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Dimorfismo sexual de tamanho no fura-barreira Hylocryptus rectirostris (Wied) (Aves, Furnariidae)

Sexual size dimorphism in henna-capped foliage-gleaner Hylocryptus rectirostris (Wied) (Aves, Furnariidae)

Resumos

O fura-barreira Hylocryptus rectirostris é uma ave endêmica das matas ciliares da região do Cerrado, considerada rara a incomum e prioritária para pesquisa. A ausência de dimorfismo sexual aparente é o padrão disseminado entre os Furnariidae, no entanto, para algumas espécies da família foram encontradas diferenças morfométricas entre os sexos, sugerindo pressões evolutivas e exigências ecológicas distintas entre machos e fêmeas. O objetivo deste trabalho foi verificar a existência de dimorfismo sexual de tamanho de uma população de H. rectirostris do Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, sugerindo uma hipótese capaz de explicar a diferença observada entre os sexos. Para tanto foram tomadas sete medidas corporais de 21 indivíduos (13 machos e oito fêmeas) capturados entre abril de 2004 a novembro de 2005 e sexados por meio de técnicas moleculares. Os machos apresentaram asa e cauda significativamente maiores do que as fêmeas (asa: U = 5,5, p = 0,0008; cauda: U = 8,0, p = 0,0014). Acredita-se que as diferenças estejam relacionadas à defesa territorial, tarefa executada quase que exclusivamente por machos, que mantêm territórios estabelecidos ao longo de todo ano mesmo na ausência de fêmeas. Rêmiges e retrizes mais longas incrementam a capacidade de vôo e devem favorecer os indivíduos com asas e caudas maiores durante a aquisição e defesa de territórios, processos essenciais à conquista de fêmeas e conseqüente sucesso reprodutivo.

Asa; cauda; morfometria; sexagem; territorialismo


The henna-capped foliage-gleaner Hylocryptus rectirostris is an endemic bird of the gallery forests of the Cerrado region of central South America. The species is considered rare to uncommon and a priority for research. The lack of apparent sexual dimorphism is the common pattern Furnariidae family. However, sexual size dimorphism was found for some species of this family, suggesting evolutionary pressures and distinct ecological requirements between males and females. The aim of this work was to verify the existence sexual size dimorphism in a population of H. rectirostris at 'Parque Nacional da Serra do Cipó', Minas Gerais. We took seven body measures of 21 individuals (13 males and eight females) captured from April 2004 to November 2005. Each individual was sexed using molecular sexing techniques. The males had significantly larger wings and tails than females (wing: U = 5.5, p = 0.0008; tail: U = 8.0, p = 0.0014). These results clearly shows the differences of each sex. These differences seem to be related to territorial defense, a male duty in most of the time, who hold territories throughout all year long, even in the absence of a partner. Longer wing and tail increase flight performance, favoring those bigger individuals during the acquisition and defense of territories, female attraction and consequently enhancement of reproductive success.

Morphometric; sexing; tail; territory; wing


Dimorfismo sexual de tamanho no fura-barreira Hylocryptus rectirostris (Wied) (Aves, Furnariidae)

Sexual size dimorphism in henna-capped foliage-gleaner Hylocryptus rectirostris (Wied) (Aves, Furnariidae)

Luciene P. FariaI; Lucas A. CarraraI; Marcos RodriguesII

IAvenida Portugal 2020, 31555-000 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: lucienefaria@taskmail.com.br; lucascarrara@taskmail.com.br

IILaboratório de Ornitologia, Departamento de Zoologia, Universidade Federal de Minas Gerais. Caixa Postal 486, 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: ornito@mono.icb.ufmg.br

RESUMO

O fura-barreira Hylocryptus rectirostris é uma ave endêmica das matas ciliares da região do Cerrado, considerada rara a incomum e prioritária para pesquisa. A ausência de dimorfismo sexual aparente é o padrão disseminado entre os Furnariidae, no entanto, para algumas espécies da família foram encontradas diferenças morfométricas entre os sexos, sugerindo pressões evolutivas e exigências ecológicas distintas entre machos e fêmeas. O objetivo deste trabalho foi verificar a existência de dimorfismo sexual de tamanho de uma população de H. rectirostris do Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, sugerindo uma hipótese capaz de explicar a diferença observada entre os sexos. Para tanto foram tomadas sete medidas corporais de 21 indivíduos (13 machos e oito fêmeas) capturados entre abril de 2004 a novembro de 2005 e sexados por meio de técnicas moleculares. Os machos apresentaram asa e cauda significativamente maiores do que as fêmeas (asa: U = 5,5, p = 0,0008; cauda: U = 8,0, p = 0,0014). Acredita-se que as diferenças estejam relacionadas à defesa territorial, tarefa executada quase que exclusivamente por machos, que mantêm territórios estabelecidos ao longo de todo ano mesmo na ausência de fêmeas. Rêmiges e retrizes mais longas incrementam a capacidade de vôo e devem favorecer os indivíduos com asas e caudas maiores durante a aquisição e defesa de territórios, processos essenciais à conquista de fêmeas e conseqüente sucesso reprodutivo.

