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  • A Teologia Negra no Brasil é Decolonial e Marginal
  • Ronilso Pacheco

O lugar do Êxodo

O Êxodo sempre foi uma referência importante para a Teologia da Libertação. A história do povo hebreu explorado e martirizado no Egito, tornou‐se o ponto de partida, a hermenêutica por excelência de teólogos que queriam um compromisso, na América Latina, com a libertação do continente das explorações modernizadas do capitalismo; explorando trabalho, criatividade, terra, produção, natureza, tudo pondo o lucro e a manutenção do poder no lugar central. Aí vem a compreensão de comparação com o Êxodo. Mas o Êxodo deixa de ser a compreensão de uma narrativa que fala de um deslocamento, uma travessia de um ponto a outro. É preciso chamar a atenção para o que constituía o período de servidão no Egito, o que aquela exploração lá lembra nossa condição aqui.

A Teologia Negra é incluída como uma das “teologias da libertação”. O nome passou a ser usado no plural porque o que era unicamente a chamada Teologia da Libertação, abriu caminhos para uma pluralidade de perspectivas teológicas, que vieram reivindicar lugar e vozes emancipadas. Para a Teologia Negra, que surge nos Estados Unidos na década de 60, o lugar do Êxodo é central também pela condição de oprimidos, de exploração, mas um agravante a marca: a ênfase no racismo e na escravidão. Não estamos falando só de povo cujo trabalho e força de trabalho é explorada. Estamos falando de escravidão, e tudo que isso pode significar em países como Estados Unidos, Haiti, Colômbia e, evidentemente, Brasil.

A Teologia Negra é ainda incipiente no Brasil, mas vai mostrando sua necessidade e lugar, revisitando, a partir de novos esforços de uma pequena nova geração de teólogos, as reflexões postas por James Cone, Jacquelyn Grant, Cornell West, Gayraud Wilmore, Allan Boesak, Desmond Tutu (os dois últimos no contexto sul‐africano), entre outros e outras. As reflexões de muitos destes teólogos que foram pensadas aqui por gente como Peter Nash e Nancy Cardoso, começa agora a ser retomada, aos poucos, com novos rostos que, mais presentes em um contexto de ação política, prática de rua, envolto em sublevações de resistências em defesa da vida e da dignidade de negros e negras no contexto de violência e racismo do Brasil, vão apontando a contribuição da Teologia Negra para problematizar as diversas desigualdades no país em tratos com corpos e territórios. Aqui o Êxodo segue sendo ponto de partida, entre outras coisas, porque o grito do povo preto, dos jovens negros, das mulheres negras, seguem sendo gritos de dor e de silenciamento.

Também porque o período de servidão do povo hebreu na terra do Egito e narrada no Êxodo, não deve ser pensado mais como uma história romântica de heroísmo e onde Deus é protagonista operando milagres, sinais e prodígios. Antes, deve ser pensado no contexto das dores e violações que estão presentes na condição de um escravo, ou da vida do que é tornado escravo em território colonizado. Isto significa que o contexto histórico do povo hebreu no Egito guarda semelhanças com o processo de colonização empreendido pela Europa que também chega ao Brasil. No território colonizado, como o Brasil se tornara começa sua história, homens e mulheres são assassinados cotidianamente, mulheres violentadas, corpos negros chicoteados, torturados, desaparecidos, subjugados. O silêncio mantido sob o peso da violência e do medo, nunca sem a investidura religiosa cristã. Como bem descreve Riolando Azzi:

Embora as populações negras já vivessem na África num estágio de maior desenvolvimento, gerado pela vida sedentária e pela prática da agricultura, a redução à situação de escravos na colônia brasileira havia diminuído em muitos deles a capacidade de resistência e de luta pela dignidade da vida. Poucos horizontes se abriam para pessoas que se viam tratadas como animais expostos ao...

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