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Granulomatose broncocêntrica idiopática em jovem não asmática

Resumos

Granulomatose broncocêntrica é um achado histopatológico descritivo, caracterizado pela inflamação granulomatosa necrosante, centrada em brônquios e bronquíolos, e que ocorre associada a doenças infecciosas, imunológicas e neoplásicas, ou de forma idiopática. Este trabalho relata o caso de uma jovem não asmática de 26 anos com dor torácica, febre e tosse produtiva havia um mês, que apresentou consolidação e cavitação em segmento lingular, observadas na radiografia e na tomografia computadorizada de tórax. Punção aspirativa transbrônquica evidenciou lesão inflamatória inespecífica, sem etiologia identificada. O exame histológico de material obtido por biópsia pulmonar a céu aberto foi compatível com granulomatose broncocêntrica idiopática. Após tratamento com prednisona, houve melhora clínica, sem recidivas.

Granulomatose broncocêntrica; Brônquios; Aspergilose broncopulmonar alérgica; Prednisona


Bronchocentric granulomatosis is histopathologically defined as being characterized by necrotizing granulomatous inflammation centered in the bronchi or bronchioles, which can be idiopathic or associated with infectious, immunologic or neoplastic diseases. This paper reports the case of a 26 year old nonasthmatic young woman with a 1-month history of chest pain, fever and productive cough. Chest radiography and computerized tomography were performed, and an open-lung biopsy was submitted to histological analysis. Radiographs and tomographs revealed consolidation and cavitation in the lingula. Transbronchial needle aspiration showed nonspecific inflammatory lesions, and no etiologic agent was identified. Histological examination of the specimen obtained by open-lung biopsy was consistent with idiopathic bronchocentric granulomatosis. The patient responded positively to prednisone therapy, and no relapse was documented.

Bronchocentric granulomatosis; Bronchi; Allergic bronchopulmonary aspergillosis; Prednisone


RELATO DE CASO

Granulomatose broncocêntrica idiopática em jovem não asmática* Endereço para correspondência José Wellington Alves dos Santos Rua Venâncio Aires, 2.020/403 97010-004 – Santa Maria, RS, Brasil Tel.: (55) 225-3018; fax: (55) 220-8005 e-mail: well@vant.com.br

José Wellington Alves dos SantosI (te sbpt); Carlos Renato MelloII; Gustavo Trindade MichelIII; Claudius Wladimir Cornelius de FigueiredoIV; Jader MilethoV; Alessandro ZordanV

IDoutor em Pneumologia e Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia. Título de especialista pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

IIProfessor Titular do Serviço de Patologia

IIIMédico Pneumologista e Professor da Disciplina de Pneumologia

IVMédico Residente do Serviço de Pneumologia

VAcadêmico do Curso de Medicina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Wellington Alves dos Santos Rua Venâncio Aires, 2.020/403 97010-004 – Santa Maria, RS, Brasil Tel.: (55) 225-3018; fax: (55) 220-8005 e-mail: well@vant.com.br

RESUMO

Granulomatose broncocêntrica é um achado histopatológico descritivo, caracterizado pela inflamação granulomatosa necrosante, centrada em brônquios e bronquíolos, e que ocorre associada a doenças infecciosas, imunológicas e neoplásicas, ou de forma idiopática. Este trabalho relata o caso de uma jovem não asmática de 26 anos com dor torácica, febre e tosse produtiva havia um mês, que apresentou consolidação e cavitação em segmento lingular, observadas na radiografia e na tomografia computadorizada de tórax. Punção aspirativa transbrônquica evidenciou lesão inflamatória inespecífica, sem etiologia identificada. O exame histológico de material obtido por biópsia pulmonar a céu aberto foi compatível com granulomatose broncocêntrica idiopática. Após tratamento com prednisona, houve melhora clínica, sem recidivas.

