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Influência da temperatura do ar de secagem e da concentração de agente carreador sobre as propriedades físico-químicas do suco de açaí em pó

Influence of drying air temperature and carrier agent concentration on the physicochemical properties of açai juice powder

Resumos

A influência da temperatura do ar de secagem e da concentração de agente carreador sobre as propriedades físico-químicas do suco de açaí em pó produzido por spray drying foi avaliada. O processo foi realizado em um mini spray dryer de bancada e maltodextrina 10DE foi utilizada como agente carreador. A temperatura do ar de secagem variou de 138 a 202 °C e a concentração de maltodextrina variou de 10 a 30%. As características analisadas foram: umidade, higroscopicidade, retenção de antocianinas, cor, distribuição do tamanho de partículas e morfologia. O aumento da temperatura resultou em partículas maiores, menos úmidas, mais higroscópicas e com menor retenção de antocianinas, além de provocar uma diminuição do parâmetro de cor L* e do ângulo de tom H*. O aumento na concentração de maltodextrina resultou em partículas maiores e menos higroscópicas, com maior luminosidade (L*), menores valores de C* e maiores valores de H*. Em relação à morfologia, o aumento da temperatura levou à formação de uma maior quantidade de partículas com superfície lisa, fato atribuído à maior transferência de calor e, consequentemente, à formação mais rápida de uma membrana ao redor da gota atomizada.

spray drying; propriedades físico-químicas; morfologia; antocianinas


The objective of this work was to study the influence of inlet air temperature and maltodextrin concentration on the physicochemical properties of açai juice powder produced by spray drying. The process was carried out in a mini spray dryer and the maltodextrin 10DE was used as carrier agent. Inlet air temperature varied from 138 to 202 °C and maltodextrin concentration varied from 10 to 30%. The characteristics analyzed were: moisture content, hygroscopicity, anthocyanin retention, color, particle size distribution, and morphology. The increase in the temperature resulted in particles with larger size, less moisture content, more hygroscopy and with lower anthocyanin retention, besides promoting a reduction in the color parameter L* and in the hue angle H*. The increase of maltodextrin concentration resulted in less hygroscopy, particles with larger size, , with higher luminosity (L*), lower C* values and higher H* values. With respect to morphology, the increase in the temperature led to the formation of a great number of particles with smooth surface, which is due to the higher heat transfer and, consequently, to the faster formation of a membrane around the atomized drop.

spray drying; physicochemical properties; morphology; anthocyanins


Influência da temperatura do ar de secagem e da concentração de agente carreador sobre as propriedades físico-químicas do suco de açaí em pó

Influence of drying air temperature and carrier agent concentration on the physicochemical properties of açai juice powder

Renata ValerianoTononI; Catherine BrabetII; Míriam Dupas HubingerI,* * A quem a correspondência deve ser enviada

IDepartamento de Engenharia de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, CP 6121, CEP 13083-862, Campinas - SP, Brasil, E-mail: mhub@fea.unicamp.br

IIDepartment PERSYST, Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD), UMR QualiSud, Montpellier, França

RESUMO

A influência da temperatura do ar de secagem e da concentração de agente carreador sobre as propriedades físico-químicas do suco de açaí em pó produzido por spray drying foi avaliada. O processo foi realizado em um mini spray dryer de bancada e maltodextrina 10DE foi utilizada como agente carreador. A temperatura do ar de secagem variou de 138 a 202 °C e a concentração de maltodextrina variou de 10 a 30%. As características analisadas foram: umidade, higroscopicidade, retenção de antocianinas, cor, distribuição do tamanho de partículas e morfologia. O aumento da temperatura resultou em partículas maiores, menos úmidas, mais higroscópicas e com menor retenção de antocianinas, além de provocar uma diminuição do parâmetro de cor L* e do ângulo de tom H*. O aumento na concentração de maltodextrina resultou em partículas maiores e menos higroscópicas, com maior luminosidade (L*), menores valores de C* e maiores valores de H*. Em relação à morfologia, o aumento da temperatura levou à formação de uma maior quantidade de partículas com superfície lisa, fato atribuído à maior transferência de calor e, consequentemente, à formação mais rápida de uma membrana ao redor da gota atomizada.