Palavras-chave: Asa; cauda; morfometria; sexagem; territorialismo.

ABSTRACT

The henna-capped foliage-gleaner Hylocryptus rectirostris is an endemic bird of the gallery forests of the Cerrado region of central South America. The species is considered rare to uncommon and a priority for research. The lack of apparent sexual dimorphism is the common pattern Furnariidae family. However, sexual size dimorphism was found for some species of this family, suggesting evolutionary pressures and distinct ecological requirements between males and females. The aim of this work was to verify the existence sexual size dimorphism in a population of H. rectirostris at 'Parque Nacional da Serra do Cipó', Minas Gerais. We took seven body measures of 21 individuals (13 males and eight females) captured from April 2004 to November 2005. Each individual was sexed using molecular sexing techniques. The males had significantly larger wings and tails than females (wing: U = 5.5, p = 0.0008; tail: U = 8.0, p = 0.0014). These results clearly shows the differences of each sex. These differences seem to be related to territorial defense, a male duty in most of the time, who hold territories throughout all year long, even in the absence of a partner. Longer wing and tail increase flight performance, favoring those bigger individuals during the acquisition and defense of territories, female attraction and consequently enhancement of reproductive success.

Key words: Morphometric; sexing; tail; territory; wing.

O fura-barreira Hylocryptus rectirostris (Wied, 1821) é uma ave endêmica das matas ciliares do Cerrado (SILVA 1995, VIELLIARD & SILVA 2001). Ocorre na região centro-sul do Brasil (sudoeste da Bahia, centro-oeste de Minas Gerais, Goiás e sul de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, oeste de São Paulo e noroeste do Paraná), chegando ao extremo leste do Paraguai (REMSEN 2003). A destruição do seu habitat vem acelerando seu declínio populacional em algumas regiões, constando, por isto, na lista de espécies ameaçadas do estado de São Paulo (SÃO PAULO 1998). Além de ser considerada rara a incomum, pouco se sabe sobre sua biologia sendo, portanto, uma espécie prioritária para pesquisa (RIDGELY & TURDOR 1994, STOTZ et al. 1996).

Como outros furnarídeos, H. rectirostris não possui dimorfismo sexual aparente (RIDGELY & TURDOR 1994, SICK 1997, REMSEN 2003). Porém, foi comprovada a existência de diferença de tamanho entre os sexos para alguns membros da família Furnariidae, como Xenops minutus (Sparrman, 1788) e Automolus ochrolaemus (TSCHUDI, 1844) (WINKER et al. 1994), membros da mesma subfamília de H. rectirostris, Philydorinae, que segundo SICK (1997) apresenta, em geral, machos maiores que fêmeas. Diferença de tamanho entre os sexos também foi encontrada entre dendrocolaptídeos (WILLIS 1972, BIERREGAARD 1988, SICK 1997, MARANTZ et al. 2003), grupo bastante aparentado aos Furnariidae, sendo os Philydorinae um grupo de transição (SICK 1997, ZYSKOWSKI & PRUM 1999, REMSEN 2003).

A determinação do sexo é uma ferramenta valiosa para os estudos comportamentais e populacionais em espécies sem dimorfismo sexual aparente (WINKLER & LEISLER 1985, ANCIÃES & DEL LAMA 2002). As diferentes formas de exploração do nicho ecológico entre machos e fêmeas, assim como os aspectos sociais e comportamentais envolvidos podem ser melhor compreendidos a partir da comprovação de diferenças biométricas entre os sexos (KILHAN 1970, WINKLER & LEISLER 1985, WEBSTER 1997).

O objetivo deste estudo foi verificar a existência de dimorfismo sexual morfométrico em H. rectirostris a partir da sexagem molecular de indivíduos capturados no Parque Nacional da Serra do Cipó, sugerindo uma hipótese capaz de explicar a diferença observada entre os sexos.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O Parque Nacional da Serra do Cipó está localizado na porção sul da Cadeia do Espinhaço, entre os paralelos 19º e 20ºS e 43º e 44ºW ao longo da Serra do Cipó, estado de Minas Gerais.

