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Análise do comportamento mecânico de um aço estrutural através de ensaios de torção

Analysis of mechanical behavior of a structural steel through torsion tests

Resumos

As mudanças no comportamento de amaciamento que ocorrem durante a deformação a quente de um aço estão diretamente ligadas a parâmetros como deformação, taxa de deformação, temperatura, tempo de espera entre passes e taxa de resfriamento. Um aço estrutural foi estudado através de ensaio de torção a quente. Os corpos de prova foram usinados a partir de esboços do aço, sendo retirados após a laminação de desbaste. Foram realizados ensaios de torção isotérmicos e ensaios de torção com múltiplas deformações em resfriamento contínuo no laboratório de conformação mecânica do CETEC, em Belo Horizonte-MG. Através das curvas de escoamento plástico, geradas pelos ensaios de torção isotérmicos, foram determinadas a tensão e a deformação de pico para temperaturas variando de 1150ºC à 650ºC e foram realizadas análises metalográficas das amostras para se verificar o comportamento do tamanho de grão do material. Foi realizado cálculo das temperaturas críticas (Tnr e Ar3), através da utilização de equações disponíveis, na literatura. Tal cálculo foi comparado com os valores obtidos durante o ensaio com múltiplas deformações em resfriamento contínuo e verificado que a variação não passou de 1,8%.

Ensaio de torção; aço estrutural; curvas de escoamento plástico


The softening behavior changes that occur during hot deformation of steel is directly related to processing parameters such as strain, strain rate, temperature, interpass time and cooling rate. A structural steel was analyzed by hot rolling simulation using hot torsion tests. The specimens were machined from work piece after roughing mill. Isothermal torsion and multiple strains in continuous cooling torsion tests were performed in hot deformation laboratory of CETEC, in Belo Horizonte-MG. Peak stress and strain for temperatures ranging from 1150ºC to 650ºC were determined through flow curves generated by isothermal torsion tests and metallographic analysis were performed to verify the behavior of grain size of the material. The critical temperatures (Tnr and Ar3) were calculated by equations available in literature and compared to values obtained from the test flow curves (the variation did not exceed 1.8%).

Torsion test; structural steel; flow curves


METALURGIA E MATERIAIS METALLURGY AND MATERIALS

Mariana Valinhos BarcelosI; Estéfano Aparecido VieiraII; Nilton José Lucinda de OliveiraIII; Marcelo Lucas Pereira MachadoIV

IMestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais Instituto Federal do Espírito Santo Vitória, ES. Brasil mvalinhos@ifes.edu.br

IIDoutor, Professor do Departamento de Metalurgia e Materiais Instituto Federal do Espírito Santo Vitória, ES. Brasil estefanovieira@ifes.edu.br

IIIMestre, Pesquisador do Centro Tecnológico CETEC SENAI - Belo Horizonte, MG. Brasil nilton.oliveira@cetec.mg.gov.br

IVDoutor, Professor do Departamento de Metalurgia e Materiais Instituto Federal do Espírito Santo Vitória, ES. Brasil marcelolucas@ifes.edu.br

RESUMO

As mudanças no comportamento de amaciamento que ocorrem durante a deformação a quente de um aço estão diretamente ligadas a parâmetros como deformação, taxa de deformação, temperatura, tempo de espera entre passes e taxa de resfriamento. Um aço estrutural foi estudado através de ensaio de torção a quente. Os corpos de prova foram usinados a partir de esboços do aço, sendo retirados após a laminação de desbaste. Foram realizados ensaios de torção isotérmicos e ensaios de torção com múltiplas deformações em resfriamento contínuo no laboratório de conformação mecânica do CETEC, em Belo Horizonte-MG. Através das curvas de escoamento plástico, geradas pelos ensaios de torção isotérmicos, foram determinadas a tensão e a deformação de pico para temperaturas variando de 1150ºC à 650ºC e foram realizadas análises metalográficas das amostras para se verificar o comportamento do tamanho de grão do material. Foi realizado cálculo das temperaturas críticas (Tnr e Ar3), através da utilização de equações disponíveis, na literatura. Tal cálculo foi comparado com os valores obtidos durante o ensaio com múltiplas deformações em resfriamento contínuo e verificado que a variação não passou de 1,8%.

Palavras-chave: Ensaio de torção, aço estrutural, curvas de escoamento plástico.