Palavras-chave: spray drying; propriedades físico-químicas; morfologia; antocianinas.

ABSTRACT

The objective of this work was to study the influence of inlet air temperature and maltodextrin concentration on the physicochemical properties of açai juice powder produced by spray drying. The process was carried out in a mini spray dryer and the maltodextrin 10DE was used as carrier agent. Inlet air temperature varied from 138 to 202 °C and maltodextrin concentration varied from 10 to 30%. The characteristics analyzed were: moisture content, hygroscopicity, anthocyanin retention, color, particle size distribution, and morphology. The increase in the temperature resulted in particles with larger size, less moisture content, more hygroscopy and with lower anthocyanin retention, besides promoting a reduction in the color parameter L* and in the hue angle H*. The increase of maltodextrin concentration resulted in less hygroscopy, particles with larger size, , with higher luminosity (L*), lower C* values and higher H* values. With respect to morphology, the increase in the temperature led to the formation of a great number of particles with smooth surface, which is due to the higher heat transfer and, consequently, to the faster formation of a membrane around the atomized drop.

Keywords: spray drying; physicochemical properties; morphology; anthocyanins.

1 Introdução

O açaí é uma fruta típica da Amazônia, que, além de apresentar um alto valor energético, também é rica em fibras, vitamina E, proteínas, minerais e ácidos graxos essenciais como Ômega-6 e Ômega-9. Mais que isso, ultimamente o açaí vem chamando a atenção pelo alto teor de antocianinas presentes em sua composição. Trata-se de um flavonoide responsável pela coloração característica desta fruta, que apresenta um elevado poder antioxidante (SCHAUSS et al., 2006; HASSIMOTO; GENOVESE; LAJOLO, 2005). A presença das antocianinas tem aumentado o destaque dado ao açaí, não apenas por suas propriedades funcionais, mas também pelo fato desta fruta ser considerada uma importante fonte de pigmentos naturais, que não apresenta efeitos tóxicos e pode contribuir para a diminuição do uso de pigmentos sintéticos em outros alimentos.

No entanto, devido à sua alta perecibilidade, o açaí apresenta uma vida de prateleira muito curta (no máximo 12 horas), mesmo sob refrigeração (ROGEZ, 2000). Além disso, as antocianinas são pigmentos bastante instáveis ao processamento e armazenamento. Sendo assim, a indústria alimentícia está constantemente em busca de novas fontes destes pigmentos, que sejam mais estáveis e apresentem um baixo custo (DEL POZO-INSFRAN et al., 2004).

A microencapsulação é uma técnica relativamente recente, que tem a função de proteger o material encapsulado de fatores que possam vir a causar a sua deterioração, tais como oxigênio, luz ou umidade. Ela favorece o aumento da vida útil, da manutenção do flavor (sabor + aroma) e da cor, além de reduzir a volatilidade, a higroscopicidade e a reatividade, aumentando a estabilidade do produto em condições adversas (RÉ, 1998). A técnica de microencapsulação mais utilizada na indústria de alimentos é a de secagem por atomização (spray drying), por ser considerada um processo econômico e flexível, realizado em um equipamento de fácil acesso e que resulta em partículas de boa qualidade (GHARSALLAOUI, 2007).

Alguns autores têm usado a microencapsulação para proteger compostos sensíveis como vitamina C, em frutas como camu-camu (DIB TAXI et al., 2003) e para aumentar a estabilidade do produto, como no caso do suco de acerola em pó (RIGHETTO; NETTO, 2005). Considerando-se que o açaí apresenta uma grande quantidade de antocianinas e, consequentemente, uma elevada atividade antioxidante, quando comparado a outras frutas, e levando-se em conta o fato de que as antocianinas são pigmentos instáveis frente a agentes como luz, oxigênio, metais e pHs muito baixos, a microencapsulação pode representar uma técnica promissora, no sentido de aumentar a estabilidade destes pigmentos. Além disso, a utilização de agentes carreadores pode promover um melhor manuseio do produto final obtido, conferindo uma maior proteção contra a adsorção de umidade do ambiente e tornando-o menos higroscópico.

