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Dinâmica do nitrogênio no solo em razão da calagem e adubação nitrogenada, com palha na superfície

Nitrogen dynamics in soil as affected by liming and nitrogen fertilization, with straw on the soil surface

Resumos

Em sistemas com semeadura direta, a calagem tem sido aplicada superficialmente, causando excesso de calcário nos primeiros centímetros do perfil do solo, onde também é aplicado o N em cobertura e a densidade de comprimento radicular é alta. O objetivo deste trabalho foi estudar a dinâmica do N e do pH do solo em razão da calagem em superfície e aplicação de N em cobertura, na presença de palha. Plantas de algodão (Gossypium hirsutum) foram cultivadas, por 60 dias, em vasos que receberam calagem superficial ou incorporada e aplicação de doses equivalentes a 0, 50, 100 e 150 kg ha-1 de N em cobertura, na forma de sulfato de amônio; os vasos apresentavam, na superfície, o equivalente a 4 t ha-1 de palha de milheto. A calagem aumentou a mineralização e a nitrificação do N no solo, independentemente do modo de aplicação de calcário, aumentando a sua disponibilidade à planta e também a possibilidade de lixiviação. A absorção de N pela planta, além de sua imobilização pela massa microbiana do solo, neutralizou o efeito do adubo nitrogenado amoniacal no pH do solo. O algodoeiro respondeu melhor à calagem incorporada do que à superficial, mas esta resposta não foi causada por diferenças na disponibilidade de nitrogênio.

Gossypium hirsutum; mineralização; nitrificação; pH do solo; plantio direto


In no till systems liming has been applied to soil surface, causing an excess of lime in the first centimeters of the soil profile, in which N is also applied and root length density is high. The objective of this work was to study N and pH dynamics in the soil profile as affected by liming and N fertilizer broadcast over the straw. Cotton plants (Gossypium hirsutum) were grown for 60 days in pots that received lime incorporated or applied to soil surface. The N was broadcasted at rates of 0, 50, 100 and 150 kg ha-1, as ammonium sulfate. Pearl millet straw was added to soil surface at a rate of 4 ton ha-1. Liming increased N mineralization and nitrification in soil irrespective of lime application method, increasing N availability to cotton and the probability of N leaching. The N uptake by the plants and its immobilization in the microbial mass in the soil neutralized the effect of ammonium nitrogen on soil pH. Cotton responded better when lime was incorporated but this response was not caused by differences in N availability.

Gossypium hirsutum; mineralization; nitrification; soil pH; direct sowing


Dinâmica do nitrogênio no solo em razão da calagem e adubação nitrogenada, com palha na superfície

Nitrogen dynamics in soil as affected by liming and nitrogen fertilization, with straw on the soil surface

Ciro Antonio RosolemI; José Salvador Simoneti FoloniII; Rosa Honorato de OliveiraII

IUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Fac. de Ciências Agronômicas, Dep. de Produção Vegetal, Caixa Postal 237, CEP 18603-970 Botucatu, SP. Bolsista do CNPq. E-mail: rosolem@fca.unesp.br

IIUnesp. E-mail: sfoloni@fca.unesp.br, rosahonorato@fca.unesp.br

RESUMO

Em sistemas com semeadura direta, a calagem tem sido aplicada superficialmente, causando excesso de calcário nos primeiros centímetros do perfil do solo, onde também é aplicado o N em cobertura e a densidade de comprimento radicular é alta. O objetivo deste trabalho foi estudar a dinâmica do N e do pH do solo em razão da calagem em superfície e aplicação de N em cobertura, na presença de palha. Plantas de algodão (Gossypium hirsutum) foram cultivadas, por 60 dias, em vasos que receberam calagem superficial ou incorporada e aplicação de doses equivalentes a 0, 50, 100 e 150 kg ha-1 de N em cobertura, na forma de sulfato de amônio; os vasos apresentavam, na superfície, o equivalente a 4 t ha-1 de palha de milheto. A calagem aumentou a mineralização e a nitrificação do N no solo, independentemente do modo de aplicação de calcário, aumentando a sua disponibilidade à planta e também a possibilidade de lixiviação. A absorção de N pela planta, além de sua imobilização pela massa microbiana do solo, neutralizou o efeito do adubo nitrogenado amoniacal no pH do solo. O algodoeiro respondeu melhor à calagem incorporada do que à superficial, mas esta resposta não foi causada por diferenças na disponibilidade de nitrogênio.

