo prazo da empresa, em seminário realizado no IPE/USP.
  • 21
    F. M. Scherer, 1989SCHERER, F.M. “Does antitrust compromise technological efficiency? A conversation with F.M.Scherer”. Eastern Economic Journal XV(l), jan./mar. 1989. .
  • 22
    J. Ordover e R. D. Willig. “Antitrust for high-technology industries: assessing researchjoint ventures and mergers”,Journal of Law and Economics, maio, 1985. Citado por C. Shapiro e R. D. Willig, “On the antitrust treatment of production joint ventures”, Journal of Economic Perspectives 4(3), verão, 1990, pp. 113-30.
  • 23
    Dominick T. Armentano. Antitrust Policy: the Case for Repeal, Cato Institute, 1986.
  • 24
    Hans-Jürgen Ruppelt, “The role of competition policy in Germany”, publicado nos Anais do Seminário Internacional sobre Práticas de Defesa da Concorrência. Brasília, junho 1991.
  • 25
    V. Williamson (1985)WILLIAMSON, O.E. The Economic Institution of Capitalism. The Free Press, 1985., especialmente capítulos 4, 9, 11 e 14.
  • 26
    Se um fornecedor adquire equipamentos produto-específicos para atender à demanda de um cliente que necessita dessa matéria-prima para cumprir seu processo produtivo, então ficou estabelecida uma relação de monopólio bilateral, com possibilidade de ocorrer ações oportunistas de ambos os lados.
  • 27
    Da apresentação de documento referente ao Seminário Internacional sobre Práticas de Defesa da Concorrência.
  • 28
    Iyori Hiroshi, 1986HIROSHI, I. “Antitrust and industrial policy in Japan: competition and cooperation”. In Saxonhouse & Yamamura, eds. Law and Trade Issues of the Japanese Economy: American and Japanese Perspectives. University of Washington Press and University of Tokyo Press, 1986.
  • 29
    Hiroshi (1986HIROSHI, I. “Antitrust and industrial policy in Japan: competition and cooperation”. In Saxonhouse & Yamamura, eds. Law and Trade Issues of the Japanese Economy: American and Japanese Perspectives. University of Washington Press and University of Tokyo Press, 1986. , p. 72).
  • 30
    JEL Classification: K21; L44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1994
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