As características finais de um produto em pó obtido em um processo de secagem por atomização dependem de algumas variáveis de processo, tais como as características do líquido atomizado (teor de sólidos, tamanho das partículas, viscosidade), tipo e mecanismo de funcionamento do atomizador, e as características do ar de secagem. Desta forma, é importante que estas variáveis sejam estudadas, a fim de se obter produtos com melhores características sensoriais e nutricionais.

Este trabalho teve como objetivo estudar a influência da temperatura do ar de secagem e da concentração de agente carreador, sobre a umidade, higroscopicidade, retenção de antocianinas, cor, tamanho e morfologia das partículas resultantes da secagem do suco de açaí em spray dryer.

2 Material e métodos

2.1 Material

Matéria-prima

Como matéria-prima, foi utilizada polpa de açaí média congelada (composição apresentada na Tabela 1), adquirida da empresa PALAMAZ - Produtos Alimentícios da Amazônia Ind. Com. Ltda., na cidade de Belém (PA). A polpa foi armazenada em uma câmara frigorífica a -18 °C, sendo descongelada de acordo com a quantidade necessária para cada ensaio.

Agente carreador

Como agente carreador foi utilizado maltodextrina MOR-REX 1910®, gentilmente cedida pela Corn Products (Mogi-Guaçu, Brasil).

2.2 Métodos

Preparo da mistura

Inicialmente, a polpa de açaí foi descongelada e filtrada a vácuo em papel de filtro qualitativo, utilizando-se um funil de Büchner. Este procedimento foi realizado com a finalidade de eliminar os sólidos em suspensão (facilitando a passagem pelo bico atomizador), aumentar o teor de antocianinas por g de massa seca (já que este é o composto de maior interesse neste trabalho) e reduzir o teor de lipídios, diminuindo, assim, os riscos de oxidação do produto. O teor de antocianinas aumentou de 233,66 ± 4,06 para 765,59 ± 4,58 mg/100g ms e o teor de lipídios diminuiu de 6,83 ± 0,03% para 0,21 ± 0,01%. Posteriormente, o agente carreador foi adicionado ao filtrado obtido, sendo esta mistura mantida sob agitação magnética, até a completa dissolução.

Spray drying

A secagem por atomização foi realizada em um secador laboratorial com sistema de atomização em bicos - mini spray dryer - Lab Plant, modelo SD-05 (Huddersfield, Inglaterra), com bico injetor com orifício de 1,5 mm de diâmetro, fluxo de ar de 73 m3/h e pressão do ar de 0,6 bar. A alimentação do secador (vazão mássica de 15g/min) foi realizada através de uma bomba peristáltica, com velocidade de rotação ajustada em função da velocidade máxima. A temperatura de saída do produto também foi monitorada.

Foram realizados ensaios variando a temperatura do ar de secagem e a concentração de agente carreador. Para os primeiros, as amostras foram produzidas com 20% de maltodextrina e as temperaturas usadas foram de 140, 170 e 200 °C. Para os demais, a temperatura foi fixada em 170 °C e as concentrações de maltodextrina utilizadas foram de 10, 20 e 30%.

Análises físico-químicas

A umidade dos pós foi determinada por gravimetria, em estufa a vácuo a 70 °C, até peso constante (AOAC, 1997).

Para a determinação da higroscopicidade, colocou-se cerca de 1 g de cada amostra em um recipiente hermético contendo uma solução saturada de NaCl (umidade relativa de 75,29%). A higroscopicidade foi definida como a umidade de equilíbrio atingida pelo produto, quando exposto a esta umidade relativa.

A determinação das antocianinas totais foi realizada através do método de FRANCIS (1982), que consiste na extração das antocianinas com uma solução extratora de etanol e HCl 1,5N (na proporção de 85:15, respectivamente), seguida por uma homogeneização, armazenamento sob refrigeração durante 16 horas e posterior leitura da absorbância em espectrofotômetro DU-7-B340 (Beckman, Krefeld, Alemanha), em comprimento de onda de 535nm. O teor total de antocianinas foi calculado usando o coeficiente de absorção igual a 982, correspondente à cianidina-3-glicosídeo em etanol/1,5HCl (ZANATTA et al., 2005).

