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Desnutrição e inadequação alimentar de pacientes aguardando transplante hepático

Malnutrition and inadequate food intake of patients in the waiting list for liver transplant

Resumos

OBJETIVO: O estado nutricional de pacientes em lista de espera para transplante hepático deve ser avaliado devido ao risco elevado de deficiências nutricionais desses doentes, sendo este o objetivo do presente estudo. MÉTODOS: Em 13 meses, pacientes candidatos a transplante de fígado foram avaliados nutricionalmente pela técnica de Avaliação Global Subjetiva (AGS) e a ingestão alimentar foi quantificada pelo recordatório de 24 horas. RESULTADOS: Foram avaliados 159 pacientes, média de idade de 50 ± 10,6 anos, sendo 71,1% homens. A desnutrição foi encontrada em 74,7% dos pacientes, com 28% de desnutridos graves. Essa foi associada à gravidade da doença por Child-Pugh, à presença de edema e/ou ascite, aos episódios prévios de encefalopatia hepática, ao uso de mais de três medicamentos e aos baixos níveis de atividade física (p<0,05). Os dados socioeconômicos dos pacientes, a etiologia da doença e o escore MELD não afetaram o estado nutricional (p=NS). O percentual de adequação alimentar em relação às necessidades calóricas não foi atingido por 90,7% dos doentes e por 75,7% dos mesmos em relação às necessidades protéicas. CONCLUSÃO: Pode-se concluir que a desnutrição é altamente prevalente entre pacientes aguardando transplante hepático, os quais apresentam ingestão alimentar deficiente, o que certamente mantém o ciclo vicioso que piora o estado nutricional.

Desnutrição; Transplante de Fígado; Ingestão de Alimentos


OBJECTIVE: Nutritional status of patients in the waiting list for liver transplant must be assessed due to the many risk factors associated with nutritional deficiencies. This was the aim of the study. METHODS: Throughout a period of 13 months, patients on the waiting list for liver transplantation were nutritionally assessed by the Subjective Global Assessment (SGA) and food intake was assessed by using the 24 hour recall instrument. RESULTS: 159 patients were included, mean age 50.5 +10.6 years and 71.1% were men. Overall malnutrition according to SGA was 74.7%, with 28% of patients considered severely malnourished. Malnutrition was associated with Child-Pugh score, presence of ascites and/or edema, previous episodes of encephalopathy and use of three or more medications and lower levels of physical activity. Socio-economic aspects, etiology of the disease and MELD score did not affect the nutritional status (p = NS). Calorie needs were not reached by 90.7% of patients and 75.7% of them did not reach protein requirements. CONCLUSIONS: In conclusion, malnutrition is highly prevalent amongst patients on the waiting list for liver transplantation and most do not meet nutritional requirements which certainly contribute to the vicious cycle leading to a deranged nutritional status.

Malnutrition; Liver Transplantation; Eating


ARTIGO ORIGINAL

Desnutrição e inadequação alimentar de pacientes aguardando transplante hepático

Malnutrition and inadequate food intake of patients in the waiting list for liver transplant

Lívia Garcia FerreiraI,* * Correspondência: Rua Jussara, nº 181 apto. 301 - Nova Floresta - Belo Horizonte – MG CEP: 31140-070 Tel: (31) 8866-9033 Fax: (31) 3247-6232 liviagf@hotmail.com ; Lucilene Rezende AnastácioII; Agnaldo Soares LimaIII; Maria Isabel Toulson Davisson CorreiaIV

IMestre em Ciência de Alimentos, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em Ciências Aplicadas à Cirurgia e à Oftalmologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIMestre em Ciência de Alimentos, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIIDoutor em Gastroenterologia - Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IVPós-doutorada na University of Pittsburgh Medical School - Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

RESUMO

OBJETIVO: O estado nutricional de pacientes em lista de espera para transplante hepático deve ser avaliado devido ao risco elevado de deficiências nutricionais desses doentes, sendo este o objetivo do presente estudo.

MÉTODOS: Em 13 meses, pacientes candidatos a transplante de fígado foram avaliados nutricionalmente pela técnica de Avaliação Global Subjetiva (AGS) e a ingestão alimentar foi quantificada pelo recordatório de 24 horas.