Descritores: Granulomatose broncocêntrica. Brônquios. Aspergilose broncopulmonar alérgica. Prednisona/uso terapêutico.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

ABPA – Aspergilose broncopulmonar alérgica

BAAR – Bacilo álcool-ácido resistente

GB – Granulomatose broncocêntrica

HE – Hematoxilina-eosina

HIV – Vírus da imunodeficiência humana

LBA – Lavado broncoalveolar

PCR – Reação em cadeia da polimerase

TC – Tomografia computadorizada

Introdução

A granulomatose broncocêntrica (GB) é um achado histopatológico descritivo, caracterizado pela reação granulomatosa necrosante centrada em brônquios e bronquíolos.(1,2) Descrita por Liebow em 1973,(1) foi inicialmente relacionada a pacientes asmáticos, associada à aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) e a pacientes não asmáticos, sem nenhum agente etiológico identificado.(3)

A GB pode apresentar achados clínicos, radiológicos e laboratoriais semelhantes a processos infecciosos, imunológicos ou neoplásicos, associados a lesões broncocêntricas (como em ABPA,(4) tuberculose,(5) equinococose,(6,7) carcinoma broncogênico,(8) glomerulonefrite,(9) histoplasmose,(10) granulomatose de Wegener,(10) artrite reumatóide,(10) entre outras patologias).(8,11,12) Por outro lado, a forma idiopática(2,3) não está relacionada a nenhuma etiologia conhecida e o achado histológico isolado, obtido, usualmente, por biópsia pulmonar a céu aberto, confirma o diagnóstico de GB, somente, após exclusão minuciosa das causas de granulomas broncocêntricos.(2,9,13,14)

Relatamos o caso de uma paciente não asmática com lesão cavitária em lobo inferior direito, em que nenhuma etiologia foi identificada.

Relato do caso

Mulher de 26 anos, não tabagista, natural e procedente de Santa Maria (RS), encontrava-se havia um mês com dor torácica ventilatório-dependente em hemitórax esquerdo, febre, calafrios, sudorese noturna, anorexia e emagrecimento. Após 15 dias de persistência do quadro, iniciaram-se tosse e expectoração purulenta. A paciente negava história prévia de asma, infecções respiratórias recorrentes, uso de medicações ou viagem recente. Ao exame físico, sua condição geral era boa. Estava afebril, eupnéica e normotensa, com estertores crepitantes em metade inferior de hemitórax esquerdo. A radiografia e a tomografia computadorizada (TC) de tórax evidenciaram a presença de consolidação e lesão escavada em segmento lingular. O hemograma apresentava leucocitose (12.170leucócitos/mm3), com 12% de bastonetes e 2% de eosinófilos. O exame bacterioscópico, o micológico do escarro, e a pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), além dos exames de cultura, não demonstraram qualquer organismo patogênico. O exame parasitológico de fezes para ovos e larvas foi negativo e a sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi não reagente. Os níveis de imunoglobulina E (IgE) foram superiores a 8.000UI/ml, enquanto que os testes de imunodifusão dupla para Aspergillus fumigatus, A. niger, A. flavus, Histoplasma capsulatum e Paracoccidioides brasiliensis foram negativos. O teste de função pulmonar revelou moderado distúrbio ventilatório restritivo.

A broncoscopia revelou árvore brônquica normal e os materiais obtidos por meio de lavado broncoalveolar (LBA) e escovado brônquico não evidenciaram BAAR, bactérias gram-positivas ou gram-negativas, elementos fúngicos ou células neoplásicas. A punção aspirativa transbrônquica mostrou lesão inflamatória inespecífica. A punção aspirativa pulmonar percutânea revelou ausência de exsudato purulento, granulomas e/ou necrose caseosa. A reação em cadeia da polimerase (PCR) com material de LBA foi negativa para Mycobacterium tuberculosis. Após 20 dias em uso de amoxicilina com ácido clavulânico, a paciente permanecia febril e sem alterações radiológicas. Foi realizada biópsia pulmonar a céu aberto e o material obtido, corado com Verhoeff, mostrou paredes bronquiolares completamente substituídas por inflamação granulomatosa necrosante, com presença de histiócitos, linfócitos, macrófagos e polimorfonucleares circundando a área de necrose bronquiolar. A artéria pulmonar adjacente ao bronquíolo lesado não apresentava reação inflamatória ou necrose tecidual no material corado com Verhoeff, o que serviu para excluir vasculite e definir o diagnóstico de granulomatose broncocêntrica. As colorações com prata-metenamina de Gomori, Gram Brown-Brenn e Ziehl-Neelsen não identificaram elementos fúngicos, bactérias ou micobactérias.