A cor das amostras obtidas foi avaliada através do sistema de leitura de três parâmetros, CIELAB, proposto pela Comission Internacionale de I'Eclairage (CIE) em 1971. Os parâmetros L*, a* e b* foram fornecidos pelo espectrofotômetro de bancada Color Quest II (Hunter Lab, Reston, EUA), onde L* define a luminosidade (L* = 0 preto e L* = 100 branco) e a* e b* são responsáveis pela cromaticidade (+a* vermelho e -a* verde, +b* amarelo e -b* azul). A partir destes parâmetros, foram calculadas as coordenadas cilíndricas C* e H* (Equações 1 e 2), onde C* define o croma e H* representa o ângulo de tom.

O estudo da morfologia das partículas foi realizado através da microscopia eletrônica de varredura (MEV), de acordo com os procedimentos descritos por Rosenberg e Young (1993). As amostras foram fixadas em porta-espécimens metálicos (stubs), com uma fita adesiva de dupla face condutora convencional. Em seguida, foram metalizadas com uma liga de ouro/paládio, em um metalizador Polaron SC7620 Sputter Coater (Ringmer, Inglaterra), a uma taxa de recobrimento de 0,51 Å/s, por 180 segundos, com corrente de 3-5mA, 1 Volt e 2 x 10-2 Pa. As amostras foram então observadas em um microscópio eletrônico de varredura LEO440i (LEICA Electron Microscopy Ltd., Cambridge, Inglaterra), operando com 5kV. A aquisição das imagens foi realizada pelo LEO software, versão 3.01.

A distribuição do tamanho das partículas foi determinada em um aparelho com difração a laser (Laser Scattering Spectrometer Mastersizer S, modelo MAM 5005 - Malvern Instruments Ltd., U.K), utilizando isopropanol como líquido sedimentador. Um ultrassom acoplado ao equipamento foi utilizado para aumentar a dispersibilidade da amostra.

As análises foram realizadas em triplicata e os resultados foram analisados estatisticamente através do Teste de Duncan, a 5% de significância (p < 0,05), com o auxílio do software Statistica 5.5 (STATSOFT, TULSA, USA).

3 Resultados e discussão

A Tabela 2 apresenta os resultados do teor de umidade, higroscopicidade e retenção de antocianinas, bem como a temperatura do ar de saída, obtidos para as partículas resultantes do processo realizado em diferentes temperaturas, com 20% de agente carreador. Na Tabela 3 são apresentados os resultados das mesmas análises, realizadas nas partículas produzidas com diferentes concentrações de maltodextrina, a 170 °C.

3.1 Teor de umidade

De acordo com a Tabela 2, as três amostras produzidas sob diferentes temperaturas de secagem apresentaram diferença significativa entre si, em relação à umidade, de modo que o aumento da temperatura levou à redução da umidade do produto. O uso de temperaturas mais altas implica em uma maior diferença de temperaturas entre o produto atomizado e o ar de secagem, acarretando uma maior transferência de calor e, consequentemente, uma maior evaporação de água do produto, resultando em umidades mais baixas. Resultados semelhantes foram observados por Rattes e Oliveira (2007), trabalhando com microencapsulação de diclofenaco de sódio, por Hong e Choi (2007), em polissacarídeos do cogumelo Agaricus Blazei Murill obtidos por ultrafiltração e secagem em spray dryer, e por Grabowski, Truong, Daubert (2006), em purê de batata-doce seco também em spray dryer.

Em relação à concentração de agente carreador, as amostras não apresentaram diferença significativa entre si com o aumento do teor de maltodextrina, conforme pode ser observado na Tabela 3.

3.2 Higroscopicidade

A higroscopicidade das amostras produzidas sob diferentes temperaturas de secagem apresentou valores muito próximos entre si (Tabela 2). Embora as partículas produzidas a 170 °C tenham apresentado diferença significativa em relação às produzidas a 138 e a 200 °C, essa diferença foi muito pequena, indicando que a temperatura de secagem não exerce grande influência sobre a capacidade de adsorção de água destas partículas.