RESULTADOS: Foram avaliados 159 pacientes, média de idade de 50 ± 10,6 anos, sendo 71,1% homens. A desnutrição foi encontrada em 74,7% dos pacientes, com 28% de desnutridos graves. Essa foi associada à gravidade da doença por Child-Pugh, à presença de edema e/ou ascite, aos episódios prévios de encefalopatia hepática, ao uso de mais de três medicamentos e aos baixos níveis de atividade física (p<0,05). Os dados socioeconômicos dos pacientes, a etiologia da doença e o escore MELD não afetaram o estado nutricional (p=NS). O percentual de adequação alimentar em relação às necessidades calóricas não foi atingido por 90,7% dos doentes e por 75,7% dos mesmos em relação às necessidades protéicas.

CONCLUSÃO: Pode-se concluir que a desnutrição é altamente prevalente entre pacientes aguardando transplante hepático, os quais apresentam ingestão alimentar deficiente, o que certamente mantém o ciclo vicioso que piora o estado nutricional.

Unitermos: Desnutrição. Transplante de Fígado. Ingestão de Alimentos.

SUMMARY

OBJECTIVE: Nutritional status of patients in the waiting list for liver transplant must be assessed due to the many risk factors associated with nutritional deficiencies. This was the aim of the study.

METHODS: Throughout a period of 13 months, patients on the waiting list for liver transplantation were nutritionally assessed by the Subjective Global Assessment (SGA) and food intake was assessed by using the 24 hour recall instrument.

RESULTS: 159 patients were included, mean age 50.5 +10.6 years and 71.1% were men. Overall malnutrition according to SGA was 74.7%, with 28% of patients considered severely malnourished. Malnutrition was associated with Child-Pugh score, presence of ascites and/or edema, previous episodes of encephalopathy and use of three or more medications and lower levels of physical activity. Socio-economic aspects, etiology of the disease and MELD score did not affect the nutritional status (p = NS). Calorie needs were not reached by 90.7% of patients and 75.7% of them did not reach protein requirements.

CONCLUSIONS: In conclusion, malnutrition is highly prevalent amongst patients on the waiting list for liver transplantation and most do not meet nutritional requirements which certainly contribute to the vicious cycle leading to a deranged nutritional status.

Key words: Malnutrition. Liver Transplantation. Eating.

INTRODUÇÃO

A desnutrição é altamente prevalente em pacientes com doença hepática crônica, e é praticamente universal em pacientes em lista de espera para transplante hepático1. O fígado é o principal órgão que desempenha papel fundamental no metabolismo corporal, envolvendo múltiplos processos como a regulação do metabolismo protéico e energético2. Sendo assim, a doença hepática crônica resulta em grande impacto nutricional, concomitante ao grau de mau funcionamento do órgão. Além disso, a anorexia secundária ao uso de drogas, assim como a presença de náuseas, vômitos e saciedade precoce diminui a ingestão alimentar. Dessa forma, esses pacientes apresentam risco elevado de deficiências nutricionais.

A desnutrição tem impacto direto no prognóstico do paciente cirrótico, deteriorando a função hepática, afetando adversamente a evolução clínica3, refletindo no aumento da morbimortalidade desses enfermos4 e nos custos hospitalares5. A desnutrição pode agravar-se enquanto os pacientes aguardam na lista de espera6, por isso a avaliação do estado nutricional deve ser precocemente realizada7. Identificar o melhor instrumento para avaliar o estado nutricional ainda é um desafio. Pacientes hepatopatas apresentam alterações do metabolismo, da função imunológica e da composição corporal, principalmente excesso de água, que ocorrem independente do estado nutricional, dificultando desta maneira a escolha do método de avaliação4.

A Avaliação Global Subjetiva (AGS)8, método essencialmente clínico, parece ser o instrumento mais adequado para o diagnóstico de desnutrição em pacientes com hepatopatias, dentre os métodos disponíveis e viáveis financeiramente9. Nesse sentido, além do diagnóstico de estado nutricional, a quantificação da ingestão oral é fator primordial como método auxiliar da avaliação desses enfermos.

