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  • Os Cristãos e Yorubás Comendo Juntos Eucaristia e Oferendas
  • Cláudio Carvalhaes

Só vivemos para fazer. Sem fazer, apenas existimos.

Padre Vieira

Só me interesso pelo que não é meu.

Oswald de Andrade

As religiões e as diferenças religiosas são um elemento ativo e indissociável das dinâmicas cultural e política que estão |transformando o sentido das conexões sociais e políticas do nosso tempo, quando vindas de baixo, como emancipatórias.

Joanildo Burity

Eu diria que não pode haver diálogo entre cristãos e muçulmanos se não há uma prática comum. Qualquer outro diálogo fora de uma prática comum não passa de discussão. Nonsense bizantino.

Frei Betto

Este capítulo apresenta a possibilidade de uma forma mais ampla de hospitalidade eucarística, que se baseia nas práticas da igreja primitiva e é consoante com o trabalho em curso da nossa fé reformata semper reformanda (reformada e sempre se reformando). Nele, ao explorar uma possível relação entre duas religiões presentes no Brasil, o cristianismo (mais especificamente o seu ramo reformado) e o candomblé (uma religião afro‐brasileira), tento expandir os vocabulários inter‐religiosos, raciais e globais, práticas e noções das orações eucarísticas de hospitalidade. As questões relevantes da realidade brasileira e o formato da práxis aqui proposta podem talvez ilustrar a crescente necessidade do envolvimento das igrejas de todos os lugares com estranhos, através de novas formas de diálogo teológico e práticas litúrgicas capazes de proporcionar, em certa medida, diálogo, justiça, paz e hospitalidade. Além disso, nosso mundo globalizado continua a disseminar em todos os lugares muitas formas de religião, e os cristãos devem aprender como se relacionar, dialogar e conviver com outros tipos de credos, práticas e visões de mundo.

O candomblé é uma dessas religiões aptas a sobreviver nesse mundo globalizado por apresentar grande capacidade de adaptação e flexibilidade para se ajustar a novos lugares e situações. Os deuses do candomblé viajam com o seu povo e incorporam deuses locais onde o povo do candomblé é recebido. Saído da África, o candomblé se transformou e adotou uma nova configuração no Brasil. Rachel E. Harding define assim o candomblé:

O candomblé é um rico e complexo portal de ações rituais, cosmologia e significado com profundas e óbvias raízes em diversas tradições religiosas do oeste e centro‐oeste africano, especialmente yorubá, aja‐fon e bantu. É uma (re)criação dessas tradições, e outras, utilizando a matriz formada pela escravidão, colonialismo e mercantilismo que caracterizou o Brasil e outras novas sociedades do hemisfério ocidental desde século dezesseis ao século dezenove.

Escolhi o candomblé como representante do que chamo de práxis‐dialógica inter‐religiosa por três razões: (1) o candomblé não é um tipo de religião, como o hinduísmo ou o islamismo, habitualmente escolhido por outros estudiosos para analisar o diálogo ou a práxis inter‐religiosa, sendo assim uma oportunidade para novos insights no trabalho inter‐religioso que precisamos fazer; (2) é uma religião, um pouco como o cristianismo, na qual a comida e a refeição em comum têm um papel central no culto, fornecendo um excelente estudo de caso inter‐religioso para reflexão sobre as fronteiras da prática eucarística; (3) o candomblé é uma religião que, ao longo da história do Brasil, tem sido alvo de grande desconfiança e ataques da parte dos cristãos. Ela se tornou um outro radical, sobretudo para os cristãos protestantes, e minha própria fé foi profundamente definida pela negação e condenação do povo do candomblé e suas atividades religiosas. Explico:

O candomblé não faz parte dos livros sobre as chamadas religiões do mundo. É uma religião sem fundador, textos sagrados ou tradições normativas como o hinduísmo, o budismo ou o islamismo, que atraem a maioria dos cristãos interessados no diálogo religioso. Assim como o cristianismo e as outras j...

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