ABSTRACT

The softening behavior changes that occur during hot deformation of steel is directly related to processing parameters such as strain, strain rate, temperature, interpass time and cooling rate. A structural steel was analyzed by hot rolling simulation using hot torsion tests. The specimens were machined from work piece after roughing mill. Isothermal torsion and multiple strains in continuous cooling torsion tests were performed in hot deformation laboratory of CETEC, in Belo Horizonte-MG. Peak stress and strain for temperatures ranging from 1150ºC to 650ºC were determined through flow curves generated by isothermal torsion tests and metallographic analysis were performed to verify the behavior of grain size of the material. The critical temperatures (Tnr and Ar3) were calculated by equations available in literature and compared to values obtained from the test flow curves (the variation did not exceed 1.8%).

Keywords: Torsion test, structural steel, flow curves.

1. Introdução

Pesquisas dos processos de conformação mecânica são essenciais para otimizar a produtividade e melhorar as propriedades mecânicas das ligas conformadas, reduzindo-se os custos. Um método eficiente com custo relativamente reduzido é a utilização do ensaio de torção a quente, que consiste em uma técnica experimental capaz de reproduzir as condições de trabalho de conformação. Isso permite investigar os mecanismos que estão operando, através de curvas de escoamento plástico e do acompanhamento da evolução microestrutural [Jorge et al., 1993; Regone, 2001; Jorge et al, 2003]. Com a leitura do torque e do ângulo, é possível calcular a tensão e a deformação equivalentes. A tensão é calculada através da Eq. 1 [Fields et al., 1957]:

Onde seq, t e r são, respectivamente, a tensão equivalente, o torque e o raio da amostra. Considerando que os valores de m e n são, respectivamente, iguais a 0,17 e 0,13, a deformação é calculada através da Eq. 2 [Semiatin et al., 1985]:

Sendo eeq, q, r e L, respectivamente, a deformação equivalente, ângulo de torção, raio da área útil e o comprimento da amostra.

2. Procedimentos experimentais

Utilizou-se um aço cedido pela ArcelorMittal Cariacica após a laminação de desbaste, conforme faixa de composição da Tabela 1, para fabricação dos corpos de prova com região útil de 7mm de diâmetro e 15mm de comprimento.

Ensaio com múltiplas deformações em resfriamento contínuo

Esses ensaios geram curvas que permitem a determinação das temperaturas críticas de processamento do material, sendo elas: Tnr, Ar3 e Ar1. Os corpos de prova foram aquecidos até a temperatura 1200ºC a uma taxa média de aquecimento de 2ºC/s e mantidos, nessa temperatura, por 2 min. Em seguida, foram resfriados a uma taxa de 1ºC/s, aplicando-se passes com deformação de 0,2, sendo a primeira deformação a 1170ºC e as demais em intervalos de 30ºC até 660ºC.

Ensaio de torção isotérmico

Esses ensaios fornecem dados sobre o comportamento mecânico do material e podem-se determinar, através dele, os valores da tensão e deformação de pico. Os corpos de prova foram aquecidos até a temperatura 1200ºC a uma taxa média de aquecimento de 2ºC/s e mantidos, nessa temperatura, por 2 min. Em seguida, foram resfriados a uma taxa de 1ºC/s até a temperatura do ensaio e mantidos, nessa temperatura, por mais 2 min. A taxa de deformação utilizada foi de 0,3 s-1, deformação máxima de 3 e com as temperaturas de ensaio decrescendo de 1150ºC a 650ºC em intervalos de 50ºC. Após os ensaios, as amostras foram resfriadas ao ar.

Cálculo das temperaturas críticas

Utilizando as Equações 3 e 4 [Maccagno et al., 1994], calcularam-se as temperaturas críticas Tnr e Ar3, para compará-las com os valores obtidos pelo ensaio com múltiplas deformações em resfriamento contínuo.

Análise metalográfica

Foi realizada análise microestrutural com objetivo de identificar a presença de deformação acumulada (encruamento) e os grãos recristalizados. As técnicas de preparação das amostras, para observação microestrutural, foram as convencionais, ou seja, as amostras foram cortadas perpendicularmente ao comprimento, embutidas, lixadas com lixas de 400, 600, 800 e 1200 mesh, polidas em panos com pasta de diamante com granulometria de 3 µm e de 1 µm e atacadas com nital por 30s. O microscópio ótico utilizado foi um Mettalux 3 da marca Leitz do laboratório da ArcelorMittal Tubarão.