O objetivo deste estudo foi realizar diagnóstico nutricional de pacientes em lista de espera para transplante hepático, associando-o com as características socioeconômicas e da doença.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional, de caráter transversal, realizado em pacientes maiores de 20 anos, em lista de espera para transplante hepático, acompanhados no ambulatório Bias de Transplantes do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período de setembro de 2006 a outubro de 2007. O protocolo da pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Protocolo COEP processo nº. 122/03). Para participação no estudo, os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

A avaliação nutricional foi realizada pela AGS e para avaliação da ingestão alimentar foi utilizado o recordatório de 24 horas. Também foram pesquisadas características socioeconômicas, história clínica e atividade física. Toda coleta de dados foi realizada por uma das autoras (LGF).

Características gerais dos pacientes

A gravidade da doença foi analisada pelos escores de Child-Pugh10 , na qual o paciente foi classificado em Child A, B ou C; e pelo Model for End-Stage Liver Disease (MELD)11. Considerando o MELD, os pacientes foram divididos em classes de acordo com os valores de ponto de corte utilizados para indicar a renovação dos exames utilizados no cálculo do escore11. As doenças para indicação do transplante hepático foram divididas em dois grupos: 1 -alcoólicas, alcoólicas e associações versus não alcoólicas e 2 -virais, virais e associações versus não virais. As complicações da doença hepática também foram avaliadas, sendo registradas presença de ascite e/ou edema (no momento da avaliação) e episódios de encefalopatias (já ocorridos). O uso de medicamentos foi mensurado e os doentes foram classificados como: 1) uso de até três medicamentos ou 2) mais de três. Foram excluídos da análise uso de vitaminas e minerais, assim como insulina e hipoglicemiantes. Esses últimos foram excluídos com o intuito de se estabelecer a relação do número de medicamentos envolvidos diretamente no tratamento das hepatopatias e suas complicações versus estado nutricional. O nível de atividade física12 dos pacientes foi categorizado nos níveis repouso, muito leve, leve, moderada e pesada13.

AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL

- Avaliação global subjetiva (AGS)

A AGS8 baseia-se na história clínica e no exame físico. A história clínica consiste em pesquisar aspectos como redução de peso nos últimos seis meses, alterações na ingestão dietética, presença de sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarreia e falta de apetite) e capacidade funcional. O exame físico inclui aspectos como perda de gordura subcutânea, perda muscular, presença de edema maleolar, edema pré-sacral e ascite, os quais foram classificados como sem alterações, perda leve, moderada ou importante. Por meio da combinação desses parâmetros subjetivos de avaliação nutricional, os pacientes foram classificados em: nutrido, suspeita de desnutrição / moderadamente desnutrido ou desnutrido grave. Foi dada maior relevância aos itens ingestão alimentar, exame físico e capacidade funcional em detrimento das variações de peso14 , já que os pacientes do estudo têm alterações de peso por mudanças de água corporal.

- Avaliação da ingestão alimentar e necessidades nutricionais

A quantificação dietética (recordatório de 24h) foi realizada no dia de atendimento ambulatorial. O paciente descreveu para o entrevistador todos os alimentos e bebidas ingeridas em um período de 24 horas, estimando as quantidades em medidas caseiras. O programa Diet Pro4® (Agromídia Software, Viçosa, Brasil) foi utilizado para calcular a quantidade de calorias, proteínas, carboidratos e lipídeos dos recordatórios. As necessidades energéticas foram estimadas em 35,0 kcal/kg e protéicas em 1,2 kcal/kg15 de peso ideal para pacientes que possuíam ascite e/ ou edema, ou peso atual para pacientes que não apresentaram estas complicações. O Índice de Massa Corporal (IMC) médio de 21,7 kg/2[16] foi utilizado para cálculo do peso ideal. Pacientes avaliados pelo IMC, como portadores de sobrepeso e obesidade e que não apresentavam edema e/ou ascite, tiveram suas necessidades nutricionais calculadas a partir do peso para o IMC máximo de 24,9 kg/m2 [16]. Para os outros macronutrientes, consumo entre 50% a 60% em carboidratos e até 30% em lipídeos foi considerado adequado17.

Análise estatística

O programa Epidata versão 3.0 (EpiData Association, Odense, Denmark) foi utilizado para confecção do banco de dados. Na análise dos dados foi utilizado o software Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 10.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA). O nível de 5% foi adotado para significância estatística.