Termos para indexação: Gossypium hirsutum, mineralização, nitrificação, pH do solo, plantio direto.

ABSTRACT

In no till systems liming has been applied to soil surface, causing an excess of lime in the first centimeters of the soil profile, in which N is also applied and root length density is high. The objective of this work was to study N and pH dynamics in the soil profile as affected by liming and N fertilizer broadcast over the straw. Cotton plants (Gossypium hirsutum) were grown for 60 days in pots that received lime incorporated or applied to soil surface. The N was broadcasted at rates of 0, 50, 100 and 150 kg ha-1, as ammonium sulfate. Pearl millet straw was added to soil surface at a rate of 4 ton ha-1. Liming increased N mineralization and nitrification in soil irrespective of lime application method, increasing N availability to cotton and the probability of N leaching. The N uptake by the plants and its immobilization in the microbial mass in the soil neutralized the effect of ammonium nitrogen on soil pH. Cotton responded better when lime was incorporated but this response was not caused by differences in N availability.

Index terms: Gossypium hirsutum, mineralization, nitrification, soil pH, direct sowing.

Introdução

A calagem é prática usual na correção da acidez do solo. Porém, como os materiais corretivos utilizados são pouco solúveis e os produtos da reação do calcário têm mobilidade limitada, a ação da calagem normalmente fica restrita às camadas superficiais do solo (Ritchey et al., 1982; Caires et al., 1998).

O manejo de solos ácidos com resíduos vegetais é uma importante estratégia para diminuir a acidez, pois compostos orgânicos hidrossolúveis de baixo peso molecular, liberados no período inicial da decomposição, colaboram para a neutralização da acidez (Franchini et al., 1999). De acordo com Hunter et al. (1995), a baixa fertilidade de um solo ácido pode ser corrigida tanto pela calagem quanto pela adição do adubo verde, especialmente em solos de cargas dependentes do pH.

A acidez inibe a produção de nitrato em solos que recebem aplicação de amônio, assim como a nitrificação é favorecida pela calagem. A taxa de nitrificação decresce abaixo de pH 6,0 em água e é insignificante abaixo de pH 4,5 em água (Adams & Martin, 1984).

Por sua vez, o íon nitrato é, normalmente, muito móvel no perfil do solo, especialmente em sistemas de semeadura direta, pois com menor evaporação e melhor estruturação ao longo do perfil, a taxa de infiltração de água tende a ser maior. O íon nitrato acompanha esse fluxo para camadas mais profundas (Muzilli, 1983). Pearson et al. (1962) observaram efeito da calagem até 61 cm de profundidade quando grandes quantidades de calcário e fertilizantes nitrogenados foram aplicadas na superfície de solos tropicais. Constataram ainda que, sem aplicação de N na forma nítrica, o movimento do calcário não foi expressivo. O efeito da calagem em profundidade foi atribuído à formação de sais solúveis, sujeitos à lixiviação pelo movimento descendente da água.

Na Austrália, as perdas de nitrato por lixiviação profunda foram intensificadas pela calagem e maiores em pastagens anuais do que em perenes. O preparo periódico do solo nas pastagens anuais pode ter acelerado o processo de mineralização da matéria orgânica, que ocorre em razão da maior aeração por ocasião da mobilização do solo, somada ao efeito da calagem (Ridley et al., 2001).

No Brasil, Rosolem et al. (1991) observaram efeito da calagem na diminuição dos teores de nitrogênio amoniacal em quatro solos do Estado de São Paulo, sem o correspondente aumento nos teores de nitrogênio nítrico. Neste caso, a adubação com sulfato de amônio aumentou os teores de amônio no solo, sem afetar significativamente os teores de nitrogênio nítrico. Os autores concluíram que uma rápida nitrificação do N do fertilizante pode levar a perdas por desnitrificação, uma vez que a calagem, na presença de fertilizante nitrogenado, levou à diminuição dos teores de nitrogênio total.

A adição de sulfato de amônio causa uma rápida queda no pH do solo, inibindo a nitrificação (Strong et al., 1997). Assim, se por um lado a aplicação deste adubo nitrogenado pode aumentar o teor de nitrato no solo em presença de calagem, por outro lado a própria reação do fertilizante no solo pode, dependendo do pH inicial, inibir a nitrificação, permanecendo o N na forma amoniacal, menos sujeita à lixiviação. Dependendo da situação, a planta absorverá mais amônio ou nitrato, com a correspondente descarga de prótons ou ânions na rizosfera (Marschner et al., 1991), atuando como um complicador do sistema. Franchini et al. (2000) concluíram que tanto o uso de nitrogênio amoniacal, como a presença de tremoço em sistemas de rotação de culturas provocam a acidificação do solo.