3. Resultados e discussão

Ensaio com múltiplas deformações em resfriamento contínuo

Na Figura 1, é possível observar que o material apresentou deformação homogênea por toda a região útil do corpo de prova, após o ciclo de deformações aplicado.


A Figura 2 apresenta as curvas tensão versus deformação obtidas durante esse ensaio. É possível observar a variação da tensão em relação à mudança de temperatura na qual é aplicada a deformação. Nota-se que, para temperaturas acima de 960ºC, a tensão aumenta, moderadamente, com a diminuição da temperatura, evidenciando a região de recristalização da austenita e que, em temperaturas menores do que 960ºC, há um aumento mais acentuado no crescimento da tensão, caracterizando a região de encruamento da austenita, ou seja, 960ºC corresponde à Tnr (temperatura de não recristalização). Posteriormente, a queda da tensão observada, em torno de 780ºC, evidencia a transformação austenita-ferrita, que é o início da região intercrítica (γ+α) ou Ar3 do diagrama Fe-Fe3C. Finalmente, tem-se o aumento da tensão novamente com a diminuição da temperatura, evidenciando formação da perlita, que é o início da região ferrítica-perlítica ou Ar1. Na Figura 2 (B), é possível observar a relação da tensão média equivalente com o inverso da temperatura. Através da análise das curvas dessa figura, é possível determinar, mais precisamente, os valores de Tnr, Ar1 e Ar3. Esses dados são mostrados na Tabela 2, onde podem ser comparados com os valores obtidos através da utilização das Equações 3 e 4. Observa-se que a diferença entre o valor obtido pelo ensaio e o valor calculado é de 1,8% para Tnr e de 1,3% para Ar3.


Ensaio de torção isotérmico

Conforme pode ser observado na Figura 3, as curvas de escoamentos plásticos foram separadas em duas figuras: temperaturas igual e maiores que 900ºC e temperaturas igual e menores que 850ºC.


Os resultados isotérmicos mostram que o limite de escoamento aumenta à medida que a temperatura decresce. Diminuir a temperatura restringe a mobilidade das discordâncias, causando o aumento do limite de escoamento. A Figura 3 (A) mostra que, em temperaturas igual e maiores do que 900ºC, têm-se curvas de escoamento plástico com a forma típica de materiais que se recristalizam dinamicamente, ou seja, nessas curvas, inicialmente, a tensão de escoamento plástico aumenta com a deformação até um valor máximo, sendo que, em seguida, há uma diminuição da tensão até um estado estacionário. No entanto, em temperaturas igual e menores do que 850ºC, a forma das curvas é variável porque algumas deformações foram aplicadas em região intercrítica (γ+α) e também na região ferrítica-perlítica. Nessas regiões, os mecanismos de amaciamento são complexos e interativos e são influenciados pela fração volumétrica das fases presentes. Existe, também, a possibilidade de ocorrer transformações de fases induzidas pela deformação. Primeiramente acontece um endurecimento brusco em um curto período de deformação, apresentando, assim, uma alta taxa de endurecimento até se atingir um pico de tensão, seguido de um estado estacionário e/ou queda contínua da tensão com a deformação, causado pelo processo de recuperação dinâmica e outros mecanismos. A queda contínua da tensão pode ter sido causada por algum tipo de estricção ocorrida no corpo de prova ou transformação γ→α induzida por deformação. Esse comportamento pode ser observado na Figura 3 (B). A partir desses resultados, foi construída a Tabela 2, com os valores de tensão e deformação de pico para temperaturas igual e maiores que 900ºC e tensão do estado estacionário para todas as temperaturas. Na Figura 4, é possível ver os corpos de prova com a região deformada e as microestruturas obtidas para cada um.