As variáveis categóricas foram descritas em tabelas de frequência e para as variáveis contínuas foram calculados média e desvio padrão. A análise comparativa entre os pacientes desnutridos e nutridos com as variáveis categóricas foi realizada pelo teste do Qui quadrado. As razões de probabilidades odds ratio (OR) com os respectivos intervalos de confiança (IC) foram calculados.

RESULTADOS

Foram avaliados 159 pacientes. O percentual de desnutrição avaliado pela AGS foi de 74,7% (n=118). Desses, 72% (n=85) foram diagnosticados como desnutridos moderados e 28% (n=33) desnutridos graves. A média de idade dos pacientes foi de 50,0 ± 10,6 anos (20 a 71 anos), sendo 71,1% homens e 73,6% casados. Em relação à escolaridade, 58,5% completaram até o ensino fundamental e a renda per capita média foi de R$373,50. Não houve diferença estatística entre a prevalência de desnutrição e as características da população pesquisadas como gênero, idade, estado civil, escolaridade e renda per capita (p=NS).

A cirrose etanólica foi a doença com maior número de ocorrências para indicação de transplante (n=51), seguida pelas doenças hepáticas virais (vírus C, n= 27; vírus B, n= 18). Não houve diferença significativa entre o percentual de desnutridos e as indicações para transplante quando se comparou a etiologia alcoólica versus demais e, viral versus demais (p=NS).

Em relação à gravidade da doença, a prevalência de desnutrição esteve associada à classificação de Child-Pugh (p<0,05), mas não ao critério MELD (p=NS).

Quanto ao nível de atividades físicas relatadas, 1,9% (n=3) dos pacientes indicaram permanecer em repouso; 24,5% (n=39) apontaram atividades classificadas como muito leve; 50,3% (n=80) atividades leves; 22,6% (n=36) atividades moderadas e 0,6% (n=1) atividade pesada. Pacientes com baixos níveis de atividade física estiveram associados com pior estado nutricional (p<0,01, OR: 7,4) (Tabela 1).

A presença de edema/ascite, os episódios de encefalopatia hepática prévia e o uso de mais de três medicamentos também apresentaram relação com a desnutrição (p<0,01) (Tabela 1).

O consumo médio de energia foi de 1.490,9 ± 580,7 kcal (21,3 ± 8,8 kcal/kg) com ingestão média de 56,0 ± 25,1g de proteínas (0,8 ± 0,37 g/kg). Tanto a energia quanto os macronutrientes avaliados pelo recordatório alimentar estiveram abaixo das necessidades calculadas (Tabela 2).

Ao se comparar a ingestão alimentar com as necessidades alimentares calculadas, 90,7% dos pacientes (n=137) ingeriram abaixo do recomendado para calorias, 75,7% (n=112) para proteínas, 79,7% (n=122) para carboidratos e 96,6% (n=141) para lipídeos.

Em relação ao estado nutricional, pacientes considerados desnutridos ingeriram 89% e 78,8% abaixo das necessidades calculadas, respectivamente, para calorias e proteínas. Pacientes desnutridos tiveram proporção 3,5 e 2,8 vezes maior de inadequação calórica e protéica, respectivamente, em relação aos nutridos (p<0,05) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A prevalência de desnutrição em pacientes hepatopatas crônicos é alta1,18,19. Em nosso estudo, 74,7% dos pacientes foram considerados desnutridos pela AGS. A prevalência de desnutrição encontrada é similar a de outros estudos que incluíram pacientes ambulatoriais20, hospitalizados21 e que foram submetidos ao transplante hepático3.

A desnutrição está presente independentemente das características socioeconômicas e da doença associada ao transplante hepático. Outros autores já haviam afirmado não haver relação entre desnutrição e etiologia da doença hepática22 embora alguns estudos18,23 mostraram que pacientes com cirrose etanólica têm pior estado nutricional.

A gravidade da doença hepática, avaliada no presente estudo pelo escore de Child-Pugh, presença de edema e/ou ascite, episódio de encefalopatia hepática e número de medicamentos, afeta o estado nutricional dos pacientes. Por outro lado, a gravidade da doença de acordo com o escore de MELD não teve associação com o estado nutricional. A relação entre escore de Child-Pugh e desnutrição24 bem como associação de duas de suas variáveis, a ascite21 e a encefalopatia hepática25, já haviam sido demonstradas por outros autores. As variáveis que compõe o MELD (relação normatizada internacional da atividade da protrombina (RNI), creatinina, e bilirrubina total) certamente não são afetadas pelo estado nutricional dos pacientes, ao contrário do índice de Child-Pugh.