Embora a calagem seja fundamental para aumentar a eficiência de utilização do N do solo pelo algodoeiro, quando o pH é corrigido, há a possibilidade de ocorrer perda deste nutriente (Rosolem et al., 1991), provavelmente por desnitrificação, se a demanda da planta for baixa. Em semeadura direta, existe uma tendência em se aplicar o calcário em superfície, evitando a mobilização do solo. Desta forma ocorre uma supercalagem nos primeiros centímetros do perfil, coincidente com a região de maior densidade de comprimento de raízes e também com a região onde se aplica o fertilizante nitrogenado. Assim, nesta região do solo, o pH é relativamente alto em razão da calagem e da presença de palha em superfície, o que favorece a nitrificação. O fertilizante nitrogenado aplicado atua acidificando a região. A planta, por sua vez, dependendo da forma de N, pode colaborar para a acidificação ou para a elevação do pH. Estes aspectos não tem sido estudados em solos tropicais.

O objetivo do presente trabalho foi estudar a dinâmica do N e do pH do solo em razão da calagem em superfície e aplicação de N em cobertura, na presença de palha.

Material e Métodos

O experimento foi realizado em casa de vegetação do Departamento de Produção Vegetal, da Faculdade de Ciências Agronômicas, Unesp, em Botucatu, SP. Utilizou-se terra coletada de 0-20 cm de profundidade de um Latossolo Vermelho distroférrico (Embrapa, 1999), de textura média (660 g kg-1 de areia, 280 g kg-1 de argila e 60 g kg-1 de silte). A terra foi secada ao ar e passada em peneira com malha de 4 mm. A análise química (Raij & Quaggio, 1983) revelou os seguintes valores: pH (CaCl2, 0,1 M) 3,7; 34 g dm-3 de M.O.; 3,0 mg dm-3 de Presina; 135 mmolc dm-3 de H+Al; 0,6 mmolc dm-3 de K; 4,0 mmolc dm-3 de Ca; 1,0 mmolc dm-3 de Mg; 5,6 mmolc dm-3 de SB; 140 mmolc dm-3 de CTC e 4% de saturação por bases (V). Aplicou-se o equivalente a 2,8 t ha-1 de calcário dolomítico (CaO: 28%, MgO: 20%, PN: 99% e PRNT: 95%) em toda a terra peneirada, antes de se iniciar o experimento, uma vez que a saturação por bases e o pH eram inadequados para o cultivo do algodoeiro. A terra corrigida foi mantida em sacos de plástico por 30 dias com o teor de água a 180 g kg-1 (capacidade de campo). Em seguida, o solo foi secado ao ar novamente e adubado com 150 mg dm-3 de P, 120 mg dm-3 de K e 25 mg dm-3 de N, nas formas de KH2PO4 e NH4H2PO4. Foram aplicados 2,0 mg dm-3 de B; 2,0 mg dm-3 de Mn; 6,0 mg dm-3 de Zn e 1,5 mg dm-3 de Cu, como H3BO3, MnSO4, ZnSO4, CuSO4, respectivamente.

Os vasos foram montados utilizando cinco anéis de PVC rígido sobrepostos, com 20 cm de diâmetro interno, correspondendo às seguintes profundidades: 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-50 cm, totalizando 15,71 dm3. A terra foi acondicionada nos vasos a uma densidade de 1,2 Mg m-3, correspondente à do solo no campo. Para simular a cobertura do solo, utilizou-se palha de milheto picada em pedaços de 2 a 4 cm, secada em estufa a 60ºC, em quantidade equivalente a 4 t ha-1.