O aumento na concentração de maltodextrina resultou em pós menos higroscópicos (Tabela 3). Isso se deve ao fato de a maltodextrina ser um material com baixa higroscopicidade e confirma a eficiência de seu uso como agente carreador, no sentido de reduzir a higroscopicidade de produtos desidratados em spray dryer. Cai e Corke (2000) também observaram este efeito da maltodextrina em seu trabalho com microencapsualção de betacianinas. Os resultados obtidos pelos autores indicaram uma redução superior a 50% na higroscopicidade da betacianina produzida com a adição de maltodextrina, em relação à produzida sem a adição deste agente.

Rodríguez-Hernández et al. (2005), trabalhando com secagem de figo-da-Índia em spray dryer, utilizando concentrações de maltodextrina (10DE e 20DE) de 18 a 23%, verificaram que o tipo de maltodextrina não influenciou estatisticamente a higroscopicidade dos pós, mas observaram que os pós menos higroscópicos foram aqueles obtidos com as maiores concentrações de maltodextrina.

3.3 Retenção de antocianinas

A retenção de antocianinas foi influenciada apenas pela temperatura do ar de secagem, conforme pode se observar nas Tabelas 2 e 3. O aumento da temperatura levou às maiores perdas de antocianinas, o que se deve à alta sensibilidade deste pigmento a temperaturas muito elevadas. Embora o processo de secagem em spray dryer exponha o produto por pouco tempo a uma alta temperatura, acarretando assim uma perda reduzida de compostos termossensíveis, a temperatura de saída do produto é um fator importante a se considerar na retenção destes compostos. Como a temperatura de saída aumentou com o aumento da temperatura do ar de secagem (Tabela 2), esta foi provavelmente uma das causas da menor retenção de antocianinas nas maiores temperaturas. Além disso, segundo Quek, Chok, Swedlund (2007), os pós produzidos a temperaturas mais baixas apresentam uma tendência de aglomeração, devido à sua umidade mais alta. Esta aglomeração diminui a exposição dos pós ao oxigênio, protegendo os pigmentos contra a degradação. Os autores, que trabalharam com secagem de suco de melancia em spray dryer, também observaram uma redução do conteúdo de licopeno e de betacaroteno, com o aumento da temperatura do ar de secagem.

Cai e Corke (2000), trabalhando com secagem de betacianina extraída de amaranto, também verificaram uma maior perda deste pigmento com o aumento da temperatura e concluíram que temperaturas superiores a 180 °C não são indicadas para secagem de betacianinas, embora resultem em maiores taxas de secagem e maiores produtividades. Os autores também observaram que as amostras produzidas em temperaturas menores apresentaram maior estabilidade ao armazenamento (maior retenção de betacianinas ao final de 16 semanas de estocagem, a 25 °C e 32% de umidade relativa).

Ersus e Yurdagel (2007) estudaram a microencapsulação por spray drying de antocianinas extraídas de black carrot (Daucus carota L.), utilizando diferentes temperaturas de secagem (160, 180 e 200 °C) e maltodextrinas com diferentes DEs (10, 20 e 30). Os autores observaram que, para as maltodextrinas de maior DE, os ensaios realizados a 160 °C apresentaram maior retenção de antocianinas do que os demais (que não apresentaram diferença significativa entre si). No caso da maltodextrina 10DE, a temperatura não apresentou efeito estatisticamente significativo sobre a retenção de antocianinas.

3.4 Cor

As Tabelas 4 e 5 apresentam os resultados de cor obtidos para as partículas resultantes do processo realizado em diferentes temperaturas e com diferentes concentrações de maltodextrina, respectivamente.