Os níveis baixos de atividade física cotidiana encontrados neste trabalho podem ser decorrentes da presença de ascite volumosa, que dificulta a locomoção e a respiração. A redução das atividades físicas observada em pacientes em lista de espera para transplante hepático26, associada à doença hepática grave, provavelmente contribui para a perda de massa muscular27 e para redução da qualidade de vida28.

A baixa ingestão alimentar em pacientes cirróticos encontrada neste estudo também foi demonstrada por outros autores18,20,29 e é, provavelmente, influenciada por orientações nutricionais desnecessárias, embora isso não tenha sido avaliado neste estudo. Heyman et al. 30 relataram que ao contrário das recomendações atuais, a orientação para restrição de proteínas ainda é prática regular. Além disso, a orientação para restrição de sódio e líquidos também é comum, o que pode colaborar para a diminuição da ingestão de alimentos31. A restrição protéica tem sido advogada somente no tratamento das encefalopatias32 e, mesmo nesses casos, deve ser mantida por período curto de tempo (<24 horas)33. A restrição de sódio é necessária em casos de ascite e edema. Contudo, deve-se considerar que a restrição muito rigorosa de sal pode alterar a palatabilidade dos alimentos, causando maior redução da ingestão alimentar e, consequente, piora nutricional de pacientes, frequentemente, já depauperados.

A ingestão inadequada de calorias, especialmente proteína tem grandes efeitos deletérios tanto sobre o estado nutricional como na evolução clínica34,35 . A baixa ingestão alimentar tem sido considerada como um dos fatores primordiais causadores de desnutrição31 . Cordoba et al. 35 compararam dois grupos de pacientes hospitalizados com encefalopatia hepática. Um grupo recebeu quantidades progressivamente maiores de proteína, variando de zero grama nos três primeiros dias de internação até 1,2 g/kg/dia, o outro recebeu 1,2 g/kg/dia desde o primeiro dia. A dieta com baixa proteína causou aumento do catabolismo sem efeitos benéficos na evolução da encefalopatia hepática.

Em nosso estudo, utilizamos os menores valores dos pontos de corte recomendados e, mesmo assim, a grande maioria dos pacientes não alcançou as necessidades nutricionais mínimas para ingestão alimentar. Dessa forma, é de extrema importância que todos os pacientes recebam orientações nutricionais adequadas, de forma regular 36 e individualizada,já que a grande maioria não ingere as necessidades mínimas calculadas.

Em virtude da alta prevalência de desnutrição, a determinação do estado nutricional e a avaliação da ingestão alimentar deveriam ser realizadas em todos os pacientes com doença hepática crônica. Assim, pacientes em lista de espera para transplante hepático devem receber suporte de equipe multidisciplinar que envolva nutricionistas, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais, para tentar controlar todas as variáveis que interferem na morbimortalidade dos mesmos. A desnutrição se configura como uma dessas variáveis que pode ser revertida melhorando a sobrevida desses pacientes. De sorte que a determinação do estado nutricional é medida importante na terapêutica desses enfermos e quanto mais precocemente melhor.

CONCLUSÃO

A desnutrição é altamente prevalente entre pacientes aguardando transplante hepático e tem relação estreita com a gravidade da doença conforme os critérios de Child-Pugh, a presença de edema e/ou ascite, a ocorrência prévia de encefalopatia, o uso de vários medicamentos, baixos níveis de atividade física e ingestão alimentar deficiente em calorias e proteínas. A relação da desnutrição com a doença hepática e inadequada ingestão alimentar mantém o ciclo vicioso que piora o estado nutricional.

SUPORTE FINANCEIRO:

As autoras, Lívia Garcia Ferreira e Lucilene Rezende Anastácio, receberam auxílio financeiro (bolsa) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 29/09/08

Aceito para publicação: 03/02/09

Trabalho realizado no Ambulatório de Transplante Hepático -Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      03 Fev 2009
    • Recebido
      29 Set 2008
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