Os tratamentos constituíram-se de três modos de aplicação de calcário (calcário superficial - em cima da palha -, calcário incorporado de 0-20 cm e sem calcário) e quatro doses de N aplicadas em cobertura (0, 50, 100 e 150 kg ha-1), como sulfato de amônio. Utilizou-se o mesmo calcário dolomítico descrito anteriormente, numa dose correspondente a 5 t ha-1, que, somada a 2,8 t ha-1, já aplicada, completa 7,8 t ha-1, dose calculada para elevar a saturação por bases a 60% . O calcário foi aplicado dez dias antes da semeadura do algodoeiro (cultivar IAC-22), de acordo com os tratamentos. As doses de sulfato de amônio foram calculadas considerando-se um cultivo de algodoeiro com espaçamento entre linhas de 0,90 m, aplicando-se a quantidade correspondente a 0,20 cm de linha a cada vaso, de acordo com seu diâmetro. A aplicação do adubo nitrogenado foi parcelada aos 20 e 40 dias após emergência das plântulas (DAE). Foram cultivadas duas plantas por vaso, cortadas aos 60 dias após emergência (DAE). A umidade do solo foi controlada diariamente por meio de pesagem dos vasos e reposição da água evapotranspirada até 180 g kg-1.

Determinou-se a massa da matéria seca da parte aérea das plantas, bem como os teores e acúmulo de N pelo algodoeiro. Foram ainda determinados os teores de nitrato e amônio (Keeney & Nelson, 1982) e o pH (CaCl2 0,1 M) do solo (Raij & Quaggio, 1983) em cada camada, correspondendo às profundidades de 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-50 cm.

O experimento foi delineado em blocos ao acaso, num esquema fatorial 3x4, com quatro repetições. Os resultados de matéria seca e acúmulo de N na parte aérea foram submetidos à análise de variância, e foram ajustadas equações, quando apropriado, escolhendo-se a significativa de maior coeficiente. Os resultados de N no solo e pH, em cada profundidade, foram comparados por meio do erro padrão da média.

Resultados e Discussão

O algodoeiro não respondeu à calagem superficial. Houve resposta, no entanto, quando o corretivo foi incorporado (Figura 1). Na dose zero de N em cobertura, as plantas cultivadas com calcário incorporado produziram mais do que aquelas adubadas com 150 kg ha-1 de nitrogênio. No entanto, a produção máxima de matéria seca da parte aérea foi obtida quando o calcário foi incorporado e foram aplicados 48,2 kg ha-1 de nitrogênio. Rosolem et al. (1991) observaram, também em algodoeiro, o mesmo efeito de substituição do N pela calagem, e atribuíram esta resposta à maior mineralização da matéria orgânica. Com relação à diferença de resposta entre calagem incorporada e superficial, Silva et al. (1995) constataram que as maiores produtividades de algodão, no campo, ocorreram quando o perfil do solo havia sido corrigido até pelo menos 60 cm de profundidade, resultados compatíveis com a menor resposta observada no presente trabalho, em que o calcário foi aplicado na superfície.

Figura 1.
Matéria seca da parte aérea do algodoeiro, por vaso, em razão das doses de N e da aplicação de calcário na superfície do solo (

Os resultados do presente trabalho não são suficientes para explicar a queda de produção de matéria seca na maior dose de N, tanto no tratamento sem calcário como naquele em que o calcário foi incorporado. No primeiro caso, pode ter ocorrido limitação por toxidez de Al, enquanto na presença de calcário incorporado, pode ter sido induzida deficiência de algum micronutriente. Rosolem et al. (1998) observaram menor produção de matéria seca de raízes e de parte aérea de algodoeiro quando a saturação por bases foi elevada a mais de 60%, correspondendo a um pH (CaCl2 0,1 M) maior que 5,2, que induziu deficiência de zinco.

O acúmulo máximo de N na parte aérea do algodoeiro foi alcançado com a aplicação de 83 kg ha-1 de N, sem calagem. No tratamento com calcário incorporado houve resposta linear até a dose de 150 kg ha-1 de N e com o calcário aplicado na superfície, houve resposta até 106 kg ha-1 de N (Figura 2). Embora o erro padrão da média não mostre diferenças significativas entre calagem superficial e incorporada, as regressões ajustadas mostram que o padrão de resposta e ponto de máximo acúmulo de N foram diferentes. Estes resultados confirmam que a calagem, mesmo superficial, consegue mineralizar nitrogênio, melhorando o aproveitamento do nutriente pelo algodoeiro, o que já havia sido observado por Rosolem et al. (1991).

Figura 2.
Acúmulo de N na parte aérea do algodoeiro, por vaso, em razão das doses de N e da aplicação de calcário na superfície do solo (

Estes resultados indicam ainda que as diferenças observadas na produção de matéria seca entre calagem superficial e incorporada não foram devidas à nutrição nitrogenada, reforçando as hipóteses levantadas.