Foi administrada prednisona, 40mg dose/dia, obtendo-se boa resposta clínica com descontinuação da febre logo nos primeiros dias. A radiografia de controle depois de o corticosteróide ter sido iniciado demonstrou regressão de consolidação em segmento lingular. Realizou-se o tratamento por seis meses, sem recidiva da doença em dois anos de seguimento.

Discussão

A granulomatose broncocêntrica, um achado histopatológico descritivo, consiste em uma reação granulomatosa necrosante localizada, centralmente, em brônquios e bronquíolos,(1-3) com manifestações clínicas e radiológicas variáveis.(9,15) Enquanto febre, tosse e dor torácica são os sinais clínicos mais comumente associados ao achado,(3,13,15) consolidação lobar com atelectasia e massa solitária representam as principais lesões encontradas na TC,(10) além de nódulos, opacidades lineares, infiltrados difusos e, eventualmente, cavitação pulmonar.(1-4,15) Como o caso relatado apresentava manifestações clínico-radiológicas de massa cavitária em subsegmento anterior do segmento lingular, associada a febre, tosse e expectoração purulenta, o diagnóstico diferencial foi feito com várias doenças, entre elas, tuberculose, neoplasias, vasculites e micoses. Além disso, a paciente era não asmática, não tabagista e não tinha soropositividade para Aspergillus, o que ocorre em cerca de dois terços dos casos relatados,(8) freqüentemente em indivíduos a partir dos 30 anos de idade,(9) nos quais não se consegue determinar uma causa.(1-3)

Como os níveis elevados de IgE sérica não são específicos, a suspeita de ABPA, principal diagnóstico diferencial com GB, foi excluída a partir de critérios clínicos, radiológicos e laboratoriais,(4,16,17) além da falta de achados anatomopatológicos compatíveis.

A biópsia pulmonar a céu aberto tem demonstrado ser o método preferencial para obter materiais apropriados ao diagnóstico de GB,(7,9,13,14) já que, na literatura, os estudos iniciais de amostras obtidas por broncoscopia, com colorações específicas, como hematoxicilina-eosina (HE), Verhoeff, Gram Brown-Brenn, Ziehl-Neelsen e prata-metenamina de Gomori, e com meios de culturas adequados, como Löwenstein-Jensen e Sabouraud, têm falhado na identificação de agentes etiológicos associados à GB.(6,9,18) No presente caso, devido à inespecificidade da reação inflamatória encontrada no material de punção aspirativa transbrônquica, foi realizada a biópsia pulmonar a céu aberto, que confirmou o diagnóstico de GB.

O tratamento com corticosteróides tem apresentado bons resultados nas formas idiopáticas ou associadas à ABPA,(1-3,12,13) enquanto que nos casos de GB acompanhados de tuberculose, equinococose, carcinoma broncogênico, entre outras patologias, são utilizadas as alternativas terapêuticas para a causa associada.(5,7,10) Neste caso, o uso de prednisona teve boa resposta clínica e radiológica, sem evidências de recidiva da doença.

Conclui-se que GB idiopática é um diagnóstico histopatológico de exclusão, obtido, geralmente, por biópsia pulmonar a céu aberto, depois que todas as causas conhecidas de granulomas broncocêntricos forem afastadas.(2,9,13,14)

Recebido para publicação em 31/3/03. Aprovado, após revisão, em 15/6/03.

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  • Endereço para correspondência
    José Wellington Alves dos Santos
    Rua Venâncio Aires, 2.020/403
    97010-004 – Santa Maria, RS, Brasil
    Tel.: (55) 225-3018; fax: (55) 220-8005
    e-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Jun 2003
    • Recebido
      31 Mar 2003
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