A luminosidade das amostras (L*) foi influenciada tanto pela temperatura de secagem quanto pela concentração de maltodextrina (Tabelas 4 e 5). O aumento da temperatura resultou em pós com menor luminosidade, o que pode estar relacionado à maior retirada de água (menor umidade), que resultou em produtos um pouco mais concentrados e, consequentemente, mais escuros. Quek, Chok, Swedlund (2007) também observaram uma diminuição da luminosidade com o aumento da temperatura, na secagem de suco de melancia em spray dryer e atribuíram essa diminuição a um possível escurecimento provocado pelo açúcar presente no produto. O aumento do parâmetro L* com a concentração de maltodextrina já era esperado, uma vez que a maltodextrina apresenta cor branca e, dessa forma, dilui a coloração roxa característica do suco de açaí.

O parâmetro a* aumentou com o aumento da temperatura de 140 para 170 °C, indicando um aumento da tonalidade vermelha, mas não variou quando a temperatura utilizada foi de 200 °C. Já o parâmetro b* não apresentou variação significativa de 140 para 170 °C, mas diminuiu quando a temperatura de secagem foi de 200 °C, indicando um aumento da tonalidade azul. A coordenada cilíndrica C* (croma) não apresentou uma tendência clara de variação com a temperatura, enquanto o H* (tom) diminuiu com o aumento desta variável, o que pode estar relacionado à destruição das antocianinas em temperaturas mais altas, conforme discutido no item 3.3.

O aumento na concentração de maltodextrina provocou uma diminuição do parâmetro a*, ou seja, uma redução na tonalidade vermelha, também relacionada à diluição da cor, provocada pela adição deste agente carreador. O parâmetro b* não apresentou diferença significativa para as amostras processadas com 10 e 20% de maltodextrina, mas foi maior para aquelas processadas com 30%. Em relação às coordenadas C* e H*, observaram-se uma diminuição da primeira e um aumento da segunda, com o aumento da concentração de maltodextrina.

3.5 Morfologia

A Figura 1 apresenta as imagens correspondentes às partículas produzidas com 20% de maltodextrina e temperaturas do ar de secagem de 138, 170 e 202 °C. As partículas produzidas com diferentes concentrações de maltodextrina (a 170 °C) foram semelhantes às apresentadas na Figura 1b, e não estão mostradas aqui.



De um modo geral, as microcápsulas apresentaram formato esférico, o que é característico das partículas produzidas pelo processo de spray drying. As superfícies das microcápsulas foram predominantemente rugosas, embora algumas tenham apresentado superfície completamente lisa. Segundo THIES (2001), as depressões que aparecem na superfície das microcápsulas são formadas devido à contração das partículas durante a secagem e o resfriamento. Além disso, a extensão das depressões observadas em microcápsulas produzidas por spray drying é função da natureza do agente carreador utilizado, sendo significativa naquelas que possuem cobertura de polissacarídeos.

Em relação à influência da temperatura, de acordo com a Figura 1, a grande maioria das partículas resultantes da secagem a 138 °C apresentou uma superfície altamente rugosa. Para as misturas secas à temperatura de 170 °C, o resultado foi semelhante, porém algumas partículas apresentaram superfície lisa ou com menos rugosidades. Já no caso da secagem a 202 °C, uma grande parte das microcápsulas apresentou uma superfície lisa. Isso indica que o aumento da temperatura favorece a obtenção de microcápsulas com superfície lisa, o que pode melhorar as características de escoamento do material.

Resultados semelhantes foram obtidos por Alamilla-Beltrán et al. (2005) estudando as alterações morfológicas de partículas de maltodextrina produzidas sob diferentes temperaturas de secagem, em spray dryer. Segundo os autores, as diferenças na morfologia dos pós obtidos nas diferentes condições de secagem são devidas às diferenças na taxa de secagem (maiores temperaturas correspondem a maiores taxas de secagem) e às características físicas da casca, que podem ser mais plásticas, no caso das partículas produzidas sob temperaturas baixas e médias, ou mais rígidas, no caso das partículas produzidas sob temperaturas mais altas. Nijdam e Langrish (2006) também observaram a formação de partículas mais rígidas quando utilizaram temperaturas mais altas, na produção de partículas de leite secas em spray dryer.

3.6 Distribuição do tamanho de partículas

A Figura 2 corresponde às curvas obtidas para as partículas produzidas com 20% de maltodextrina, em diferentes temperaturas de secagem. Já a Figura 3 corresponde às curvas obtidas para as partículas produzidas com temperatura do ar de 170 °C, utilizando diferentes concentrações de maltodextrina.