Observa-se, na Figura 4, que o material apresentou deformação homogênea por toda a região útil do corpo de prova, após o ciclo de deformação aplicada, durante o ensaio, para todas as temperaturas. As microestruras obtidas mostram um refinamento do grão para temperaturas de deformação mais baixas. Esse comportamento é observado até uma faixa de temperatura entre 800 e 850ºC, aproximadamente. A partir de 800ºC, reduzindo-se a temperatura têm-se somente o encruamento dos grãos de ferrita. Isto ocorre porque, com a formação da ferrita, cessam-se os processos de recristalização e o principal mecanismo de amaciamento é a recuperação. Esses resultados estão de acordo com os obtidos em trabalhos de outros autores [Regone, 2001; Geittens, 2001), para aços dos tipo IF e ao carbono, respectivamente. Portanto, desejando-se uma microestrutura mais refinada, durante um processo de laminação a quente, recomenda-se executar os passes finais sob temperaturas entre 850 e 900ºC. Contudo não deve-se deixar de levar em conta os esforços a que serão submetidos os equipamentos de conformação. Entretanto, em processos industriais de laminação a quente, as deformações, em cada passe, são, geralmente, menores que as deformações de pico mostradas na Figura 3 e a recristalização dinâmica raramente ocorre. Portanto a melhor previsão das mudanças microestruturais que ocorrem durante a laminação a quente deve levar em conta as temperaturas críticas determinadas na Figura 2. De uma maneira geral, o que ocorre é o seguinte:

  • Em temperaturas acima de Tnr, o principal mecanismo de amaciamento é a recristalização estática da austenita, entre os passes, seguida de crescimento de grão, cujo tamanho final será função da temperatura. A transformação austenita-ferrita, a partir desses grãos recristalizados, produzirá grãos ferríticos de tamanho entre 5 e 8 ASTM.

  • Em temperaturas entre T

    nr e A

    r3, não haverá recristalização da austenita, causando o acúmulo de encruamento entre passes, resultando em austenita muito deformada em forma de panquecas. Os grãos ferríticos formados, a partir da austenita deformada, serão muito finos, da ordem de 12 ASTM,

  • Deformações, em temperaturas abaixo de A

    r3, resultarão em grãos ferríticos encruados, que poderão apenas recuperar-se.

4. Conclusão

  • As temperaturas críticas levantadas são bem próximas das calculadas, utilizando-se as equações disponíveis na literatura.

  • O mecanismo de amaciamento varia de acordo com a temperatura, sendo a de recristalização dinâmica acima de 900ºC e a de recuperação dinâmica a partir de 850ºC.

  • O aspecto gráfico das curvas geradas pelos ensaios isotérmicos mostra uma similaridade com outros estudos realizados, para diversos aços, através de ensaio de torção a quente.

  • Verificou-se um refinamento do grão à medida que a temperatura de aplicação da deformação decresce. Notou-se que o empanquecamento dos grãos, devido à deformação, é mais difícil de ser observado em temperaturas superiores a 900ºC, em razão da recristalização dos grãos.

5. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 12 de outubro de 2011.

Aprovado em 19 de março de 2013.

  • FIELDS, D. S., BACKOFEN, W. A. Determination of strain hardening characteristics by torsion testing. Amer. Soc. Test. Met., 57, p.1259-1272, 1957.
  • GEITTENS, A. R. Análise do comportamento mecânico de um aço carbono processado na região intercrítica São Paulo: UFSCAR, 2001.
  • JORGE Jr, A. M., BALANCIN, O. Ensaio de torção: Um método para o estudo da trabalhabilidade a quente dos materiais metálicos. REM- Revista Escola de Minas, Ouro Preto, v. 46, n. 1/3, p. 128-135, jan-set 1993.
  • JORGE Jr, A. M., BALANCIN, O., REGONE, W. Effects of competing hardening and softening mechanics on the flow stress curve modeling of ultra-low carbon steel at high temperature. Jornal of Materials Processing Technology, v.142, p.415-421, mar. 2003.
  • MACCAGNO, T. M., JONAS, J. J., YUE, S., MACCRADY, B. J., SLOBODIAN, R., DEEKS, D. Determination of recrystallization stop temperature from rolling mill logs and comparison with laboratory simulation results. ISIJ International, v. 34, n.11, p. 917-922, jul. 1994.
  • REGONE, W. Simulação da laminação a quente de um aço livre de intersticiais (IF) através de ensaio de torção São Paulo: UFSCAR, 2001.
  • SEMIATIN, S. L., LAHOTI, G., JONAS, J. J. Application of the torsion test to determine workability. In: ASM, editor. Metals Handbook: Mechanical Testing, 8, 9th ed., OHIO: ASM, 1985. p. 154-184.
  • Análise do comportamento mecânico de um aço estrutural através de ensaios de torção

    Analysis of mechanical behavior of a structural steel through torsion tests
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Out 2011
    • Aceito
      19 Mar 2013
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