O Parque possui uma área total de 33.800 ha e caracteriza-se por apresentar altitudes de 800 a 1400 m, em uma serra onde a vertente leste sofre maior influência da Mata Atlântica e a oeste, do Cerrado. Possui na sua porção alta, como substrato rochoso mais comum, o quartzito, sobre o qual se desenvolve o campo rupestre (RIBEIRO & WALTER 1998). Na sua região de baixada, vertente oeste, o Cerrado está representado por várias fitofisionomias, desde o campo limpo até o cerradão, apresentando também áreas de mata seca e matas de galeria, todas elas em diversos estágios de conservação (RODRIGUES et al. 2005).

O estudo foi conduzido na parte baixa do parque, nas matas ciliares do vale do Rio Cipó, formado por dois principais afluentes, os rios Mascates e Bocaina.

Captura e medidas morfométricas

Os indivíduos foram capturados por meio de redes de neblina com malha de 36mm e marcados com anilhas de alumínio fornecidas pelo CEMAVE (Centro de Pesquisas para Conservação das Aves Silvestres/IBAMA). Além disso, foram utilizadas anilhas coloridas em combinação única para individualização das aves. De cada indivíduo capturado foram tomadas sete medidas corporais: corpo (CO – ponta do cúlmen à extremidade das retrizes menos o comprimento da cauda), asa (A – encontro da asa até extremidade das rêmiges, esticando as penas), cauda (C – glândula uropigeana à extremidade das retrizes), tarso (T – articulação tíbia-tarso à base interna do hálux), cúlmen (B – ponta do bico até sua base), occiput (O – base do occiptal à ponta do bico) e peso (P). Todas as medidas foram tomadas em milímetros, exceto peso, medido em gramas. Os instrumentos utilizados foram paquímetro (± 0,05mm) para C, T, B e O; régua (± 0,5 mm) para CO e A; e dinamômetro de 100 g (± 0,5 g).

Sexagem

Amostras de 25 a 50µl de sangue foram coletadas com tubos microcapilares de vidro por meio de punção na veia braquial utilizando agulha estéril descartável (BD 30x3). As amostras de sangue foram armazenadas em eppendorfs etiquetados contendo 500µl de Etanol 100% (CAPARROZ et al. 2001) e mantidas em geladeira (4°C) até o processamento em laboratório.

O DNA foi extraído utilizando fenol clorofórmio com lise alcalina (SAMBROOK et al. 1989). Foi aplicada a técnica de sexagem molecular descrita por GRIFFITHS et al. (1998), empregando-se iniciadores específicos para os genes CHD (Chromo-helicase biding protein), localizados nos cromossomos sexuais das aves Z e W, utilizando os primers P2 e P8 para a PCR (reação em cadeia da polimerase), sob as seguintes condições: total de 10µl, sendo 2µl de DNA, tampão taq 1x (Phoneutria â), 0,5µM de cada primer (CHPD2 e CHPD8) e 1 U de taq (Phoneutria â). Após a PCR foi realizada a eletroforese em gel poliarilamida 6% por quatro horas. As bandas formadas foram visualizadas em nitrato de prata (SANTOS et al. 1996). A determinação dos sexos foi feita a partir do padrão de duas bandas para as fêmeas e uma para machos. Este padrão foi encontrado em não passeriformes (GRIFFITHS et al. 1998, QUINTANA et al. 2003) e em passeriformes neotropicais como Ilicura militaris (Shaw & Nodder, 1809) (ANCIÃES & DEL LAMA 2002), Lepidotrix coronata (Spix, 1825), Pipra pipra (Linnaeus, 1758), Pipra filicauda (Spix, 1825) (Pipridae) (RYDER & DURÃES 2005) além de Phacellodomus rufifrons (Wied, 1821) (Furnariidae).

Análise estatística

Foi aplicada estatística não-paramétrica por meio do teste de Mann-Whitney (teste U) para comparar as amostras entre machos e fêmeas de cada parâmetro morfométrico mensurado.

Os parâmetros com diferença estatística entre os sexos foram submetidos ao teste de Spearman (rs) para avaliar sua correlação. O patamar de significância de 5% foi utilizado para os dois casos.

RESULTADOS

No período de abril de 2004 a novembro de 2005 foram capturados, mensurados e sexados 21 indivíduos de H. rectirostris adultos. O método de sexagem molecular proposto por GRIFFITHS (1998) foi aplicado com sucesso, revelando o aparecimento de duas bandas para as fêmeas (n = 8) e apenas uma para os machos (n = 13).