As partículas apresentaram diâmetros muito variados, de 0,11 a 301,68 µm. Através das Figuras 2 e 3, observa-se que elas apresentaram uma distribuição bimodal, ou seja, apresentaram dois picos distintos, cada um representando um tamanho predominante. Isso é particularmente interessante quando se considera o armazenamento do pó, uma vez que a população de partículas menores pode penetrar nos espaços presentes entre as partículas maiores, ocupando menos espaço. De acordo com Rodrigues (2004), a presença de partículas de menor tamanho pode ser atribuída às partículas que não conseguiram encapsular o suco de açaí, enquanto a presença de partículas de maior tamanho pode ser atribuída a um possível início de processo de aglomeração, onde ocorre a formação de pontes de ligação irreversíveis entre as partículas e, consequentemente, a formação de partículas maiores.

O diâmetro médio das partículas foi expresso como D[4,3] (diâmetro médio de De Brouckere), que indica o ponto central em torno do qual gira a frequência de volume da distribuição. As partículas produzidas nas temperaturas de 140, 170 e 200 °C apresentaram diâmetros médios iguais a 13,38, 16,12 e 20,11µm, respectivamente. Já as partículas produzidas com diferentes concentrações de maltodextrina apresentaram diâmetros médios de 13,27, 16,12 e 21,35µm, respectivamente.

O aumento da temperatura resultou em partículas maiores devido à maior expansão causada pelas temperaturas mais altas. De acordo com Reineccius (2001), os processos realizados em condições de maiores taxas de secagem (maiores temperaturas) produzem partículas maiores que aqueles realizados com menores taxas, já que a secagem mais rápida promove a formação mais imediata de uma estrutura, evitando, assim, que as partículas encolham durante a secagem. Quando a temperatura do ar de secagem é baixa, a partícula fica mais encolhida e, dessa forma, com diâmetro menor. Nijdam e Langrish (2006) obtiveram resultados semelhantes, trabalhando com produção de leite em pó a 120 e 200 °C.

O aumento na concentração de maltodextrina também levou à produção de partículas com maior diâmetro, o que está relacionado à viscosidade da mistura, que aumentou exponencialmente com a concentração de maltodextrina. De acordo com Fraser, Dombrowski, Routley (1963), o tamanho médio da gota atomizada está relacionado com a viscosidade do líquido, de modo que para valores mais baixos de viscosidade, o tamanho das gotas é consideravelmente afetado, enquanto para viscosidades mais altas, este efeito é menor. Quanto maior a viscosidade do líquido, maiores são as gotas formadas durante a atomização e, portanto, maiores as partículas de pó obtidas. Isso está de acordo com os resultados publicados por Keogh, Murray, O'Kennedy (2003), que observaram um aumento linear do tamanho das partículas com a viscosidade do fluido de alimentação, trabalhando com secagem em spray dryer de concentrado de leite integral ultrafiltrado, em um atomizador de bicos duplo-fluido. Os autores atribuíram o aumento no tamanho das partículas ao aumento na viscosidade da alimentação.

4 Conclusões

A temperatura do ar de secagem apresentou influência significativa sobre a umidade, a higroscopicidade e a retenção de antocianinas. O aumento desta variável resultou em menores umidades, maiores higroscopicidades e menor retenção de antocianinas. Além disso, provocou um aumento no tamanho das partículas e uma diminuição do parâmetro de cor L* e da coordenada cilíndrica H*. O aumento na concentração de maltodextrina reduziu a higroscopicidade dos pós, confirmando a eficiência deste material como agente carreador e resultou em maiores valores de L* e H* e menores valores de C*. Em relação à morfologia, de um modo geral, as partículas apresentaram formato esférico e superfície rugosa. No entanto, o aumento da temperatura resultou em um maior número de partículas com superfície lisa, devido às taxas de secagem mais altas.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) o apoio financeiro.

Recebido para publicação em 6/12/2007

Aceito para publicação em 21/7/2008 (003074)

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Jul 2008
    • Recebido
      06 Dez 2007
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