O calcário aplicado na superfície proporcionou elevação do pH de modo mais uniforme no perfil do que quando o mesmo foi incorporado (Figura 3). O calcário incorporado proporcionou aumento significativo do pH na camada de 5-10 cm de profundidade e um pequeno aumento na camada seguinte, de 10-20 cm. Na camada mais superficial, praticamente não houve elevação do pH. Embora Caires et al. (1998) tenham notado pouca movimentação do calcário no perfil do solo, com efeito no pH mais acentuado nas camadas superficiais, Caires & Rosolem (1998) observaram correção no perfil de um Latossolo Vermelho-Escuro de textura média, pelo menos até 60 cm de profundidade. Assim, o efeito do calcário em profundidade parece depender do solo em questão.


Não houve efeito das doses de N aplicadas em cobertura no pH do perfil do solo, ao contrário de resultado relatado por Franchini et al. (2000). Considerando que a maior parte do N foi aplicada na superfície, em cobertura, a nitrificação que porventura tenha ocorrido, deve ter sido mais intensa na camada mais superficial do solo, de 0-5 cm, em que o pH não diferiu da testemunha, não havendo efeito da calagem. A calagem deve ter corrigido o pH nesta região que, no entanto, foi reduzido por ocasião da nitrificação do amônio aplicado. Embora pudesse haver resposta às doses de N, Strong et al. (1997) relataram que, em solos com pHem água entre 6,6 e 5,3, ocorreu brusca queda no pH com a aplicação de N amoniacal, que limitou a própria nitrificação. Notaram ainda que o pH dos dois solos, após 35 dias, diferia por apenas 0,2 unidades, ou seja, independentemente do pH inicial, o pH final foi muito parecido. Com a dose zero de N em cobertura, não havia N amoniacal do adubo que pudesse ser nitrificado, entretanto havia N orgânico a ser mineralizado. Como a quantidade de N orgânico (aproximadamente 85% do total) neste solo era muito maior que a quantidade de N adicionado como adubo (em torno de 15% do total), o efeito do N aplicado na variação do pH do solo foi insignificante. A ocorrência do fenômeno apenas na camada mais superficial do solo pode ter sido uma conseqüência da maior aeração nesta região.

Considerando a proporção entre N orgânico e mineral e a pequena variação do pH em razão das doses de N amoniacal em cobertura (Figura 3), e considerando ainda que houve resposta do algodoeiro ao N aplicado, é possível inferir que a absorção de N pela planta ou mesmo sua imobilização pela massa microbiana do solo neutralizou o efeito do adubo nitrogenado no pH do solo. Na ausência de plantas, Conyers et al. (1995) concluíram que a massa microbiana foi a maior responsável pelo balanço de H+ no perfil do solo.

Sem aplicação de N em cobertura, os teores de nitrato e amônio no solo não foram modificados pela calagem (Figura 4). Nesta situação, a planta absorveu mais N (Figura 2), provavelmente consumindo o nitrato gerado pelo aumento do pH. À medida que foi aumentada a dose de N em cobertura, na ausência de calagem, foram aumentados os teores de N amoniacal no solo em profundidades maiores a cada incremento da dose de fertilizante. De modo geral, o pH do perfil foi de aproximadamente 4,0, valor em que a nitrificação é inexistente ou muito baixa (Adams & Martin, 1984). Com calcário incorporado, exceto nas camadas mais superficiais, a situação se inverte, encontrando-se mais nitrato que amônio no perfil do solo seguindo o padrão de elevação de pH que se obteve com este modo de aplicação do corretivo (Figura 3). Quando o calcário foi aplicado na superfície do solo, foram observados menores teores de amônio na camada mais superficial e maiores teores nas camadas mais profundas, refletindo maior intensidade de nitrificação nas camadas mais superficiais, nas quais o calcário não foi incorporado. O nitrato gerado na camada mais superficial, sem incorporação do corretivo, parece ter sido lixiviado até a camada mais profunda do vaso, onde não foram encontradas grandes diferenças nos teores de nitrato em razão do modo de aplicação do calcário.