Foi encontrada diferença estatística altamente significativa entre machos e fêmeas para dois dos sete parâmetros morfométricos avaliados: asa (U = 5,5, p = 0,0008) e cauda (U = 8,0, p = 0,00014) (Tab. I).

A medida da asa foi o parâmetro que apresentou maior diferença entre os sexos (menor valor de U na tabela I) e menor sobreposição entre os valores para machos e fêmeas. A maior parte das fêmeas apresentou asas inferiores a 97,0mm, com exceção de um indivíduo, categorizado na classe mais comum dos machos (Fig. 1).


Assim como nas medidas de asa, houve tendência significativa dos machos possuírem caudas maiores que as fêmeas, apesar da maior sobreposição de categorias, notável entre 89,0 e 94,9 mm (Fig. 2).

Houve correlação positiva altamente significativa entre as medidas de asa e cauda (rs = 0,86, p < 0,0001) fornecendo graficamente um resultado que ilustra claramente o dimorfismo, com exceção de uma fêmea, cujas medidas estão inseridas no padrão dos machos (Fig. 3).


DISCUSSÃO

Apesar da limitação de tamanho da amostra, foi possível comprovar a presença de diferença estatística significativa do comprimento da asa e da cauda entre os sexos, maior nos machos do que nas fêmeas.

A medida da asa representou o parâmetro com maior diferença entre os sexos. Oitenta e dois por cento das fêmeas puderam ser diferenciadas pela medida da asa, inferior a 97,0mm. Porém, apenas 31% dos machos amostrados puderam ser distinguidos seguramente deste mesmo modo. Isso ocorreu em decorrência da elevada medida de asa de uma única fêmea, superior ou semelhante aos valores encontrados para 69% dos machos. A certificação do sexo desse indivíduo foi checada pela recomposição da sexagem molecular e observação de pareamento com um indivíduo macho.

A cauda revelou-se um parâmetro menos eficiente para determinação do sexo dos indivíduos do que a asa, mas também significativamente diferente. Isso parece ocorrer devido ao maior desgaste sofrido pelas retrizes, mascarando seu real tamanho em alguns casos.

A baixa densidade e raridade de H. rectirostris na área de estudo, e provavelmente em toda sua distribuição, limitou o tamanho da amostra obtida, já que praticamente todos os adultos da população do PARNA da Serra do Cipó foram capturados. A princípio, a utilização de espécimes depositados em coleções científicas poderia fornecer uma maior robustez às análises. No entanto, na prática a utilização dessas informações se mostrou inviável por uma série de razões. Muitos exemplares não possuem especificações das medidas no momento da coleta, informações irrecuperáveis, como o peso. A técnica de taxidermização altera os valores de algumas medidas corporais, como comprimento total, cauda, tarso e occiput, impedindo comparações com os dados obtidos em campo. Além disso, a utilização de informações de indivíduos de diversas localidades poderia mascarar a diferença entre os sexos em virtude de variações morfométricas regionais entre as populações.

Poucas pesquisas revelaram a presença de dimorfismo sexual de tamanho na família Furnariidae. WINKER et al. (1994) encontraram diferença no tamanho da asa e cauda em X. minutus e A. ochrolaemus sem, contudo, sugerir explicações para as diferenças encontradas.

As diferenças morfométricas entre os sexos podem surgir em decorrência dos processos evolutivos de competição intra-específica (KILHAN 1970, WINKLER & LEISLER 1985, WEBSTER 1997) e seleção sexual (BLANCKENHORN 2005).

A competição entre parceiros pode ser suavizada a partir de diferentes formas de exploração do habitat executadas por cada sexo (BROWN & AMADON 1968, WINKLER & LEISLER 1985). Diferenças de tamanho do cúlmen entre machos e fêmeas permitem a exploração de recursos alimentares em locais diferentes, evitando a competição intraespecífica, como comprovado para o pica-pau Picoides pubescens (Linnaeus, 1766) (Picidae) (KILHAN 1970). No caso do japu Psarocolius montezuma (Lesson, 1830) (Emberezidae), as diferenças no comportamento de forrageamento entre machos e fêmeas estão relacionadas ao dimorfismo sexual do tamanho da asa e massa corporal (WEBSTER 1997). O tamanho corporal também representa um parâmetro chave para suavizar a competição por presas entre os parceiros de Falconiformes durante a estação reprodutiva (BROWN & AMADON 1968).

Por ser um especialista de folhas secas no solo, diferenças no tamanho do corpo, cúlmen, occiput ou tarso poderiam indicar itens alimentares ou estratégias de caça distintas entre os sexos de H. rectirostris. No entanto, a semelhança entre machos e fêmeas nestes parâmetros sugere não haver diferença substancial entre o tamanho, o tipo de presa ou a técnica de forrageamento utilizada por cada sexo.

Quanto à seleção sexual, o maior tamanho dos machos pode sugerir uma pressão evolutiva estimulada pela competição para aquisição de parceiras (BLANCKENHORN 2005). No entanto, a competição por posse de fêmeas em H. rectirostris parece não ter estimulado evolutivamente o aumento corporal dos machos, já que estes possuem peso e comprimento do corpo semelhantes aos das fêmeas. Ao invés disso, a força seletiva a favor da conquista de fêmeas parece ter favorecido os machos com maior habilidade de deslocamento, ou seja, aqueles com as maiores dimensões de asa e cauda.

O incremento do tamanho da asa gera um acréscimo da área de sustentação de vôo, que sob influência de uma mesma carga, possibilita o deslocamento com menor gasto energético (RAYNER 1988, POUGH 1999). Logo, para aves com pesos semelhantes, isto é, machos e fêmeas de H. rectirostris, aquelas com maior superfície de asa, no caso, os machos, necessitam de menor força para sustentar o vôo. No caso do comprimento da cauda, aquelas mais compridas favorecem a capacidade de manobra (NORBERG 1990, MORENO & MOLLER 1996, EVANS et al. 2001), tão necessária para desviar dos inúmeros obstáculos de ambientes florestais como as matas ciliares, habitat exclusivo de H. rectirostris.

A relação positiva e significativa entre o comprimento da asa e da cauda indica que o acréscimo de uma estrutura é acompanhado pelo aumento proporcional da outra estrutura sem, no entanto, requerer dependência entre elas (FOWLER & COHEN 1995). Seria possível supor que uma mesma força seletiva atuasse concomitantemente nessas duas estruturas, ambas relacionadas ao deslocamento em vôo dessas aves.

A necessidade de defender um território parece ter favorecido os machos de H. rectirostris com asas e caudas maiores no decorrer do processo evolutivo. Extremamente sedentário, H. rectirostris defende um território ao longo de todo ano (L.F. observação pessoal), a semelhança de outros furnarídeos já estudados como P. rufifrons (RODRIGUES & CARRARA 2004) e Furnarius rufus (Gmelin, 1788) (FRAGA 1980). Apesar da participação da fêmea em algumas ocasiões, geralmente quando acompanhada de seu parceiro, a defesa do território é tarefa realizada na maioria das vezes pelos machos. Além disso, machos ocupam e defendem territórios mesmo na ausência de fêmeas, aproximando-se rapidamente quando realizadas reproduções de seu canto territorialista. Cinco machos solitários defenderam territórios durante o estudo (L.F. observação pessoal), reforçando ainda mais a importância da capacidade de vôo para o sucesso desta tarefa. É provável, que as fêmeas escolham os machos com os melhores territórios, teoricamente aqueles com maior capacidade de defesa territorial, ou seja, com maiores comprimento de asa e cauda. A defesa de territórios de qualidade em H. rectirostris parece representar uma condição essencial para conquista de parceiras. Supõe-se que ao longo da evolução, machos com asas e caudas maiores ocuparam os melhores territórios, garantindo a conquista de fêmeas, incrementando seu sucesso reprodutivo e assegurando a transmissão destas características para as gerações seguintes. Estudos comparando o tamanho de asa e cauda com a qualidade de territórios de H. rectirostris devem ser conduzidos para confirmar esta hipótese, assim como em outras espécies da família Furnariidae.

AGRADECIMENTOS

Ao Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular (UFMG), E. Sari, S. Vilaça e F.R. Santos; Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre (UFMG); M. Figueiredo; USFish and Wildlife Service; CAPES (bolsa de mestrado e verba PROF concedidas à L. Faria); CNPq (processo 473428/2004-0); Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; funcionários do IBAMA do PARNA da Serra do Cipó; Centro de Pesquisa para Conservação das Aves Silvestres (CEMAVE-IBAMA) e à Coordenação Geral de Ecossistemas (CGECO/IBAMA – processo 004412/05-57) pela licença para coleta de sangue.

Recebido em 20.IV.2006; aceito em 07.III.2007.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007

Histórico

  • Aceito
    07 Mar 2007
  • Recebido
    20 Abr 2006
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