Estes resultados dão suporte à discussão sobre o pH do perfil do solo (Figura 3), em que se levantou a hipótese de ter ocorrido forte nitrificação do N amoniacal aplicado, principalmente na camada mais superficial do solo. Assim, o pH final desta região não foi elevado pela calagem porque as cargas geradas foram consumidas na nitrificação do N do adubo. Por outro lado, uma vez que o pH tenha se tornado suficientemente baixo, a nitrificação foi inibida (Strong et al., 1997). Isso parece ter ocorrido ao redor de pH 4,0, no presente trabalho, em que a atividade microbiana pode ter sido limitada. Conyers et al. (1995) concluíram que a atividade microbiana foi responsável por boa parte do balanço de H+ no solo, bem como de suas conseqüências físico-químicas.

Com relação à lixiviação de nitrato, não houve diferença entre os modos de aplicação do corretivo, ainda que a nitrificação, no caso da calagem superficial, tenha ocorrido apenas nas camadas mais superficiais do solo. Embora Oliveira et al. (2002) tenham concluído que não houve efeito da dose de N no nitrato lixiviado abaixo de 1,0 m de profundidade, no presente trabalho, com doses de 100 kg ha-1 de N ou maiores, foi encontrado mais nitrato em profundidade do que com doses menores de nitrogênio. Isso ocorreu mesmo nos vasos sem calagem.

No cálculo do balanço parcial do N no sistema, considerando-se o N na parte aérea da planta e o N mineral do solo, notou-se que a diferença entre a quantidade de nutriente aplicado e a encontrada na forma mineral e na planta aumentou de acordo com as doses de nitrogênio (Figura 5). Assim, sem aplicação de N em cobertura, o valor foi negativo, significando contribuição do N orgânico do solo para a nutrição da planta, o que dá suporte à hipótese de que, nesta situação, o nitrato gerado pela elevação do pH havia sido absorvido pela planta. À medida que foi aumentada a dose de N (Figura 5), houve imobilização do nutriente, crescente e linear, pouco influenciada pela calagem, uma vez que os coeficientes angulares das três retas são semelhantes. Malhi et al. (2001) relataram que o N aplicado em cobertura, sem incorporação, é sujeito à imobilização. Isso é verdadeiro na presença de grandes quantidades de resíduo com alta relação C:N, a qual aumenta a incorporação do N na biomassa microbiana. Tais condições ocorreram no presente trabalho, pois o milheto tem relação C:N da ordem de 20 a 25 (Pace, 2001). Esta alta taxa de imobilização pode ser superada utilizando-se doses maiores de nitrogênio (Malhi & Nyborg, 1990). O N orgânico foi aumentado com as doses de N (Figura 6), mostrando que boa parte do fertilizante aplicado foi imobilizada, não ficando imediatamente disponível às plantas mas, por outro lado, ficando menos sujeita a perdas por lixiviação, desnitrificação ou volatilização. Neste caso, com as menores doses de N, não houve efeito da calagem, mas com as maiores doses de N, o calcário, seja incorporado, ou aplicado na superfície, aumentou a imobilização do N na massa microbiana, conforme pode ser constatado pela diferença entre os coeficientes angulares das retas ajustadas (Figura 6).

Figura 5.
Balanço parcial de N no vaso [N aplicado -(N na parte aérea + nitrato no solo + amônio no solo)], em razão do calcário aplicado na superfície do solo (
Figura 6.
Nitrogênio orgânico do solo, por vaso, em razão do calcário aplicado na superfície do solo (

Conclusões

1. A calagem, aumentando a mineralização e a nitrificação, disponibiliza nitrogênio às plantas e aumenta a lixiviação de nitrato no perfil do solo, independentemente do modo de aplicação do corretivo.

2. A nitrificação é limitada em camadas de solo com pH da ordem de 4,0.

3. Embora a incorporação do calcário melhore a distribuição do nitrato no perfil, nas camadas mais profundas, 40-60 cm, não há diferença quando o calcário é incorporado ou aplicado na superfície do solo.

4. Uma parte significativa do nitrogênio aplicado é imobilizada, independentemente do modo de aplicação do corretivo.

5. A absorção de nitrogênio pelas plantas, mais sua incorporação à massa microbiana do solo, neutraliza os efeitos do adubo nitrogenado amoniacal sobre o pH do solo.

Aceito para publicação em 4 de dezembro de 2002.

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  • Figura 3. Valores do pH do solo em razão da profundidade, do calcário aplicado na superfície do solo
    (
  • ), incorporado (
  • ) ou não aplicado (
  • ) e das doses de N aplicadas em cobertura. Barras horizontais em cada ponto representam os desvios-padrão das médias.
  • Figura 4. Teores de nitrato (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 2002
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